#69 Joana Rato - Mente, Cérebro e Educação

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José Maria Pimentel
Olá, o meu nome é José Maria Pimentel e este é o 45°. Neste episódio eu conversei com Joana Rato, psicóloga, doutorada em Ciências da Saúde e atualmente a fazer investigação na Universidade católica com o projeto Mente, Cérebro e Educação. A Joana publicou recentemente, juntamente com Alexandre Castro Callas, o livro Quando o Cérebro do Seu Filho Vai à Escola. Neste livro, os autores explicam o que a ciência se sabe hoje, sob o modo como o nosso cérebro aprende e o que isso implica para a maneira como devemos ensinar nas escolas. É um livro com muita informação que nos ensina o que não sabemos, mas também enquadra alguns mitos e clarifica algumas simplificações nesta área. Ao longo da conversa fomos percorrendo e discutindo vários aspectos referidos no livro, Desde os melhores métodos para memorizar, que não são nada óbvios, à importância do sono para a memória e até mesmo ao papel da escola em ensinar-nos a pensar criticamente, a discutir ideias e a saber apresentar claramente o nosso ponto de vista, tudo características fundamentais para criar uma sociedade mais aberta e mais dinâmica. Antes de passarmos à conversa, queria aproveitar para vos dar uma notícia importante para aqueles que, como eu, são fãs de podcasts. Vai realizar-se no próximo dia 9 de novembro, um sábado, o Podge, o primeiro festival de podcasts a acontecer em Portugal. O festival vai ocorrer em vários locais do Chiado, em Lisboa, e vai ter um cartaz muito interessante. É claro que este é um programa menos execuível para ouvir nas outras cidades, mas recomendo altamente para quem gostar de ouvir podcast e se interessar pelo fenómeno. De qualquer forma, para já, e se puderem, passem pelo site pods.pt barra Recomendar e no meio, 45° para os prémios do festival. Se acharem que merece, claro. Já agora, no formulário, onde vos pedem as categorias, podem selecionar as categorias Entrevista, Sociedade e ainda Ciência e Tecnologia ou outras ainda que achem mais adequadas. E onde vos é pedido que indiquem onde se pode encontrar o podcast, basta por um qualquer link de um local da internet onde haja uma referência ao 45°. Ah, e claro, não deixem de nomear também outros podcasts que costumam ouvir e de que gostem, nestas coisas quanto mais participações houver e mais nomeações existirem, melhor. Mas para já, fiquem com a Joana Rato e esta conversa sobre mente, cérebro e educação. Joana, bem-vinda ao podcast. Vamos, explica-nos lá então esta área da mente, cérebro e educação e o papel das neurociências e da psicologia associada à educação.
Joana Rato
Antes de mais, obrigada pelo convite. Esta área da mente, cérebro e educação, eu acho que é um bocadinho para tentar resolver aquilo que não se consegue fazer em termos de uma ligação direta entre as neurociências e a educação. É
José Maria Pimentel
o passo intermédio.
Joana Rato
É, é, porque se nós pensarmos bem daquilo que tem sido a investigação científica, é na psicologia cognitiva que nós vamos buscar grande parte de uma informação útil para a prática de sala de aula. Até então, temos aqui alguns estudos importantes na parte das neurociências, mas não podemos esquecer que aquilo que tem sido feito nas neurociências e genotesiologias utilizadas acabam por ser de tal forma importantes em termos daquilo que é o controle que tem que ser feito, a investigação em laboratório, etc., que não vai conseguir responder àquilo que é uma complexidade que está associada a um contexto escolar. Conseguimos perceber algumas coisas, por exemplo, ao nível da percepção, dos processos de memória, da atenção, mas depois temos que ver aqui uma série de variáveis que têm que ser estudadas sobre um ponto de vista mais da mente, não é? Da psicologia e é aí que nós conseguimos retirar e explicar melhor alguns fenómenos. Por exemplo, a questão até da própria verabilidade individual das crianças no nível de desenvolvimento. É, por exemplo, na psicologia cognitiva que nós temos estudos importantes. Estou-me a lembrar, por exemplo, da Susan Gathercall, que foi das principais a estudar os processos de memória, em que ela foi estudar durante três anos, começou a fazer a aplicação de uma bateria de memória de trabalho em crianças dos seis a sete anos e depois aplicou outra vez aos oito a nove anos. Estamos a falar de 1.800 crianças, não é? Isto também é daquelas coisas que é sempre importante quando falamos em ciência, é porque nós podemos considerar vários estudos, mas é tão importante olharmos para a amostra desses estudos, porque é muito diferente de nós vermos um estudo de 30 crianças e depois vermos um de 1800 crianças, não é? E isto depois é muito importante porque já estamos numa altura em que já aparece muitos artigos, muitas publicações e quem está fora da área depois não consegue perceber se aquilo é um bom ou um mau estudo. Mas, pronto, voltando a esse. O que foi interessante e o que ela viu é que as crianças que, por exemplo, aos seis anos identificaram, estamos a falar em desenvolvimento típico, ok? Sem qualquer tipo de problema. Sim. Identificaram uma baixa memória de trabalho aos oito, nove anos e isso não se verificou. Ou seja, o que eles discutem no artigo, que é muito interessante, é que há, de acordo com aquilo que é também o próprio desenvolvimento da criança, uma espécie de uma resolução natural em que muitas vezes não é preciso fazer nada, é deixar a criança, não é? Continuar o seu percurso e isto vem chamar um bocadinho a atenção de que, muitas vezes, no ensino está-se muito focado na avaliação e avalia-se, avalia-se mesmo, e passado duas semanas avalia-se outra vez e fica-se muito preocupado às vezes quando se encontra algum indicador E o que se tem que fazer numa leitura é que muitas vezes as crianças precisam de maior tempo para chegar a um tomado. Crescem em velocidade diferente. Crescem em velocidade diferente. É um bocadinho pensar nesta ideia da autoestrada, que há alguns a que carregam-se rapidamente no acelerador e há outros que abrandam, mas isso não quer dizer que passado um tempo não cheguem todos mais ou menos na meta, não é? E aí eu acho que tem informações importantes neste tipo de estudos, não é? Que são mais ligados à psicologia cognitiva. Desde a neurociências começamos a ter alguns, mas Eu acho que aqui é um passo muito grande e então é um bocadinho esta área, é um bocadinho também para tentar fazer aqui uma espécie de um diálogo de saber que é importante que seja feito. Não quero dizer que cada um não continue o seu caminho, digamos assim, a nível de investigação, mas temos que procurar cada vez mais este trabalho de pensarmos e fazermos uma leitura mais multidisciplinar para percebemos então aqui algumas destas variáveis, não é?
Joana Rato
Destas variabilidade individual que pode ocorrer. Isso que tu falaste anterior,
José Maria Pimentel
eu não estava a falar desse ponto, mas é interessante porque eu apanhei alguns artigos sobre isso, que é no fundo, não sei quão consensual é esta visão, mas há quem diga que as conclusões das neurociências são pouco aplicáveis diretamente à educação, por causa daquilo que tu aludias no início. Depois, as variáveis são tantas no ambiente de escola e, por outro lado, a mente e o cérebro não são exatamente a mesma coisa, não é? Portanto, tu andares a estudar sinapses, não te dá necessariamente...
Joana Rato
O resultado comportamental, não
José Maria Pimentel
é? O resultado comportamental e coisas que tu possas aplicar na escola e, portanto, tu precisas que a psicologia faça um bocadinho o estudo da mente, obviamente informada pelas conclusões das neurociências, mas já muito mais próximo daquilo que efetivamente ocorre na sala de aula, não é que tu podes estar a fazer ressonâncias magnéticas ao cérebro e não estar necessariamente a dar nada que depois seja aplicável na sala de aula. Não quer dizer que seja
Joana Rato
inútil, mas dá-te informação pouco acionável, no fundo. Sim, sim. E eu acho que é preciso ter muito
Joana Rato
cuidado nestas leituras que se fazem também dos estudos ligados às neurociências. Uma coisa é, por exemplo, fazer ressonâncias magnéticas e tudo bem, tens aí uma leitura da atividade cerebral. Outra coisa é, por exemplo, também estares a estudar animais, não é? Nessa área também
José Maria Pimentel
é assim o que eu faço. Exatamente, falavam disso também, exatamente. E Estás a extrapolar conclusões que tiraste em relação a ratinhos, não
Joana Rato
é? E pronto, e aí é sempre importante olharmos para isso, mas pegar nessa informação e depois diretamente utilizá-la numa metodologia na prática de sala de aula é um passo.
José Maria Pimentel
Até porque a prática mostra, e isso terá que ver provavelmente com alguma preguiça da parte de quem está ligado ao ensino, mas também negavelmente com limitações a aplicar na prática esse tipo de conclusões, o que se vê nas escolas muitas vezes é que, numa altura em que a ciência produzir uma série de áreas, parece que muitas escolas não estão necessariamente a utilizar métodos baseados na ciência para o ensino, ou seja, há uma espécie de, não digo rejeição, mas a ideia que me dá é que vivem mais da tradição do que propriamente de uma atualização de acordo com conclusões mais recentes. E isto terá a ver com algum conformismo, mas também com a dificuldade em…
Joana Rato
Eu acho que não é só conformismo, porque claro que sim, e se nós formos ver também aquilo que tem sido a vida dos professores, é difícil não eles também arranjarem
Joana Rato
tempo para poderem fazer a investigação. Eu não estou a falar dos professores especificamente,
José Maria Pimentel
desculpem interromper, estou a falar da escola no geral, não decides necessariamente o que fazes na tua
Joana Rato
sala de aula. Pronto, mas eu acho que depois também o que falha, se calhar, aqui é ir às boas fontes de informação e o conseguir perceber aquilo que podem ser revistas científicas que possam de facto dar uma informação útil, porque se calhar se forem ver em um artigo, se calhar a leitura que conseguem fazer é difícil. Até eu que estou mais a nível da investigação, muitas vezes tenho que ler um artigo duas ou três vezes para mesmo a própria linguagem técnica conseguir entender. Por isso, depois é fácil conseguir fazer uma série de instruções quando não se está a ler algo que seja da sua área. Agora, parece-me também, por exemplo, nesta construção da ponte, eu acho que a falha não pode ser só de um lado, tem que haver do outro. E eu acho que também da parte dos cientistas também houve aqui um bocadinho um virado de costas, não é, daquilo que iam fazendo, produzindo ciência, descurando um bocadinho aquilo que também é a realidade e eu acho que isto é que deve começar a acontecer. Deve começar, então, a se fazer desenhos de projetos muito mais ligados àquilo que possa dar resposta às escolas, para precisamente poder esta comunicação de ciência chegar com maior facilidade e começar a ver a aplicação dela, porque mesmo agora fala-se daqui algumas informações que podem ser úteis para a escola, mas eu não digo que vão já amanhã aplicar, porque eu acho que primeiro tem que se estudar. Por exemplo, a questão do sono. Agora já se percebeu, e com estudos feitos com adolescentes, que devido a uma alteração que existe no ciclo circadiano, que eles naturalmente de manhã não conseguem estar aptos para aprender, digamos assim, de uma forma mais simples. Por isso, colocar em um teste às 8 da manhã para um adolescente é um sofrimento. Se assim é, se calhar estas questões devem ser pensadas. Agora, uma questão é pensar, por exemplo, no horário de um teste, outra coisa é alterar o início da escola, que já foi feito em Inglaterra. Só que isto tem aqui uma série de complicações, discúte-se imenso, aliás houve uma discussão que fiz recentemente com professores, que também foi muito interessante percebemos do ponto de vista deles e eu acho que é isso que pode dar a solução para poder aproximar os vários campos, é haver diálogo direto entre os vários profissionais.
José Maria Pimentel
Até para, por exemplo, fazer testes, por exemplo. É para
Joana Rato
fazer e tenho aprendido imenso sobre aquilo que também é quem está a trabalhar diariamente com as crianças e sabendo da realidade das escolas. Mas, pronto, estava-te a dizer isto do sono, que é algo que tem que se pensar, não é uma coisa que pode funcionar na Inglaterra, não quero necessariamente dizer que pode funcionar cá. E isso é logo uma das coisas. Primeiro tem que se Estudar e perceber. Será que eu ia
Joana Rato
perguntar isso? Isso tem sido estudado? Estudado?
José Maria Pimentel
Isto é, têm sido feitos testes?
Joana Rato
Cá em Portugal, eu julgo que começa a haver alguns projetos em curso. Nada ainda foi publicado, pelo menos ainda não vi nada publicado. Mas, desconfio que já começam a haver aí projetos em curso. Um deles nós até também tentámos fazer, que foi só ver os níveis de atenção, por exemplo, aplicámos um teste de atenção a adolescentes logo às 8 da manhã e às 10 da manhã, pronto, E aí percebemos, mas este estudo ainda não está publicado e eu digo-te que temos que aumentar a amostra, ainda é insuficiente, não te posso dizer se de facto isso acontece. Mas, e agora em termos práticos, não é? Porque uma coisa para nós pode ser um interesse daquilo que seja um estudo científico, Outra coisa é aquilo que é a realidade e como se pode, de facto, fazer esta alteração, por exemplo, no início do horário escolar. E é engraçado que os professores levantaram uma questão que eu achei logo interessante, que é algo que nós temos que pensar logo. Nós podemos até alterar o horário escolar, mas as crianças acordarem na mesma hora porque os pais têm que ir trabalhar e vão pô-los na mesma, se calhar lá às 8 da manhã, mesmo que elas só tenham aulas às 10. E então, como é que se resolve isto? É engraçado que depois nesta discussão colocou-se logo uma hipótese de estudo, obviamente, que era, pronto, ok, então, nesse grupo que inevitavelmente, então, os pais vão lá colocá-los na mesma, independentemente de só começarem às 10 as aulas, criar a própria escola condições para esses que chegavam às 8 poderem descansar durante aquelas duas horas antes de começar efetivamente as aulas.
José Maria Pimentel
Estava a pensar nisso.
Joana Rato
E então poder fazer aí uma medição, quer a níveis de atenção ou depois ao nível de desempenho de memória, nesses que a própria escola até oferecia a hipótese de descansar, mesmo que tivessem. Mas, pronto, isto são ideias que vão surgindo.
José Maria Pimentel
Não surgiu explorar isso.
Joana Rato
Mas isto é para te dar o exemplo de isto já é investigação entrar na escola, sendo que aqui obviamente fazia-se uma série de limitações. Mesmo quando estás a estudar estas questões, tens que, por exemplo, neste caso sobre o sono, tens que garantir que aquele grupo de jovens têm uma boa higiene de sono durante a noite e aí retirando aquelas coisas que já se sabe, toda a gente fala, não é, que os miúdos têm os telemóveis na mesa de cabeça, com as notificações constantemente e isso obviamente iria inviabilizar qualquer estudo que se faça ao nível do sono. Por isso, também tinhas que controlar estas questões, pois é difícil.
José Maria Pimentel
E tens de controlar uma série de variáveis.
Joana Rato
É muito difícil e tens que criar compromissos, não é? Não só com os professores, mas também com os próprios pais, com os próprios miúdos, por isso é difícil muitas vezes de executar bem este tipo de estudos, porque tens aqui uma série de coisas que
José Maria Pimentel
tens que controlar. Existe pelo menos uma diferença entre a altura em que o sono corre e teres um período de sono mais tardio, pode estar mais em linha com o ritmo circadiano e a quantidade de horas de sono, era aquilo que tu dizias, para estar a corrigir o primeiro pode estar a piorar o segundo e aí não adianta de nada. Agora, esta área é engraçada porque, quer dizer, é engraçada e é ultra impactante porque tu, na prática, tu estás a lidar com, do ponto de vista social, das instituições mais importantes, que é o ensino ou a educação que lhe queremos chamar, importantes em vários sentidos, mas também no sentido do capital humano que existe nessa sociedade. A escola tem um papel fundamental na formação de pessoas e equipá-las da melhor maneira para a vida delas e o que este tipo de investigação permite, nem é bem concluir, no fundo permite ir fazendo um ajustamento da navegação ou dando instruções para ajustar a navegação, muitas vezes de formas que não custam nada. Muitas vezes, não quer dizer que na prática não tenha, às vezes na prática tem um bocadinho mais, mas lá está. Ou aos alunos começarem mais tarde ou adotar métodos de ensino ligeiramente diferentes, que sejam mais eficazes no ensino aos alunos. E ainda por cima tem a prazo é bom para todos os intervenientes, não é? Porque se tu tiveres uma escola melhor, tu trazes os professores mais motivados e os alunos mais motivados a aprenderem melhor.
Joana Rato
Sim, sim. E essa é uma das coisas que também que não te conto agora, que o trabalho que tenho feito com as escolas diretamente, porque este trabalho que eu tenho feito de pós-doutoramento vem mesmo tentar trabalhar dentro das escolas com os professores. Nós até fizemos aqui há três anos uma pós-graduação mesmo, mesmo em Mente de Cérebro e Educação, um bocadinho para atrair os professores para eu poder ver se conseguia agarrar alguns professores para trabalhar com eles. Alguns agarrei de início, outros foram fugindo, mas pronto, isto foi permitindo depois ir conhecendo as escolas e tentando aqui fazer alguma coisa, mas é difícil porque seguem muito uma determinada rotina, muito agarrados àquilo que é o currículo, que depois este tipo de investigações implica uma mudança aqui de horas disponíveis para aquilo que já estava até programado de acordo com o projeto educativo, etc. Por isso isto muitas vezes só funciona com muito boa vontade, com muitas autorizações e consentimentos e só agora é que nós estamos a conseguir arrancar com alguns destes projetos. Por isso, isto tem sido um caminho longo e às vezes apetece um bocadinho desistir, sou sincera. Imagino que sim. Mas, pronto, acho que…
José Maria Pimentel
Mas quais têm sido as maiores dificuldades na prática? A
Joana Rato
grande dificuldade é porque quando nós queremos seguir um método científico aquilo tem que ser um bocadinho rigoroso. Por exemplo, o número de sessões que um programa tem que ter, aquilo depois não convém falhar. E depois temos situações em que, por exemplo, já aconteceu um projeto que era muito engraçado de uma professora que trabalhava com um grupo difícil de crianças de seis anos, a escola estava situada num bairro social, e que as crianças tinham, obviamente, uma desmotivação para a escola muito grande. E, depois, como é que tu consegues pegar nesta população para ensinar a ler e escrever, com métodos um bocadinho mais rigorosos e que são aborrecidos, não é? Todos nós já passámos por isso e há tarefas que são de facto aborrecidas, mas que nós vamos regulando, não é, para conseguir fazer aquela aprendizagem. E então uma das soluções que na altura depois discutimos era criar o gosto de ler e então essa professora iria todos os dias no início da aula ler uma história para aquelas crianças de seis anos, precisamente, para, dentro daquela história e de imaginarem aquela história, é que depois iriam partir para atividades mais, se calhar, de como é que é o ar, ou seja, tentar criar aqui um entusiasmo, puxar a curiosidade, tentar criar aqui um contexto, não é? Porque isto também é importante para aquilo que também já sabe do próprio cérebro, não é? Nós estamos sempre a tentar criar aqui um contexto, uma história, por ser que facilmente nós seguimos muito bem, se começámos até a perceber a história, seguimos muito bem e queremos saber mais sobre o assunto
José Maria Pimentel
se nos contarem como história. E o nosso cérebro é feito para funcionar através de histórias.
Joana Rato
Pronto, e então, este contar de histórias iria um bocadinho servir como um mecanismo de chamar a curiosidade das crianças e depois a partir daí se calhar ir até a umas tarefas mais chatas que é, por exemplo, até escrever próprio lá e perceber até de forma repetida fazer essa tarefa, não é? Claro que isto depois temos que ter um grupo experimental, um grupo de controlo, um tempo dedicado às histórias, quais as histórias, isto tem de ser tudo definido. O que aconteceu? Essa professora era, por exemplo, a coordenadora do primeiro ciclo, houve uma professora que teve baixa e ela teve que substituir, o projeto caiu. Pronto, a partir desse momento…
José Maria Pimentel
É muito ingrato.
Joana Rato
O que é que nós podemos fazer? Porque depois muitas destas investigações não têm um financiamento, acaba por estar tudo dependente daquilo que até é o interesse do próprio professor, porque queriam ver se aquilo funcionava, se tinha algum efeito. Nós até medíamos depois a fluência verbal ao início. Tínhamos uma série de tarefas que iríamos avaliar como pré-teste e depois pós-teste. E isto iria nos permitir se esta estratégia naquele grupo de crianças, com aquelas características, se fazia a diferença do
José Maria Pimentel
que um outro grupo em
Joana Rato
que tinha o dito método tradicional. Pronto, estas são algumas das situações em que muitas vezes isto estou-te a dar um exemplo de vários que já tive nos últimos anos. Sim,
José Maria Pimentel
exatamente. Eu Imagino que sim. E isso explica um bocadinho porque é tão difícil aplicar isto na prática, não é? Na prática da escola. Não só fazer estudos práticos, como depois até aplicar na prática da escola, porque depois essas mesmas dificuldades também estão presentes quando as escolas tentam aplicar, não é? Que há um mudo ao professor ou há uma limitação qualquer logística que impede aquilo de ser feito. Mas, olha, se calhar uma maneira gira de irmos descascando as conclusões que já existem nesta área é tentar ir uma por uma nas várias áreas que justamente veem abordadas no livro, de maneira simplista é coisas que nós não estamos a fazer convenientemente nas escolas atualmente ou poderíamos fazer melhor. Várias dessas coisas ressoam com as peças que eu já tinha pensado, que eu sempre agradava
Joana Rato
ler e uma
José Maria Pimentel
delas tem a ver com a questão da participação dos alunos nas aulas, ou seja, de não ter um método de ensino em que os alunos têm um papel passivo, mas ter um método em que eles tenham um papel ativo, em que eles sejam intervenientes também. Isto é uma coisa mais ou menos bonita a se dizer, não é? Que acho que fica bem, mas vai para lá disto, ou seja, tu tens evidência que mostra que a tua memorização, por exemplo, funciona comparavelmente melhor quando tens, por exemplo, que te explicar uma determinada matéria, ou outro aluno, por exemplo, fazer uma apresentação face a, por exemplo, aquele velho método de estar a estudar e a sublinhar. Tanto que quando sei, continua a ser um dos métodos mais difundidos de estudar, não é? A pessoa está ali a
Joana Rato
estudar, a sublinhar, a fazer resumos. Exato, a fazer resumos, exatamente.
Joana Rato
E não só, há uma meta-análise muito interessante que foi revista para 600 e tal artigos, é uma meta-análise muito boa, em que faz uma espécie de um ranking das melhores formas de aprender, as melhores metodologias de aprender. E a primeira, salvo erro, não era tanto o explicar, era o autocuestionamento. Exato. E isto é engraçado e se nós percebermos o que é que implica nós próprios colocarmos as questões para podermos responder a elas, implica precisamente nós entrarmos no assunto, porque se temos que formular uma questão e se temos que dar-lhe a resposta, implica mesmo trabalhar melhor o assunto do que simplesmente sublinhar ou ler pensando que se vai fazer apenas um resumo,
Joana Rato
que esta também é a diferença. Exato, exato. Porque
Joana Rato
uma coisa é que nós podemos estar a ler e pensar bem ok, depois no final tenho que colocar aqui algumas questões sobre isto e saber respondê-las. Outra coisa é ler só para depois tirar ali umas ideias e escrever dois ou três tópicos sobre aquilo. E, de acordo com essa meta-análise, esta questão do self-testing, não é? O auto-acostumamento, o ir fazendo perguntas sobre...
José Maria Pimentel
Disse o quê? Desculpa interromper, disse na prática o quê? Eu fico curioso em relação a isso, porque eu não tenho a certeza se estou a entender bem o que isso é. O que é que seria, por exemplo, estar a estudar Psicologia, por exemplo, não é mais longe, de acordo com esse método do autocosteinamento. Estás a estudar sobre um assunto. Mas começas a fazer perguntas auto a ti própria, é essa a ideia?
Joana Rato
Não, colocas, defines mesmo questões, como se estivesse a fazer a ti próprio um teste. E então tens que selecionar que perguntas é que tens que fazer para poder responder
José Maria Pimentel
sobre aquele assunto. Ok, estou a perceber. O trabalho é tu abordares aquela matéria como se a tivesse a converter no exame. Exato. Mas
Joana Rato
atenção porque uma das coisas que depois também é discutido é, alguns, em algumas idades, isto é difícil de acontecer, mas é possível com a orientação do professor. Agora, por exemplo, estou a falar de pensar em jovens universitários. Aí, para melhor conseguires perceber aquele assunto, estás a estudar sobre um determinado assunto e depois sobre aquilo que questões é que deves responder e depois pensar sobre essas questões e depois aí pegares naquilo que...
José Maria Pimentel
Ok, já estou a perceber.
Joana Rato
É pensarmos sempre, que eu acho que isto que não estamos habituados a fazer, é questionarmos, não é? Questionar sobre aquilo. Até por causa
José Maria Pimentel
daquilo que tu falavas há pouco, ao estares a questionar ou ao estar a ter que fazer uma apresentação sobre um determinado tema ou até que dar uma aula sobre esse tema, o truque no fundo é que ao fazeres isso tu estás a ativar um modo cerebral diferente e que tem uma, no fundo é como se tivesse uma ligação mais
Joana Rato
forte à memória. Não digas modo cerebral, te conto muito circuitos. Circuitos, eu
José Maria Pimentel
ia dizer circuitos por acaso, mas até corrigi-me erradamente. Porque
Joana Rato
depois dá sempre a ideia do modo cerebral parece que só uma área é caracterizada. Não, acho que são circuitos. Eu acho que é o que estávamos a falar, não é? Depende um bocadinho daquilo que é o foco, não é? Do que estás a fazer. Quando estás, por exemplo, a dar uma aula em que, entretanto, já trabalhaste aquela informação várias vezes, quando estás a falar sobre o assunto já te vais lembrar de outras coisas do que não te lembrava, se calhar, da primeira vez que trabalhaste o assunto. E isto vem um bocadinho com esta questão também, que as neurociências nos vêm dizer que nós aprendemos muito melhor se tivermos experiência, uma experiência prévia sobre as coisas. E isto vai nos ajudar depois a fazer esta transferência da informação
Joana Rato
e fazer outro tipo de ligações e, lá está, novas aprendizagens. E outro aspecto que também tem um peso grande na aprendizagem, que falas também, é a questão da curiosidade, ou
José Maria Pimentel
seja, tentar acender a curiosidade do aluno. E esse é outro que nós, pelo menos da minha experiência, o podcast é um bom exemplo disso, esse é um dos motivos, ou se calhar o principal motivo pelo qual eu só falo no podcast temas que me interessam e que acendam lá esta curiosidade, é porque quando tu estás a ler ou ouvir ou que seja, ou a falar com alguém sobre um tema em relação ao qual tens curiosidade em saber o que está por trás dele, e se lá está, tem uma série de circuitos que depois te permitem memorizar muito melhor e aprender sobre ele muito melhor e que ele fique muito mais entranhado do que estar a ler sobre uma coisa que não tem graça nenhuma. O que, aliás, é interessante, porque faz... Ao ler sobre isso lembrei-me de uma coisa que já pensava há muitos anos, que é a correlação grande que existe... Eu nunca vi nada académico realmente sobre isto, mas acho que a evidência é tão grande de nós próprios e das pessoas que nós conhecemos, devido que a evidência seja no sentido oposto. A correlação enorme que existe entre apetência e apetidão, ou seja, entre as coisas que nos interessam são normalmente as coisas em que nós somos bons. O que não... Há casos em que isso não acontece. Eu tenho um amigo, dou sempre o exemplo dele, que era um... Muitíssimo boa em matemática. O pai dele até dizia que ele tinha... Depois acho que a história não era bem verdade, mas que ele tinha aprendido a contar com o despertador, com os algarismos do despertador. E ele depois fez o curso de matemática e depois foi para o jornalismo e mandou aquilo às mágicas porque interessava-se muito mais por outras áreas. Portanto, É um caso em que isso não acontece, mas na maior parte dos casos aquilo por que nós nos interessamos é aquilo em que nós somos bons. Porque, no fundo, uma coisa e outra estão ligadas. Se nós nos interessamos, vamos lá está ativar os circuitos cerebrais que permitem aprendermos mais sobre aquilo e, de certa forma, estarmos a olhear a máquina, à falta de melhor analogia, para depois virmos a
Joana Rato
ser melhores em relação àquilo, que é um insight interessante. Eu acho que aí trabalhamos aquilo que é o tal sistema de recompensa.
José Maria Pimentel
Exato, dopamina.
Joana Rato
Se nós queremos saber sobre algo, investimos e depois naturalmente vamos também memorizando melhor aquela informação. Há um estudo muito interessante que também falei no livro que fez precisamente isso, apresentava questões às pessoas e depois, antes de dar a resposta, a perguntava se tinha interesse ou não na resposta sobre aquela questão. E fizeram a correlação entre aquelas que as pessoas indicavam que sim, que queriam saber a resposta, eram também aquelas, ou a maioria dessas respostas, das perguntas que sabiam responder. Por isso, pronto, aí vem mesmo reforçar aquilo que estavam a dizer e que vem um bocadinho nessa questão do circuito da dopamina e que se pensarmos, e agora de uma forma simples, atenção porque isto é muito complexo às vezes de explicar, e eu própria, porque eu sou psicóloga e às vezes é uma psicóloga a tentar estudar o cérebro, não é? Há aqui coisas que eu também não sei muito bem como é que funciona, mas se pensarmos e se olharmos e fizermos esta leitura também daquilo que é a estrutura cerebral e a funcionalidade, se nós pensarmos que, por exemplo, temos ali duas estruturas ligadas ao sistema límbico, não é? Mais ligadas à questão das emoções, mas, por exemplo, a amígdala é muito mais ligada então àquilo que é o sistema das emoções, não é? Aquilo que também desbloqueia quando nós entramos aqui numa espécie de evitamento, não é? Ligado às emoções, mas é engraçado pensarmos que são duas estruturas que estão muito próximas do hipocampo, principal área caracterizada pela questão da memorização. Por isso, este trabalho entre a questão emocional e a construção das memórias, temos ali zonas que estão muito próximas e a trabalhar no mesmo sistema.
José Maria Pimentel
Sim, exatamente. E
Joana Rato
então é curioso depois vermos que é neste funcionamento que muitas vezes, nós quando estamos muito emocionados, quer seja uma emoção muito forte, positiva ou negativa, também é esse o registro que fazemos desse acontecimento, também é muito mais forte do que uma outra
José Maria Pimentel
situação qualquer. Exatamente. O que de resto é fácil de pensarmos, pensámos em memórias longínquas que tínhamos, não é? Normalmente estão associadas a momentos emocionalmente carregados num sentido ou no outro, não é? Pois,
Joana Rato
pronto, e isso que se discute, muito a ver com esse circuito que está muito próximo e que se liga e que faz esta... E
José Maria Pimentel
tem a questão do stress, que é algo que falo também, o stress no fundo ao teres um ambiente de sala de aula que seja tenso, estás no fundo a desativar essas vias de memorização, não é? Não é bem desativá-las, mas estás
Joana Rato
a... Inibe mais, inibe mais aquilo que é um bom processo para aprender, porque tu para aprender gostas de sentir desafiado, mas se tens, se sentes desconfortável e inseguro, vais estar focado num outro tipo de situações, quase que mais em sobreviver. Estou a colocar isto de uma forma um bocadinho mais radical, mas estás mais focado em sobreviver àquela situação do que propriamente estás a aprender o que se está a trabalhar naquele momento. Por isso, esta ideia de aprendizagem deve ser vista para desafiar, estimular e é impedida se for uma coisa que te faça sentir desconfortável. Sim.
José Maria Pimentel
E ainda em relação à questão da curiosidade, isso também funciona no sentido oposto, ou seja, pelo menos, eu não sei qual é a tua experiência, mas outra das razões por que isto ressoa muito com a minha experiência é também porque eu lembro-me bem da experiência contrária, que é quando andava na escola ou na faculdade, ter que, sobretudo na escola, ter que estudar sobre temas que não me interessavam. Era muito difícil.
Joana Rato
Pois aí o que eu acho que falta muitas vezes é porque, assim, nós também não estamos sempre a fazer tudo o que gostamos. E isto é uma mensagem também importante para as escolas, porque Agora também se colocou tanto este ênfase de a escola é tão má e eles estão lá todos em sofrimento que eu também não quero ver as coisas assim. Porque eu acho que há aquilo que equilibrar e contextualizar até junto das crianças porque é que há momentos que de facto podem ser mais aborrecidos. Que Também
José Maria Pimentel
é uma aprendizagem.
Joana Rato
Exatamente, porque também têm que passar por isso. Isto não pode ser tudo, estamos ali a entreter os miúdos e tem que ser tudo muito divertido para eles poderem aprender muito.
José Maria Pimentel
E eu entendi isso em relação ao stress, exatamente, porque lidar com o stress, por exemplo, também é uma aprendizagem para a vida. Também, também.
Joana Rato
Frustração, não é? Frustração é de facto algo que nós temos que passar por ela agora.
José Maria Pimentel
Ou ter que desempenhar sob pressão, por exemplo. Convém que não seja exagerada, e eu concordo que as escolas exageram, mas também não teres isso não estás a equipar, no fundo, os alunos com… Sim,
Joana Rato
questão dos testes, não é? Também É natural que…
José Maria Pimentel
Convém que haja, não é? Exato.
Joana Rato
Agora, como trabalhar às vezes para eles e, de verdade, desmistificar aqui algumas coisas que eu acho que, de facto, torna-se muito pesado para algumas crianças, de acordo com a sua estrutura, de acordo com uma série de fatores, isso sim, mas depois também não vamos retirar tudo só porque a escola tem que ser uma festa e muito divertida e temos que estar todos felizes e contentes, acho que também temos que saber equilibrar. Também não pode ser realmente sempre uma grande seca, como eles dizem, em que não se consegue fazer este tipo de ligações com a realidade, que é um bocadinho aquilo, não é? Se calhar é aborrecido porque não se consegue fazer a ligação com o que é que aquilo poderá ser útil de alguma forma. Se calhar há coisas que não se consegue verificar diretamente a utilidade, mas é bom também poder explicar às crianças, sobretudo as mais novas, que ainda estão a trabalhar muito esta questão da autorregulação, que é isto que nos vai conseguir ajudar a inibir as distrações e a poder direcionar o foco para aquilo que queremos fazer na tarefa em si. E isto é importante, eu acho que esta mensagem de há momentos que de facto se fazem tarefas e atividades que não são tão agradáveis, mas há outros que depois então se calhar é quase que uma negociação que se tem que ir fazendo, em que as crianças também percebem muito facilmente e conseguem se autorregular melhor quando sabem dizer, ok, então agora estamos neste tempo, temos mesmo que fazer isto. Pronto, de facto não é muito agradável, mas tem que ser feito. Mas depois vamos fazer esta atividade que é muito mais interessante e que nós vamos, sei lá, isto depois depende muito daquilo que está a ser
José Maria Pimentel
trabalhado. Claro, É tentar maximizar o jogo, tentar tornar agradável aquilo que pode ser tornado agradável e entusiasmante e depois aquilo que de facto são coisas que dificilmente vão entusiasmar os miúdos ou mais velhos, ou que idade seja, naquele momento aí sim são momentos de... Mas o que eu noto... Acho
Joana Rato
que muitas vezes falha só a pequena explicação de, olha, isto vai acontecer assim, primeiro vamos fazer isto, de facto, isto não vai ser tão, mas preciso da vossa ajuda, um bocadinho assim, não é? Um bocadinho quase que estabelecer aqui este compromisso de temos que fazer isto, mas depois vai haver uma recompensa, porque nós também trabalhamos todos para ter uma
José Maria Pimentel
recompensa. Claro, claro. E há escolas que fazem, já ouvi falar de alguns casos de escolas que conseguem fazer bem isso. No outro dia falava com um amigo que tinha uns filhos numa escola que ele elogiava e que segue mais ou menos um método desse género e ele dizia que a diferença era muito grande face ao que ele se lembrava da experiência dele. Ele lembrava-se de ser um período tenso em que era um sacrifício ir para a escola e ele dizia que os miúdos adoravam aquilo, o que é bom, não é? E Portugal é um caso um bocadinho preocupante nesse sentido, embora nós tenhamos até tido desempenhos melhores ultimamente naqueles ranquinhos do PISA, mas os alunos portugueses aparecem como sendo muito estressados e muito... Ansiosos. Muito ansiosos, exatamente era essa a palavra, o que é preocupante, não é? Sim. Até desse ponto de vista da memorização, não só o facto de estar ansioso é um mal em si mesmo, como tem esse efeito secundário de estar, ele próprio, a ser entropia sobre o processo de aprendizagem. Olá! Gostam do podcast? Se quiserem contribuir para a continuidade deste projeto e juntarem-se assim à comunidade de mecenas do 45° podem apoiá-lo através do Patreon desde 2€ por mês. Visitem o site em www.patreon.com, escreve-se p-a-t-r-e-o-n barra com 45° e vejam os benefícios associados a cada modalidade de contribuição. Desde já obrigado pelo apoio, mas para já voltamos à conversa.
Joana Rato
O que eu me recordo desse relatório, eu li, eu li esse relatório e acho que havia vários pontos aí que se discutia, não é, do porquê que as crianças e os jovens estariam, então, a apresentar maiores níveis de ansiedade. Falava-se também do grande uso e abuso das tecnologias, não é, de estarem sempre muito mais ligados agora aos telemóveis, toda essa dependência, que quase que não te
Joana Rato
permite ter tempo para outras coisas muito mais interessantes, não é? E isso cria um isolamento. Mas os miúdos também, na escola? Estou a dizer isto porque eu às vezes me
José Maria Pimentel
conheço cedo com relação a esse tipo de
Joana Rato
concluir na escola. Já entraste num recreio e não vês os miúdos todos, estou a falar agora dos mais velhos, não é? Os miúdos todos estão no recreio, estão todos, tipo, alguns em grupo, certo, mas estão todos agarrados ao telemóvel.
José Maria Pimentel
Mas de que idade?
Joana Rato
Olha, sei lá...
José Maria Pimentel
Não só para perceber o que
Joana Rato
estás a falar? 15, por aí, tanto. Estão
Joana Rato
agarrados ao telemóvel? Ah, sim.
José Maria Pimentel
É sério? Sério. Não sei, eu acho isso estranho. O que eu quero dizer com isto é, o estimulado pela interação um para um é tão maior do que o estimulado pela interação por telemóvel que isso não é uma coisa que me preocupa muito a prazo, mas se calhar estou a ser miúdo em relação a isso. O problema é pessoas que vivem de certa forma isoladas, ou se podem isolar elas próprias, mas o que por definição o que existe no ensino para ir até ao final do secundário, depois ir até ao final da faculdade, embora isto seja um bocadinho diferente, é que por definição tu estás num ambiente de grupo durante aquele tempo todo, não é? Tu tens aulas todos os dias com as mesmas pessoas num grupo alargado e, aliás, e isso é outra das coisas que no livro falam também, provavelmente não há outra altura na vida em que nós sejamos tão grupais do que naquela altura da pobredade até aos 18, 20 anos. Isso é muito importante. Mas eu acho que há uma poluição tão grande das pessoas por estar numa lógica de grupo que eu acho difícil que isso possa ser contrariado. Mas o que acontece
Joana Rato
agora é que eles podem entrar em grupo, mas não estão exatamente num convívio direto. Muitas vezes até podem estar a comentar coisas de...
José Maria Pimentel
Ou somos nós que estamos a ver as coisas com olhos pré-tecnológicos.
Joana Rato
Se calhar, se calhar confesso-te que não.
José Maria Pimentel
Nós somos bem pré-tecnológicos, mas pronto, apesar de tudo não é a mesma coisa. Tu
Joana Rato
agora podes me dizer, estou na rede social, tu não convivemos com os outros, mas eu digo mesmo numa conversa, em que não seja cortada por irem a ver qualquer coisa ao telemóvel, porque muitas vezes a questão mesmo de não saber lidar com alguns conflitos é porque não há este treino de conversação, muitas vezes, que tem que acontecer
José Maria Pimentel
nestas alturas. Sim, é verdade, isso
Joana Rato
é importante. E isso parece que se está a perder, não estou a dizer que se está a perder, mas dá uma sensação que continuando assim vamos poder perder aqui algumas deste contacto social direto que eu acho que é necessário. Mas agora acho que me desviei, me lembrei disso.
José Maria Pimentel
A culpa foi minha.
Joana Rato
Ah, de grande preocupação sempre com as classificações, não é? E muito da parte daquilo que é o foco do estudo é de ter a boa nota. Também há alguns jovens que estão sempre muito ansiosos com os textos, precisamente por isso, não é? De estarem sempre no alcance da nota para poder ter o percurso académico que
José Maria Pimentel
desejam. Isso é uma coisa, eu acho particularmente interessante isso porque é muito difícil resolver essa equação, porque por um lado tu tens que ter um sistema de ensino objetivo e tens que ter notas, depois por outro lado, o facto de haver exames e haver exames com notas e essa dependência das notas cria uma série de coisas que podem ser contraproducentes, quer dizer, desde logo, lá está o facto de diferentes pessoas terem diferentes evoluções de desenvolvimento, mas há países muito piores do que nós nesse aspecto, por exemplo. Eu lembro sempre do caso da China, porque eu vivi lá e lembro de ver isso, quer dizer, não que eu tenha experenciado, mas vi o que acontecia e hoje têm um sistema ainda mais... Têm um sistema de ensino ultra-competitivo e nós apesar de tudo acho que estamos num ponto diferente. Mas é verdade que esse é um... É difícil quadrar esse círculo, não é? Ou seja, não deixar de ter notas, não deixar de ter exames, mas ter um foco que, entre outras coisas, esse é outro aspecto que falam também, entre outras coisas, ter em consideração que o que tu queres não é formar a pessoa que saiba o máximo possível daquela disciplina, é só o objetivo imediato. O teu objetivo último é formar alguém que tenha capacidades para lidar com problemas muito diferentes ao longo da vida, não é? No fundo é isso que tu queres fazer, não é? O resto é uma proxy para isso. Sim. Quando estás a fazer um teste de matemática, mais do que ensinar matemática, tu queres dar ferramentas cognitivas para uma série de outros problemas.
Joana Rato
Sim, que os ajude a pensar. Exatamente,
Joana Rato
a ajudar a pensar, exatamente, no fundo é isso. Porque uma das coisas também muito interessante agora com
Joana Rato
estas mudanças que algumas escolas já fizeram, não é ligado ao programa da flexibilidade curricular, na tentativa de precisamente criar aqui condições para que os alunos pudessem, então, integrar projetos e até misturar diferentes disciplinas e trabalhar de uma outra forma, alguns até mesmo nesta questão da resolução de problemas, no Problem Based Learning, que é uma coisa, uma metodologia que até surgiu na saúde, na medicina e que agora começa a ser também aplicada nas escolas. Eu acho muito interessante isso. Mas, desculpa,
José Maria Pimentel
Podes só explicar um bocadinho melhor o…
Joana Rato
O dos problemas. Sim, sim. Criam-se situações de acordo com o conteúdo curricular que se está a trabalhar e são os próprios alunos que têm que explorar essa informação e apresentar soluções para resolver esse problema. Depois acaba por haver uma aproximação com a realidade, não é? Vais buscar conteúdos teóricos ou tens que ir procurar sobre esse assunto para poderes responder a um caso concreto e isso ajuda muito nesta aproximação com a realidade e motiva, obviamente, os alunos a trabalhar melhor essa informação. Tudo isto é muito interessante, mas depois se continuas a ter testes ou exames ditos tradicionais em que grande parte, ou seja, Os itens estão mais ligados àquilo que é uma memorização e não tanto de raciocínio. Acaba por ser, isso era uma das coisas que os próprios alunos indicavam de, nós gostamos muito disto, gostamos de trabalhar sobre isto, mas depois os testes, houve situações até dos alunos dizerem que algumas dessas atividades depois não puderam ser feitas porque, entretanto, tinham que ir trabalhar para estudar-se para o teste, porque o teste é que tinha aquela estrutura e que eles também tinham a nota e então era difícil depois de conseguir conciliar entre aquilo que podia ser a aprendizagem sobre um assunto e outra coisa era ter ali determinados conceitos memorizados para
José Maria Pimentel
depois fazer uma resposta no teste escrito. Isso é fatal, isso é fatal e acontece muito. Tu até podes ter, como no fundo era esse caso, uma atividade que seja motivadora durante as aulas regulares, mas se depois eles vêm que no exame não é aquilo que vai interessar e o exame tem um teor completamente diferente, isso é fatal, porque eles vão concentrar-se naquilo que sai no exame, não é aquela velha coisa do, ah, Professor, o que é que sai no exame? Agora, tu podes, e eu estava a pensar nisso quando estava a ouvir falar, para lá de ver ou não haver um enfoque nas notas e nos exames, tu podes manter um enfoque nos exames, mas mudar o teor dos exames e ser um exame muito menos de memorização do CUR, e ser um exame muito mais interpretativo, baseado em perguntas conceptuais e que, no fundo, estimulem, entre outras coisas, o pensamento crítico em relação àquilo, que é um dos grandes problemas, aliás, do nosso sistema de ensino, até historicamente. O nosso sistema de ensino é muito, e isso vê-se ainda em escolas que seguem os sistemas mais tradicionais, é muito baseado num professor, não é? Que fala daquela história do lente, não é? À moda antiga, não é? Que está a ler. Aliás, não é muito... Eu tinha um professor de História, quando andava no secundário, que dizia que as aulas tinham sido aquilo de todas as instituições humanas ou manifestações humanas, aquilo que tinha mudado menos ao longo da história. Ele tinha alguma razão, não é? Porque se tu fosses à academia de Aristóteles não era muito diferente, ou se calhar era diferente para melhor, da aula tradicional de hoje em dia, que é um professor basicamente a ler a matéria, hoje em dia já não é bem a ler a matéria, mas na prática é, e tu depois vais decorar aquilo a criticamento, quando aquilo que se pretende lá está até para formar pessoas que tenham depois capacidades para lidar com situações diferentes, é estimular pensamento crítico em relação a determinada situação, mais do que memorizar.
Joana Rato
Deixa-me só acrescentar porque eu também não acho que agora, que é um bocadinho também agora a moda que existe, que é vamos acabar por completo com as aulas positivas. Eu acho que isso também não é por aí. Ah, sim, mas
José Maria Pimentel
numa coisa não é… Eu acho que é importante
Joana Rato
haver estas aulas positivas e os professores poderem ter este papel, mas mais importante ainda é haver espaço para depois questionar sobre. Exatamente. Porque o que acontecia sim era havia trabalhar da informação, o professor então dissertava sobre o assunto e acontece muitas vezes ainda que não há espaço, nem se permite até, ou era quase que
Joana Rato
uma ofensa, não
Joana Rato
é, haver uma questão. E este trabalho é que eu acho que deve ser feito, não é, porque mesmo esta questão das metodologias mais ativas que eu estava a dizer, eu acho que é importante, mas também é importante haver estes momentos com o professor a poder explicar. Aliás, o ideal é ter nas próprias aulas a ver um bocadinho estes dias.
José Maria Pimentel
Era nisso que eu estava a pensar, exatamente. O professor está a expor, mas há uma intervenção grande dos alunos que vão fazendo perguntas
Joana Rato
para esclarecer. Sim, mas já sabes que até mesmo na nossa cultura isto de fazer uma pergunta é
José Maria Pimentel
uma coisa assim. Eu ia falar disso, exatamente.
Joana Rato
E eu acho que isto é o que falha, não é? Não se dá muito este espaço e não se dá esta abertura para se colocar questões. Já
José Maria Pimentel
tenho a curiosidade, qual é a tua interpretação em relação a essa nossa idiosincrasia cultural? Porque eu tenho, essa é a minha experiência também e até às vezes há situações caricatas, não é? Tu tens... Não só por norma, nós não estamos habituados a fazer perguntas durante uma aula, por exemplo, como até no outro... Mesmo fora de aulas, apresentações, palestras ou eventos desse género, muitas vezes chega a altura das perguntas e quase não há ninguém a perguntar, que é sempre um bocadinho
Joana Rato
tranquilo. Eu acho que cá nós temos muito esta tendência de respeitar muito, não é? E não colocar em causa o outro, para não se criar ali um ambiente desconfortável. Acho que tem um bocadinho a ver com isso, sim. O outro pode não conseguir responder e então, pois, se calhar era difícil, mas eu noto isso também. Cá em Portugal, nos congressos, por exemplo, numa apresentação de pós-ter, estou ali meia hora e ninguém me vem fazer uma única pergunta, porque ali é um bocado desanimada, e vou aos internacionais e estou meia hora a falar sem parar, porque não param de... Sim, é muito bizarro. Até fazem fila, as pessoas até esperam umas atrás das outras para poder fazer questões. É impressionante a diferença que existe. E depois, desde o início, desde que começamos a escola, parece que como não há essa abertura e não se desmistifica que o professor até pode não saber tudo e que isso não lhe retira qualquer tipo de autoridade daquilo que seja o seu papel como professor e se for trabalhar desde o início, havendo todo o respeito entre aquilo que é o papel de cada um, acho que é o essencial e este vai tornando, não é, mesmo por exemplo, olha, realmente não sei se não sei a resposta sobre isso, vamos todos procurar em conjunto. Isto parece-me o ideal para aquilo que seja, não é, para aprender sobre determinada...
José Maria Pimentel
Sim, é melhor para todos, não é? E aliás, eu acho que isso até tem alguma ligação àquilo que falávamos há bocadinho. Se tu tiveres num ambiente em que o teu cérebro está, ou seja, a tua mente, se quiser, está concentrada em ouvir porque a qualquer momento pode ter uma questão a colocar e vai colocá-lo. No fundo, como esta conversa que nós estamos a ter, não é? Nós estamos ambos atentos à conversa porque sabemos que a qualquer momento podemos interpolar o outro com uma pergunta ou interromper para fazer um comentário qualquer. E se é completamente diferente, faz-se estar numa situação em que tu estás passivamente simplesmente a ouvir. E
Joana Rato
desligas, não é? Como não tens a sequer, sentes que não tens a hipótese, mesmo que tenhas alguma curiosidade, não tens hipótese de interromper ou de poderes então falar sobre o assunto e tentar percebê-lo, acabas por ir desligando e afastando daquilo que estás a ouvir. É uma coisa, pronto, humana.
José Maria Pimentel
Isso dá-me alguma pena porque acho que é um desperdício brutal de recursos, porque é uma situação que é melhor para todos. O exemplo da conferência que tu davas, isso é melhor para quem faz as perguntas, porque está a esclarecer um ponto qualquer que não percebeu bem, e é muito melhor para ti, obviamente, porque estás a ter... Primeiro tens feedback, percebes o que é que vai na mente de quem está a ouvir, depois vão te levantar pontos que sejá não tinhas pensado. Exato, isso é. Naqueles que tinhas pensado dá-te mais motivação, porque afaga-te um bocadinho o ego.
Joana Rato
E depois é a sensação de, se me estão a fazer perguntas, é porque têm interesse naquilo. Se eu estou a apresentar uma coisa que quero apresentar aos outros, se me estão a me deixar interesse é bom. E essa discussão vai ser sempre positiva. Eu fico muito desanimada quando vou e ninguém me faz nenhuma questão, ninguém quer saber daquilo. Se
José Maria Pimentel
calhar que eu acho que muitas vezes querem saber, mas é difícil perceber, não é? É muito difícil perceber se querem ou não.
Joana Rato
Pois, já me aconteceu, por exemplo, é que é coisa estranha assim, mas que é cá, não é lá fora, que é estar com o póster e passar alguém a tirar a fotografia do póster. E
José Maria Pimentel
não dizer nada? Não dizer nada,
Joana Rato
e eu quase tipo, eu posso esquecer alguma coisa?
José Maria Pimentel
Eu estou aqui, não é assim? Eu estou
Joana Rato
aqui. E a pessoa, ah não, não, não, depois vejo em casa e eu, tá bem.
José Maria Pimentel
Pois é, isso é muito bizarro por acaso. Olha, outra coisa que eu queria falar é a questão de ser mais eficaz tu estudares de formas passadas um determinado tema em comparação a, por exemplo, estudares no fim de semana antes do teste, em termos de memória a longo prazo. O que também, essa é basicamente a experiência que eu tenho e suponho que seja a experiência intuitiva de qualquer pessoa, ou seja, eu lembro-me de quando era mais novo, quando tinha que estudar num período muito curto para um teste, aquilo funcionava relativamente bem naquele curto prazo, mas depois de passar aquela coisa, passada uma semana a pessoa já não se lembra da metade do que estudou, enquanto que se tu tiveres uma aprendizagem mais cadenciada sobre um determinado tema aquilo fica muito mais entranhado na tua memória, o que também eu acho que tem algumas implicações interessantes, entre outras coisas, até em relação aos testes.
Joana Rato
Sim, porque depois também acabas por ir pensando sobre o que estás a estudar e depois tem algo que é importante também, que é o próprio sono, não é? O facto de dormir também te permite consolidar melhor a informação que trabalhaste e então também te reforça a construção da memória, muito mais do que aquela questão das diretas.
José Maria Pimentel
Sim, pois, isso é evidente, claro.
Joana Rato
Esse nem precisava. É engraçado, às vezes, trabalhar
Joana Rato
com os jovens e é também útil fazer algumas destes tipos de explicações, de porquê é que a direta não funciona. E isto, explicando até em termos daquilo que é a própria estrutura do cérebro e a sobrecarga que existe e que isso depois pode levar a bloqueios, às barrancas, porque não estás a respeitar aquilo que depois também é o próprio curso natural de quando estás a dar a informação e a pensar sobre ela. E é engraçado depois trabalhar com os jovens e eles perceberem algumas destas coisas para poderem, muitas vezes, modificar alguns comportamentos, porque já sabemos, nós todos passamos por isso e depois caímos nos mesmos erros. Mas, muitas vezes, fazendo algumas destas explicações também é importante para eles, se calhar, pensarem e evitarem vá algumas destas situações. E o
José Maria Pimentel
que isso mostra, o que a investigação mostrava, sabe o erro, é que o melhor método é estudar perto da hora de ir dormir, em vez de estudar de manhã. Ou interpretei mal. No sentido em que, estudando perto da hora de ir dormir... É bom
Joana Rato
fazer um período de sono entre aquilo que trabalhaste e depois vai-te... Não é preciso ser ao perto na hora de dormir.
José Maria Pimentel
Não tem a ver tanto com isso. Ok, eu tinha interpretado dessa forma.
Joana Rato
O estudo que aqui falamos no livro é que quando foram comparados grupos em que uns tiveram o período de sono e outros não, os que tiveram o período de sono aumentaram cerca de 20% em tarefas de memória.
José Maria Pimentel
Ah, está bem, está bem. Eu tinha interpretado mal. Ou seja, é o período de sono independentemente da altura em que tenha ocorrido o período de estudo.
Joana Rato
Aliás, até porque agora, e este, pronto, isto é uma linha agora que surge também de dar importância às cestas, e houve um estudo feito no Brasil, muito interessante também, nesta ideia de levar a investigação às escolas, em que eles criaram um grupo em que crianças, eu julgo que são dos... Não eram os mais pequenos nem eram adolescentes, andavam ali no 5º, 6º ano. E foi engraçado que, há um estudo, lá está, dos primeiros estudos que começam a aparecer, mas eu acho que isto vai começar a surgir em mais publicações nesta área. Colocaram, então, estas crianças a dormir a cesta nas escolas e uma coisa interessante também deste estudo é que não foram simplesmente fazer a aplicação de tarefas de memória de atenção daqueles mais ligados à neuropsicologia, foram precisamente medir conteúdos curriculares, ou seja, por exemplo, da história, da geografia, e verificaram que os miúdos que faziam cesta tinham melhores resultados nesses testes do que os miúdos que não faziam a cesta. Só para te explicar que, aparentemente, nesta quebra que se pode fazer a meio do dia também pode trazer algum benefício no desempenho escolar. Agora, isto é só um estudo ainda, que eu acho que ainda está muito...
José Maria Pimentel
Sim, sim, sim, mas No fundo tem o mesmo efeito, é interessante sim.
Joana Rato
Eles depois avaliavam o tempo de duração, havia cestas de meia hora, outros mais curtos, eles depois discutiam um bocadinho isso porque também isso foi considerado. Vem-me também um bocadinho quase que modificar aquilo que podia ser também o próprio registro de escolas, não é? Até que ponto? E isto pensando também em crianças em desenvolvimento, em crianças que podem, lá está, acordar muito cedo de manhã e que depois chegam ali a uma determinada altura, mesmo a meio da manhã, que lembra-me, por exemplo, das questões das crianças do pré-escolar, em que muitas delas já não fazem a cesta porque a própria escola não tem essas condições. Exatamente. E temos crianças de 4, 5 anos a necessitar claramente do período de cesta e que isso obviamente depois vamos chegar aí à tarde, ao fim de tarde, com crianças com uma irritabilidade
José Maria Pimentel
no máximo. Sim, sim, e completamente não predispostas.
Joana Rato
E que isso tem a ver com essa questão de não promover esse período de cesta que será essencial. Não quero dizer que sejam para todas, já percebemos que há crianças que, de facto, podem não precisar, mas as que precisam, nos olhos da essa oportunidade, não podemos dizer que a escola está a ir ao encontro daquilo que seja o benefício da criança, o benefício cognitivo e comportamental.
José Maria Pimentel
Eu queria só falar ainda de uma coisa antes de avançarmos para os mitos que estão ligados a esta área, que é outro fator importante relacionado com a interação e com as conversas, que é, no fundo, outra face deste poliétero que nós temos andado aqui a esculpir, relacionado com a intervenção dos alunos, com o autocosteinamento e com a apresentação, a questão da conversa e da interação e que tem muito a ver com a nossa dimensão do animal social, do nosso cérebro estar ele próprio feito para a interação. Eu também achei isso muito interessante porque uma coisa que é chamada teoria do livro é a questão de quão complexo e quão exigente é o processo mental da conversa, porque lá está para eu estar a conversar contigo e vice-versa. Estamos a pensar criticamente sobre um determinado tema, neste caso sobre a neurociência e a psicologia aplicada à educação e estamos a pensar criticamente sobre esse tema e a consolidar memórias sobre esse tema.
Joana Rato
E estamos a treinar aqui uma coisa também muito interessante que é o imprevisto, não é? Tu não sabes exatamente
José Maria Pimentel
como é o curso, o que é
Joana Rato
que vem e que resposta é que tu podes dar, se obtirar no assunto, então ao mesmo tempo estás até a própria pensar sobre ele, enquanto quase que falas também estás a pensar sobre
José Maria Pimentel
isso. Sim, sim, bem visto, exatamente.
Joana Rato
E isso é muito importante depois também neste treino e naquilo que pode ser a relação também com a construção das memórias, com a aprendizagem, isto é uma boa competência para tu ires, não é, nesta conversa, lidando com aquilo que vai sendo o curso da conversa, o imprevisto que pode ser a pergunta, que se pode colocar, E muitas vezes até estás a pensar naquele momento em que estás a tentar... Esse
José Maria Pimentel
é um ponto interessante, por acaso eu não tinha pensado nisso, porque é verdade a conversa, ao contrário de ler um livro, por exemplo, obriga-te a estar pronta a responder ao que a pessoa vai dizer, que é completamente imprevisível.
Joana Rato
Lembraste-te do livro e eu acho que é engraçado quando nós, por exemplo, lemos um livro e depois vamos àqueles grupos de discussão sobre em que se vamos falar sobre o livro e de repente apercebes-te de coisas que não tinhas apercebido quando leste o livro sozinho e isso retiras
José Maria Pimentel
de imagem e informação nessa
Joana Rato
partilha que foi as diferentes visões e leituras que se fez sobre o mesmo livro. E isso acaba por ter a grande riqueza de retirar da parte daquilo que é a conversação sobre determinado assunto. Exatamente,
José Maria Pimentel
fizeste bem falar disso, porque isso leva-nos ainda a outro ponto que eu acho muito importante e que está ele próprio também relacionado com isto, até de um ponto de vista mais lato de enquanto sociedade, que é o nosso cérebro é extraordinário, mas é muito limitado. Até enquanto espécie, as coisas que a humanidade fez foi pela conjugação de cérebros e não pelos cérebros individuais. O nosso cérebro individual vai sempre cometer erros, lá está, vai sempre ler um livro e foca-se, mais ou menos, a uma parte e não
Joana Rato
vê a outra. Achamos que conseguimos fazer várias coisas ao mesmo tempo, mas depois não nos apercebemos, quer dizer, apercebemos muitas vezes, mas falhamos numa dessas tarefas que estamos
José Maria Pimentel
a executar. E qualquer tarefa mais complexa e mais, como é que eu ia dizer, em aberto. Cria um conflito cognitivo.
Joana Rato
Há determinadas tarefas que te criam um conflito que depois é difícil, tu tens mesmo que fazer a alternância do foco, não consegues. Há coisas que tu consegues.
José Maria Pimentel
Conduzir e ir a falar ao telefone.
Joana Rato
Ainda assim não, porque às tantas ou te perdes no caminho. Se
José Maria Pimentel
for um caminho, se for um caminho rotineiro sim. Se for um caminho
Joana Rato
rotineiro sim, mas ainda assim se conversa te ver a ser muito complexa e se te implicar, não é, estar aí com grande despensamento, aí vais ter que... Ah, e qualquer coisa que vai falhar.
José Maria Pimentel
Claro, não é verdade, é verdade, sim, mas o que eu ia dizer até era outra coisa ainda, que é, quando se trata de problemas Complexos no sentido de serem difíceis, mas também de envolverem uma série de variáveis. É muito difícil, é praticamente impossível, tu conseguires fazê-lo individualmente de maneira eficaz. Daí a vantagem dos trabalhos de grupo, por exemplo, que normalmente são aplicados a esse tipo de coisas. O treino disso, não só na escola, mas depois para aquilo que será a vida profissional da pessoa, é fundamental, porque há coisas que sem trabalho de grupo, sem trabalho em equipa, vão inevitavelmente ser feitas de maneira pior. Há um exemplo que eu já falei até aqui no podcast uma vez, que é muito giro. Aquilo é baseado supostamente no exercício da NASA e é, na verdade, um caso em que há uma equipa de astronautas que ficou, teve uma avaria de um lado da lua e eles têm que ir para o outro lado e podem levar um número limitado de objetos daqueles que eles tinham com eles e têm que decidir, no fundo, fazer uma ordem de prioridades para aqueles objetos. E depois é feita essa pergunta a toda a gente na aula ou na sala e peço a toda a gente que ordene, ponha do objeto mais importante até o objeto mais inútil. Tu depois faz o mesmo exercício, depois das pessoas terem respondido, mas em grupo, em que há um debate entre as pessoas sobre o que é que se deve levar, não deve levar e dá a própria origem à mesma, a uma tabela de ordenação. E tu depois o que percebes no fim é que a tabela de ordenação que resultou do trabalho de
Joana Rato
grupo é melhor do que qualquer uma, quase invariavelmente, do que qualquer uma das individuais. De facto, é o essencial e também acho que nas escolas... Agora, eu acho
Joana Rato
que já se faz base isso, felizmente, mas antigamente não se fazia tanto isso, não é? E mesmo os trabalhos de grupo era cada um fazer a sua parte. Exato. Era
Joana Rato
vamos dividir isto às postas, não é? E depois juntamos tudo no
Joana Rato
fim. Era um bocado assim o que se fazia, mas agora não. Acho que agora isso já se tem a maior preocupação e isso vai também permitir, nesta questão da própria conversação, que também é necessário, não é? O respeitar o outro, a opinião, achas que isto
José Maria Pimentel
faz sentido. Eu
Joana Rato
imagino as discussões, por exemplo, nesse exercício, as discussões que se criam
José Maria Pimentel
Exatamente, e a pensar que todos estes imbeciles estão a dizer que é estupidez, isso não é o óbvio.
Joana Rato
Isso também se trem nessa competência social, não é? Até que ponto tens que argumentar para fazer com que aquilo que era a tua percepção seja, pronto, aceito. Não é?
José Maria Pimentel
Exatamente, aliás eu lembro-me que eu participei nisso e lembro-me da série às 8, pensava que estupidez, é óbvio que é outra coisa, e às vezes era, mas faz parte do processo. Olha, falando dos mitos, que é outra área interessante, e aqui voltando, no fundo, voltando de certa forma ao início da nossa conversa e aquilo que é aplicado nas escolas, persistem ainda uma série de mitos que têm que ver com determinadas teorias que foram sendo difundidas e que as escolas seguem e não têm validação científica. Um deles que eu achei interessante, porque não sabia que não tinha validação científica, embora tivesse algumas suspeitas, é a questão das inteligências múltiplas, que é uma teoria de um tipo que chama, ou pelo menos eu conhecia a do Gardner, não é?
Joana Rato
Um dos autores com o maior número de livros publicados no mundo. É incrível, de facto é muito difundido
José Maria Pimentel
porque fartou-se. Mas aquilo, sabes o que, eu vou te explicar porque é que eu já, em algumas respostas em relação àquilo, faz sentido explicar o que é que isto quer dizer. No fundo o modelo dele era que não existe uma única inteligência medida pelo QI, que na verdade hoje em dia não é o QI, é o chamado fator G da inteligência geral, que implica que obviamente haja uma série de tarefas diferentes que exigem coisas diferentes do nosso cérebro, mas elas têm uma correlação entre si e, portanto, pessoas mais inteligentes tenderão a ser melhores, não são necessariamente, mas tenderão a ser melhores a fazer várias dessas tarefas e pessoas menos inteligentes a fazer menos. E o que ele dizia é que não é que existem inteligências muito diferentes entre si, portanto, pode ser boa a fazer uma coisa qualquer e menos boa a fazer outra coisa. Mas o modelo dele era, embora ele até faça algum sentido, e seja modelo que dá vontade a acreditar, porque no fundo implica que todos nós sejamos bons em algumas coisas e menos bons noutras, eu já tinha percebido que ele tinha sido desenvolvido um bocadinho desta forma não empírica, correu-lhe para aí cinco ou seis diferentes, depois acrescentou umas, depois achou que aquilo se calhar não fazia grande sentido e tirou, viu umas que é inteligência espiritual, uma coisa assim meio bizarra, depois tirou aquilo do modelo, mas quer dizer, não é assim que se faz ciência, não é assim desta forma de um dia vais-te deitar e acordas à chave, vão acrescentar aquilo duas inteligências diferentes.
Joana Rato
Deixa-me te dizer primeiro uma coisa, Primeiro temos que ver com quando é que ela surgiu. Eu sou-te sincera, eu na minha formação enquanto psicóloga odeio Garner e aquilo foi-me passado como uma teoria a seguir. Agora, a teoria é isso mesmo, uma teoria. E a mensagem que estava, ou aquilo que nós podemos retirar de mensagem, até é positiva. Eu acho que até é uma boa mensagem, um bocadinho mais no sentido de nós podemos ter várias capacidades, não é? Ou pelo menos
José Maria Pimentel
não estamos fixos
Joana Rato
numa determinada inteligência, embora aqui agora a inteligência com a cadeia também vai desaparecer este termo, porque eu acho que é muito difícil de encaixar e acho que é um termo muito clássico que eu tendencialmente acho que vai desaparecer, como depois também desapareceu o próprio QI. Agora, o que se discute aqui e que depois nós fomos no livro é que não tem a validade das neurociências. Ou seja, quando dizem que é uma teoria baseada no cérebro, não tem nada de cérebro, não é? E nós, vendo a teoria, vemos a complexidade tal, como é que se consegue medir e fazer aquela correlação entre as inteligências e as áreas cerebrais. E quem estuda o cérebro percebe naquelas ligações que se faz, por exemplo, de um pescador e das áreas então, daquilo que são as suas competências ligadas às áreas cerebrais, há erros. Por isso, não se faz uma crítica à teoria, tem vale o que vale enquanto teoria, faz sim, crítica aí é que vários autores vieram depois, um bocadinho revoltados alguns, a publicar, no sentido em que não há um reconhecimento da comunidade científica porque não é baseada no cérebro e até então não se conseguiu estudá-la empiricamente para poder perceber aquilo que é essas divisões e aquilo que é a sua relação com a estrutura e a funcionalidade do cérebro. Ou seja,
José Maria Pimentel
estudando o cérebro tu não encontras nada
Joana Rato
que possa fazer essas divisões.
José Maria Pimentel
Exatamente, tu não encontras, olhando para o cérebro do pintor, aqui no sentido artístico tem um cérebro diferente do contabilista ou do corredor de carros e, portanto, isso implica, embora eles tenham provavelmente cérebros de facto diferentes, mas não se consegue fazer essa separação entre tipos de inteligência diferentes,
Joana Rato
não é? Sim, e pior ainda é depois olhar para essa teoria e depois criar uma metodologia de ensino associada a... Ainda por
José Maria Pimentel
cima em cérebros que não estão ainda completamente desenvolvidos.
Joana Rato
Sim, e quase que há uma limitação entre aquilo que depois pode ser o trabalho que é feito com crianças em que, por exemplo, se considera que então tem uma inteligência artística e só se dá informação ou só se trabalha dessa forma. Isto parece-me um bocadinho… Redutor. Redutor, limitativo, parece que só se estás a canalizar para um sentido quando supostamente nessa altura é que deves ver todas as hipóteses e trabalhar as informações de várias maneiras. E isso puxa também para aquilo que depois é o tal estilos de aprendizagem preferenciais, porque às vezes confunde-se um bocadinho isto, porque acaba por estar um bocadinho ligado, mas confunde-se um bocadinho também este modelo. É interessante nós olharmos para os mitos porque todos eles têm alguma origem científica, às vezes parte de um determinado estudo que depois foi distorcido e generalizado, mas é engraçado ver. E neste caso dos estilos de aprendizagem preferenciais até há um estudo que não é amplamente criticado, ou seja, até há um estudo interessante, em que foram aplicar um questionário a jovens universitários e que foi a partir daí que perceberam que, de facto, os jovens utilizavam diferentes formas para a informação, para conseguirem aprender a informação. E uns que utilizavam mais a questão visual, outros... Os estilos de aprendizagem vêm um bocadinho por isto, fazem uma divisão entre as vias de entrada, em que ou é mais visual, ou é mais auditivo, ou é mais sinestésico. E foi através de um questionário quase de tipo de auto-apreciação.
José Maria Pimentel
Ah, não era com base em testes?
Joana Rato
Este que o tal que não é tão criticável e por isso é que se considera que isto dos estilos de aprendizagem até pode ocorrer. Neste caso, com os jovens universitários, por isso há uma grande discussão sobre isto. Eu vou te dizer que aqui há uns meses atrás eu achava que isto dos estilos de aprendizagem era completamente describido, mas agora andei um bocadinho a ler mais sobre isto e encontrei, de facto, alguns autores a dizer, bem, este estudo até, pronto, ok, nós podemos considerar que nos jovens universitários, de acordo com a resposta àquele questionário, identificou-se que pode haver as diferentes formas, mas, criando uma metodologia e depois aplicando-a, dizendo que isso, seguindo então esse estilo de aprendizagem preferencial, é que vai potenciar a aprendizagem, é que é um disparate. Por isso, isto é mais uma vez a distorção que se coloca. Sendo que, neste estudo específico, estamos a falar de jovens universitários e este tipo de modelos ou de metodologias já estão a ser aplicadas com crianças pequenas na Inglaterra às escolas. Agora não sei se aqui há uns anos, eu sei porque falei com professores e acontecia, aliás os professores ingleses eram bombardeados nas suas e-mails com este tipo de programas. Eles primeiro definiam então os estilos de aprendizagem, ou seja, faziam o diagnóstico, não é? E depois criam uma espécie de crachá em que tu tinhas, a um olho, o desenho de uma mão, precisamente a identificar qual era o teu estilo preferencial. Era o tipo. E depois trabalhavas a informação de acordo com esse estilo preferencial. Quais
José Maria Pimentel
é que existem? Visual, auditivo, tátil? Sintestésia, sim. São os três? São. Sim, imagino que não existe o olfativo.
Joana Rato
Não foram ver os sentidos,
José Maria Pimentel
não é? Não foram
Joana Rato
ir através dessa forma, porque lá está, foi um modelo que se criou. Sabes que eu... Mas que eu acho que temos comerciais e depois começou também esta coisa muito do brain gym, baseado no cérebro, e então este grande interesse que há agora sobre o cérebro agarrou as pessoas a achar que, de facto, se isto tem validade ou se é baseado no cérebro, tem validade, então deixem-me cá a utilizar porque isto vai, então, de facto, melhorar o ensino e é com o que as crianças aprendam melhor.
José Maria Pimentel
E, quer dizer, tanto um como outro, tanto a história das inteligências múltiplas como esta dos estilos de aprendizagem, tem inigavelmente alguma base de realidade. Agora, depois tem uma série de problemas, por exemplo, esta aqui, parece-me desde logo ter o problema que é muito comum na psicologia, que é tratar como discreto coisas que são contínuas. Isto porque faz sentido que nós tenhamos métodos de aprendizagem, ou vias de aprendizagem, que sejam mais eficazes. Isso não me choca a dizer que... Eu lembro, por exemplo, quando era mais novo e fiz um daqueles testes de orientação vocacional, o psicólogo falava disso, ele dizia que, já não sei, acho que eu era melhor, tinha melhor memória visual do que memória auditiva, supostamente. Independente da validade do teste que ele me fez, isso até me faz algum sentido agora. Qual o problema? Tu, ao estás a pôr o crachá no miúdo a dizer que tu és visual, significa que tu estás a tomar aquilo como sendo, como ele sendo só visual, e não tendo auditiva, é como se fosse só aquilo, estás a tomar aquilo como sendo estável no tempo e não alterável no cérebro do miúdo que está em desenvolvimento. Exatamente. E o que vais fazer se calhar é atrofiar ainda mais a memória auditiva. Não
Joana Rato
lhe vais dar a variedade. Supostamente que é isso que também deves dar, independentemente daquilo que possa ser uma melhor forma de receberem a informação. Mas se só lhe dás daquela forma, ele de facto, se calhar, vai poder trabalhar melhor daquela forma, mas é isso que interessa, não é? E é isso que depois vai permitir
José Maria Pimentel
depois... Tens muitas outras variáveis entre outras coisas, não é? Sim.
Joana Rato
Mas, quer dizer, dito isto, deixa-me fazer aqui um bocadinho... Deixa-me só te dizer, porque isto às vezes é muito
Joana Rato
difícil de trabalhar com professores que depois mesmo na sua formação têm isto como dado adquirido. E têm
José Maria Pimentel
muitos anos de usar aquilo.
Joana Rato
Sim, e depois ainda por cima mesmo nas ciências da educação existem publicações, daí este interesse também de nós termos uma visão mais multidisciplinar, porque depois nós temos cientistas a olhar para esses estudos e há um estudo também muito interessante que foi pegar nessas publicações das ciências da educação e identificar porque aqueles estudos tinham sido mal feitos, não é? E há algumas situações básicas, por exemplo, acho que os professores de ensino de línguas têm muito isto no ensino de línguas, acho que para o Learning Styles é tipo regra básica. E houve uma professora que uma vez disse, não, não, mas existem publicações sobre o learning style e eu trago-me essas publicações. E depois é engraçado que eu fui-lhe mostrar também as outras publicações, mais ligadas às neurociências e à psicologia, em que vem precisamente identificar os erros desses estudos que tinham sido publicados numa revista das ciências da educação. E há coisas muito básicas que é, por exemplo, dizerem que sim, que o método funciona, mas que não tem grupo de controlo. Avelino no início, avelino no fim, sim senhoras e senhores, as crianças evoluíram. Mas não sabes porquê, claro. A partir de qualquer coisa que tu faças, chegas ao final e terás um resultado. Se não há um grupo de controlo, ou se não há uma boa metodologia a fazer, pronto, como deve ser, esse estudo, tu não podes ter, achar que aquilo é uma coisa válida. Isto é difícil muitas vezes depois de trabalhar com os professores, porque é muitas vezes a ideia, se há publicações sobre isto, como é que isto não é verdade? E aqui a questão é, nem se trata de verdade ou não ser verdade, a questão é se há uma evidência científica ou não sobre esse assunto e ver a evidência científica, se é robusta, porque muitas vezes é. Eu não quero dizer que se calhar agora, daqui a uns tempos, não apareçam. Se calhar uma série de estudos que vêm dar uma irrevidência robusta àquele método. Mas até então não há. Não sendo, temos que levar sempre com… temos que tomar como inquietação sobre o resultado que aquilo pode ter.
José Maria Pimentel
E até haverá casos em que até pode ter algum reconhecimento, mas ter um reconhecimento condicional, como acontece muitas vezes, que aquilo foi testado num determinado ambiente, mas não é para ser, de repente, extrapolado ou aplicado de uma forma simplista, ou agora de repente o miúdo é o que ouve ou é aquele que aprende a ouvir e o outro é o que aprende a ler. Agora, dito isto, deixamos só fazer um bocadinho a devogado do diabo, que não é bem da devogado do diabo, é tentar tirar aquilo que apesar de tudo eu acho que existe interessante aqui, porque sendo certo que estes métodos são simplistas ou aparentam ser simplistas, nós sabemos que as pessoas são diferentes umas das outras e têm... Talvez não saibamos ainda como são diferentes os cérebros, mas sabemos de experiência própria que nós temos interesses diferentes, temos maneiras diferentes de aprender, quer dizer, qualquer um de nós tem uma disso na escola, o que significa que estes métodos podem não ser ainda bons métodos, mas existe algum potencial em adaptar o ensino às diferenças individuais dos alunos.
Joana Rato
Sem dúvida. O principal erro, muitas vezes, destas questões e destes métodos, é utilizá-los como pacote igual para todos. Eu acho que aqui... Mas eles estão a tentar
José Maria Pimentel
diferenciar, não é? Eles estão a tentar dizer... Mas a
Joana Rato
diferença é a de criando grupos. Ah, sim, claro. Estás a diferenciar, mas criando na mesma...
José Maria Pimentel
Mas é melhor, ou seja, há um lado benéfico disto, não é? Também acho que é preciso perceber que isto surgiu como resposta a uma altura em que toda a gente era tentado um chapa 4.
Joana Rato
Sim, sim, claro que sim. Até
José Maria Pimentel
melhor isto do que nada, ou por outra. Pode não ser melhor, mas...
Joana Rato
Aqui a grande mensagem é não considerar sempre isto como a única resposta. Eu acho que conseguires diferenciar e corresponder àquilo que pode ser a diferença daquela criança, daquele aluno, isso vai ser sempre positivo. Mas depois criar esta crença de, é com esta metodologia que eu vou conseguir ter melhores resultados, isto é que eu acho que às vezes são um bocadinho os esforços que são canalizados por uma determinada metodologia que se considera que aquilo é que vai dar a resposta, quando se calhar esses esforços podiam ser mais de ajuste, quase que ajuste direto, daquilo que é aquela criança que se tem à frente, ou aquela diversidade, não é? Daquele grupo turma, porque depois aí é sempre muito mais difícil.
José Maria Pimentel
Onde eu estou a tentar chegar, no fundo, é na prática, não é quem está na prática, tem que ter algumas normas orientadoras, e do ponto de vista da investigação nesta área, que normas é que se conseguem dar para orientar um professor, por exemplo, que está a dar aula a uma turma e tem que estar alerta para as diferenças que existem entre os alunos e que implicam estilos de ensino diferentes ou implicam tarefas diferentes. Ritmos de desenvolvimento diferentes. Ritmos de desenvolvimento diferentes. Pondo-me do lado dos professores eu percebo que isto é um pacote, mas é uma resposta fácil, é uma resposta apelativa. Enquanto que a pessoa chega lá e diz, é bom, sabe que os alunos são todos diferentes e tal, e depois sai e o professor fica ali entregue, se não for ter ferramentas para agir, não é? Eu acho que isso também... Por isso é que
Joana Rato
eu acho que também é importante, primeiro é sempre difícil, isto de dar receitas com... Não se consegue. As próprias pessoas têm essa noção, porque, por exemplo, têm diferentes turmas e muitas vezes aquilo que é a sua postura numa turma pode ser completamente diferente na outra, não é? Porque realmente tem uma vida diferente, cada sala de aula tem uma vida diferente. E eu sei que é muito ingrato para os professores muitas vezes conseguirem corresponder da melhor forma àquilo que é a diferença dos alunos, a diferença de cada um. É difícil, tendo em conta as condições muitas vezes que tem, o tempo que tem e é doloroso. Quando trabalho com alguns professores vejo a ginástica é que muitas vezes têm que fazer para tentar então corresponder àquilo que é as grandes dificuldades de uns e as grandes potencialidades de outros, porque depois é isso também, não é? É porque tu tens que dar resposta àqueles que são muito bons, mas que tens que continuar a acompanhá-los, mas depois também tens que dar resposta àqueles que não conseguem acompanhar
José Maria Pimentel
e que… Exato, sim, sim. Para
Joana Rato
não ficarem para trás, não é? É muito, muito difícil. Completamente do lado dos professores. O que eu tento fazer com os professores é um bocadinho aquilo que acabamos a dizer que também é necessário, um pensamento crítico sobre aquilo que se está a utilizar. Pois isto depois é diferente, um professor de matemática tem preocupações diferentes que um professor de português. Por exemplo, estou a trabalhar com uma professora de matemática que a grande dificuldade e os bloqueios que os alunos estão a ter, ela trabalha ali com o sétimo ano, tem a ver um bocadinho com a questão da ansiedade da matemática. Foram jovens que falharam ali uma série de bases e que começaram a criar pensamentos relativamente àquilo que é a sua capacidade na matemática e que muitas vezes criam grandes bloqueios devido à ansiedade que têm para aquele raciocínio de como fazer a resolução daqueles problemas. E por isso tem sido engraçado agora percebemos e caracterizarmos um bocadinho o que é que tem sido isto da ansiedade à matemática porque é um dos tópicos agora que se estuda muito quando se fala em dificuldades de matemática que a ansiedade é que poderá também
José Maria Pimentel
estar aqui a desfriar. Sim, no fundo, a auto sabotar de certa forma, não é? Sim. Sim, exatamente. Olha, se quiseres recomendar o livro e terminamos.
Joana Rato
Sim, olha, pensei no que ia falar ligado à temática do cérebro, mas destinado até para crianças. É um livro que eu gosto muito. É certo que sou um bocadinho suspeita porque participei na revisão científica do mesmo, mas não sou a autora, atenção, mas é um livro que eu acho que está tão bonito, não só, é recomendado para crianças a partir dos 10 anos, mas eu acho que aquilo é para nós também, adultos, porque está fantástico da forma como também trabalha.
Joana Rato
Nós temos mais de 10 anos, portanto, não há problema. Exato, pronto.
Joana Rato
Foi pensado para crianças, mas eu acho que os próprios adultos também gostam do livro, que é o Cá Dentro, da Planeta Tangerina, escrito pela Isabel Minhoz Martins, Maria Manuel Pedrosa e ilustrado pela Madalena Matuso. Que está um livro muito bem conseguido. Eles tinham lá fora e agora fizeram o cá dentro, dedicado então ao cérebro. E trabalha também a questão dos mitos, que é sempre interessante nós começarmos a desmistificar logo desde o início com as crianças algumas dessas ideias distorcidas. Eu acho que é muito agradável de ler e lá está. Também esta ligação de começar a trazer
Joana Rato
aspectos mais ligados à ciência e das neurociências às crianças. Parece uma ótima sugestão e aliás eu estou aqui a ver no site, ele diz para leitores
José Maria Pimentel
de todas as idades. Eu sabia, sabia. Afinal a descrição está correta aqui no site. Olha, Joana, foi uma ótima conversa sobre este tema. Obrigado por teres vindo. Obrigada. Gostaram deste episódio? Que parte da conversa vos ficou mais no ouvido? Se puderem, partilhem comigo esta impressão por e-mail para o 45graus.com para que eu possa selecionar esse shirt para o 45 Graus Express, o podcast onde publico versões reduzidas destas conversas. Obrigado. O 45 Graus é um projeto tornado possível em grande medida pela comunidade de mecenas que o apoia. Mecenas como Gustavo Pimenta, Eduardo Correia de Matos, João Baltazar, Salvador Cunha, Duarte Dória, Tiago Leite, Joana Faria Alves, João Manzarra, Mafalda Lopes da Costa, entre outros cujos nomes encontram na descrição deste episódio. Até à próxima.