#66 Mário Figueiredo - Ciência de Dados, Machine Learning e os mistérios que falta resolver...

Click on a part of the transcription, to jump to its video, and get an anchor to it in the address bar

José Maria Pimentel
Bem-vindos ao 45 Graus. Como tinha prometido há alguns episódios, regresso hoje ao tema Inteligência Artificial. Mas não foi só disso que se falou nesta excelente conversa com o Mário Figueiredo, que é professor e investigador no Instituto de Telecomunicações do Técnico. E o Mário não é um investigador qualquer, é um dos académicos mais citados a nível mundial na investigação em machine learning, processamento de imagens e otimização, técnicas que têm aplicação, por exemplo, na medicina ou na interpretação de imagens de satélite. Mas não é só à investigação académica que o Mário se dedica, é também, como vão perceber, um divulgador de ciência nato e alguém que gosta de aplicar a mesma curiosidade e espírito analítico do cientista a pensar uma série de questões diferentes. E isto para além de ser um ouvinte do podcast, o que é sempre um prazer. A conversa, como é habitual, tocou numa série de pontos. Começámos por falar da revolução que a chamada ciência de dados trouxe nos últimos anos e das enormes implicações que tem no mundo de hoje. A ciência de dados não é mais do que a análise de dados, mas desenvolveu-se imenso nos últimos anos em resultado de duas revoluções paralelas. Uma é a enorme expansão na quantidade de dados disponíveis, os chamados Big Data. Outra são os desenvolvimentos que tem havido em Machine Learning, uma área que veio revolucionar a inteligência artificial. Com estes algoritmos de Machine Learning conseguimos hoje programas que aprendem automaticamente a detectar padrões e que conseguem tirar conclusões úteis a partir de uma enorme quantidade de dados. Outro aspecto de que falámos é o impacto destes avanços não só na economia e na sociedade mas também na própria ciência, que passou hoje a ter uma ferramenta complementar à matemática para a descoberta científica. Daí que um grupo de cientistas da Google tenha escrito um artigo com o título provocador de Unreasonable Effectiveness of Data, que é uma resposta a um ensaio antigo e muito famoso do físico Eugênio Wigner em que ele abordava aquilo a que chamava a eficácia irrazoável da matemática para a descoberta nas ciências naturais. À boleia desta discussão passámos o resto do episódio no tema mais geral da inteligência artificial. Nesta área tem havido enormes progressos nos últimos anos, sobretudo à boleia da dita machine learning, que tem conseguido superar os seres humanos numa série de tarefas que até aqui achávamos não estarem ao alcance do computador, como por exemplo traduzir línguas, conduzir carros ou mesmo conseguir gerar fotografias credíveis de caras de pessoas que não existem na realidade. No entanto, na visão do convidado, estes progressos continuam a ocorrer em tarefas específicas e nada garante que estejam a contribuir de alguma forma para virmos alguma vez a criar inteligência artificial capaz de autonomia e de pensar como um ser humano. Esta é uma visão provocadora e especialmente interessante porque é saudavelmente diferente da posição da Linda Oliveira que já ouvimos anteriormente no podcast. Ora, assumindo que a inteligência humana é de facto diferente, a grande questão que ressalta daqui é o que é especial então no cérebro humano. Para David Deutch, é basicamente a capacidade que os humanos têm para gerar novas explicações para um determinado fenómeno. Este físico britânico tem um artigo muito interessante e desafiante sobre o tema de que falámos ao longo da conversa e que podem, como habitual, encontrar na descrição deste episódio. Portanto, no curto prazo, parece mais provável que a inteligência artificial continue a complementar e não a substituir a inteligência humana. E por uma curiosa coincidência, foi precisamente no dia em que gravámos esta conversa que Elon Musk anunciou os progressos que tem feito na Neuralink, a empresa que criou para desenvolver interfaces entre o cérebro e o computador, e que ele acredita vir um dia a permitir fazer uma espécie de fusão entre o cérebro humano e os sistemas de inteligência artificial. E pronto, deixo-vos com o Mário Figueiredo, mas antes queria aproveitar para deixar um agradecimento especial aos mecenas do podcast. Continua a ser uma ótima surpresa para mim de cada vez que um de vós decide contribuir para este projeto que eu disponibilizo gratuitamente. O 45 Graus tem hoje já alguns milhares de ouvintes, mais de 60 mecenas e continua a crescer de semana para semana. E a realidade é que nada disto seria possível sem o vosso interesse e o vosso apoio. Obrigado. Mas para já, vamos ao episódio. Bem-vindo ao podcast. Obrigado. Estamos a gravar o que eu estava a dizer há bocadinho. Eu acho que vamos ver para onde a conversa nos leva. Eu já começava pela parte da ciência de dados, depois já facilmente me aponto para outros temas mais relacionados estritamente com inteligência artificial. Eu julgo que de uma maneira mais superficial toda a gente percebe o que é que quer dizer ciência de dados e depois há aqui uma série de outras camadas que são um bocadinho mais difíceis. Se calhar o mais fácil é começar por te perguntar o que é que é exatamente ciência de dados, ou seja, de que forma é que isto tem que ver com, por exemplo, engenharia de software, mas não só também, tem que ver com gestão de dados e estatística e o que é que tem feito, o que é que tem causado este crescimento exponencial nos últimos anos? Bom, bom
Mário Figueiredo
dia, boa tarde. Obrigado por estar aqui, é um prazer. Portanto, ciência de dados é uma coisa difícil de definir, aliás conhecidamente difícil de definir, porque de certa forma é uma contradição em termos. Porque
José Maria Pimentel
ciência
Mário Figueiredo
supostamente é acerca de qualquer coisa, não é? E a ciência de dados, de certa forma, tenta colocar-se numa postura que é uma ciência acerca de nada de especial, mas dos dados de seis amelos, acerca do que forem. E portanto, há uma certa contradição no próprio nome. Eu não gosto muito do nome, aliás, sou muito esquisito com os nomes e esse é um dos que me irritam um bocadinho.
Mário Figueiredo
Mas chamaria-se o que é já agora? Não sei, não sei, não sei.
Mário Figueiredo
Não há nenhum bom nome. Provavelmente a dificuldade surge do facto de tentar pôr debaixo de um só nome uma quantidade muito grande de coisas que algumas não têm nada a ver umas com as outras. Embora sejam, de certa forma, contribuam para um objetivo comum que é, assim, grosso modo, conseguir pegar em dados provenientes de uma coisa qualquer, do que for, pode ser em ciência, pode ser em comércio, pode ser em transportes, em imensas coisas e tentar extrair informação acerca desses dados, informação útil para que a pessoa que vai tomar decisões com base nesse dado e, portanto, na informação que está nesses dados, consiga tomar as melhores decisões. E, portanto, a ciência de dados inclui um monte de aspectos que normalmente não associamos a esse termo, como, por exemplo, bases de dados, como é que se armazenam grandes quantidades de dados, como é que se gera, como é que se faz, como é que se limpa, como é que se verifica. Portanto, todos aqueles aspectos que são clássicos. A maior parte daquilo que hoje em dia cai dentro da ciência de dados são coisas que existiam. Não há nenhuma ciência especial nova dentro da ciência de dados.
José Maria Pimentel
Mudou mais a quantidade de dados. A quantidade de dados e
Mário Figueiredo
a constatação de que para resolver estes problemas é preciso uma abordagem multidisciplinar que inclua as coisas que classicamente eram conhecidas como estatística, mas agora com a preocupação de que a estatística palida com grandes quantidades de dados e com preocupações computacionais, porque os estatísticos clássicos não se preocupam muito com o aspecto computacional, é claro que há exceções, e com extração de informação no sentido análise exploratória de dados, coisas como machine learning, extração, tudo o que se possa querer perguntar, depende de cada problema é problema. Data science ou ciência de dados, geralmente é, e nós no técnico vamos ter um mestrado, já há outros em Portugal, mas vamos ter um mestrado novo em ciência de dados, do que eu sou, por acaso sou coordenador, você é coordenador e fiz parte da equipa que o propôs, e nós no documento em que propunhamos a ciência de dados, o mestrado de ciência de dados, o desenho inicial começava com um funil e nesse funil tinham três bolinhas em que é o departamento de matemática, o departamento de engenharia e data técnica que é o meu e o departamento de informática, os três entrava dentro do funil e de por baixo a saída, a ciência de dados. Porque tem aspectos das três coisas. O de matemática, neste caso, por via da estatística. Por via da estatística, por via da multivariada, por via da teoria da decisão, por via da estatística computacional, por via desse tipo de coisas.
José Maria Pimentel
Os avanços que houve nesta área nos últimos anos têm sobretudo que ver com a quantidade maciça de dados que, entretanto, foram gerados, sobretudo através da internet, mas também com desenvolvimentos metodológicos, ou não tanto? Tem a ver com alguns desenvolvimentos
Mário Figueiredo
metodológicos, tem a ver com os avanços de machine learning, da aprendizagem automática, que são basicamente, no contexto da ciência de dados clássica, são mais quantitativos do que qualitativos. A capacidade de lidar com maiores quantidades de dados e de fazer algumas coisas que não era preciso fazer, mas não muito. Eu diria que são avanços mais quantitativos do que qualitativos, para não ir já para coisas muito específicas como... Para tirar aqui da ciência de dados o IA para já. Na decisão artificial, houve de facto alguns saltos qualitativos, embora haja que não, é discutível. Mas não houve grandes avanços qualitativos, houve avanços no facto. Acho que o avanço fundamental, ou coisa notável que aconteceu, foi que houve grandes empresas com grande poder tecnológico que decidiram investir brutalmente em ciências de dados porque usaram isso como modelo de negócio, porque isso era a base do seu modelo de negócio. Aquela história do livro muito famoso do Tim, não sei se é muito famoso, mas pelo menos é bastante, é o Tim Wu do Attention Merchant, dos mercadores da atenção, porque esse é o modelo de negócio que fez o Google uma empresa fabulosamente rica e a Facebook tem com valorizações de centenas de milhares, milhes
José Maria Pimentel
de reais.
Mário Figueiredo
Basicamente o modelo de negócio dele é capturar o nosso tempo e a nossa atenção para depois o vender. E portanto, quanto melhor conheçam as pessoas, melhor. E portanto, é a técnica, registam tudo aquilo que nós fazemos, quando estamos online, no telefone e são quantidades de dados de apreciamento brutais.
José Maria Pimentel
O que é interessante daí, que é uma coisa que facilmente, aliás não é o primeiro tema em que isto surge, é uma coisa que facilmente nos pode escapar, a importância que tem o investimento, sobretudo o investimento privado que existe numa determinada área e o interesse que existe dos privados numa determinada área. E isto, grande parte da evolução tem a ver com isso, com empresas privadas terem um interesse. Muito. Neste
Mário Figueiredo
caso, até, quando é clássico, quando as pessoas que fazem apresentações sobre a história da incidência artificial ou a evolução do deep learning recentemente falam, ah pois porque apareceram os GPUs e apareceram não sei o quê, apareceram as redes convolucionais e apareceram não sei o quê. A verdadeira razão que está por trás disso tudo foi porque a Google e a Facebook decidiram que estas são as ferramentas que nós vamos precisar e atiraram com centenas, milhões de dinheiros para cima do problema e contrataram os mentores mais capazes da área e isso tem que dar. Se não tivessem investido numa outra tecnologia para o mesmo fim, ligeiramente diferente e tivessem atirado a mesma quantidade de dinheiro para cima em mesma quantidade de pessoas, eu acho que essa outra teria sido a outra. Eles elegeram aquela e investiram de tal forma naquilo que aquilo só podia funcionar.
José Maria Pimentel
Isso é contraintuitivo. Nós tendemos a achar que nessas coisas que há uma... E isso tem a ver até com a questão da inteligência artificial geral que é que avemos de falar, mas nós tendemos a achar que muitas vezes as barreiras são são barreiras de conhecimento, o nível de conhecimento, quando muitas vezes, na maior parte dos temas, as barreiras são barreiras económicas, em certo sentido. Quanto é que se investe em tentar... Há vários exemplos disso. E o Daulinho é um bom exemplo disso.
Mário Figueiredo
Vocês, aqui no 45°, falaste disso com o Luís
José Maria Pimentel
Oliveira Silva. Exatamente. Relativamente à fusão. Exatamente.
Mário Figueiredo
Se investir determinada quantidade de dinheiro é provável que se consigam por não sei quantos anos. Foi dos momentos que eu tenho memória mais
José Maria Pimentel
vívida do podcast foi esse, porque eu não estava nada à espera e continuou a ser um puzzle para mim.
Mário Figueiredo
E aqui foi claramente isso que aconteceu, na minha opinião, é provavelmente poder ver quem discorda, mas foi o fator primordial, foi essencialmente a Amazon, esqueci de referir a Amazon, a Facebook e a Google, que decidiram aquela é a tecnologia e nós vamos investir naquilo a fundo e pronto, e é que avançou muito.
José Maria Pimentel
Isso é curioso, os exemplos dos gigantes tecnológicos têm sobretudo que ver com a geração e a utilização, ou seja, a interpretação de dados relativos à atividade humana, ao comportamento humano. Mas como tu, aliás, referes no artigo que partilhaste comigo, a ciência de dados ou as ciências de dados têm sido utilizadas também em muitas outras áreas que não têm a ver com... Muitas outras áreas da ciência que não têm a ver com o ser humano.
Mário Figueiredo
A ciência hoje em dia é muito data-based, não é? Não toda, não é? Obviamente que ainda há físicos que pensam apenas em equações e que fazem teoria, mas a grande física, por exemplo, ou a biologia hoje em dia são extremamente baseadas em dados. Mas a biologia, por exemplo... Já há muito tempo, a biologia já há muito tempo, aquilo que se chama bioinformática. Sim, mas
José Maria Pimentel
eu tinha ideia que esse... Estou muito fora desse tema, mas tinha a ideia que isso tinha mais que ver, do lado da biologia, com simulações, mais do que propriamente com recolha de dados neste sentido, no sentido de dados reais. Não,
Mário Figueiredo
dados reais, dados de expressão genética, sequenciamento, aquelas coisas todas, que são grandes obras de engenharia informática e de análise de dados e de machine learning. Muito mesmo, são basicamente isso. E portanto, a biologia foi uma das primeiras áreas da ciência a ficar extremamente informatizada ou data-scientizada já há muito tempo e na biologia desenvolveram-se muitas coisas que depois passaram por outras áreas da ciência, como os grandes repositórios de dados acessíveis publicamente, esse tipo de coisas, muitas dessas coisas apareceram na biologia.
José Maria Pimentel
É engraçado isso, por acaso, porque eu até ao pensar nisso lembrei-me de uma conversa que estava a vir aqui há uns tempos, entre o Richard Dawkins e o Brett Weinstein, que é um tipo também biólogo evolutivo americano. Foi engraçado, até porque eu estava até a divergir nesse ponto, mas o segundo dizia que a biologia se tinha tornado, lá está, demasiado informatizada, no sentido de demasiado dependente do output de modelos e na opinião dele faltava ali algum, se quiseres, alguma criatividade ou rasgo humano, isso também está relacionado com a questão da inteligência artificial também, no sentido de encontrar explicações novas, não é? Pois. E não parar naquele paradigma do... No fundo, o que ele argumentava é que se tinha mais ou menos parado na revolução que o Dawkins fez e depois, desde então, tinha sido pequenos ajustes e pequenos melhoramentos ao que ele... Ao grande salto de conhecidade por ele. Pois. Eu não sou de modo nenhum especialista em biologia,
Mário Figueiredo
portanto não me sinto muito avalizado. Sim, sim, sim. Não, eu sei. Para falar de epistemologia da biologia moderna. A biologia hoje em dia tem um impacto muito grande na medicina, não é? Exato. Tem um foco muito grande em tentar descobrir, por exemplo, explicar, descobrir genes que são relevantes para um determinado cancro, esse tipo de coisas. Põe-se muito numa postura de tentar arranjar boas previsões, de ser um bom preditor para uma coisa qualquer, nem que seja uma black box, nem que seja uma coisa baseada em machine learning, que depois não tem grande interpretação e que não dá grande insight científico, mas obviamente que isso não é tudo. Há muitos biólogos a tentar usar ferramentas de machine learning e outras para tentar perceber coisas e para tentar ter insight sobre a biologia e, portanto, não é só isso. Sim, sim, claro. Mas há outras áreas, as áreas mais mediáticas da ciência, como por exemplo a radioastronomia, o radiotelescópio moderno, ou as coisas novas, o Square Kilometer Array, que geram, aqui está aqui no plan intendant, a quantidade astronómica de dados. Exato. Os números são mesmo muito astronómicos, não só no sentido que são dados, mas quantidades brutais de dados. A parte de infraestrutura de armazenamento e análise e processamento de dados num radiodelescópio moderno é uma coisa quase tão importante como tudo o resto. E na física de partículas é a mesma coisa porque aquilo gera quantidades de dados brutais, uma experiência daquelas gera quantidades de dados brutais, às vezes demoram anos e anos a analisar.
José Maria Pimentel
Claro, mas esse é, por acaso, um ótimo exemplo, falares da astronomia e da física de partículas porque é um bom ponto para outro ponto de vista em relação a isso, relacionado com aquele artigo ultra interessante que partilhaste comigo daquela equipa da Google, entre os quais um português. Sim, do Fernando Pereira. Do Fernando Pereira, exatamente, chamado The Unreasonable
Mário Figueiredo
Effectiveness of Data,
José Maria Pimentel
que é uma referência àquele, ou a um artigo mais conhecido ainda relacionado com a pouco razoável eficácia da matemática nas ciências naturais. E o argumento deles, que é interessante e mostra o poder que isto tem, lá está e mostra como poderoso isso pode ser em coisas como astronomia física de partículas, é um argumento interessante porque o que ele diz literalmente é que com quantidades maciças de dados nós podemos chegar a conclusões melhores do que aquelas a que chegaríamos à procura de um modelo perfeito para explicar uma determinada realidade. E isso é interessante, ou seja, não indo através do modelo, não indo através da formulação matemática, mas sim ver aquilo que os dados nos diz por muito que a explicação que resulte disso não seja uma explicação elegante.
Mário Figueiredo
Eles, tenho certeza, estão mais a pensar em coisas de ciências humanas. O exemplo que começam a acordar é até de uma gramática. Uma gramática é uma coisa que não tem nenhum modelo simples, é uma coisa infinitamente complexa. E até houve aquela expressão engraçada de que os economistas têm inveja dos físicos. Exatamente. Mas eu diria que em áreas como a física, portanto, em física pelo menos, o exemplo, por exemplo, da descoberta das ondas gravíticas ou do bosão digs ou não sei o quê, há uma hipótese científica por trás, que não resultou da análise de dados nenhum, mas é halladoides, não é? Sim, aquilo é o contrário. Exatamente. Há uma hipótese que vem de uma teoria explicativa para uma coisa qualquer e depois monta-se uma experiência e geralmente são coisas difíceis, já se tem sido descoberto a dar mais tempo, as experiências são muito indiretas, as medidas são muito delicadas, todo o equipamento gera uma grande quantidade de dados que é preciso analisar com técnicas sofisticadas de análise
José Maria Pimentel
de dados, não é extraída uma explicação a partir de análise de dados. Esse exemplo, o exemplo do Boson Diggs, por exemplo, é um exemplo, em certo sentido, mais da ciência, não digo clássica, mas da ciência pré-revolução dos dados, no sentido em que se está a testar o modelo, não é? E não espera que os dados nos dêem... Sim, não espera,
Mário Figueiredo
sim, sim, mas claro, é verdade. Eu gosto muito de referir um autor que já morreu há uns 100 anos, até há 10 anos, que é o Jim Gray, que tem aquela uma teoria que diz que a ciência teve quatro paradigmas. Tem quatro paradigmas, estamos no quarto hoje
José Maria Pimentel
em dia.
Mário Figueiredo
Embora ele diga e explique bem que os paradigmas não necessariamente substituem o anterior. Portanto, eles coexistem. Sobrepõem-se. Sobrepõem-se, coexistem e alargam o campo de aplicação. Tirando o primeiro, talvez, que já não subsistem praticamente em nenhuma área. O primeiro era o paradigma fenomenológico dos primórdios da ciência, apenas descritivo. Depois o segundo é a matematização das ciências que conseguiram matematizar-se, nem todas, não é? Primeiramente a física com equações simples que descrevem, pronto, muito próximo do artigo do Vigneth que é 1960, que foi basicamente o final do século XIX ou mais para trás ainda, começar com Newton até, digamos, até ao advento da física quântica, que são equações matemáticas simples que supostamente descrevem a realidade. O que é que é descrever e o que é que é explicar são coisas delicadas, mas pronto, descrevem a realidade. Depois o terceiro paradigma é, ok, temos estas equações simples que modelam a realidade a um nível muito abstrato, mas a realidade é complexa e, portanto, se eu tiver, embora eu saiba, por exemplo, sei, conheço exatamente as leis, descrever as leis da gravitação, Se eu quiser prever o que é que vai acontecer, há três objetos ou quatro objetos que interagem. Isso é computacionalmente muito complicado e, portanto, a terceira paradigma é a simulação. Ou se eu quiser prever o que acontece com plasma, com o isolamento de trabalho. Então, embora estejamos baseados em modelos matemáticos, eles são demasiado complicados para que consigas trair previsões ou conclusões analiticamente. Para manusear. Para manusear e, portanto, é a era do ouro da simulação e da grande computação e do aparecimento dos grandes computadores. Super, como é a parte do super computador, mas que há hoje em dia, são basicamente dedicados à simulação de fenómenos complexos. Desde o que acontece quando rebenta uma bomba atómica, até clima, para a visão meteorológica, até os plasmas, etc. E depois há o quarto paradigma que é o paradigma baseado em dados. E ele explica isso muito bem, tem um desenho bastante alusivo, em que dizem que os dados são muita coisa. Dados são, por exemplo, dados to-cure, quando eu tenho observações astronómicas, por exemplo. São também, posso ter, Se eu tiver simulações do mesmo fenómeno que estou a estudar, também tenho resultados de simulação, também são dados. Posso juntar os dois. Depois tem literatura, que também são dados, papers, artigos sobre aquele assunto, também são dados. E eu posso juntar isso tudo. E se eu tiver ferramentas de análise de dados que eu consiga misturar resultados de simulação com observações experimentais, com conhecimentos que há na literatura e de conseguir, depois coloca o cientista à frente, um boneco, ilustrativo, coloca o cientista à frente do terminal e diz a palavra fundamental é query, perguntas. Formula hipóteses, coloca perguntas e com uma ferramenta qualquer de análise de dados confirma ou não aquela hipótese olhando para aquilo tudo de junto, que é uma coisa que é difícil de fazer. E, portanto, um aprendimento científico moderno tem uma parte de forçamento, gestão e análise de dados sempre muito grande.
José Maria Pimentel
E aí, nesse caso, os dados que se está a usar, lá está a correspondência sobreposição de vários paradigmas, porque parte deles vem do terceiro que falavas há
Mário Figueiredo
pouco. O terceiro, por sua vez, estão suportados no segundo, que é uma temática que lhe é subjacente.
José Maria Pimentel
Sim, isso é interessante, é interessante essa articulação dos vários paradigmas. Pois,
Mário Figueiredo
eles complementam-se, de certa forma. Sim,
José Maria Pimentel
exatamente. O que eu estava a dizer, e bem, que o artigo tem sobretudo a ver com a utilização destes dados para fenómenos humanos. O que em si mesmo é interessante, porque o que eu... Aliás, está relacionado de certa forma com a questão dos sistemas complexos que eu falei com o Francisco no episódio anterior e que tem a ver com o facto de ser muito difícil, provavelmente não se sabe se extremamente difícil ou impossível, é reduzir fenómenos humanos a essas equações simples. O que em si mesmo é interessante. Eu inclino mais para a hipótese do impossível no sentido em que os fenómenos humanos, ao contrário de fenómenos naturais, têm um lado mais ou menos determinístico, que daria para reduzir esse núcleo comum, tem um lado aleatório, mas também tem em si mesmo coisas que vão para lá disso, ou seja, tem o facto de a nossa atuação não ser coerente entre si, tem o facto de ideal ter erro, lá está a gramática, um bom exemplo disso, tem o facto da nossa atuação ser diferente entre uns e outros, ou seja, nós temos personalidades diferentes, escolhas diferentes, motivações diferentes, e isso também se alterar ao longo do tempo, ou seja, na prática é vir tudo. Eu acho que é mesmo impossível conseguir sequer, no mundo ideal, reduzir isso a um conjunto de equações
Mário Figueiredo
basilares. Equações determinísticas certamente não, mas o modelo estatístico, por exemplo, sim. Probalístico. Probalístico, há aquelas coisas que tu já falaste em episódios anteriores, já não me lembro em qual, daquele modelo dos 5 fatores, não é? É uma coisa de análise de dados alimentados, deve ser um principal componente de análise ou factorial de análise, uma coisa qualquer, né? E aquilo é até um modelo com algum poder predictivo, e consegue-se fazer inclinar eleições usando coisas daquelas. Há o exemplo famoso do Cambridge Analytica, que é baseado num artigo dos psicólogos sociólogos de Cambridge, que mostram que com base nos perfis de likes consegue-se extrair um modelo parecido com esse, ao mesmo tempo dos detalhes, e com base nisso desenhar, uma vez mais, é uma boa aplicação, uma má aplicação de ciência de dados, desenhar publicidade afinada para aquela pessoa e para as suas características que foi extraído a partir desses modelos muito simples. Então, embora obviamente isto é tudo falível e é tudo probabilístico e é só estatístico, há aí uma emergência de uma regularidade que é possível descrever com expressões matemáticas,
José Maria Pimentel
claro, estatísticas. Sim, sim, sim, sim, probabilísticas. O ponto, e eu acho que esse é um dos pontos do Artigo, é que descrevendo dessa forma, descrevendo de uma forma, como é que eu ia dizer, para forçar o sistema a ser descrito de uma forma relativamente simples, nós vamos estar a perder informação.
Mário Figueiredo
Perdemos detalhe. Claro, claro, claro. Course graining, que é o chamado, course graining, é o que é o passado. É o? Course graining, que é a granularidade mais grossa. É como se desfocássemos a imagem para ver os principais aspectos. Mas
José Maria Pimentel
no fundo aqui o que é... Aliás, até vou por isto de outra forma, que era até a pergunta que eu te queria fazer, do ponto de vista desta inter-relação entre ciência de dados e a utilização de modelos matemáticos, por exemplo, para retratar a realidade e um se adequar mais do que o outro, há uma diferença entre fenómenos humanos e outro tipo de fenómenos, sejam eles fenómenos biológicos
Mário Figueiredo
do nível celular ou do cérebro. Claro, claro. A nível celular do cérebro, eu
José Maria Pimentel
pensava que isto é física. Como? Eu pensava que isto é física. Eu ia até lá, ia desde a nossa cognição e a nossa consciência, o que acontece a nível solar, até... Mas para a física nós temos equações, quer dizer, depois há a questão de casar a física quântica com a...
Mário Figueiredo
Pô, é menos disso.
José Maria Pimentel
Mas nós temos aí equações fundamentais, não é? Agora, para o nosso cérebro não temos, por exemplo, é outro mistério.
Mário Figueiredo
O David Deutsch dá um exemplo muito engraçado, porque ele é fortemente anti-reducionista, ele diz que não faz sentido o reducionismo, ou seja, tentaste explicar um fenómeno. Eu sei que por baixo de tudo há átomos, E se eu por acaso conseguisse prever, eu conheço as equações mais ou menos, eu vou usar equações de Schrodinger ou o que for, para descrever as evoluções dos átomos, eu em princípio, mas é um princípio muito forte, eu conseguia prever tudo. Mas isso não é relevante. Ele diz assim, porquê que está um átomo, ele dá um exemplo engraçado no livro, ele
José Maria Pimentel
dá ótimos exemplos por acaso. Ele diz
Mário Figueiredo
assim, porquê que está um átomo de cobre na ponta do nariz do Churchill na estátua que está ao pé do Parlamento da Inglaterra? E ele diz assim, bom, nós sabemos porque o Churchill tem uma estátua, a estátua é de bronze, E porquê que ele tem uma estátua? Porque foi primeiro-ministro durante a guerra e, pronto, liderou a Inglaterra durante a Segunda Guerra Mundial e, pronto, é por isso que ele tem uma estátua, é por isso que há lá um átomo de bronze. É claro que toda a Segunda Guerra Mundial foi toda feita com átomos. Tudo que havia na Segunda Guerra Mundial eram átomos a comportar-se de determinada maneira, mas isso não diz absolutamente nada. Não é nesse plano que o fenómeno é interessante e não é nesse plano que devemos procurar explicações. Portanto, o reducionismo às vezes é uma coisa... Pronto, claro que tudo são Atmos, mas isso não é uma visão muito relevante. Esta escolha de canil, obviamente aí, até o Atmos podia passar para a teoria dos materiais, para o bronze, também obviamente que eu posso explicar, eu posso ver toda a Segunda Guerra Mundial usando apenas descrições com base nos materiais. As pingardas são de ferro, mas o que é que aconteceu aos materiais, para onde é que eles andaram, o que é que eles andaram a fazer? Roupa e os materiais biológicos das pessoas. Também não é o plano certo, embora já não estou a falar de átomos, estou a falar de agregados de átomos maiores, objetos, também não é nesse plano que a coisa é interessante estudar. Não é nesse plano que estão os fenómenos, não é nesse plano que estão as leis, que me interessa examinar e perceber, para perceber porque é que há uma estátua de Churchill. Sim. Era uma explicação completamente desprovida de qualquer capacidade explicativa. Sim, sim. Era apenas uma trivialidade brutal, sem nenhuma semântica relevante. Mas isto, desculpa, nós estávamos... Pronto, disse o fim. Estavas a falar
José Maria Pimentel
dos dados. Os dados,
Mário Figueiredo
para olhar para dados que têm a ver com comportamento humano. Acho que a diferença é a biologia.
José Maria Pimentel
Mas fenómenos emergentes em ambos os casos, mas fenómenos sociais de um lado, por exemplo, e outros fenómenos emergentes como a vida, por exemplo, que é um fenómeno emergente também próprio, mas que me parece que poderá ter mais regularidades ou regularidades passíveis ser reduzidas dessa forma, reduzidas a um leque de equações, enquanto a interação humana, por questões até que têm a ver, se calhar, com pessoas como o Bolívar Bitter e com as pessoas do Jânio, e a diferença entre as pessoas,
Mário Figueiredo
são tão irregulares e tão imprevisíveis que... Pois, mas é exatamente isso. Portanto, olhar para isso como fenómenos emergentes de uma outra realidade subjacente não é muito relevante para os fenómenos humanos. É esse argumento do Deutsch, não é? Que é, não vale a pena, claro, somos todos células. Se eu for estudar a Segunda Guerra Mundial, os motivos que levaram à Segunda Guerra Mundial, é melhor levantar a pensar nos seres humanos como se fossem células. Não, não,
José Maria Pimentel
claro, mas o que eu estou a perguntar é, a emergência das células para a vida é diferente da emergência dos seres humanos para a sociedade? Sim, claro. Ou são análogas?
Mário Figueiredo
Eu diria que são muito diferentes, mas obviamente o júri ainda está reunido.
José Maria Pimentel
Eu estava a pensar, na diferença do ponto de vista da utilização da ciência e dados para o estudar.
Mário Figueiredo
Eu acho que é verdade. Há coisas que são desconhecidas e coisas que são conhecidas. Há um monte de coisas que são desconhecidas. Eu acho que, por exemplo, um caso, um exemplo, eu posso usar a ciência e dados e é possível fazer, por exemplo, nem sei se é verdade isso que eu vou dizer, é verdade se não, mas é plausível porque isto é verdade em outras áreas. Eu posso, por exemplo, fazer previsão meteorológica se eu conseguisse resolver exatamente, se eu conhecesse todas as condições fronteiras, todos os detalhes da geografia, dos ventos e das pressões atmosféricas neste momento, e se eu conseguisse resolver as equações da mecânica dos fluidos com grande precisão, para conseguir fazer a previsão há alguns dias, com grande qualidade, com alguma qualidade. É preciso fazer a mesma coisa, ignorando as equações todas e pondo um sistema de machine learning, de aprendizagem automática, treinado com base em sequências climáticas ou meteorológicas dos últimos anos, fazer previsões às vezes tão boas ou melhores que aquelas com base nos modelos. Portanto, há aqui duas abordagens. Uma delas é, ok, eu sei que o fenómeno é complicado, eu até conheço as equações, mas elas são demasiado complicadas para eu tentar resolver, vou esquecer isso tudo, vou olhar para isto como um problema de processamento de dados e fazer previsão. São duas abordagens possíveis. No caso da meteorologia, que é um exemplo de física, basicamente, eu sei que estou a fazer isto usando ciência de dados, mas sei que há uma outra realidade, que eu até conheço do ponto de vista físico, matemático, com algum detalhe, embora seja complexo, por aí fica-se apenas que por dificuldades de resolver os modelos, esta via acaba por ser mais eficaz. No caso dos seres humanos, provavelmente essa outra via não existe. Só existe a via dos dados. Não existe uma via. Não tem nenhum modelo que me permita prever como é que vai ficar. Economistas, calhau, acham que tem, não
José Maria Pimentel
é? Sim, parece que tem.
Mário Figueiredo
Em alguns aspectos. Mas o modelo que me permita prever o que uma sociedade vai fazer, não existe nenhum, não tenho. Tenho que só fazer coisas com base em ciências e dados. Não era impossível ter. Não é impossível ter, não estou a dizer que é impossível, estou a dizer que neste momento não existe, não é teoria. E não é muito relevante ir para outras camadas mais baixas de realidade, como por exemplo para a biologia, é claro que todo o nosso comportamento tem um substrato biológico e nós somos biologia, não é? Ou mais para baixo ainda, células ou átomos, não é muito relevante porque não explica esses fenómenos emergentes, mas requerem outras camadas de abstração, porque obviamente podem ter input da camada de baixo, mas tem qualquer coisa de novo, são outros modelos, outros fenómenos que estão sustentados nos que estão por baixo.
José Maria Pimentel
Sim, exatamente, eles dependem do que estão por baixo, embora entre seres humanos, a partir do que está por baixo não varia, não é?
Mário Figueiredo
Pois, não varia muito. Não varia muito.
José Maria Pimentel
O importante é mesmo que possa variar. Eu estava a pensar em relação a esta questão, até para voltar um bocadinho atrás, em relação à ciência de dados mais no geral. Uma coisa que tu falas também e que me deixou a pensar é a questão de ser importante também para a ciência de dados estando a estudar fenómenos humanos e no fundo beber às humanidades e às ciências sociais. É uma coisa que já vi dita várias vezes, acho um ponto de vista interessante, mas fico sempre na dúvida sobre o que é que isso quer dizer exatamente. Ou seja, para pessoas de ciências de dados, sobretudo de humanidades, serem úteis à ciência de dados ou poderem usá-la, também precisariam elas próprias de outro tipo de formação, não é? Isto está um bocadinho relacionado com o sistema
Mário Figueiredo
de ensino. Eu acho que é ter um bocadinho mais, mais, um espectro mais largo na formação, porque hoje em dia ciências de dados, ou, uma vez mais, fico sempre desconfortável com a palavra, mas, ciências de dados são tão relevantes em tantas áreas da sociedade, não é? E têm um impacto tão grande na sociedade, que as pessoas que estudam ciências sociais não podem ignorar essas coisas. Não podem ignorar que toda a gente anda, vamos no métrico e 70% das pessoas estão a andar para o telemóvel, não é? E portanto, de facto, está a afetar a vida das pessoas. As pessoas têm uma interação com a realidade que está profundamente afetada pelo facto de haver não sei quantas empresas que fazem tudo o que podem usando técnicas de ciências de dados para manterem a atenção da pessoa capturada e com sucesso, não é? Sim. E, portanto, os sociólogos, os psicólogos não podem ignorar essa realidade, não é? Por outro lado, quando há dados que são usados para tomar decisões, as pessoas que estão envolvidas nessas decisões têm que saber exatamente, ou devem saber, devem estar conscientes de como é que são tomadas as decisões com base nos dados e, portanto, precisam de uma gosta de expressão de literacia, de dar literacia relativamente a como é que os dados são adquiridos, processados, questões de limitações. Há um exemplo muito interessante, saiu um artigo há uns meses, mas foi republicado agora, há uma revista nova, a Universidade de Harvard lançou uma revista nova chamada Harvard Data Science Review, saiu o número um há uma semana ou duas. Há um artigo muito interessante do Michael Jordan que eu...
José Maria Pimentel
Sim, mandaste-me, sim, sim.
Mário Figueiredo
Em que ele dá lá um exemplo muito engraçado, eu o vi uma semana passada a falar ao vivo numa conferência, ele contou essa história que ele tinha, a mulher dele estava grávida, eles foram a fazer uma ecografia e apareceram uns pontinhos brancos no coração, suponho que era no coração, já não me lembro. Sim, tem a ideia que sim. Não me lembro dos detalhes. E a médica disse, bom, isto é de acordo com a norma, isto é indicativo da possibilidade de... Síndrome de Down. Síndrome de Down, exatamente. O INDES, agora. A probabilidade do INDES aumentou muito a probabilidade de ter síndrome de Down e, portanto, recomendamos o MAMI ao sintese, que é uma intervenção com algum risco. E ele, como cientista de dados, ele me perguntou, não, mas Eu quero saber de onde é que vem este critério, como é que foi, baseado em que estudos, lá nos estudos, metastudos, medicina baseada em evidência, tudo bem, é a maneira correta de fazer medicina, mas tem limitações, nada é perfeito. Então ele tentou saber em que anos é que tinham feito, é que sejam feitos os estudos que levaram à conclusão de que aquelas pintas são indicativas daquilo e daquela forma. E concluiu que a resolução dos aparelhos, com base nos quais tinha sido feito, para dizer que é a geografia, tinham sido feitos todos os estudos que depois com os metastudos e com a extração de evidência tinha levado à conclusão de que aquilo era indicativo daquilo, eram, tinham uma resolução menor do que os aparelhos que eram usados hoje em dia e portanto estava-se a verificar uma ocorrência muito maior de diagnósticos nesse sentido, muitos deles falsos positivos, portanto o número de falsos positivos estava a crescer imenso, simplesmente porque não havia uma clara consciência das limitações dos dados que tinham sido usados para extrair aquela conclusão e aquela norma de conduta do médico que é se acontecer isto, então tem que fazer aquilo. Esse é um
José Maria Pimentel
exemplo muito curioso, acaso também deixa imensa piada, o exemplo, e sobretudo tem piada o facto de ele ter conseguido deslindar a coisa. E é uma coisa um bocadinho desconcertante porque há um lado de tudo isto e isso lembrou-me até da questão da análise dos sistemas complexos. Pelo menos eu sinto sempre essa ambivalência em relação aos progressos que são feitos nessa área, porque num momento a pessoa fica impressionada com uma determinada conclusão que é tirada. O problema é que os sistemas são tão complexos e têm tantas variáveis que essas conclusões muitas vezes para serem extrapoladas é preciso fazê-lo com muito cuidado. E esse é um exemplo, e nem é um exemplo por aí além, de uma experiência ou uma investigação que para ser interpretada corretamente nós temos que conhecer, bota mapa, temos que conhecer perfeitamente bem e conhecer todas as variáveis que estavam, todas as variáveis que existiam ou os valores para todas as variáveis que influenciaram aquilo, de modo a conseguir tirar conclusões para o futuro. Caso contrário, acaba por na prática não ser especialmente útil.
Mário Figueiredo
Pois, exatamente. Ou pronto, até
José Maria Pimentel
se pode argumentar que é útil nos grandes números, mas
Mário Figueiredo
nos casos particulares... Provavelmente é mais útil do que... É mais positivo do que negativo, até acaba por ter
José Maria Pimentel
um efeito
Mário Figueiredo
positivo. E obviamente que não estou de modo nenhum a argumentar que todas as pessoas, quando lhes é feito um diagnóstico, devam ir a investigar de que modo é que foi calibrado o instrumento, etc. Porque as pessoas não têm capacidade para isso. Mas quem escreve as indicações que são seguidas pelos médicos, por exemplo, são pessoas que têm que estar muito conscientes das limitações das análises estatísticas, dos grandes volumes de dados.
José Maria Pimentel
Um exemplo que agora estava a me lembrar que até é melhor do que este, que é uma área em que eu me lembro muito, em que me ocorre muito essa dúvida, que é a área da nutrição. A nutrição tem muito esse problema, ou seja, há um estudo qualquer que conclui qualquer coisa, conclui que beber um copo de água de manhã aumenta a longevidade no ano. Esse estudo provavelmente interessa pouco. O estudo até pode estar muito bem feito, mas tem tantas, tantas, tantas variáveis que no meu caso, eu, para mim próprio, não, para a venda nem sequer as consigo medir e para as medir todas seria um trabalho hercúleo de andar a estudar o efeito de cada uma daquelas variáveis, que na prática a última análise adiantou pouco. Que é um bocadinho desconcertante, não é? Porque para todos os efeitos é assim que a ciência avança, mas com realidades tão complexas neste sentido... Pois, a indirecção é um bom exemplo. As pessoas estão sempre a
Mário Figueiredo
dizer, agora dizem que o chouriço faz mal, mas para o ano dizem que o chouriço faz bem. E depois
Mário Figueiredo
perde credibilidade até por aí. Sim, perde credibilidade por aí, mas também
Mário Figueiredo
aí há um pouco de culpa dos mídias, não é? Não há nenhum estudo que sai a dizer que uma coisa faz bem, que uma coisa faz mal, que não tenha muita visibilidade dos mídias. Os tremos chamam a atenção. Os tremos chamam a atenção. E os estudos que são para levar a sério aí são estudos muito grandes. Ou é preciso olhar, por exemplo, quais são as recomendações da Organização Mundial de Saúde, que são sempre muito cuidadosas. Eles agora dizem que, de facto, as carnes processadas, de facto, aparentemente fazem de facto mal. Mas Eles demoraram muitos anos a dizer isto, não é? E é com base em muitos metastudos e... É claro que nada disto é infalível, não é? Mas, digamos, o trend é na direção certa. Há muitas flutuações, mas, na minha opinião, o trend é na direção certa. Aquilo que se sabe hoje é melhor do que se sabia há
José Maria Pimentel
20 anos. Também me parece, estou de acordo em relação a isso. Uma das coisas curiosas da nutrição é que existem pessoas com muitos anos, credíveis e com muitos anos a pensar sobre o tema, com opiniões diametralmente diferentes em relação ao papel dos açúcares. Em relação ao açúcar tem às
Mário Figueiredo
vezes pessoas... Do açúcar já não, do açúcar já
José Maria Pimentel
não. Não, Por exemplo, há uma parte da corrente vegetariana que tem uma postura muito neutra em relação ao açúcar e há pessoas do outro lado que tratam o açúcar como se fosse cocaína, como se fosse uma
Mário Figueiredo
droga. Sim, sim, são exageros para um lado e quer para o outro, não é?
José Maria Pimentel
Dizes tu e eu até tendo a concordar, não é? Mas a verdade é que há pessoas a... E a nutrição tem outro problema, não é? É que a nutrição é só uma. Com toda a complexidade que cai dentro da nutrição, é só uma das variáveis que influem sobre a nossa saúde. Claro, claro. Pois Há um monte de outras. Até a nossa socialização. Há algumas que não são variáveis nenhumas que é só sorte. Exatamente. Há o aleatório, há o genético. O aleatório é muito grande. Exatamente. Há coisas como a socialização, o futebolismo, o desporto, há tantas, tantas coisas que é... E mesmo a questão, eu lembro sempre do exemplo de Espanha. Espanha é dos... Espanha, salvo o erro, não quero estar a mentir, mas julgo que é o país da União Europeia com maior esperança de média de vida. E eles, quer dizer, comem presunto em barda. Obviamente que também tem um bocadinho de cliché, não é provavelmente a dieta de toda a gente, mas, sei lá, a pessoa que conhece as tapas e não sei o quê, tudo aquilo é baseado em... Sim, melhor provavelmente não comer tapas todos os dias. Exato, é certo que não, mas come mais do que nós, de certeza. Sim, come mais do que nós. E presunto come, já não sei quem é que me contava uma vez uma compiada que alguém que tinha vivido em Espanha e eles tinham aquela coisa, não era roda alimentar mas era uma coisa do género e diziam, ah presunto uma vez por semana ou presunto uma vez por dia, era uma coisa de género e eu era para que dizer, presunto? Mas isto não é suposto fazer bem, mas como é um produto local É um produto general, sim. Eles vendiam o presunto.
Mário Figueiredo
Como é a coisa do Salazar, não é? Que bebinha, dar de comer a um milhão de portugueses. Exato.
José Maria Pimentel
Eu tenho um like de foto para o presunto. Comer presunto
Mário Figueiredo
é dar de alimentar um milhão de espanhóis. Sim, exatamente. Sim, mas eu acho que a trend é no sentido positivo. O que se sabe hoje em dia, obviamente, nunca é certo, também nessas áreas, mas sabe-se mais do que se sabia há 20 anos. No açúcar, acho que há um certo consenso que te faz de facto mal. Açúcar refinado, açúcar adicionado. Não quero imitar
José Maria Pimentel
o professor, mas eu sou profissional desse ofício. Você está a falar disto do ponto de vista da complexidade dos dados, não do ponto de vista do substancial, do substantivo. Já estudo muito, e pronto, há certas
Mário Figueiredo
áreas em que há estudos gigantescos, com centenas de milhares de pessoas, com meta-estudos.
José Maria Pimentel
É verdade, sim, ao longo do tempo. Longitudinais. A minha ideia não é ter uma postura relativista.
Mário Figueiredo
E é a única maneira de fazer. E deve-se continuar a fazer e vai-se continuar a fazer.
José Maria Pimentel
Sim, sim, claro, exatamente. Olá! Gostam do podcast? Se quiserem contribuir para a continuidade deste projeto e juntarem-se assim à comunidade de mecenas do 45°, podem apoiá-lo através do Patreon desde 2€ por mês. Visitem o site em www.patreon.com, escreve-se PATREON, barra com 95° por extenso e vejam os benefícios associados a cada modalidade de contribuição. Desde já obrigado pelo apoio, mas para já voltamos à conversa. Fazendo aponte para a inteligência artificial, ou seja, já falámos mais ou menos indiretamente de machine learning e foi o artigo que estávamos a falar um bocadinho do David Deutsch relacionava exatamente os dois tipos de inteligência artificial se é que podemos dizer assim, que muitas vezes confundem na opinião pública, porque nós tendemos a chamar inteligência artificial uma série de coisas, desde logo até a ciência de dados, e a inteligência artificial que é utilizada através de algoritmos para tarefas relativamente específicas com aquilo que cai mais no imaginário público, mas também é muito discutido entre cientistas e entre filósofos, a inteligência artificial no sentido de mimetizar o ser humano. A inteligência artificial geral. Exatamente. O artigo dele é interessante e o outro artigo do Michael Jordan, que não é o jogador de basquete, também vai um bocadinho nesse sentido, no fundo de, por um lado, distinguir as duas claramente e, por outro lado, pôr preto no branco o facto de a maior parte do investimento que tem sido feito, e no fundo disso que nós estávamos a falar, de tudo aquilo que foi a boleia da ciência de dados e não só, tem sobretudo que ver com esta narrow AI, inteligência artificial restrita. E a grande questão que sobra aqui, eu já, como sabes, não é a primeira vez, já falei disso com o William Oliver e também de uma maneira um bocadinho diferente com o Gotham Galacutico da Champalimau, mas mais do ponto de vista das neurociências. O grande mistério, e eu gostava de ter a tua opinião em relação a isso, é em que medida é que os grandes progressos que têm sido feitos na inteligência artificial restrita podem ou não alimentar alguma vez ser conseguido uma inteligência artificial que mimetiza aquilo que é diferente nos seres humanos. Isso é engraçado porque tu tens pontos de vista muito diferentes, tens o ponto de vista de que este é o caminho e algures haverá algum breakthrough de repente e consegue-se criar o criatividade, a consciência, o que é que se quer chamar, o sexo, é que se quer é tudo a mesma coisa e ao ponto de vista, como por exemplo é o ponto de vista do David Deutch, quer dizer, isso não tem rigorosamente nada a ver e não é por ali que nós lá vamos, não é? Eu até usava uma analogia engraçada, seria a mesma coisa de construir uma
Mário Figueiredo
reina de céus e esperar que voe. E esperar que voe. Fazendo-o cada vez mais alto e esperar que um dia ele voe. Tu inclinas-te mais para qual? Eu me inclino mais para o David Dodge. Eu sou bastante próximo do David Dodge. Dodgeiano. Dodgeiano, nesse aspecto. Porque eu acho que a digital artificial, aquilo que hoje em dia se chama inteligência artificial e que se vê nos mídias, que é reconhecimento de imagens, tradução automática, esse tipo de coisa, Chamar de inteligência é um bocadinho, acho que é um bocado forte, né? Durante muitos anos nisso não se chamou inteligência artificial. Mas inteligência artificial, na origem, era um... Foi um nome inventado lá pelo David McCarthy, em 1957, acho eu. Era
José Maria Pimentel
para diferenciar da... A ideia dele acho que era diferenciar aquilo da corrente do... Daquele que era no fundo o mentor dele, que era a cibernética. Cibernética,
Mário Figueiredo
do Wiener, do Norbert Wiener.
José Maria Pimentel
Ou seja, para diferenciar da cibernética, ele fez o rebranding para inteligência artificial. Estou a que eu apanhei, mas admito que possa... Sim,
Mário Figueiredo
a cibernética é uma coisa, é uma palavra que eu suponho inventada pelo Norbert Wiener, que de certa forma está, é insuficientemente conhecido pelas pessoas que olham para estes assuntos, porque ele é que está lá mais para trás, mesmo na base dessas coisas todas. Porque a cibernética, como ele a definiu, era a teoria ou a ciência que estuda o controle nos animais e nas máquinas. Ele via tudo isto como sistemas de controle, de retroação, portanto, que estabeleciam o controlo dos circuitos. Aliás, está muito na agenda das redes neuronais artificiais, nas primeiras, esta ideia de retroação e de que a rede faz uma determinada coisa, é testada, aquilo não é exatamente aquilo que eu queria, faz-se uma retroação, corrige-se ligeiramente os pesos. Mas parece que tem coisa iterativa. Coisa iterativa de correção sucessiva que é muito no espírito da retroação, quando a teoria do controlo, que foi criada pelo Wiener. O Willer e o Wiener é que levou para o MIT alguns dos primeiros nomes da inteligência artificial, nomeadamente no campo da visão e das redes neuronais. Mas o McCarthy criou então esse branding de inteligência artificial, artificial intelligence, em 1957. E é muito engraçado que a primeira área de aplicação mais emblemática eram os jogos. Em 1950 e poucos havia uma máquina que jogava ao galo e nunca perdia. Depois essa máquina foi desmantelada e nunca se recuperou, foi no Canadá. E depois a seguir as primeiras tentativas eram damas, xadrez, não é? Aquelas coisas que eram consideradas porque havia aquela associação entre uma pessoa inteligente jogava em xadrez, não é? Por exemplo, se eu vou fazer uma máquina inteligente um bom teste é jogar xadrez. Mas os seres humanos são muito maus a prever a dificuldade dos problemas. A inteligência artificial, a história da inteligência artificial, do machine learning está cheia de coisas que pareciam fáceis e que afinal eram muito difíceis. E vice-versa. Coisas que pareciam difíceis e afinal não eram difíceis. E o jogar o jogo de xadrez é um exemplo de uma que parecia muito difícil. Para nós, Nós vemos uma pessoa que joga beijaderejo como uma pessoa muito inteligente, está no nível das pessoas inteligentes da raça humana, mas para uma máquina não é muito difícil porque aquilo é basicamente um problema de busca. Depois na altura até saíram livros e manifestos, um livro que diz que a intelligence é search. A inteligência é apenas dado uma quantidade de regras, encontrar uma melhor decisão que respeita todas essas
José Maria Pimentel
regras.
Mário Figueiredo
E, portanto, isto é que era visto originalmente como inteligência artificial. Mas havia outra, quando eu comecei a trabalhar nestas coisas, no final dos anos 80, no princípio dos anos 90. Aquilo que se chamava Inteligência Artificial desse tipo era muito mal visto, as pessoas gozavam, diziam que era o Go-Fi, que era o Good Old Fashioned AI. Já ninguém fazia nada daquilo, as pessoas faziam, era Machine Learning, faziam, tinha que ficar tudo probabilístico, tudo com modelos probabilísticos, treino. A questão fundamental deste tipo de intenção artificial e depois a seguir aparecer uma, posso contar a história, tenho a história contada várias vezes, os famosos invernos, não é? Porque... Ah, sim, sim. Os invernos da IA e antes do segundo inverno.
José Maria Pimentel
Invernos, desculpa, eu já vi esse gráfico, mas
Mário Figueiredo
para quem não está ouvindo, invernos significa que houve grandes interesses. Aconteceu, quando acontece uma promessa exagerada de grandes resultados e depois não se verifica, as pessoas perdem o interesse. Exato. Portanto, houve uma grande promessa. Um caso famoso, quando o Rosenblatt fez o primeiro Perceptron, pertente, o Perceptron é uma rede neuronal que permitia ver coisas muito simples. O artigo saiu no New York Times em 1958, assim, uma coisa... Dizia, em breve, será possível enviar máquinas destas para explorar os planetas. E assim em 1958, não é? Então é claro que nada disso aconteceu e, portanto, aquilo caiu, perdeu o interesse. Depois em Inglaterra houve um relatório famoso que é o Lighthill Report, que conclui que tinham investido muitos milhões de libras naquela área e que não tinha dado nada dos resultados que se esperava e, portanto, recomendavam que se desinvestisse em inteligência artificial. E então houve a outra perspectiva, que era a perspectiva do machine learning, que colocava no centro do problema a aquisição de conhecimento. Porque o grande bottleneck na tecnologia artificial clássica era a aquisição de conhecimento. Um especialista viu as coisas famosas chamadas expert systems, que estavam muito na moda no fim dos princípios e meados dos anos 80, até o Japão na altura criou um grande investimento para o que se chama computador da quinta geração, que eram os computadores que iam ser desenhados para ter lá dentro expertismos, sistemas periciais em português, em que eram sistemas, por exemplo, um sistema para reparar um automóvel, que tinha lá dentro todo o fluxo de raciocínio que uma pessoa teria que seguir para diagnosticar uma avariação no automóvel. E então punham especialistas, mecânicos, especialistas, engenheiros a escrever, escreva aí como é que você raciocina para encontrar a avariação no automóvel. E eles escreviam, então a primeira coisa, se houver um barulho não sei o que, vou ver não sei o que. Mas rapidamente, era impossível, nenhum especialista de nada, então se for uma coisa mais sofisticada, medicina, consegue explicar explicitamente todo o raciocínio que faz para chegar a uma conclusão. Ninguém consegue. Há falta sempre de qualquer coisa. E isso acontece a nível inconsciente, provavelmente. Muito acontece a nível inconsciente, ele não se lembra de tudo o que faz, só perante a situação em que de facto se lembra de fazer determinada pergunta, determinado teste e ele não se lembra de tudo o que faz. Portanto, esta questão do knowledge acquisition era central e foi um grande gargalo de garrafa, para usar a expressão em português, de bottleneck, daí à clássica. E eu aí, no final dos anos 80, houve outro inverno, porque caiu, houve um grande desinteresse. Houve uma altura em que mais da metade das empresas do Fortune 500 tinham grandes investimentos em sistemas principais, na banca, na indústria, em muitas áreas. Mas durou pouco tempo, aquilo foi meia dúzia de anos, uma dúzia de anos talvez, dez anos, uma década não mais que isso, depois caiu a pique de novo. Porque se percebeu ou não, o problema é de facto como é que eu adquiro conhecimento. E então haver aí o machine learning, machine learning é, coloca exatamente no centro do problema a adquirição do conhecimento. Não porque alguém explique como é que as coisas fazem, mas dando exemplos. Agora eu não consigo explicar no computador como é que eu reconheço uma cara, mas consigo dar-lhe muitos exemplos e dizer esta é uma cara, esta é uma cara, esta é uma cara, esta é uma cara e lá ao fim... Sim, no
José Maria Pimentel
fundo é dar-lhe a experiência... Dar-lhe a experiência
Mário Figueiredo
e não explicitar quais são as regras que ele tem que seguir para terminar a decisão. E nessa altura o IA antigo tinha muito má fama, era visto como uma coisa que tinha sido uma experiência falhada completamente. E ninguém falava, mas até há pouco tempo, até há... É claro que houve sempre, depois houve outras áreas do IA, houve outras coisas que ganharam o branding de IA. Intervenção Artificial nunca está sempre a usar a sigla, mas pronto, Intervenção Artificial. IA é mais curto.
José Maria Pimentel
Não, mas podes dizer IA, não está a ser. Mas IA.
Mário Figueiredo
IA, IA. Houve pessoas que trabalharam nessa área, não quero também desmerecer as pessoas que andaram mais por esse tipo de... E há áreas em que há problemas e que isso funciona, mas de facto não era, não foi o mainstream, o mainstream depois foi machine learning. Dominou, Aliás, um exemplo interessante, haverá o livro, em determinadas áreas há o chamado o livro, que é aquele livro que é considerado o livro de referência que se estuda nas universidades, nas cadeiras daquele assunto. Há um livro muito famoso que é do Norvig e do Russell. O Russell foi o que esteve aqui, esteve cá em Portugal na cultura de gesto há um mês, talvez um mês e meio. E o Norvig é um dos coautores do Fernando Pereira, naquele artigo do Unreasonable Effectiveness of Data. Tem um livro que se chama Artificial Intelligence and Modern Approach e quando começou a primeira edição do livro era basicamente artificial clássica, search, ontologia daquelas coisas todas clássicas da artificial clássica e ao longo dos anos tem vindo a cada vez mais machine learning e mais machine learning, agora tem mais de metade do livro é machine learning. Portanto, vê-se muito bem a evolução e a interpenetração do machine learning.
José Maria Pimentel
Mas a inteligência artificial clássica que subsiste hoje em dia é aplicada a quê?
Mário Figueiredo
Por exemplo, em pesquisa, em planeamento, quando eu faço um planeamento de trajetória, por exemplo, é um problema clássico de inteligência artificial, eu tenho um grafo e tenho que escolher o caminho mais curto, e é um problema típico.
José Maria Pimentel
E é um problema fechado, em certo sentido.
Mário Figueiredo
Não, lógico, eu não sou especialista em inteligência artificial clássica, portanto não quero arriscar a desenho disparado, mas também não é fechado, não está fechado.
José Maria Pimentel
Aliás, um dos problemas hoje em dia é... Mas qual é a diferença, desculpe interromper-te, mas qual é... O que eu estou a tentar tirar daqui é perceber a diferença no tipo de problemas... Sim,
Mário Figueiredo
não é tanto o tipo de problemas, mas o tipo de representação do conhecimento que usam. E, de certa forma, nós usamos um misto das duas
José Maria Pimentel
coisas.
Mário Figueiredo
Nós e o nosso cérebro. Por exemplo, uma máquina hoje em dia de machine learning que faz reconhecimento de caracteres, ou de caras, caracteres é um bom exemplo. Aquilo da Trenado que faz ler, sei lá, ler cheques automaticamente, o famoso que o Ian LeCun fez nos anos 90, que lia os cheques, foi a primeira máquina que lia cheques automaticamente, cheques manuscritos. Aquilo da Trenado apresenta-se de não sei quantos, de dezenas de milhares, centenas de milhares de exemplos, de zeros, de uns, de dois, etc. E ele aprende a reconhecer esses dígitos. Uma abordagem completamente diferente seria tentar dizer, ok, um é uma coisa assim, é um pauzinho para cima e depois um pauzinho para baixo. Um dois é, por exemplo, uma meia curva e depois aquilo inclina-se um bocadinho. É muito frágil, porque há pessoas que fazem um... No entanto, é extremamente poderoso no seguinte sentido, se eu te disser assim, vou inventar uma nova letra que é um F, maiúsculo, mas com os tracinhos horizontais, em vez de estarem virados para a direita, estão virados para a esquerda. E não precisas de ver nenhum para reconhecer um. Eu hoje em dia não consigo fazer isso em Machine Learning, eu não consigo misturar este bando. Um é uma descrição estrutural e outro é uma descrição completamente apenas estatística. Muitos disto, uns zeros são mais ou menos assim. Ele lá descobre que são as regularidades estatísticas dos zeros. Ou seja, a outra descrição é uma descrição estrutural. Eu vou inventar um novo dígito que é um zero com outra bolinha lá no meio. É uma descrição totalmente estrutural, não tem nenhum exemplo e tu não traz nenhuma dificuldade em reconhecer. Essa é uma área de investigação hoje em dia que é tentar misturar estas
José Maria Pimentel
aprendizagens estatísticas
Mário Figueiredo
baseadas em regularidades estatísticas traídas pela máquina com descrições estruturais que são extremamente eficazes e simples. Há uma área chamada que é o one-shot learning, que é o que eu disse, é só um exemplo, nós somos extremamente bons a reconhecer coisas só com um exemplo. Às vezes nem com exemplo nenhum, que é só com uma descrição estrutural ou apenas com um exemplo. Um exemplo clássico que é interessante, que eu me lembro sempre quando era miúdo, fazia coleção de cromos de jogadores de futebol. Sim, sim, também eu. E a pessoa via-o cada uma vez e nunca mais esquecia que tinha visto aquela cara. Eu sabia todos os que tinha e os que não tinha. Quando os meus amigos mostravam a pilha dos repetidos, eu sabia este tem, este não tem, este tem, este não tem. E eu só o tinha visto uma vez, não é? Que é uma capacidade perfeitamente extraordinária.
José Maria Pimentel
É incrível, sim, sim. O nosso cérebro evolutivamente é
Mário Figueiredo
completamente feito para ser cara. As ferramentas machine learning que hoje estão nos mídias, que se vê que têm desempenho extraordinários em problemas de reconhecimento, basicamente são estatística em esteroides. São quantidades maciças de dados, quantidades de cálculo brutais. Para treinar uma dessas redes está da arte para reconhecimento de imagens, são dezenas, milhares de horas de computação,
José Maria Pimentel
muitos quilowatt-hora. Sim, exatamente, mas esse é um ponto interessante disto, que aliás falava com o Gautam, embora não seja especialmente relevante para este problema, que é o facto do nosso cérebro, uma das características do nosso cérebro é ser incrivelmente eficiente. Com muito pouca energia consegue fazer. 20W, 20W. Com meros 20W consegue fazer. E, portanto, aí a inteligência artificial incentiva a nos luz. Mas, na prática, isso não é um problema prático, porque existindo a energia para fazer isso, a eficiência não... Como é que eu vou dizer? Não havendo uma limitação explícita a nível energético, a nível energético, ou seja, a nível de alimentação de energia, isso na prática não é isso que está a limitar a inteligência artificial, não é?
Mário Figueiredo
Não, não é isso, não é isso. O que está a limitar, provavelmente, é no sentido de, extrapolando para a quantidade de energia e tempo e processamento que é preciso para pôr uma máquina a resolver um problema de reconhecimento muito simples, como por exemplo, reconhecer se há um cão ou não, ou um cão na imagem, ou aquelas coisas práticas. Ou a jogar Go, que é mais complicado. Sim. É preciso uma quantidade de energia tal, que é muito superior à que um ser humano gasta. Para extrapolar isso para um ser humano geral, o jogador de gol, o Licea Doll, jogou o jogo, se calhar, comeu um hambúrguer e bebeu um café, E o Alpha Zero gastou não sei quantas quilowatt hora, não tem nada a ver. E jogou não sei quantas centenas de milhares ou milhões de jogos, coisa que o outro não poderia nunca ter feito. Porque era até de jogar um jogo de 5 a 5 minutos durante toda a vida, não é? É completamente... Há uma desigualdade.
José Maria Pimentel
O tabuleiro de jogo, para continuar nessa analogia, está inclinado. Só
Mário Figueiredo
que o Ulisse Odol, entretanto, está a jogar e consegue olhar para o lado e dizer olha, está ali a minha mãe sentada e amanhã vou não sei o que. E tem uma quantidade de outras capacidades ao mesmo tempo que estão ativas ainda e que não gastam mais watts por isso, enquanto que a outra máquina foi só desenhada para aquilo, gasta uma quantidade enorme de energia e tempo e, portanto, acho que isso dá algum suporte à tese do Dodge que não é por aí que se vai conseguir existir a AGI.
José Maria Pimentel
Sim, eu já vou a um, pelo menos, contraponto possível a isso. Embora também acho que isso faz sentido. Mas antes disso, em relação a isso que nós estamos a chamar de inteligência, de facto há aqui um problema de polissemia, não é? Nós chamamos inteligência de muitas coisas. Mas isso até na própria investigação sobre a inteligência humana. E é interessante porque a inteligência artificial, ou seja, os algoritmos, conseguem fazer melhor do que nós algumas coisas. Assim, muito de repente, pelo menos, conseguem ter duas coisas que nós não temos conseguem ter uma memória incomparavelmente melhor. Sim. A nossa memória, quer dizer, não é que a nossa memória... Para certo tipo de coisas, sim. Como? Para certo tipo de coisas. Sim. Este exemplo que eu dei
Mário Figueiredo
ao bocadinho dos cromes de futebol não tem, não é? Mas não sei se não têm, ou seja, se eu visse, imaginemos que nós não estávamos a fazer cromos da liga. Se fosse só aquela, pronto, depende como eu resolver o problema, se eu tirar uma fotografia e guardar a fotografia no computador, então, claro, aí é fácil. Mas
José Maria Pimentel
de memória visual, ou seja, eu consigo memorizar. Nós provavelmente, em meus, memorizávamos os jogadores todos da Liga Portuguesa, mas se estivéssemos a fazer coleção, todas as ligas do planeta já não funcionavam. Não, claro, claro. Memória, eu aceito. Isso eles conseguem fazer. E conseguem... Quer dizer, no fundo, isto, provavelmente computacionalmente, é o outro lado da mesma coisa, mas jogar xadrez, porque isso também mora em certo sentido, no fundo é conseguir processar o problema como um todo, enquanto nós estamos a processar como uma margem de
Mário Figueiredo
erro. Sim, estou a perceber o que quer dizer. Mesmo o melhor jogador de xadrez. Sim, mas mesmo as máquinas jogam xadrez, não jogam... Não são perfeitas. O xadrez não é um jogo resolvido, no sentido técnico do termo, o galo é um jogo resolvido. Porque um computador facilmente explora todas as possibilidades até o fim, a partir de cada posição e no xadrez não é possível já isso. Portanto, há heurísticas, há avaliação da qualidade das posições, Ele pode explorar muitas, muitas, muitas, muito mais que o ser humano. Muitas, muitas, muitas mais que o ser humano. Mas não todas. Aquilo é uma explosão combinatória, são mais do que os átomos do universo e, portanto, não é possível. Mas é brute force.
José Maria Pimentel
No fundo, o que é que é diferente na inteligência humana? O Deutsch fala, chama-lhe criatividade, no fundo é...
Mário Figueiredo
Sim, isso é o que se vê, não
José Maria Pimentel
é? É a capacidade de... Com todas estas nossas limitações, que às vezes são absurdas comparativamente com a inteligência artificial, que é assim, coisas tão simples como fazer uma conta, não é? Uma mera máquina de calcular faz uma conta mil vezes melhor do que qualquer um de nós. Mas depois existe o que ele chama de criatividade, no fundo é a capacidade de conjeturar Explicações distintas, não é? Explicação para um fenómeno que não está embutida naqueles dados, não é? E isto é um bocadinho... Quer dizer, ele chama de criatividade, o António Damasio, por exemplo, eu acho que cada um usa... Quer dizer, não querendo desmerecer, isto também é um bocadinho aquela coisa do tipo que tem o martelo e tudo são pregos. Também dependendo da área que cada um trabalha, embora os outros não trabalhem especificamente nessa área, mas para ele a criatividade é uma coisa importante. Para o Damasio, por exemplo, os sentimentos, ele chama mesmo os sentimentos, embora isto tenha que ver com a visão dele sobre o papel dos sentimentos e das emoções. Ele diferencia sentimentos e emoções, é curioso, mas é por causa da história da homeostase e do papel que isso tem no fundo na relação de um ser com o ambiente. E o ponto dele é muito mais pelos sentimentos, no fundo os sentimentos ou as emoções são aquilo que diferencia o ser humano e que está relacionado com isso. E há outras teses, há a questão da consciência que está mais ou menos relacionada com isto, mas parece-me que estão todas mais ou menos relacionadas umas com as outras. Aquilo que é difícil de perceber, e tinha uma curiosidade de saber a tua intuição em relação a isso é, e o próprio Hidóitos acaba por não chegar lá, ele só diz, talvez possamos estudar este exemplo ou aquilo para tentar perceber, é para lá da parte comportamental que nós percebemos, ou que nós talvez percebemos, O que é que está subjacente que é diferente? O que é que é de facto diferente no cérebro humano para não ser até agora pelo menos replicável?
Mário Figueiredo
Pois, eu acho que ninguém sabe, não é? A arquitetura é profundamente diferente. A arquitetura é profundamente, profundamente diferente. O cérebro humano funciona por impulsos. Na semana passada, na mesma conferência em que eu vi o Michael Jordan, estava lá um neurocientista inglês que trabalha em França, de que não me lembro o nome neste momento, que argumenta que a questão toda fundamental no cérebro, a representação da informação no cérebro é feita por impulso, isso é sabidíssimo, mas a posição do impulso e que impulso é que chega antes dos outros impulsos, que é uma coisa crítica, que é o timing, que é uma apresentação extremamente eficiente. Todas as contas, tudo aquilo que as máquinas mais sofisticadas de inteligência artificial fazem para aprender é profundamente e viruzímel do ponto de vista do cérebro, da fisiologia do cérebro, não fazem nada parecido com aquilo. Nada de nada parecido com aquilo, tirando umas coisinhas do córtex visual. E, portanto, a arquitetura é tão profunda e tão radicalmente diferente que é difícil perceber o porquê. Eu não sei o suficiente de neurociência para sequer tentar ir por aí. A única coisa que eu sei é que é profundissimamente diferente, é qualitativamente diferente, é como comparar um peixe com o submarino nuclear. São coisas muito, muito diferentes, profundamente, qualitativamente diferentes. Não tenho uma intuição de porquê que de um tipo de arquitetura, que é aquela que nós temos no cérebro, emerge criatividade e emoções, e porquê que da outra provavelmente nunca poderá, pelo menos dessa forma direta. Embora, há aquelas coisas todas, como por exemplo o Arlindo fala, é claro que eu posso simular o cérebro, não é? E aí posso imaginar que simular o cérebro, essa simulação também poderá ter emoções e poderá ter essas coisas todas. Mas isso é o, digamos, é... Mas isso já foi feito? Geralmente é o shortcut, não é? Se não para ter emoções, não. Simula-se um bocadinho nada muito pequenino do cérebro.
José Maria Pimentel
Mas porquê que não... Não sei se tens ideia porquê que não... Eu lembro de falar disso, mas fiquei na dúvida porquê que não se tentou levar isso mais por diante. É uma questão de falta de...
Mário Figueiredo
De falta de poder de cálculo, não é? É preciso um supercomputador durante não sei quanto tempo para simular dois ou três segundos de uma das colunas do córtex. E o cérebro não é só córtex, é mais um monte de outras coisas. O córtex é uma coisa muito fininha, não é? Aquela camada que está cá por fora. E o resto está lá por baixo, que é crítico para as emoções, a parte mais antigas do
José Maria Pimentel
cérebro. É engraçado, eu confesso que tinha... A ideia que eu tinha era diferente, não era que tivesse que ver com falta de poder de cálculo, ou seja, no fundo com o facto da nossa... Capacidade do nosso cérebro de ser por aí além, mas mais com conhecer tão mal que no fundo não sabemos como reproduzi-lo. Depende do nível, depende do nível
Mário Figueiredo
em que se está. Se eu quiser simular um nível muito físico quase cada um dos neurónios, ser relativamente conhecido, veja as equações da Hodgkin-Huxley, da propagação dos impulsos no axónio, isso é tudo conhecido, mas eu tenho que pôr vários, e depois cada um está ligado a não sei quantos milhares de outros, e depois não se sabe porque é que estão ligados e como é que a estrutura funciona, conheces algumas coisas a nível local e conheces a chamada conectômica macroescolar, conheces imensas coisas, mas simular isso
José Maria Pimentel
tudo globalmente é muitíssimo
Mário Figueiredo
complicado. Agora, a semana passada saiu na Nature o primeiro modelo completo e mapa completo da rede neuronal da Cielagance, que é uma minhoquinha muito bonita, tem 200 e não sei quantos, 212 ou 207,
José Maria Pimentel
250 neurones. Ah, mas eu achava
Mário Figueiredo
que isso já tinha um custo. Não, já sabia, mas mesmo assim ainda não se conhece completamente como é que ele
José Maria Pimentel
funciona. É sério? Isso é só 200 e tal neurones. Pois é, que esse é o exame que normalmente é dado, é o exemplo da minhoca.
Mário Figueiredo
E, portanto, é muito humbling. A palavra em português falta a palavra humilhante, porque não é humiliating, que seria a palavra em inglês, é humbling em português. Deve-nos colocar as coisas em perspetiva.
José Maria Pimentel
Sim, exato. Boa, isso é
Mário Figueiredo
bom. Vermos que há uma minhoquinha que tem apenas 200 e tal neurônios e que, no entanto, mexe, se vive, procura alimento, reproduz-se. Com 200 e tal neurônios, eu penso que as redes profundas do Facebook que fazem o reconhecimento das imagens têm centenas de milhões de parâmetros. Sim, é verdade. E essa não gasta 20 watts, não é? Muito
José Maria Pimentel
menos. Mas o exemplo da minhoca é curioso, porque eu achava que esse nome até dava como um contraponto, não é dizer, nós a minhoca já percebemos. Não,
Mário Figueiredo
não percebemos. Não Está totalmente percebida, é conhecida a rede, a estrutura, mas como é que funciona não é totalmente conhecida. Houve agora um grande avanço, que saiu a semana passada na Nature, saiu um artigo sobre a rede, e ainda por cima a rede do macho e da fêmea são diferentes. Exato. Saíram as duas. Eu ainda não li, vi por acaso, vi na capa e vi isso comentado numa notícia.
José Maria Pimentel
Então, mas, e uma pergunta que me ocorre é até que ponto, voltando aliás a uma ocasião que estávamos a falar, perto do início da conversa, até que ponto é que isto poderá ter que ver também com a falta de investimento nesta área? Ou seja, o investimento em inteligência artificial tem sido sobretudo direcionado para inteligência artificial estrita, não
Mário Figueiredo
é? Sim, porque é essa
José Maria Pimentel
que interessa às empresas que procuram ela. Exatamente. Esta não tem um impacto, um interesse direto. Poderá ter a ver com isso?
Mário Figueiredo
Sim, eu costumo usar o terceiro argumento, que é inteligência artificial geral, provavelmente precisava de alguém que quisesse fazê-la, não é? Mas não me parece que haja assim um grande, grande vantagem para já. Não há assim nenhuma, não estou a ver nenhuma aplicação muito forte a não ser coisas do tipo exploração espacial. Se eu quiser mandar um robô para outro planeta é bom que ele provavelmente seja capaz de tomar decisões sozinho e de falar para cá e dizer agora tenho este problema, o que é que eu faço? Sim, sim, sim. Tenho algumas ideias próprias. Esse é o exemplo clássico.
José Maria Pimentel
Até porque, e não é só isso, e também a utilização de seres humanos robôs, para utilizar uma terminologia simples, para a exploração espacial, também tem a vantagem de que podes mandar uma espécie de robô para um... Podendo fazê-lo, não tendo outras limitações técnicas, podes mandá-lo para outro sistema solar que esteja a uns anos de luz de distância, ou umas dezenas de anos de luz de distância sem problemas e não vais mandar um ser humano.
Mário Figueiredo
Pois, se bem que o Deutsch diz que esses, numa palestra, não no livro, acho que numa palestra, ele diz que essas essas indecríngeas extraterrestres sociais gerais devem de certa forma ser vistas como os nossos descendentes. São os nossos tetranetos ou pentanetos porque são eles que vão perpetuar a espécie humana no Tardware.
José Maria Pimentel
Mas isso é um bocadinho... Sim, mas esse já é um problema filosófico.
Mário Figueiredo
Fora alto. Muito lá para frente.
José Maria Pimentel
E qual é a tua opinião em relação, por exemplo, aos lives de criatividade, se quiseres chamar assim, que têm vindo das próprias manifestações da AI estrita? Aliás, foi engraçado, para preparar esta conversa, voltei a ouvir a conversa com o Adriano Oliveira, que já tem quase um ano e meio, portanto eu já na verdade quase fui ouvir como ouvinte do podcast, porque eu próprio já não lembrava de uma série de coisas, e ao momento que ele fala disso, e foi curioso porque eu ainda não tinha lido, ainda não conhecia sequer o David Hodge na altura, e ele estava a me explicar o facto do AlphaGo ter... O artigo, aliás, tinha saído há pouco tempo. O AlphaGo começou pela primeira vez estudando jogos, aprender a jogar, e depois, numa iteração seguinte, a
Mário Figueiredo
outra versão do web,
José Maria Pimentel
aprendeu sozinho. E foi curioso, porque na altura o meu comentário foi não foi só aprender sozinho mas inventou jogadas novas. E o meu comentário foi, intuitivamente, isso parece aquilo que entre os seres humanos a pessoa costuma descrever como criatividade. Que é curioso porque é exatamente a palavra que o Deutsch usa. E este é um exemplo, ou poderia ser um exemplo, de AI narrow a convergir, quer dizer, do arranha-céus a voar.
Mário Figueiredo
Eu tenho a opinião completamente diferente aí do Erling. Eu acho que não é, que isso não se pode chamar criatividade. Nós temos, é uma coisa que é uma expressão que eu acho que é irrelevante que é o chamado Agency Detection, é o Hyperactive Agency Detection, que é a gente no sentido da agência de vontade. Os seres humanos estão profundamente talhados pela evolução para identificar a agência neste sentido, não é a agência de seguros. A agência, ou seja, como é que é? Intencionalidade. Intencionalidade, talvez seja a palavra certa. Em tudo que vem, nós temos sempre que identificar a intencionalidade. Até quando não existe. Muitas vezes não existe. Por exemplo, se eu bater com a perna na mesa, fico irritado com a mesa e bate na mesa. A pessoa tem tendência a bater na porta. Que chato isso, bater na cabeça. Ou quando o computador não arranca. Agora já arranca quase sempre. Eu fico irritado com o computador. É um sentimento completamente deslocado. Vou irritar-me com o computador. O computador não está a não arrancar para me chatear. Não gosta de nós.
José Maria Pimentel
Mas isso, a evolução, desculpem, desculpem, a evolução está feita para premiar os falsos positivos, a evolução
Mário Figueiredo
é boa. Exatamente, exatamente, porque mais vale pensar que aquele buru era um
José Maria Pimentel
tigre para fugir
Mário Figueiredo
do que não ligar e de facto, afinal, era um tigre.
José Maria Pimentel
Os que não ligaram morreram.
Mário Figueiredo
Morreram de surpresa. E também está aparentemente, ou alegadamente, que há quem argumenta, que está também na origem da religião e do sobrenatural.
José Maria Pimentel
Sim, exatamente. Desculpa, eu não
Mário Figueiredo
me esqueci do que ia dizer. Eu dou um paralelo parecido, para desmontar um bocadinho, ver isso como criatividade. Quando eu era miúdo, nós tínhamos aquelas coisas que eram os calédroscópios, que a pessoa punha um tubo, havia um tubo que se punha e que despertava lá para dentro, tinha uma série de coisinhas de cor, e depois tinha uns espelhos e aquilo fazia umas imagens muito bonitas, umas simetrias, sabes o que é um euclidoscópio, não é? Sim, sim. Pronto. E a pessoa olhava, eehh, tão bonito, eehh, tão lindo. Também havia coisas daquelas desenhadas por pessoas. Aquela foi só porque calhou nas regras daquele jogo, com aquela aleatoriedade que tinha a ver com o facto de mandar aquilo à roda, aquilo fez um boneco que eu interpreto como sendo bonito, ou seja, quase consegui imaginar que aquilo foi desenhado por uma pessoa. No caso do Go, a criatividade aqui é simplesmente pelo facto de que a maneira como o Alpha joga tem uma parte aleatória, aquilo depois de ser feita as regras todas e depois de avaliar as posições, o valor das posições lá com as Deep Networks e o Deep Reinforcement Learning, há uma pesquisa, se chama Monte Carlo Tree Search, que é uma pesquisa numa árvore usando o método Monte Carlo, e portanto tem aleatoriedade E, portanto, umas vezes sai uma coisa, outras vezes sai outra, e sai. E como a variedade, a variabilidade é tão grande, de vez em quando saem coisas que nunca tinham saído, que são muito boas, porque aquilo é muito bom avaliar a qualidade das posições e avaliar quão potencialmente ganhadora é cada possível posição na qual ele possa passar daí. De vez em quando saem imagens tão boas que nunca tinham acontecido, nunca ninguém tinha visto, porque é que é uma explosão combinatória de possibilidades e algumas a pessoa olha e diz é pá, que bela ideia, nunca me tinha ocorrido. Mas não é uma ideia. Não é uma ideia, não é, é que foi o resultado de um algoritmo aleatório de pesquisa numa árvore de possibilidades que foi construída por uma rede nacional com base em observação de não sei quantos milhões de jogos e que foi até muito boa a avaliar a qualidade das exposições e naquele caso saiu aquela. É diferente, eu acho que é qualitativamente diferente.
José Maria Pimentel
Sim, é verdade, é verdade. É curioso ver
Mário Figueiredo
isso. Faz sentido. Eu não sei se dentro do nosso cérebro não há uma coisa parecida, que depois o efeito que tem é gerar ideias novas. Acho que ninguém sabe.
José Maria Pimentel
Sim, exato. Eu percebo. Ou seja, sendo diferente Não é impossível que isso esteja relacionado com a criatividade, mas não é.
Mário Figueiredo
Não é impossível que a criatividade seja só isto no nosso cérebro e apenas isto em mais quantidade. E com menos custo energético e temporal e de treino. Não é possível. Acho que ninguém sabe muito bem como é que funciona a criatividade no cérebro. Mas nós somos muito, muito generosos a heteropalmorfizar
José Maria Pimentel
e tudo parece uma pessoa. E o exemplo da arte é um exemplo... Até porque a própria criatividade, a própria criatividade tem várias acessões, não é? A criatividade na arte é diferente da criatividade na ciência. O Einstein era um tipo iminentemente criativo do ponto de vista intelectual. Eu acho que ele até gostava de tocar
Mário Figueiredo
violino, mas
José Maria Pimentel
não sei quão criativo é que ele era do ponto de vista artístico. Ou seja, a Paula Rey é criativa porque desenha coisas que ninguém desenhou antes. Inteligência artificial, eu facilmente vi a inteligência artificial a ter, sem intencionalidade, aquele tipo de criatividade, por essa aleatoriedade, por recombinar coisas, mas sem intencionalidade, mas ali temos que atribuir a intencionalidade, por isso é que falo.
Mário Figueiredo
A Paula Rei, tenho alguma dúvida, porque aquilo tem toda uma intencionalidade muito forte.
José Maria Pimentel
Não, justamente é o que eu estou a dizer, o que eu digo é, a diferença da Paula Rêgo não é o produto, é a intencionalidade que nós sabemos que ela teve ao criar. E
Mário Figueiredo
tem um estilo, não é? Exatamente. Tem um estilo extremamente marcado, tem uma mensagem, o conteúdo, a semântica das imagens.
José Maria Pimentel
Mas é verdade, mas eu concordo. Eu não vejo
Mário Figueiredo
nada, por enquanto, não é? Eu não estou a dizer que é impossível. Sim. Eu sou... Tudo é possível. Como o Deutsch diz, é possível. Não sabemos ainda como.
José Maria Pimentel
Claro. Há um exemplo, eu já não sei onde é que era, não sei se apanhaste isso, há um exemplo interessante. Agora lembrando por causa da música. Havia um tipo qualquer que estava ligado, aliás, à computação e ele dizia que basicamente era impossível criar um algoritmo que atingisse o nível de, não sei se era barra, acho que era barra, vamos supor, E ele fez uma aposta com outra pessoa da área, se há o erro, devo estar aqui a omitir alguns detalhes, mas é mais ou menos uma coisa deste género. E o outro tipo, através de Machine Learning, conseguiu criar o... Criou um algoritmo que produziu uma sinfonia, vamos supor, e mostrou ao tipo com que ele tinha feito a aposta e ele achou que era de Bach a sinfonia que tinha sido composta pelo algoritmo e foi aquela que ele elegeu como tende a ser a melhor.
Mário Figueiredo
Mas não era um músico profissional, não devia ser profissional.
José Maria Pimentel
Provavelmente, mas é interessante. Não me parece que seja impossível. Esse poderá ser um caso idêntico, ou não muito diferente, à questão dos xadrezes. Sim, sim. Aquilo é genialidade humana. Isso é mais
Mário Figueiredo
parecido com os xadrezes. Porque a música tem menos... Mas nós chamamos de criatividade. Chamamos de criatividade.
José Maria Pimentel
Ou seja, o que eu quero dizer com isto
Mário Figueiredo
é... Sim, sim, sim, porque o que eu estava a dizer, eu não descarto a possibilidade de que aquilo, o fenómeno que existe, o mecanismo que existe no nosso cérebro, que nós chamamos com toda a confiança criatividade, não seja muito parecido com isto, que a maneira como eu descrevi que acontece na jogada criativa.
José Maria Pimentel
Exatamente, exatamente. Eu não descarto essa hipótese. É isso, sim, sim, sim. Achei
Mário Figueiredo
que há ainda um nível muito grande de diferença, não é? Nomeadamente na arte, então acho que não só na arte visual, é mais fácil de imaginar, e há exemplos agora, não é? De música escrita por computadores que é bastante crédível, mas dificilmente imagino uma máquina, por enquanto, não estou a dizer que seja impossível, por enquanto, a escrever uma peça de teatro que aborde um problema humano importante, interessante e que seja e que diga qualquer coisa, tem a parte de semântica na arte é muito importante, especialmente nas formas de arte em que ela é mais explícita, como na pintura ou
José Maria Pimentel
na literatura.
Mário Figueiredo
A música é uma coisa mais abstrata, não é? A arte abstrata ou a pintura abstrata é mais abstrata.
Mário Figueiredo
Mas em todas está lá. Em todas está lá, mas algumas não têm grande semântica.
Mário Figueiredo
A semântica é um bocado inventada. Um quadro do Paulo Locke é um...
José Maria Pimentel
Mas mesmo essa é uma meta.
Mário Figueiredo
Sim, há outra coisa, mas não tem uma semântica explícita como tem um quadro da Paulo Rego, Ou do Picasso.
José Maria Pimentel
Sim, sim, sim. E a questão da identacionalidade... É que
Mário Figueiredo
ele tem uma identacionalidade intelectual, eles querem fazer aquilo porque querem dizer não sei o quê, há Guernica por
José Maria Pimentel
causa da guerra... É por isso que a pessoa também valoriza, não é? Não tanto pela parte estética do cur, não é? Eu já vi essa distinção ser feita. Não sei até que ponto, e isso está relacionado com aquilo que tu aludias, na essência não será a mesma coisa, mas a criatividade no sentido artístico e a criatividade científica, científica não é o termo certo, A criatividade no sentido da sistematização e no sentido de encontrar explicações para determinados fenómenos, esse tipo de criatividade, pensar explicações diferentes para um determinado fenómeno, eu não sei se elas são a mesma coisa na origem. Parece-me que aquela que é mais difícil replicar é a segunda.
Mário Figueiredo
Sim, também não sei. Sim, porque está sujeita a regras mais apertadas.
José Maria Pimentel
E porque implica quebrar com... Como é que eu ia dizer? Uma é exploratória, no fundo é aplicar o mesmo material de maneira diferente. E isso, a primeira, aquela que nós chamamos artística, aplicá-lo de uma maneira criativa, não é? E no caso do Go, vai bem artístico, mas é combinar aquelas peças de uma maneira diferente. Enquanto a segunda é sair fora da caixa, por usar aquela analogia batida. Mas eu admito que se calhar não são tão diferentes assim.
Mário Figueiredo
Sim, na primeira análise não há um critério objetivo do que é arte ou do que não é arte. Depende da nossa... E as pessoas nunca... Discordarão sempre, não
José Maria Pimentel
é? Eles vão ter uma gira aliás.
Mário Figueiredo
A criatividade em ciência é uma coisa muito diferente. Exato. Eu montei um exemplo que eu às vezes uso que é o seguinte. Agora está muito na moda aquela história de tentar fazer scientific discovery, automatic scientific discovery, descoberta científica automatizada.
José Maria Pimentel
Não conheço. Que
Mário Figueiredo
é tentar pôr um sistema de aprendizagem automática, de machine learning, a tentar descobrir as equações que reagem a determinado fenómeno. Dá-se um monte de pontos
José Maria Pimentel
do fenómeno
Mário Figueiredo
e depois ela tenta descobrir qual é a equação que aqueles pontos satisfazem a reagir, tentar arranjar um modelo para aquele fenómeno. E uma das maneiras que o pessoal diz é, põe-se lá uma quantidade de modelos possíveis. Aliás, o Deutsch talca um bocadinho nesse exemplo no artigo, dá um exemplo desses que era tentar arranjar um sistema de machine learning que descobrisse, que avançasse com uma explicação para a matéria negra no universo.
José Maria Pimentel
Esse é um bom exemplo, exatamente.
Mário Figueiredo
E então, o sistema tinha que ter lá dentro as hipóteses todas conhecidas. E a máquina, nesse caso, podia escolher uma delas ou uma combinação delas, mas nesse caso não era criativa. Por
José Maria Pimentel
definição tem que lá estar todas as explicações,
Mário Figueiredo
sim. E a maior parte destes sistemas que funcionam isso, eu vou dar o exemplo que eu acho engraçado, é aquela história de porquê que não há, eu sempre faço esta pergunta aos meus alunos lá numa cadeira que eu dou por causa de uma coisa matemática, que é porquê que não há insetos gigantes? Eu gosto muito, meus filhos já conhecem esta desde pequeninos. Porquê que não há insetos gigantes? Já houve? Não, porque é que eu não posso pegar uma aranha e multiplicá-la por mil, fazê-la mil vezes maior. O que é que acontecia? Partia-se aos bocadinhos. Assim que multiplicasse por mil, há um livro do Tintin, que é a Estrela Misteriosa, não sei se lês. Sim, sim, sim.
José Maria Pimentel
Sim, mas já não me lembro. Há lá um meteorito.
Mário Figueiredo
E por causa do meteorito, que tinha um efeito qualquer, que fazia os cogumelos gigantes, há uma aranha na ilha, onde eles vão, que é a ilha onde está a Estrela Misteriosa. A ilha é a própria Estrela Misteriosa, é o meteorito que caiu no mar. Exato. Há uma aranha gigante, de 2 metros ou assim uma coisa qualquer. Isso é uma coisa fisicamente impossível. Porquê? Porque o peso dos objetos cresce com o cubo do tamanho. Portanto, se eu pegasse numa aranha de 1 milímetro, multiplicasse por 1.000, ela ficava com 1 metro. Mas ficava mil vezes, mil vezes, mil vezes mais pesada. No entanto, a resistência das patas depende da área da secção do osso e portanto em vez de crescer com o cubo do tamanho cresce só com o quadrado. Portanto a aranha, vamos falar por 10 em vez de ser por mil, só para ser mais fácil. Se eu multiplicar um objeto qualquer por 10, fica o tornado 10 vezes maior, um bicho qualquer, ele fica 10 ao cubo, mil vezes mais pesado, mas os ossos ficam apenas 100 vezes mais resistentes e, portanto, não aguentam. É por isso, e quem descobriu isto foi o Galileu Galilei que observou isto há muitos anos. Por isso é, ele não era no caso dos insetos, mas ele reparou que os animais, tanto quanto maiores eram, mais grossas eram as patas. Por isso é que os elefantes e os hipopótamos têm as patas muito grossas, porque os ossos têm que ser, possivelmente, maiores, porque a resistência é proporcional à área,
José Maria Pimentel
e o peso é proporcional ao volume.
Mário Figueiredo
Então, até pessoas físicas adoram este tipo de resistência, que é o scaling loss. O Francisco deve ter falado de
José Maria Pimentel
scaling loss. Sim, falou, exatamente.
Mário Figueiredo
Com que escala é que as coisas escalam. Este é o exemplo mais alimentado de todos, de scaling loss. Eu consigo facilmente pôr, por exemplo, espessura das patas versus tamanho de uma grande quantidade de animais, ponho tudo num gráfico e peço a um algoritmo de presença automática para descobrir qual é a relação que há entre os dois. E ele vai descobrir qualquer coisa como a espessura das patas cresce com o tamanho do bicho levantado a 3 meios, ou uma coisa qualquer, que ninguém conhece as Getting Low. Ou nunca vai dar 3 meios, vai dar uma coisa parecida, vai dar 3, 1, 5, uma coisinha qualquer. E eu até posso ter posto todos os possíveis expoentes lá, uma grande gama de possíveis frações, e ele corretamente escolhe. Não, isto é assim, a espessura das patas em função do peso cresce com esta potência. Mas ele nunca vai ser capaz de dizer, Ah, isso é porque o peso cresce com o cubo do tamanho e a resistência dos ossos só cresce com o quadrado. Esta é a explicação. Isto é aquilo que o Dodge chama de uma explicação. Sim. Que permite que resume numa simples frase todos os números e eu agora
José Maria Pimentel
posso... É uma teoria, no fundo. É uma teoria.
Mário Figueiredo
A lá pó para eu posso ir, ok, então se isto é esta coisa, posso falsificá-la e vou buscar mais uns animais que não estavam nos meus dados iniciais, ou seja, vou prever. Então, está aqui este bicho que não estava. Quanto é que ele pesa? Em média, nesta? Então, prevejo que as patas chegam a mais ou menos a esta grossura. Está certo, pronto. Se eu precisar de alguns exemplos completamente errados, eu tenho que ver o que é que se passa. Ou a minha teoria está errada, ou se calhar aquele animal tem uma... Os ossos dele são feitos de uma matéria diferente,
José Maria Pimentel
não existente. Sim, mudou outra variável. Mudou outra variável, ok.
Mário Figueiredo
Mas se não mudar nenhuma variável, a diferença entre... Na minha opinião, porque não se pode ainda fazer descoberta científica de forma automática, ou pelo menos não se pode chamar de descoberta científica, é que falta este passo final de dizer, ah, esta relação verifica-se porque, ou este porque, é o que falta.
José Maria Pimentel
Sim, sim, sim, converter e converter numa... Numa explicação.
Mário Figueiredo
Numa teoria geral. Aquilo que eles chamam, eu gosto muito da expressão do Dodge, é a good explanation, eu gosto de ter uma expressão bastante informal. Good explanation, é uma boa explicação.
José Maria Pimentel
Sim, sim, é verdade, é curioso isso e a grande dúvida é o que será preciso fazer para que isso aconteça.
Mário Figueiredo
Pois, o que será preciso fazer para que isso aconteça, É isso que ele diz que falta, não é? Sim. Que eu concordo. Sim, sim, sim. Falta aqui descobrir qual é o mecanismo que gera este tipo de explicações.
José Maria Pimentel
Há uma coisa, não está estritamente relacionado com isto, mas era outra coisa que eu queria falar e até uma boa maneira para introduzir. E eu falava com o Gótemo, também falava sobre isso, que há uma diferença fundamental também no nosso, e que pode não ser óbvia, sendo óbvia depois de ouvir pode não nos ocorrer de imediato na inteligência humana, que é o facto de nós termos um corpo, não é? Sim, sim. E nós estamos feitos para, não só nós temos uma rede neuronal espalhada pelo, pelo menos por parte do corpo, como nós estamos feitos para aprender através da interação do nosso corpo com o ambiente. Sim, completamente fundamental. E mesmo essa abstração, mesmo essa abstração não é independente disso. Já não sei quem é que dava a noção necessária nesse artigo que vinha, alguém falava do exemplo do... Eram duas pessoas até cujas atividades nem estavam relacionadas, eram Einstein e já não sei quem era mais que atribuía grande parte da intuição que tinha tido a brincar quando era miúdo com o cubo, já não sei exatamente o que era. O facto de ele brincar com o cubo, ou o facto de nós brincarmos com os cromos de futebol quando émos miúdos, é uma ponte para outro tipo de intuição a nível abstrato, porque a nossa abstração é construída sobre o concreto, não é independente do concreto, é uma espécie de castelo até no sentido do abstrato e intuitivamente parece-me difícil construir uma inteligência artificial que seja capaz de fazer isso sem ter essa experiência
Mário Figueiredo
por baixo dela. Estou perfeitamente de acordo. Uma disembodie de intelligence é uma coisa difícil de imaginar, não é? Mas isso o Arlindo também fala, acho que poderia ter imaginado uma coisa, uma forma de simular esse embodiment de uma forma qualquer, não é? Isso é imaginável. Eu acho que para...
José Maria Pimentel
Mas tem sido, desculpe interromper, eu sei que é
Mário Figueiredo
imaginável, mas tem sido feito. Sim, sim, sim, as pessoas que trabalham em robótica têm essa preocupação e têm esse conhecimento. O nosso colega lá do técnico José Alberto Santos Vitor é muito defensor deste embodied intelligence, que é difícil pensar a
José Maria Pimentel
inteligência sem o
Mário Figueiredo
embodiment, não é? Porque A nossa percepção é extremamente ativa, os nossos olhos mexem quando nós vemos, mexemos a cabeça para ver as coisas, viramos os ouvidos, interagimos com os objetos, estamos sempre a interagir.
José Maria Pimentel
Até muito mais, acho eu, do que nós temos noção.
Mário Figueiredo
Mais do que nós temos noção, provavelmente. Quer dizer,
José Maria Pimentel
o que nós aprendemos a brincar com o cubo, nós não temos noção do impacto que
Mário Figueiredo
aquilo cria. Então, até à doida de fazer isto, estava a vir uma entrevista do Nando Freitas, que é um investigador bastante famoso da Machine Learning, que trabalha na DeepMind em Londres, que é filho de portugueses maderenses, partiu nascer em África. Nando? Nando Freitas. Ele deve ser Fernando, mas adotou o nome Nando.
José Maria Pimentel
Os ingleses têm mania dos diminutivos.
Mário Figueiredo
Ele era professor em Oxford e agora é investigador de Pima e ele diz que o assunto que lhe interessa neste momento é resolver o problema do motor control, como é que os seres humanos controlam o seu movimento, porque isso é fundamental para a interação com o mundo e toda a aprendizagem é feita no meio do movimento. Nós temos que nos mover e a percepção está muito diretamente relacionada com o movimento da cabeça e dos olhos e com a nossa interação com os objetos. Isso é fundamental. Ele diz que, na opinião dele, se não percebermos isso, não conseguimos perceber a cognição
José Maria Pimentel
e a perceção humana. Sim. Eu também intuitivamente inclino muito para isso. E quanto mais penso nisso, mais me inclino. Ou seja, há um nível, acho, básico da pessoa pensar que o corpo é necessário, mas começando a descascar isso, isso está presente em toda a nossa... E
Mário Figueiredo
há outras coisas também importantes e que são completamente ignoradas quando se pensa que fazem modelos de redes neuronais vagamente inspirados do cérebro humano ou de um cérebro animal. É que o cérebro humano, além disso, está, além de ser neurónios que dão um expulso e que fazem umas coisas vagamente parecidas com as que fazem as redes neuronais artificiais, estão dentro de uma sopa química, tem neurotransmissores, tem não sei quantos, é influenciado por todo o resto do corpo. Se eu estiver mal disposto por comer uma coisa que me fez mal ao almoço, isto muda-me completamente. Muda completamente o meu estado de espírito e a minha capacidade cognitiva de se adormir mal. Há toda uma série de outras camadas que funcionam em constantes tempos diferentes. uma grande variedade de constantes tempos. As hormonas do coração, se eu tiver medo, muda logo o funcionamento do cérebro. Todos esses aspectos que são depois mais globais, há outro sistema de caráter mais global e menos local que influencia todo o funcionamento do cérebro.
José Maria Pimentel
Exatamente. E que é
Mário Figueiredo
completamente ignorado pelas pessoas que fazem redes normais artificiais, isso está completamente
José Maria Pimentel
debatido. Exatamente, sim. A questão da homeostase do Damásio está relacionada com isso, tem muito a ver com isso. E em relação à questão do corpo, nunca tinha pensado nisto desta forma, mas estava... Uma coisa que me causou alguma perplexidade, isto pode parecer um bocadinho um contrasenso, mas é a pouca quantidade de acidentes que existem na estrada. Existem muitos, obviamente, mas é incrível, tendo em conta que nós estamos a conduzir cansados, ou seja, cansados com sono, muitas vezes a olhar para o telemóvel, a chamar a vida, a ouvir um podcast ou o que for, não é? Há tão poucos acidentes que é incrível e mostra quão, embora nós não tenhamos evoluído para conduzir carros, mostra quão atentos, tão sintonizados,
Mário Figueiredo
tão sensíveis. E não estamos atentos, não é? É subliminar, muitas vezes. Às vezes a pessoa vai a guiar e nem se lembra para onde é que está a ir. Às vezes dizem, epa, não era para aqui que eu vinha, não é? Exato. Guiou de forma totalmente
José Maria Pimentel
automática. Sim, sim, exatamente, para não falar disso, para não falar disso.
Mário Figueiredo
Ou seja, nem se quem teve consciência de que esteve a guiar, não é? Outro dia eu ouvi alguém comentar, uma pessoa que é especialista em condução automática, e estava-me a perguntar quantos instantes estamos dos carros totalmente autónomos. E ele dizia, estamos um bocadinho distantes, porque eu não me importo com números, mas qualquer coisa como o número de acidentes por hora ou por ano de condução humana, então qualquer coisa como a nossa eficácia. A eficácia do nosso sistema visual, por exemplo, para guiar é qualquer coisa como 0.99, são 5 9, portanto é 10 de vantagem, a probabilidade de falhar é baixíssima. Os melhores sistemas de visão ainda estão, duas ou três ordens de grandeza antes disso, ainda estão na ordem do 1%, 1% de probabilidade de erro versus 0, 000001 que é do sistema visual humano de reconhecer, se há um peão, ou um outro carro, uma coisa qualquer. É claro que nós fazemos por outras razões, porque distraímos, depois a máquina autónoma não se distrai, mas os sistemas de percepção que percepcionam o que está em retorno do carro com base no sistema de visão, ou nos lidares ou no que for do carro, ainda está um bocadinho longe do desempenho da percepção humana.
José Maria Pimentel
Curioso sim, tem muita piada. Olha, para impactar a conversa e passarmos para o livro, Queria só fazer uma última pergunta em relação a isto, que acho que é também a maneira certa de terminar esta discussão sobre inteligência artificial, exatamente em relação à posição do Deutsch, porque a posição dele é, em certo sentido, uma posição de meio caminho, uma posição de dizer que não é por aí que nós vamos construir inteligência artificial a nível geral, porque há algo fundamental que nós não vamos resolver desta forma. Para retomar o exemplo, não é construir um arranha-céus cada vez mais alto que vamos fazer voar, mas por outro lado ele diz que é possível de facto fazê-lo voar, ou seja, ele não embarca em argumentos excepcionalistas. Não é um arranha-céus. Como? Não é um arranha-céus, é outro tipo de construção. Mas o que eu quero dizer é que ele diz... É possível voar. O arranha-céus voar não é algo que esteja para lá de nós. Não é o reino dos céus, não é? Não é o reino dos céus, é outra estrutura. É outra estrutura, mas não é algo que seja inatingido. Não há uma. E uma coisa, aquele alúdio que eu achei muito interessante é a questão da... Aquilo que ele chama... Aquilo vem do Turing, sabe o erro? A universalidade da computação. Sim, sim. Que no fundo é uma coisa muito mais...
Mário Figueiredo
É fundamental para ele, isso é fundamental na teoria dele,
José Maria Pimentel
sim. E eu tinha algo de interesse em saber a tua opinião em relação a isso, até porque isso tem outras implicações. Isso tem implicações, por exemplo, em relação ao nosso conhecimento do universo. No fundo, o que ele diz é que muitas vezes é feito o argumento, até pela nossa evolução e pelas limitações do nosso cérebro que pode haver coisas que estejam simplesmente para lá da nossa capacidade de imaginar. Sim, ele acha que não, não é? Ele acha que não, ele acha que não porque tudo o que possa existir noutros planetas, outros seres, outras civilizações, o que for, tem que no fundo derivar na mesma das regras dos princípios básicos da computação.
Mário Figueiredo
Sim, e da física. E da física, sim. Sim, sim. Portanto, aliás, daí o título do livro que é o Beginning of Infinity. Diz que nós damos um salto para um tipo de conhecimento que é unbound, que é ilimitado, porque nós conseguimos construir em cima de abstração, em cima de abstração, em cima de abstração e pretendemos capacidade, não uma pessoa sozinha, mas a sociedade humana, ter capacidade para conhecer fenómenos arbitrariamente complicados, porque consegue esta combinatória, é como nós, dada uma linguagem com 24 letras, nós conseguimos construir frases tão grandes quanto quisermos, livros tão grandes quanto quisermos, bibliotecas, portanto é infinito, não é? Há uma combinatória. Claro que nenhuma pessoa sozinha fará isso, mas esta coisa, a ciência consegue construir camadas em cima de camadas e não há limite. E é geral, não é? E o ponto dele é que é geral no sentido que é universal, não é? É geral num sentido bastante técnico que ele demonstrou. Aliás, ele apresenta-se logo com o cartão de visita a dizer eu é que demonstrei a computabilidade da física com base na teoria da computação quântica.
José Maria Pimentel
Sim, exato, sim, sim. E é
Mário Figueiredo
verdade, portanto, essa é a grande coisa dele. Sim, isso é... É isso e os multiversos.
José Maria Pimentel
Sim, exatamente. Aliás, eu acho...
Mário Figueiredo
Isso é o nosso assistente de multiversos. Pois, sim, mas às vezes muito menos
José Maria Pimentel
ainda, mas a primeira vez que eu apanhei até foi por causa disso, da
Mário Figueiredo
questão do... Que é mais no outro livro dele, no Fabric of Reality.
José Maria Pimentel
Sim, que aliás era um bom tema giro. Excelente, sim, isso é uma excelente maneira de acabar. Passo da palavra para recomendar-te o livro, na verdade não sei qual é. Sim, não, o
Mário Figueiredo
livro, obviamente, já mais ou menos chegou a claro que um dos livros que eu recomendo, bem, se calhar posso recomendar dois livros. Podes recomendar os que quiseres, na verdade, sim. Um de... Eu vou recomendar, vou repetir aqui, vou recomendar os mesmos livros que recomendei naquela... Naquilo que disse há pouco que me pediram para o site do Técnico recomendar leituras de férias. Mas um deles é, obviamente, o David Deutch, que não é mais ou menos óbvio, é o livro do David Deutch. Eu suponho que não há em português, este, que se chama em inglês The Beginning of Infinity, que é um livro que até parece um pouco estranho de recomendar para férias, Mas é para as pessoas que gostam de leituras densas e profundas, é bom ler em férias porque dá mais tempo disponível para ler este tipo de coisas. E acho que para quem se interessa por este tipo de assuntos, da relação entre a filosofia e... Olha,
José Maria Pimentel
existe em português. Existe, como é que se chama? Existe, Da Gradiva,
Mário Figueiredo
O Início do Infinito. O Início do Infinito, fantástico. Então, O Início do Infinito em português da Gradiva, do David Deutsch, que é um físico de Oxford. É o livro que eu recomendo e que já veio à baila na conversa, mas não vale a pena falar muito mais nele. A outra recomendação que eu fiz de leitura de férias é uma qualquer boa coletânea de contos russos dos autores clássicos. Porque eu acho que não há leitura melhor para férias, acho que é uma leitura fantástica. Não tem nada a ver com nada do que nós estivemos a falar, mas eu sempre que alguém me pergunta recomenda-me lá um livro interessante para ler, Eu digo assim, já leste contos do Tchekhov e do Tolstói e do Gogol? Não, então compra um livro de contos, um bom livro, uma boa coletânea de contos russos. Vais certamente gostar muito, porque são muito bem escritos, de ponto de vista literário são excelentes e no entanto abordam problemas da condição humana de uma forma extremamente interessante. São livros, é um manancial infinito de prazer literário. Boa,
José Maria Pimentel
boa. Não, esse é bom. Temos um não-ficção e um ficção.
Mário Figueiredo
Um ficção e um não-ficção.
José Maria Pimentel
Boa. Olha, obrigado por teres
Mário Figueiredo
vindo. Nada, foi um prazer enorme.
José Maria Pimentel
Gostaram deste episódio? Se encontram o valor no 45°, existem várias formas de contribuir para a continuidade deste projeto. Podem avaliá-lo na aplicação que utilizam, seja ela o iTunes, Spotify, Stitcher ou outra, e podem também partilhá-lo com amigos e comentá-lo nas vossas páginas ou redes sociais. Se acharem mesmo que merece e puderem fazê-lo, podem ainda tornar-se mecenas deste podcast através do Patreon ou do Paypal. Com esse apoio estão a contribuir para a viabilidade deste projeto, que passa a ser também um bocadinho vosso. Para além disso, obtém em troca vários benefícios como, por exemplo, o acesso ao backstage do podcast e também a possibilidade de sugerir perguntas aos convidados. No fim do dia, já se sabe, são os ouvintes que tornam possível um projeto destes. Ouvintes como Gustavo Pimenta, João Vítor Baltazar, Salvador Cunha, Ana Matheus, Nelson Teodoro, Paulo Ferreira, Duarte Dória, João Castanheira, Tiago Leite, Gonçalo Martins, entre outros mecenas, a quem agradeço e cujos nomes podem encontrar na descrição deste episódio. Até a próxima!