#65 Francisco C. Santos - Como o estudo de sistemas complexos veio revolucionar a nossa...

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José Maria Pimentel
Bem-vindos ao 45°, o convidado desta vez é Francisco Santos, professor no Instituto Superior Técnico. Falámos sobre temas que podem parecer à partida um pouco técnicos, como sistemas complexos, ciências de redes e algoritmos. Mas estes se interessam sobretudo como ferramentas conceptuais, que oferecem uma abordagem que se tem vindo a revelar revolucionária para estudar como vão ver num sem fim de fenómenos muito importantes, desde as células do nosso corpo, à ligação, por exemplo, entre as páginas da internet, ou mesmo ao funcionamento das sociedades. Como esta é uma área ainda relativamente pouco conhecida, vale a pena fazer uma introdução a estas ferramentas antes de passarmos à conversa. O estudo dos sistemas complexos distingue-se sobretudo por seguir uma abordagem diferente à da ciência convencional, uma vez que se foca não tanto em estudar as características específicas das partes de um sistema, mas sobretudo em estudar o tipo de ligação entre essas partes. Isto porque no caso de sistemas complexos, dos quais são exemplos a meteorologia, a rede de ferrovias, as cidades ou organismos vivos como o nosso corpo, o nosso cérebro ou mesmo o ecossistema, é do modo como as partes estão ligadas entre si, mais do que das características individuais das partes, que emerge um todo que é superior à soma das partes. Um sistema complexo é, então, pela importância da ligação entre as partes, um sistema que não consegue ser descrito em poucas palavras ou reduzido a uma equação curta. Mas já é possível, e é isso que torna tão revolucionária esta área, descrever o funcionamento desse sistema com base muitas vezes em regras de interação relativamente simples. Por exemplo, a interação dos peixes num cardume de peixe, que nos parece tão misteriosa, consegue ser descrita com regras relativamente simples. E com regras não tão simples é pela ligação entre as células do nosso corpo que estamos vivos e não somos simplesmente um conjunto desordenado de 30 bilhões, 12 zeros, de células. Outro exemplo interessante é o fenómeno da consciência, que emerge misteriosamente do funcionamento do nosso cérebro, tão tão misteriosamente que ainda hoje continuamos sem o conseguir explicar. Nos primeiros minutos da nossa conversa, o Francisco explica melhor a natureza destes sistemas complexos e porque é que a chamada ciência de redes, uma área da matemática, é muito utilizada no estudo destes fenómenos e explica, por exemplo, a diferença entre os chamados sistemas sem escala, que são dominados por alguns indivíduos, e os sistemas que estão organizados de forma aleatória. E fala ainda de uma série de características importantes destes sistemas, como o conceito de emergência, a existência de leis de escalamento, que ditam um modo como um sistema cresce e se expande, e os chamados feedback loops. Revista a Teoria falámos de uma série de casos concretos de redes complexas, desde as redes sociais às células do nosso corpo e conversámos sobre o modo como olhando para estes sistemas complexos como rede e como sistemas que evoluem ao longo do tempo em adaptação ao meio ambiente, podemos dar uma mão à biologia para estudar o fenómeno da evolução por selecção natural. E um dos mistérios precisamente da evolução é a emergência de cooperação, seja entre células, quando se formam organismos multicelulares, seja entre indivíduos da mesma espécie. Uma parte importante da investigação do convidado tem-se debruçado sobre um dos casos mais especiais de cooperação, os seres humanos, o que me permitiu introduzir na conversa o tema do capital social que me andava na cabeça desde a conversa da semana anterior, em que discuti com Nuno Garopa a falta de cooperação interpessoal que existe em Portugal. Como seria de esperar, o Francisco deu algumas ideias interessantes sobre como utilizar aquilo que já sabemos sobre o modo de funcionamento das redes complexas, das quais a sociedade é um exemplo, para aumentar a cooperação entre seres humanos. Para isso podemos, por exemplo, capitalizar o facto de hoje em dia já interagirmos, por exemplo, na internet, não só com outros seres humanos, mas também com algoritmos de inteligência artificial. Vale bem a pena ouvir esta parte da conversa. E pronto, deixo-vos com Francisco Santos. Vamos a isso? Então vá, Francisco. Muito bem-vindo ao podcast. Como estava a dizer há bocado, vou-te já tirar uns pedidos de definições, porque são temas relativamente novos para quem nos ouve e, em certo sentido, novos também para mim próprio. A melhor maneira, acho que é começar por definir. Começando por sistemas complexos, o que é que são sistemas complexos?
Francisco C. Santos
Muito obrigado mais uma vez
José Maria Pimentel
pelo convite. De nada.
Francisco C. Santos
Bom, os sistemas complexos é uma área ou é um conceito que não tem uma definição muito precisa, mas a ideia é uma área onde o objetivo é tentar perceber padrões coletivos, que são geralmente complexos, a partir de interações locais simples. Portanto, há muitos sistemas onde, olhando para as interações individuais, por exemplo, a nível local, é difícil prever padrões coletivos muito complexos a partir dessas interações. É muito mais do que a soma das partes, se quisermos. Nós podemos ter exemplos disso, por exemplo, no comportamento de polónias de formigas, é um exemplo clássico, podemos ter o exemplo dos sistemas económicos, que é muito difícil prever, por exemplo, a oscilação dos preços a partir de considerações individuais e decisões individuais das pessoas. Portanto, é uma área que tenta perceber esses padrões coletivos a partir de princípios locais simples.
José Maria Pimentel
Aqui o complexo tem que ver com, tem que ver sobretudo com o
Francisco C. Santos
número de agentes, ou seja, com o número de indivíduos. Sim, sim, sim. Portanto, quando eu estou a falar de coletivos, estou geralmente a falar de populações, não é? E daí a ligação à biologia, que é a área... Sim,
José Maria Pimentel
já lá vamos. Então, mas espera aí, só para tirar isto do caminho. O que é que é um sistema não complexo?
Francisco C. Santos
Ou o que é que seria um sistema não complexo? É quando eu consigo compreender, palavra certa aqui não é prever, mas é compreender um sistema simplesmente olhando para a soma das partes. Simplesmente eu consigo perceber tudo isso de uma forma muito simples, dizendo, ok, se eu tiver isto, mais isto, mais isto, eu vou ter... Normalmente isto envolve configurações não lineares, usando um palavrão mais matemático, se eu tiver um sistema perfeitamente linear eu consigo perceber o coletivo simplesmente somando as partes.
José Maria Pimentel
Eu acho que há uma... Como muitas vezes acontece, e acho que os cientistas às vezes irritam-se um bocadinho com a língua, com a linguagem por causa disso, porque a língua está longe de ser uma coisa, como é uma coisa orgânica, aliás, ela própria no sistema complexo, porque é uma coisa completamente orgânica, não é especialmente organizada e nem sempre as palavras são as mais... Nem sempre as palavras nos dão uma definição completamente exata e aquilo que está implícito aqui no termo complexo neste caso é engraçado porque é uma coisa que já várias vezes a propósito. De fenómenos que no fundo são sistemas complexos, como por exemplo a cultura, cultura no sentido sociológico, já várias vezes eu tive essa dificuldade aqui no podcast. Porque se eu perguntar alguém na rua o que é que é complexo em ciência, essa pessoa diria-me provavelmente a teoria da relatividade. E no entanto a teoria da relatividade não é complexa neste sentido. É difícil, mas é... Quer dizer, todas as coisas é definível através de uma equação, ou pelo menos o princípio geral, através de uma equação muito simples ela mesma. Não é simples compreender todas as ramificações, mas é correspondente à soma das partes, para usar aquilo que estavas a falar há pouco. E a
Francisco C. Santos
ligação à física também é natural, não é? Porque a física tem uma grande tradição nesta passagem entre o microscópio e o macroscópio. E essa transição é o objeto-estudo das ciências da complexidade. E esta definição que eu te estou a dar aqui é uma definição, digamos, operacional. Não é muito precisa e assumidamente
José Maria Pimentel
não precisa. Mas isso é interessante porque outra coisa que costuma ser dito em relação a isso, não tem a ver com o que estávamos a falar, é que isto é um novo paradigma para lá do paradigma clássico que é o que costuma chamar relacionista, não é? Nesse sentido de que tu reduz a realidade às partes, ou se quisermos, ou a princípios elementares. Costuma chamar a ciência newtoniana, aqui o newton só por ser o expoente máximo. Mas é engraçado, sendo isso típico da física, as pessoas que começaram a abordagem neste campo vinham sobretudo da física também, ou seja, uma área lá própria relacionista, ou seja, aqui mesmo dentro da... Mas o que tu estavas a dizer é que foram essas pessoas também porque tinham, se calhar tinham as
Francisco C. Santos
ferramentas que não existiam em outras áreas, não é? É, porque existem áreas da física que, por exemplo, física de muitos corpos, em que, por exemplo, quer prever o comportamento de um material a partir dos princípios quânticos lá embaixo do microscópio. E nesse sentido eu tenho que fazer esta transição, esta passagem do muito pequeno para o macroscópico. E essa transição foi feita através de ferramentas da física estatística e outras coisas que, por sua vez, foram muito utilizadas desde os anos 60 para analisar esses sistemas ditos complexos.
José Maria Pimentel
Sim, e tens a teoria do caos, que acaba também por estar relacionado com isso, no sentido em que as condições iniciais afetam a maneira como se vai desenrolar. Outra coisa que é interessante aqui é o facto, e isso é dado como os temas complexos e a aplicação da ciência de redes, que já vamos falar. Acabo-me por permitir estudar fenómenos que são normalmente propriedade, se quisermos, de disciplinas completamente diferentes, desde a biologia, bem, desde a própria física, lá está, mas há biologia, há economia, a psicologia, quer dizer, uma série de áreas diferentes, esta área normalmente é retratada como uma área interdisciplinar. Mas, por acaso, isso se calhar é uma picuinhice da minha parte, mas eu acho que é interessante pensar nela não tanto como interdisciplinar, mas como quase superdisciplinar. No sentido em que tu não estás provavelmente a unir disciplinas, estás a usar uma abordagem que é completamente diferente daquela que é a abordagem que é usada por aquelas disciplinas.
Francisco C. Santos
Absolutamente, e não pretendo ser complementar de alguma forma.
José Maria Pimentel
Exato, sim, sim, exatamente.
Francisco C. Santos
Não pretendo substituir coisa alguma mas é interessante como a mesma metodologia tem utilidade em todas essas disciplinas e, portanto, essa metodologia permite... Nós encontramos esses aspectos de fenómenos coletivos que são difíceis de perceber em todas as áreas que descreveste. Portanto, é natural que todas essas áreas recorram a princípios e metodologias que são comuns.
José Maria Pimentel
Sim, e já lá vemos que isso se percebe sobretudo bem em casos concretos. Mas ainda antes de avançarmos para aí, ou se calhar a caminho disso, o que é que é ciência de redes e como é que se aplica para estudar sistemas complexos?
Francisco C. Santos
Portanto, a ciência de redes não é muito mais do que teoria de grafos, que é uma área da matemática. Portanto, uma rede é simplesmente um conjunto de nós, vértices, ligados entre si por arestas. Isto é um descrito.
José Maria Pimentel
Os nós podemos ser... Agora estamos com palavras homófonas. Os Nós podemos ser nós. Exatamente. Podem ser indivíduos, podem ser pessoas.
Francisco C. Santos
Os vértices podem ser as pessoas, podem ser proteínas, podem ser o que nós quisermos. Simplesmente um grafo é uma forma interessante de representar interações entre elementos. O que é um grafo? Um grafo é uma rede. Um grafo é uma rede. Portanto, é simplesmente uma rede e grafo que estou a usar com sinónimos. Portanto, é simplesmente uma forma de fazer uma abstração sobre a forma das interações. E se eu tiver um sistema complexo, à partida eu tenho elementos que interagem entre si. E como é que esses elementos interagem entre si? A forma mais simples de formalizar interações é através de uma rede. Por exemplo, eu envio um e-mail a alguém. Eu sou um vértice, o e-mail de A para B representa uma aresta. Portanto, eu posso pegar nesta abstração e agora começar a estudar usando a mesma linguagem matemática, redes de emails, redes de proteínas, redes metabólicas, posso estudar o que eu quiser, redes sociais, como é evidente. Eu posso dizer um vértice aqui é uma pessoa, uma aresta significa uma amizade no Facebook ou outra coisa qualquer, ou um tweet partilhado ou o
José Maria Pimentel
que nós quisermos. E é
Francisco C. Santos
interessante perceber como, de alguma forma, se quiseres ir já para aí, esses grafos, essas redes, do ponto de vista matemático, têm propriedades muito semelhantes entre si. E a teoria das redes, que hoje em dia se chama teoria das redes, resulta um bocadinho do facto de que no final dos anos 90, início dos anos 2000, houve um boom muito grande de investigação nessa área, porque passámos a ter capacidade computacional para descrever essas redes gigantescas que nós temos em mãos, desde redes sociais, a internet foi a primeira, a World Wide Web, e percebeu-se que esses grafos têm propriedades muito semelhantes e que estavam, de certa forma, em contradição com aquilo que se pensou que esses grafos, que essas redes, seriam durante o século XX e até antes. Que era o quê? Que era um... Sempre se pensou, ah, é uma boa aproximação olhar para estas estruturas de interação como um grafo aleatório. E um grafo aleatório é simplesmente dizer, dois vértices estão ligados entre si com uma determinada probabilidade. Isto Formalmente e matematicamente é muito confortável, mas curiosamente percebeu-se que essas redes
José Maria Pimentel
não tinham essa forma. E
Francisco C. Santos
na realidade tem uma forma muito particular, que é o facto de termos uma estrutura profundamente heterogénea, no sentido que há indivíduos com muitas, muitas, muitas ligações e a maioria dos indivíduos têm muito poucas ligações. A minha página web, se pensarmos na World Wide Web, tem muito poucas ligações. Se pensarmos num site de um jornal, ou no Economist, ou qualquer coisa assim, conseguimos imaginar que será um hub a Google, que será o outro hub. Portanto, um hub é um nó com muitos, muitos, muitos vértices. E isso tem impactos gigantes, não é? Também encontraram a mesma topologia, que é a palavra matemática, para descrever a forma destas redes em relações sexuais, por exemplo, e isso é particularmente relevante quando nós pretendemos prever e estudar a propagação de doenças em redes de pessoas.
José Maria Pimentel
Sim, porque se atacares o hub, é mais eficaz do que estar a disseminar transversalmente na população determinado tratamento.
Francisco C. Santos
E de certa forma estas redes têm coisas boas e coisas más, mas algumas coisas são um bocadinho aterrorizantes porque a propagação de informação ou propagação de doenças é muito, muito, muito rápida. Ou seja, o facto de ter essa estrutura muito heterogênea faz com que seja muito fácil estar próximo de um hub, de um indivíduo com muitas ligações e a partir daí a doença propaga-se muito rapidamente. O mesmo se aplicar as opiniões ou o facto de estarmos todos a ver o mesmo vídeo com gatinhos no mundo inteiro, toda a gente a ver o mesmo vídeo, é simplesmente porque a velocidade de propagação da informação nestas redes é muito, muito rápida. Sim, então esse é um bom ponto
José Maria Pimentel
para nós começarmos a escavar um bocadinho. Ou seja, o que aqui acontecia é que nós, por essa aleatoriedade, achávamos que a distribuição estatística estaria algo perto de uma normal, ou seja, imaginando uma sociedade, tu tinhas uma maioria de pessoas que tinham um número de ligações mediano, razoável, médio, ou perto da média, e depois tinhas poucas pessoas com poucas ligações e poucas pessoas com muitas ligações. O que tu depois descobriste é que havia... Esta realidade não era bem esta, tu tinhas muitas pessoas, o grosso das pessoas com poucas ligações e depois tinhas um número muito pequeno de pessoas progressivamente com mais ligações, até um número... E que configurava no fundo esses hubs que tem, que no caso da internet será o Google, o Facebook ou sites muito conhecidos e que acabam por estar ligados com toda a gente, não é bem ligados com toda a gente, mas estar ligados com muita
Francisco C. Santos
gente. Um número muito, muito grande de pessoas. E isso é que cria essas tais implicações, não é? Consegue-se mostrar que a propagação de informação é muito rápida nessas topologias e tem essa característica de propagação de doenças ser muito difícil de controlar. E estes sistemas, que são os sistemas sem escala, o que eu digo sem escala é um nome contraintuitivo.
José Maria Pimentel
Pelo menos para mim não foi evidente inicialmente, o que o sem escala tem a ver com o facto de eles manterem a forma, desta forma de se manter, mesmo com a expansão do sistema. Se for uma cidade, esta característica mantém-se mesmo que a cidade dobra ou triplique a população. Estes sistemas, lá está, aplicam-se a uma série de coisas que falávamos há pouco, aplicam-se até à nossa biologia, até às moléculas que são usadas, por exemplo, no nosso metabolismo, que tem muita piada. Mas há sistemas que não são assim. Há sistemas que são de facto aleatórios ou não. Sim,
Francisco C. Santos
por exemplo, sistemas que têm algum constrangimento espacial, por exemplo, vamos pensar em redes de estradas. Dado que eu tenho essa rede de ligação entre cidades, por exemplo, a nível espacial, faz com que eu não consiga ter nós, vértices, ligados a toda a gente. Porque estás restringido pelo espaço. Pelo espaço. Pelo espaço físico. Pelo espaço 2D, se quiser. De qualquer forma, é um bom exemplo, esta história das redes é um bom exemplo como ferramentas, neste caso da matemática e da teoria de gravos, podem ser usadas em muitas áreas distintas. Portanto, esta linguagem de redes livres de escala que resultam efetivamente dessa ideia de... É como se tivéssemos um fractal, não é? Eu olho para a rede social do Olimpíades, tem a mesma forma, olho para a rede social de Portugal, tem a mesma forma, ou World Wide Web, e depois vou para a Europa, tem exatamente a mesma escala. E matematicamente tem outras propriedades mais esquisitas, como a variância de inversos e coisas desse género.
José Maria Pimentel
A variância, que significa do quê aqui? Portanto,
Francisco C. Santos
Se eu tiver aquela distribuição de grau que estavas a dizer, o grau é o número de arestas que um nó tem, se eu quiser ver essa distribuição, aquilo pode ser descrito como uma lei de potência. E se eu considerar uma rede muito grande e calcular a média, eu consigo calcular a média dessa distribuição.
José Maria Pimentel
A média de número de ligações.
Francisco C. Santos
Exatamente, isso é um número bem definido, é o número médio de ligações que, por exemplo, a World Wide Web tem, mas se eu calcular a variância, aquilo diverge. Diverge, ou
José Maria Pimentel
seja, aumentando a escala, aumentando... Aqui nem é tanto aumentando a escala, tu tens uma espécie de matriógica de redes, não é? Redes umas dentro das outras. E aumentando, ou seja, passando da cidade para a província, para o país, para a União Europeia, a variância vai aumentando ou diminuindo? Aumentando. Ah, sim, faz algum sentido.
Francisco C. Santos
E, portanto, é como se a pessoa dissesse, ah, esta rede tem um número de... As pessoas têm um número de parceiros médio de 4 mais ou menos infinito.
José Maria Pimentel
Portanto, o 4 mantém-se, mas a variação, ou seja, a heterogeneidade aumenta
Francisco C. Santos
nessa... Sim, isso é isso, a intuição, de onde vem essa ideia do nível de escala. E este comportamento é comum a outros fenómenos físicos que foram encontrados no passado.
José Maria Pimentel
E o exemplo das cidades é interessante, porque no fundo o que acontece é a rede de transportes, por exemplo, ou a rede ferroviária de ligação entre as cidades segue essa distribuição mais próxima da aleatória porque está restringida pelo espaço físico e elas não estão uniformemente distribuídas no espaço físico mas não andam muito longe disso. Mas se tu vires a rede de ligação, por exemplo, Se fores olhar para a internet, para as páginas da internet entre cidades, aí provavelmente já vês uma rede livre de escala porque já não tens a restrição do espaço
Francisco C. Santos
físico. Exatamente. Ou se quiseres continuar a falar de transportes, a rede de aeroportos,
José Maria Pimentel
por exemplo,
Francisco C. Santos
segue exatamente a mesma topologia, que é a mesma que nós encontramos na biologia. Mas isso tem implicações ao nível de propagação de informação, mas há outra implicação muito importante, que é o nível de robustez às falhas. Ou seja, se eu, por exemplo, disser que eu vou implodir um nó aleatoriamente, então essa rede, estas redes, são extremamente robustas, porque a probabilidade da pessoa acertar num indivíduo central é muito pequena. Sim, resiste a menos é um ataque direcionado. E aí é que está o problema, mas podemos fazer engenharia da protecção dizendo ok, eu sei que consigo proteger estes nós e se eu proteger estes nós eu consigo garantir a robustez da rede, algo que seria mais complicado fazer com as tais redes aleatórias que
José Maria Pimentel
eu falei há pouco. Vamos falar aqui de um aspecto interessante para perceber no fundo como é que isto surge. Não, aliás, antes disso, uma pergunta que me ocorreu agora, e por acaso até é engraçado, tem que ver com a conversa que eu vou gravar a seguir a esta, com o Mário Figueiredo, seu colega. Porque um artigo que ele partilhou comigo, que eu já tinha falado num evento que eu tinha estado com ele, que é um artigo muito conhecido no meio, acho, mas que eu não conhecia, que é o The Unreasonable Effectiveness of Mathematics in Science, ou algo deste género, e que tem que ver com no fundo com o facto de muitas coisas que foram sendo definidas de forma mais ou menos abstrata na matemática depois terem provado úteis para explicar uma série de fenómenos da física, outras áreas da ciência. E a teoria de redes parece-me um caso desses, porque é uma coisa que começou por ser definida quase no abstrato e de repente tem uma aplicação, bem não, é só em fenómenos concretos, é em quase todos os sistemas complexos. É verdade. E
Francisco C. Santos
é interessante perceber como é que conseguimos fazer essas abstrações, também tendo em conta que estamos a fazer uma simplificação. É sempre preciso ter esse equilíbrio, Essa ideia de olhar para estes modelos matemáticos ou computacionais, que na realidade agora já é mais difícil fazer puramente matemático, de forma matemática, mas é interessante ver isto como um mapa, como uma espécie de mapa que é uma representação da realidade que tem naturalmente limitações, mas nos ajuda-nos a compreender a natureza, os temas sociais, o que nós quisermos, de uma forma que seria muito complicado se considerarmos toda a complexidade no mesmo pacote, se quisermos assim. Mas isso era uma coisa, aliás, que eu tinha de perguntar, porque isto é evidentemente uma simplificação, mas uma
José Maria Pimentel
dúvida com que eu fico é isto funciona explicando, como é que eu vou dizer isto, para tu preveres um comportamento individual, neste caso terás uma margem de erro muito grande, porque provavelmente o comportamento individual terá uma dose de aleatoriedade ela própria grande, que tem que ver com essa variância que nós falávamos há pouco. Mas para tu descreveres o sistema como um todo, ou seja, como é que eu ia dizer isto, para descreveres o sistema de uma forma em que divergências de sentido oposto se compensem, ou seja, olhando para a big picture, tu consegues descrever-lo perfeitamente ou continua a
Francisco C. Santos
haver uma parte do sistema que não é descrita? Exatamente isso. Acho que estás a tocar exatamente no ponto que é a vantagem de olhar para estes sistemas coletivos. É que muitas vezes, individualmente, o agente, se quiser, é muito complexo. Mas, num todo, essa complexidade, de certa forma, cancela. De forma que, quando eu olho para o padrão global, eu consigo compreender os padrões globais assumindo que os agentes, a nível local, são razoavelmente simples. E essa é um bocadinho a beleza e o potencial destas análises. E permite fazer previsões, naturalmente. Um exemplo clássico são os modelos de epidemiologia, que assumem princípios muito simples e que conseguimos com eles conseguir, não estou a dizer, da mesma forma que prevêmos o tempo, a ideia é que vamos imaginar que eu quero prever se existir uma nova doença em Pequim, quanto tempo é que chega a Lisboa. Hoje em dia já é possível, através de modelos que nós podemos olhar para eles e a complexidade é muito baixa, fazer esse tipo de previsão. E isso resulta um bocadinho dessa mágica de dizer, quando eu olho para a população inteira, os detalhes do indivíduo, onde é que ele vai, se anda de autocarro, se não anda, tornam-se irrelevantes, ou pelo menos são cancelados. E, portanto, do ponto de vista coletivo, às vezes é mais fácil olhar para o comportamento do que ao nível individual.
José Maria Pimentel
Sim, esses detalhes, do ponto de vista do poder explicativo, têm média zero. Exatamente. No fundo é isso que acontece. E estes sistemas sem escala, a maneira mais fácil, acho, de ganhar intuição em relação a isto é por saber como é que eles surgem. Porque, não sei qual será o melhor exemplo, mas, sei lá, olha, a rede de ligação, de ligações pessoais entre as pessoas, e Até podemos pegar naquele exemplo do paper em que tu participaste e que partilhaste comigo, eu já tinha apanhado aquela rede de mercadores, tinha que ver com o espanhol, que era mercador e depois tornou banqueiro, e vocês estudaram através de documentos históricos a rede de ligações que ele foi construindo e que formava e que funcionava justamente desta forma. Ou seja, era um sistema de sem escala neste sentido em que tinhas pessoas com... Tinhas poucas pessoas, poucos parceiros comerciais e financeiros no caso, que tinham imensas ligações e que funcionavam como esses chaves do sistema. Como é que essa ordem emerge? Ou seja, como é que de uma... Do nada, não é? Certo. De zero ligações, surge uma rede que tem estas características de ter poucas pessoas com muitas ligações? Há
Francisco C. Santos
vários princípios básicos que podem levar à criação dessas redes, mas o princípio base é um bocadinho a ideia de que quanto mais rico somos, mais rico ficamos. É um bocadinho a regra de... De ser a ligação preferencial. De ser a ligação preferencial, ou seja, se eu, por exemplo, tenho uma página web que é muito popular, a probabilidade de eu receber um novo link, uma nova aresta de um novo website que surge é maior do que se eu tiver poucas arestas. Portanto, é quanto mais popular eu sou, maior a probabilidade de que... É que os ricos se tornam mais ricos. É um bocadinho essa ideia e que não é por acaso que a distribuição do número de arestas na World Wide Web segue uma regra que é conhecida como regra de parede, distribuição de parede. Portanto, essa distribuição de riqueza aparece traduzida também nas redes sociais e nas redes de bancos, em todo um conjunto de estruturas, até às redes néticas. Portanto, aqui é transversal e esta propriedade, não podemos dizer que funcione exatamente da mesma forma a todos os níveis, mas depois no fim do dia, quando estamos a tentar fazer a matemática da coisa, normalmente acaba na mesma ideia. Mas isso não explica
José Maria Pimentel
tudo, no sentido em que é fácil perceber porque é que o Google tem uma enorme vantagem e vai atrair com enorme probabilidade alguém que chegue à internet. Mas porquê é que o Google está nessa posição? Isso aí
Francisco C. Santos
pode ser profundamente estocástico. Não há uma regra... Estocástico
José Maria Pimentel
quer dizer...
Francisco C. Santos
Aliatório. Aliatório. Portanto, estava lá no início e cresceu. Mas também se pudermos introduzir alguns aspectos, uma espécie de fitness interno do NO que pode potenciar isso e que permite, por exemplo, Vertice ou NOS ou páginas web que surgem hoje se possam tornar hubs mais à frente.
José Maria Pimentel
Aqui podia haver alguma característica, acho que não de todos os temas, mas pelo menos de alguns, que é que tu não começas o jogo com todos os jogadores em campo. Ou seja, começas o jogo com... O número de jogadores vai aumentando, o que significa que se eu estava lá desde o minuto zero, tenho vantagem em relação a quem surge no minuto 10, independentemente do resto. Absolutamente. É mais provável que surja comigo essa ligação preferencial, porque quem surgir no minuto 1 tem-me no terreno de jogo e não tem a pessoa que vai surgir só no minuto 10, e portanto eu tenho uma vantagem. Mas também pode ser explicado, que era isso que estavas a aludir, e isso ajudaria a explicar quando é que isto consegue ser contrariado a este efeito, o facto de se calhar a pessoa que entra no terreno de jogo no minuto 10, se calhar tem mais capacidades do que eu, vamos supor de atração. Aqui, para usar o exemplo social, estávamos a falar há bocado, se calhar uma pessoa com mais inteligência social do que eu, e portanto, embora esteja lá desde o minuto 1, a pessoa que entrou no minuto 10, por essa... Como é que se traduz fitness em português? É educação? Boa pergunta.
Francisco C. Santos
Sucesso reprodutivo, não sei. É só
José Maria Pimentel
que isso acho demasiado específico. Mas pronto, é a mesma... Se calhar a pessoa que entra no minuto dez tem mais capacidade do que eu e, portanto, consegue contrariar essa minha vantagem inicial pela antiguidade. É uma coisa que em economia se chama o first mover advantage, que foi o primeiro a entrar. E consegue contrariar por ter uma capacidade maior do que a minha, não é? Portanto, tu podes ter no limite, tu podes ter um motor de busca, por exemplo, que seja tão melhor do que o Google ou ter uma rede social que seja tão melhor do que o Facebook, que consiga
Francisco C. Santos
contrariar esse efeito, não é? Esse efeito do primeiro é muito importante porque estas redes precisam, para criar estas redes, precisamos dessas duas componentes. O facto da rede estar a crescer, ou pelo menos não ser estática, e ter essa ligação preferencial. Quem tem mais arestas receberá mais arestas no futuro. Essas duas componentes consegue-se mostrar que são essenciais, mas é verdade que há perturbações nisso, como estávamos a aludir, que se aparece um indivíduo com uma capacidade maior do que os restantes, esse indivíduo tem possibilidade de entrar nessa bola de neve e atrair mais arestas, mais arestas, mais arestas, até se tornar o indivíduo mais ligado à rede. É possível fazer isso, mas é mais difícil, não é? Sim. E a torna-se muito mais complicada.
José Maria Pimentel
Mas uma coisa interessante, uma aplicação que eu acho que é interessante disto. Não sei como bem tu conheces a literatura nesta área, mas esta é uma que me interessa a mim especialmente, mas acho que é uma questão que é muito facilmente explicável. Ou, pronto, não é muito facilmente explicável, é explicável, é potencialmente explicável por esta via, que é a questão da distribuição de riqueza na economia, por exemplo, porque é um sistema em que, claramente, tu tens, e isso é uma preocupação que existe e que é legítima, tu tens este efeito da ligação preferencial e portanto tu tens, os ricos tornam-se mais ricos. Aquela frase em inglês que é, acho que é wealth begets wealth, ou seja, a riqueza gera riqueza, no sentido em que tu, obviamente, tu partindo de uma posição em que tens mais rendimentos, vais atrair mais investimento e, portanto, tenderás a aumentar esses rendimentos. Mas de vez em quando tens coisas que contrariam isto. Por exemplo, um evento muito conhecido e que deve ser interessante de analisar deste ponto de vista, por ser um evento exógeno, foram as guerras, por exemplo, sobretudo, uma guerra mundial que provocou uma quebra no sistema, uma perturbação no sistema e de repente reequilibrou de certa forma. E há quem diga que, no fundo, há um argumento que é muito usado entre outras pessoas pelo Piketty, que é a lógica de que essa ligação, eu acho que ele não formula desta forma, mas a lógica é a ligação preferencial é o que determina a evolução do sistema, as regras de crescimento do sistema, e a não ser que existam eventos exógenos desta forma, os ricos tenderão sempre a tornar-se mais ricos. Absolutamente, absolutamente. Do ponto de vista
Francisco C. Santos
de sistemas complexos, é muito fácil a pessoa fazer emergir, de alguma forma, essa distribuição de riqueza, essa distribuição de riqueza seguindo uma lei de potência, muito heterogénea. E se estivermos constantemente, vamos imaginar que volta e meia existe um evento, como uma guerra, ou quer que seja, que destrua a rede e depois volta…
José Maria Pimentel
Mas o que é que a guerra dos comem-interromper, o que é que a guerra neste caso faz? Porque ela não destrói a rede completamente, ela
Francisco C. Santos
afeta os hubs? Sim, pode afetar. Vamos imaginar que subitamente há uma perturbação que remove uma parte desses vertices. E isso cria uma perturbação que faz com que o tamanho da rede, que estava em crescimento ou que estava em equilíbrio, volte a ficar mais pequena e depois volte a crescer outra vez e depois volte a ficar mais pequena. Portanto, é um bocadinho o que estávamos a dizer.
José Maria Pimentel
Aqui não é tanto o tamanho da... Se calhar isso quer dizer com o tamanho da rede, mas as pessoas mantêm-se, as ligações é que se destroem de certa forma.
Francisco C. Santos
Ou então são as arestas que se removem. Sim.
José Maria Pimentel
Espera aí, desculpa, as arestas são as ligações. São os links. São as ligações, exatamente. Ou removem, ou só perdem intensidade. Quando nós estudamos fenómenos humanos, tu depois também hs de ter aqui, apesar de ser verdade aquilo que tu dizias, de isto nos permitir concluir que há uma série de princípios que são transversais, em sistemas muito diferentes, mas também haverá especificidades entre sistemas, ou seja, também há várias coisas que não ocorrem, por exemplo, desde logo o facto dos nós, ou seja, as pessoas não serão todas iguais, isso já nós falámos, mas também as ligações não serão todas iguais no sentido em que não ocorrem todas com a mesma facilidade, no sentido em que se eu fizer uma chamada telefónica que tem um custo é diferente de eu ter uma ligação que tem custo zero. Se calhar não duram todas ao mesmo tempo, ou seja, numa rede social é diferente eu estar umas tardes com uma pessoa ou falar com 10 pessoas no Facebook, por exemplo, e isso há de introduzir aqui uma série de heterogeneidades, não é?
Francisco C. Santos
É, E isso convém, dependendo do sistema que estamos a tentar estudar, há particularidades que têm de ser introduzidas. Mas o que se sabe claramente é que estas redes, a forma destas redes, influencia, por exemplo, em sistemas sociais, das escolhas de individuais. Tanto seja a existência da própria rede como a topologia da rede. Por exemplo, há resultados recentes que são curiosos, que indiciam que nós somos fortemente influenciados pelos nossos vizinhos. Por exemplo, a probabilidade de eu fumar. Aumenta 40%, já não lembro exatamente o número, mas 40% se eu tiver vizinhos ou amigos que fumam, mas não só. Aumentam se eu tiver um amigo de um amigo que fuma, distância 3, e depois para à distância 4. Engraçado. E isso tem sido encontrado, por exemplo, a regra dos 3 graus de influência, é assim que normalmente se designa, tem sido encontrado em problemas de obesidade, em problemas...
José Maria Pimentel
Isso é muita piada. Em questões
Francisco C. Santos
de felicidade, por exemplo, a probabilidade de eu me sentir feliz. Eu sou fortemente influenciado pelos meus vizinhos, os vizinhos dos vizinhos. Já falei disso aqui no podcast. E isso é muito engraçado porque mostra que há muitas decisões que nós tomamos que são fortemente relacionadas pelos nossos pares. E, portanto, é como se existisse aqui um processo de imitação, processo
José Maria Pimentel
de influência social. E de calibração de expectativas também.
Francisco C. Santos
E isso resulta do facto de vivemos numa rede e da rede ter essas propriedades. É difícil tentar compreender estes fenómenos esquecendo que essas redes são muito grandes e que definem as nossas interações.
José Maria Pimentel
E será que também existe, por exemplo, um grau de influência diferente entre a tua ligação com o teu vizinho que é alguém que está ali também no início da distribuição, no sentido em que é uma pessoa com poucas ligações e não um hub. No sentido em que ele também não é um hub, mas se calhar ele pode te influenciar mais do que a tua ligação com o hub, que será uma pessoa, neste caso, com muitas ligações, mas se calhar mais fracas, fracas no sentido de mais superficiais. É possível, é possível, eu imagino que sim. Estás a perceber em fenómenos humanos, por exemplo, com páginas de internet, já não será bem o caso, pelo menos não será tão facilmente o
Francisco C. Santos
caso. Mas em fenómenos humanos isso pode acontecer porque a nossa capacidade de socialização é limitada. Exatamente, exatamente. E naturalmente tem de haver um máximo de ligações que uma pessoa pode ter ou pelo menos que consegue geri-las. É como aquela história do...
José Maria Pimentel
Foi muito popularizada, eu nem sabia, foi pelo Milgram, que até é um psicólogo muito conhecido dos graus de ligação. 6 pessoas, que basicamente precisarias de 6 pessoas para...
Francisco C. Santos
É um daqueles exemplos clássicos de tentar extrair a rede. Portanto, o que ele fez foi tentar extrair a rede, através de cartas. Eu dou-te uma carta. Como é que ele fez?
José Maria Pimentel
Ele enviou cartas para uma série de pessoas e pedia-lhes para enviarem a alguém que pudesse fazê-las chegar a um destinatário final. Por exemplo, está aqui este senhor. A pessoa X vive naquela cidade. Por acaso conhece alguém que vive nessa cidade e consegue... Exatamente, conhece o Francisco. Se o conhecerem,
Francisco C. Santos
por favor, enviem-lhe a carta. Se não o conhecerem, por favor, enviem a carta a alguém que pense que possa conhecer. E, aos fazer isso, o percurso ficava definido e, de certa forma, conseguisse extrair uma rede social cuja distância média entre nós era 6. E esse é um bom exemplo, Por acaso, esse é um bom exemplo até para aquilo que
José Maria Pimentel
estávamos a falar há pouco, um exemplo concreto. Porque vamos assumir que há 6 e até acho que há indícios que a realidade até será menos do que 6. Pelo menos
Francisco C. Santos
os resultados com o Facebook. Dá menos que 6? Hoje em dia já dá menos que 6, mas também é difícil perceber se os amigos do Facebook são realmente amigos.
José Maria Pimentel
Exato, pode haver uma subestimação. O número
Francisco C. Santos
de ligações média é um bocadinho... Lá
José Maria Pimentel
está, são ligações mais fracas. Mas isso tem a ver com uma coisa que falámos há pouco, que é... Por exemplo, eu acho que isso é uma coisa... Essa experiência do Milgram foi... Como é típico nessas coisas, depois é interpretada na prática de maneira muito simplista. E o que se está a dizer aí não é dizer tu, Francisco, tens uma ligação máxima de seis pessoas com qualquer pessoa do mundo. O que se está a dizer é que em média... Em média. Né? É que ele segue uma distribuição. Exatamente. Ou seja, é aquela questão que falávamos há pouco. Isso descreve o sistema, descreve a pessoa média do sistema, mas não descreve qualquer... Tu não podes ir à alguém na rua e dizer, olha, tu no máximo de seis pessoas, chegas a qualquer pessoa no mundo. Não, não. Exatamente. Porque Esse número pode ser maior ou pode ser menor. Pode ser menor. Ele próprio altera. Exatamente. O que é engraçado. E aquilo que nós... Uma coisa que se fala, que é um termo muito usado nos sistemas complexos, é a questão da emergência. A emergência tem a ver com aquilo que tu diz no início, do todo ser maior do que a soma das partes, em certo sentido. E isso é mais óbvio, por exemplo, no caso de uma cidade, o todo será aquela sociedade, enquanto um corpo que se consegue gerir, por
Francisco C. Santos
exemplo. Ou, por exemplo, aquelas propriedades de scaling, de escalamento, que as cidades oferecem, que, Por exemplo, se sabe-se hoje em dia que, por exemplo, o número de empresas numa cidade não cresce linearmente com o tamanho da cidade. Ou o número de teses de doutoramento, o nível de crime, nada disso cresce linearmente. Há aqui um efeito super linear. Cresce mais
José Maria Pimentel
do que linearmente. Ou mais do que proporcionalmente.
Francisco C. Santos
Exatamente. Que é um bocadinho um indício da força das cidades, de alguma forma, porque é que as cidades são tão bem sucedidas e porque estão a crescer cada vez mais. Portanto, há ali um retorno que é super linear em muitos aspectos. Como é que nós conseguimos compreender isso? É aqui uma conjugação de efeitos, as interações dentro de uma cidade levam a algo que é maior do que a soma das interações entre os elementos. Explicar isso não é uma trivialidade e, portanto, é um exemplo de um padrão emergente que é difícil de explicar através das interações simples, de olhar como é que as empresas funcionam. Sim, e que é
José Maria Pimentel
relativamente intuitivo, no fundo que tu tens sinergias entre as pessoas,
Francisco C. Santos
que permitem, acrescentando X de recursos, produzires mais do que X de efeito. Exatamente, temos um crescimento, increasing returns, se
José Maria Pimentel
quiseres apreciar. Sim, exatamente.
Francisco C. Santos
Temos increasing return ao nível do sucesso, se quiser.
José Maria Pimentel
E do ponto de vista mais fundamental, como é que isso acontece? Ou seja, do ponto de vista do... Quer dizer, eu acho que o efeito é relativamente intuitivo para as pessoas, mas a maneira como isso ocorre, ou o porquê dessa ocorrência, tem que ver com o quê? Pois aqui já
Francisco C. Santos
depende de caso para caso, não existe uma explicação para isso. Mas, por exemplo,
José Maria Pimentel
o exemplo que davas há bocadinho, ou outro exemplo com o qual te sintas mais confortável, mas das teses de doutoramento, por exemplo, era o que falavas, não é? Sim, sim. Tem que ver com, por exemplo, uma coisa como ocorre, terá que ver com, como é que eu ia dizer, a circulação de informação entre as pessoas, ou seja, se eu acrescentar uma, se somos nós dois, se eu acrescentar uma terceira pessoa, ela vai beneficiar da informação que eu tenho e da que tu tens. Se acrescentar uma quarta, vai... Não
Francisco C. Santos
é? Portanto, há aqui um escalamento que é super linear. E nós agora também, outro exemplo, é o impacto da inteligência artificial, por exemplo. Ou o retorno de uma empresa que trabalha em inteligência artificial. Não cresce linearmente com a quantidade de dados. Cresce super linearmente com a quantidade de dados. Portanto, isso faz com que haja aqui, se eu sou uma empresa maior, o meu crescimento, se eu tenho mais dados, o meu crescimento vai ser muito maior do que uma empresa que tem um bocadinho menos de dados. Isso cria um monopólio naturalmente. Portanto, este efeito, este feedback positivo, se quisermos, cria essa distinção e que cria essas distribuições profundamente heterogéneas ao nível da riqueza também. A IA, a inteligência artificial, é um exemplo clássico disso, ou clássico não, é um exemplo de hoje em dia que é importante perceber e controlar, por exemplo.
José Maria Pimentel
Sim, isso tem a ver com aquilo que falavas há pouco do crescimento da rede, desses feedback loops, como é que tu lhes chamaste? Feedback positivos. No fundo o que isso significa é que o efeito ou aquilo que tu produzes com uma determinada ação depois alimenta a própria base dessa ação para o futuro. Exatamente. Por exemplo, se tu produzires um paper, ele vai produzir conhecimento que vai alimentar a própria base e tem que ver até com uma coisa da economia que já ouviste, a questão das economias de escala. Lá está que, no fundo, é chegar por outra via a essa conclusão. Se tu tens efeitos supralineares do ponto de vista do conhecimento que é produzido, tens efeitos sublineares do ponto de vista dos custos, muitas vezes, ou seja, como é que eu quero dizer, a rede, provavelmente, a rede de transportes de uma cidade, eu estou a lançar isto para o ar, mas imagino que seja assim, também aumenta menos do que linearmente, menos do que proporcionalmente faça à população. Imagino que sim. Não é? Porque tu podes usar, as mesmas redes podem ser usadas por várias pessoas, não é só que te vestes uma pessoa na cidade, por isso terias que ter uma série de linhas de
Francisco C. Santos
metro ou de paragens de metro, com um milhão de pessoas, não precisa ter um milhão vezes. E essa explicação que estás a sugerir é interessante porque mostra como diferentes sistemas depois na prática, a origem destes efeitos de bola de neve, são diferentes de sistema para sistema. O exemplo da IA, o exemplo dos transportes, é diferente. Mas no fim, formalmente, acaba por ter algo semelhante. Sim.
José Maria Pimentel
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Francisco C. Santos
fenómeno cooperativo lindíssimo entre todas as células do nosso corpo. Na realidade, quando passamos de seres unicelulares para seres multicelulares, existe aqui uma transição que implica que as células subitamente começaram a cooperar entre elas e disseram eu agora estou preocupado com o interesse coletivo e essa transição é emergente, não é? Portanto, por exemplo, o cancro é um exemplo clássico de um retorno ao código
José Maria Pimentel
inicial
Francisco C. Santos
de quebra de cooperação. É o exemplo de quebra de cooperação. Eu já não estou a contribuir para um bem comum, que é o meu corpo, e estou a tentar reproduzir mais castelos do lado. E, portanto, é aqui um exemplo de como essa emergência às vezes é sutil e é frágil de alguma forma. E quando olhamos para as ciências vivas, ciências da vida, esses fenómenos cooperativos são transversais e é uma
José Maria Pimentel
propriedade emergente. É outro exemplo. Sim, sim, sim. E isso permite estudar também a evolução das espécies, por exemplo. Absolutamente. Ou seja, como estes sistemas complexos e estas redes vão evoluindo ao longo do tempo no sentido de gerar determinadas características. Isso é a explicação para um... Quer dizer, não é um mistério, mas seria um mistério numa análise superficial até da física, tendo em conta que o mundo tem uma tendência para a entropia, como é que tu consegues ter organização? Que a partir da contraria isso, não é? A entropia, pelo visto simplista, um vai se desorganizando cada vez mais, não é? Nós vamos envelhecendo sempre, não é? Certo. Embora consigamos ir contrariando ou pelo menos tornando esse processo mais lento. A evolução aqui do ponto de vista da seleção natural é uma maneira da vida de contrariar essa tendência para a entropia, não é? E isso tem que ver com a própria ligação entre o crescimento do sistema e com a maneira como ele se consegue ir recompondo ou reconfigurando. Eu creio que sim. Bom, do ponto de vista de evolução
Francisco C. Santos
é interessante perceber como é que nós conseguimos também utilizar esse tipo de ferramentas que estivemos a falar há pouco para estudar a matemática da evolução ou a computação da evolução, de forma a compreender como é que nós conseguimos ter esses padrões coletivos que, como estávamos a discutir, são profundamente surpreendentes, dado estes fenómenos coletivos de cooperação que nos permitem ter o corpo que nós temos. Pensando num exemplo
José Maria Pimentel
concreto, como é que tu, vendo tudo como um sistema complexo, como uma rede de ligações, por exemplo, uma rede de ligações entre células, por exemplo, e uma rede de ligações entre... Lá está aquela matrióscopia de sistemas que falávamos há pouco, não é? Por exemplo, o exemplo das formigas, que falávamos há pouco, em cada formiga tens um sistema de ligação entre células e depois tens, como é que se diz, no ninho das... É ninho que se diz? Colónia? Na colónia, exatamente. Na colónia de formigas tens um sistema de ligação entre elas. Funciona de determinada forma. Mas aqui, se nós olharmos para o mundo animal, tu vês, tu tens redes que funcionam de maneiras muito diferentes, ou seja, tens redes que funcionam como as das formigas, não tenho certeza, mas as das abelhas, por exemplo, aquelas são mais ou menos clones uns dos outros e funcionam de maneira ultra simbiótica e tens aquela questão do movimento dos pássaros e dos peixes que parece ter aquele movimento quase mágico, de ser sincronizado. E a teoria de redes mostra que tu consegues, com base em regras de interação muito simples, definir aquele sistema, mas depois tu olhares, e por exemplo, olhares para uma coisa interessante, é se olhares para uma manada de animais e eles têm aquela coisa de andar todos juntos. Certo. Que há de seguir uma regra não muito diferente desta, é menos harmonioso, mas há de seguir uma regra muito parecida. Mas isso é muito diferente da interação, por exemplo, numa alcateia de lobos. O que os peixes e o que as manadas de animais têm, sobretudo, é uma... Como é que eu dizer? Eles estão juntos não porque aquilo seja uma estratégia ou porque eles tenham papéis diferentes, mas porque todos eles têm essas regras básicas de tentar estar no miolo, no fundo da manada, para estar em menos postos e, portanto, aquilo anda sempre numa espécie de espiral voltando para dentro e eles não se separam. Uma alcateia é completamente diferente, uma alcateia é um sistema muito mais sofisticado em que tu tens animais, ou que tu tens lobos com papéis diferentes dentro daquela alcateia, com uma estratégia, quer dizer, se quisermos chamar isto de inteligência é muito mais à frente. A teoria de redes e análise de sistemas complexos permite, por exemplo, ajudar a biologia a perceber como é que tu passas de um estádio para
Francisco C. Santos
o outro? Eu diria que em certas alturas sim, em outras alturas não necessariamente, não precisamos... O que eu quero dizer é, no fundo, para concretizar, tu tens vários casos
José Maria Pimentel
de redes, mas que funcionam de maneiras diferentes.
Francisco C. Santos
Funcionam. Com características diferentes. E, por exemplo, se pensarmos nas interações ao nível desses aglomerados de movimento, digamos assim, esses swarms, não precisamos de usar necessariamente a teoria de redes, mas podemos imaginar as redes como quem interage com quem e quem vê o que e quem influencia quem a virar, se quisermos. E essas redes não têm necessariamente as propriedades que estávamos a discutir há pouco. Mas é muito fácil perceber que esses movimentos coletivos, sem o líder aparente, conseguem ser explicados através de princípios muito simples em nível local, que gostavas de sugerir.
José Maria Pimentel
Não é tão fácil explicar como é que passas de um paradigma para outro, no fundo era isso que
Francisco C. Santos
eu queria dizer. Uma transição evolutiva, essas transições evolutivas são muito difíceis de explicar. Na realidade, em muitos casos, é um problema aberto. É muito difícil perceber como é que essa transição ocorre. Como
José Maria Pimentel
é que as regras se alteram, no fundo, essas regras básicas. Exatamente. Como é que
Francisco C. Santos
nós passamos de... Há um autor muito conhecido que é o Maynard Smith que escreveu um livrinho que é uma delícia que são as major transitions in evolution, que é basicamente como é que os genes cooperam para formar a... Multicecular, até chegar à cultura humana. Essas transições são muitas vezes difíceis de compreender e muitas delas permanecem um bocadinho misteriosas. Sim,
José Maria Pimentel
mas eu estava a me lembrar de uma coisa e isso até é um bom ponto para nós falarmos especificamente da tua investigação, porque uma das tuas áreas principais de investigação tem justamente a ver com a cooperação. Sim. E a cooperação, por exemplo, um dos mistérios da evolução, é que estavas a ouvir, e que acho que hoje em dia está mais ou menos percebida, como é que tu passaste de um mundo unicelular para um mundo multicelular, como é que tu evitaste, porque a vantagem de passar para o mundo multicelular é evidente, mas a maneira como isso acontece, lá está, sem teres uma força de comando ou de regulação, não é nada óbvio porque tu terias células a fazer batota, não é? A não cooperar porque teriam mais vantagens em cooperar. E o teu trabalho tem, quer dizer, estudando interações entre seres humanos e até tentando perceber como é que a evolução da nossa própria espécie evoluiu, acaba por ter muito que ver com isto
Francisco C. Santos
que estávamos a falar, não é? É um exemplo de um sistema complexo, de alguma forma, com que interações a nível local conseguem dar origem a esses padrões coletivos de cooperação tão paradigmáticos e tão transversais a todas as escalas de complexidade na natureza, desde bacteriasinhas até aos seres humanos, os campeões da cooperação, se quiser.
José Maria Pimentel
Exatamente, sim, isso é uma característica. O nosso caso é giro nesse aspecto, porque lá está os campeões da cooperação, no sentido em que somos a espécie mais social que existe, ou seja, nesta escala que eu estava a fazer da formiga ou das abelhas e falando dos lobos que são uma espécie ela própria ultra sofisticada, o nosso tipo de cooperação vai muito para lá disso, não é? Nós somos capazes de cooperar, quer dizer, não só estamos feitos para a interação social, como conseguimos fazê-la de forma mais sofisticada, mas também mais transversal, não é? Não tem que ser com alguém da nossa família ou, por exemplo, uma coisa desse género. E esta área associada àquilo que nós falávamos também há bocadinho, associada à teoria dos jogos, que é uma área da matemática que também tem muitas aplicações na economia, tem estudado muito, ou tem tentado, no fundo, dar uma mão à biologia evolutiva para estudar como é que poderá ter surgido a interação entre os
Francisco C. Santos
seres humanos, não é? A cooperação é um tema clássico da biologia. Exatamente. Desde Darwin, que o próprio Darwin identificou a cooperação como um dos maiores obstáculos à sua própria teoria, de alguma forma. Ele basicamente olhou para os casos que estavas a referir, por exemplo, abelhas, onde há indivíduos que estão dispostos a não se reproduzir para ajudar um próximo, que neste caso é a rainha, ou o que quer que seja. É um extremo de recuperação. Eu não quero saber de mim, eu só quero contribuir para o bem-estar de outra pessoa. E do ponto de vista evolutivo, de evolução por seleção natural, é quase estranho. É
José Maria Pimentel
um puzzle. Que isso possa surgir. Todas essas transições que tu falavas há pouco, tiveram que ver de alguma forma com a cooperação. Ou, se calhar estou a ser, não quero ser inexato, mas provavelmente a maior parte delas tiveram de certa forma a ver com a cooperação porque esses jogos de soma positiva, esses jogos super lineares, surgem com a cooperação. Ou seja, se eu cooperar contigo, se estamos a nos agalhar, estamos a criar algo mais do que... Quer dizer, vamos supor, se eu... Uma forma básica de cooperação é o comércio, se tu tiveres mais jeito para fazer... Se somos dois caçadores-recoletores, tens mais jeito para colher ou para apanhar fruta, por exemplo, ou mais jeito para caçar ou vice-versa, é
Francisco C. Santos
normal que cooperemos. Mas a tendência para fazer batota é tão grande que isso era um mistério, não é? É, e muitas vezes até nem sequer tendo a haver uma espécie de mutualismo nas interações. Vamos imaginar que eu sou exposto a um problema em que as pessoas me pedem para decidir cooperar ou não contigo, pagando um custo para te oferecer um benefício. Algo tão simples como isso eu não tenho, nunca
José Maria Pimentel
mais virou contigo. Exatamente, sim. Esse é o mais difícil. Esse exemplo que eu estava a dar até é relativamente fácil.
Francisco C. Santos
E se não tivéssemos pessoas a julgarem isto, a cooperação muitas vezes emerge, emerge naturalmente. As pessoas são cooperativas, por quê?
José Maria Pimentel
Mas era isso que eu tinha a perguntar, ou seja, da investigação que tu tens feita e daquilo que tu tens lido, o que é que isto mostra, o que é que sugere que não seria óbvio do ponto de vista para a biologia? Porque o que vocês conseguem fazer, no fundo, também para explicar o que vocês fazem, é simulam em laboratório, com pessoas até muitas vezes com inteligência artificial, o que é que poderia ocorrer na realidade, do ponto de vista da interação entre as pessoas, lá está com o teoria dos jogos, com problemas relativamente simples, e como é
Francisco C. Santos
que determinadas estratégias se traduziriam no nível de cooperação naquela sociedade. Exato, exato. A ideia é tentar, ok, se eu tiver estes sistemas, sejam sistemas mais complicados como este dos custos e benefícios, como é que eu consigo perceber a cooperação que nós observamos em laboratório ou no mundo real, tanto a nível de bichinhos simples até humanos. E porquê? E porquê a questão é como é que ela surgiu, qual é o tipo de dinâmica que pode levar a isso. E a ideia é tentar encontrar os mecanismos que a evolução recorreu para assegurar cooperação a todos estes níveis. Há diversos mecanismos, desde mecanismos muito simples de seleção de parentesco ou de grupo, ou o que quer que seja, mas do ponto de vista, por exemplo, há outros mecanismos mais elaborados, por exemplo, se eu jogar várias vezes contigo, eu posso começar a tentar reciprocar e coisas desse género. Ou usar reputações, que é o fenómeno que nós trabalhamos muitas vezes online, portanto, quando vamos ao eBay, porque é que nós pagamos?
José Maria Pimentel
Certo, exatamente. E recebemos
Francisco C. Santos
o produto de volta, não é? Porque há aqui uma dinâmica de reputações por...
José Maria Pimentel
Mas há um mistério, por exemplo o caso do LX funciona mais em Portugal, eu lembro-me disso ao ler estes papers, porque é um caso em que eu... A minha experiência tem sido, francamente, positiva. E, no entanto, é um site que não tem reputação. Exato. E eu acho que... A minha intuição é que isso funciona, sobretudo, porque nós já estamos calibrados para cooperar. Porque a partida não seria, do ponto de vista estritamente racional e egoísta, não seria a estratégia mais... A estratégia ótima, não é?
Francisco C. Santos
E é muito engraçado, porque parece que quando chegamos a esse jogo, nós não começamos do zero. Nós temos uma história por trás que nos formatou, eventualmente culturalmente, para sabermos que é bom ajudar o próximo, é bom não enganar o próximo. Mas voltando à pergunta que estavas a fazer há pouco em relação, por exemplo, às redes, da mesma forma que as redes influenciam aqueles exemplos de correlação de pares, a probabilidade de eu fumar, a probabilidade de eu... As redes também influenciam a probabilidade de eu cooperar, por exemplo, contribuindo para a caridade, para um projeto de solidariedade. Se eu tiver alguém na minha vizinhança a contribuir, a probabilidade é maior, alguém na vizinhança da vizinhança, etc. As redes, por si só, parece que a forma das nossas redes sociais, que tem aquela topologia que estivemos a conversar há pouco, muito heterogénea, parece que maximiza a probabilidade de todos cooperarmos. É como se alguém tivesse a fazer um bocadinho de engenharia social para que tudo funcione da forma mais cooperativa possível. Essas redes de scale free, essas redes de livros de escala, se fizermos uma simulação da cooperação... São as mais eficazes? Na promoção da cooperação. Ou seja, essa heterogeneidade, de certa forma, permite que a cooperação possa emergir na ausência de qualquer outro mecanismo adicional, seja sanções, reputações, recaliações
José Maria Pimentel
e tudo mais. Ou seja, é a melhor rede possível, a questão é como é que de forma natural conseguimos que tenha surgido a melhor rede
Francisco C. Santos
possível. É uma pescadinha rabo na boca, portanto temos aqui algo que provavelmente, do ponto de vista evolutivo, essas redes evoluíram para o nosso...
José Maria Pimentel
Não, a questão é como é que... Porque é que é importante perceber a cooperação? É porque estes lá são sistemas que evoluem, que crescem, não é? Portanto, à medida que a nossa espécie foi surgindo, digo foi surgindo, porque não surge brevemente num dia, foi surgindo e foi evoluindo, tu tiveste um movimento no sentido de disseminar a cooperação, mas tivesse um movimento no sentido de disseminar a não cooperação. E esta disseminação da cooperação acontece pela própria reprodução, não é? Portanto, se tu fores cooperante é mais provável que o teu filho seja cooperante também, se não fores cooperante é mais provável que o teu filho não seja cooperante. Ou seja, tem um efeito de
Francisco C. Santos
difusão ao longo
José Maria Pimentel
do tempo, deste efeito. E daí seria importante perceber quais foram as vias pelas quais a seleção natural favoreceu os cooperantes e não os não cooperantes. Exatamente. E há várias teses, isto é um debate giro também que eu já tinha apanhado, porque há uma tese relativamente simples que está há dias há pouco da interação direta, se eu interajo contigo, tu cooperas, eu também continuo a cooperar e, portanto, é provável que a coisa corra desta forma. O problema é que as sociedades são mais complexas e, portanto, muitas vezes traz uma interação que é indireta, ou seja, eu se calhar só vou interagir contigo uma vez e, portanto, aí depende da reputação que eu sei que tu tens, mas também isso mesmo pode não ser suficiente e depois tu tens uma tese que eu acho muito contra intuitiva mas muito interessante, tem que ver com aquela questão espacial, ou seja, tu podes ter... Se admitirmos que os cooperantes têm mais probabilidade de sobrevivência do que os não, ou por esperar do que os não cooperantes Se tu tiveres uma distribuição heterogénea das pessoas pelo espaço vão-se naturalmente formar bolsas de cooperantes. Ou seja, não tem a ver com a minha experiência com a tua interação contigo, tem a ver com o facto de nós virmos ambos formatados para ser cooperantes. Então te interagimos, cooperamos, criamos esse jogo de soma positiva, essa super linearidade e criamos uma povoação próspera, enquanto que ao lado estão os tipos que calharam estar em maioria de não cooperantes e não saem da C14. E, portanto, os cooperantes vão sair beneficiados. Mas depois também tens outra explicação que é muito mais polémica, que acho que é um ponto ainda em aberto. Ou seja, o Darwin falava disto, depois que entrou muito fora de modo e acho que agora tem sido um bocadinho da extensão nos últimos tempos, que é aquela questão do multinível, que no fundo se relaciona com a seleção de grupo. Ou seja, até que ponto é que a nossa evolução enquanto espécie ultrassocial também funcionou ao nível do grupo, em que um grupo de pessoas, aqui mesmo ao nível do... À bocado estava a dar o exemplo de grupos, mas acontecia a nível individual, que digo, um grupo mais cooperante ganha um grupo menos cooperante e, portanto, esse grupo mais cooperante reproduz-se, enquanto o grupo menos cooperante está correspondendo a uma tribo que não tem grande sorte e basicamente morrem e desaparecem. É esta ideia
Francisco C. Santos
de haver seleção a vários níveis, de
José Maria Pimentel
alguma forma. Exatamente, e depois interagem, tudo isso deve ser tramado e fazer em laboratório. Mas a investigação nesta área favorece quais hipóteses? Eu
Francisco C. Santos
acho que é uma discussão em aberto, naturalmente. A ideia da seleção a muitos níveis é um bocadinho delicada de várias perspetivas, mas é interessante também vê-la como se fosse uma estrutura da população. É como se fosse... Eu posso ter seleção a vários níveis, mas consegue-se mostrar matematicamente que eu não preciso de ter, efetivamente, guerras entre tribos e tribos a substituir em outros para que a cooperação surja. Mas a ideia é exatamente a que estávamos a sugerir, que é grupos de cooperadores vão ser melhor coletivamente do que grupos de traidores, defectors, e dessa forma a cooperação espalha-se. Do ponto de vista de redes, é interessante essa história dos aglomerados, que do ponto de vista teórico é um resultado que é razoavelmente sólido. Que se eu tiver pessoas a interagir numa estrutura espacial, neste caso uma rede, mais uma vez, eu só interajo com os meus vizinhos e eu não consigo interagir com todas as pessoas da população e se isso acontecer, crio bolsas de cooperadores. Isso foi mostrado em laboratório há poucos anos, onde colocaram pessoas a jogarem esse jogo numa espécie de um tabuleiro de xadrez, se quisermos, e essa dinâmica surgiu. Portanto, é muito particular de como a topologia das nossas interações...
José Maria Pimentel
Conta. Conta.
Francisco C. Santos
A pergunta que também colocaste o dedo é muito interessante, é como é que essas redes surgem, não é? Se nós pensarmos do ponto de vista de interesse individual, é natural eu querer estar ligado com outros cooperadores. E se todas as pessoas, tanto os cooperadores como os defectors, se quisermos assim. E se todas as pessoas pensarem dessa forma, eu crio hubs que, por sua vez, levam à promoção da cooperação.
José Maria Pimentel
Exatamente. A questão é como é que toda a gente pensa dessa forma.
Francisco C. Santos
Exatamente. E é também interessante perceber como é que, por exemplo, com a inteligência artificial nós interagimos a um nível mais online, se quisermos. E é interessante perceber que se tivermos algoritmos a sugerir com quem nós interagimos, ou se quisermos supor o exemplo tão simples como eu tenho aqui um algoritmo que me dá aquilo que provavelmente eu quero. Portanto, eu vou interagir com pessoas com quem eu tenho uma maior afinidade política, social, ou o que quer que seja, é interessante perceber como isso é ligeiramente diferente. As possibilidades que isso abre, por mais inocente que um algoritmo seja, as possibilidades que isso abre, é uma evolução da rede que é diferente. E, portanto, não é completamente estranho pensarmos que essa forma de evolução da rede social leva a polarização de escolhas e, portanto, o papel que nós colocamos nos algoritmos, por exemplo, nessa evolução da rede é muito forte, é muito forte nas escolhas individuais também. Então, tem aquela ideia de como é que as nossas redes sociais evoluem e antigamente evoluíam de maneira diferente do que evoluem hoje, ou podem evoluir de maneira diferente do que evoluíam hoje. E quando nós desenhamos um algoritmo, é interessante também ter isso em conta e pensar, ok, será que eu consigo modelar ou explicar como é que a rede vai evoluir se eu tiver um algoritmo tão simpático como este que me dá com enorme probabilidade alguém que eu gosto mesmo e que tenha uma grande afinidade política, ou quer que seja. Eu crio bolsas. E isso pode não ser benéfico, de alguma forma. E do ponto de vista de cooperação, claramente não
José Maria Pimentel
é. Isso é interessante, por acaso, não tinha pensado nisso dessa forma. Quer dizer, de certa forma, acrescentou uma descontinuidade, ou cria uma descontinuidade, não é? Acabas por ter uma mudança de paradigma entre uma coisa e outra, não é? Uma dúvida como ocorreu em relação a isto, quando falamos de fenómenos humanos, e não só, na verdade. Tu há bocado já aludi-se, está a questão de haver heterogeneidade no tipo de ligações, mas também há, e existirá, heterogeneidade ao nível dos nós, ou seja, ao nível dos indivíduos. E ambas as coisas são interessantes do ponto de vista de uma sociedade. E uma coisa que me ocorreu logo também, porque é um tema que me interessa muito e ainda no outro dia falava sobre ele, e que está muito ligado à questão da cooperação, até que ver com aquilo que se chama normalmente capital social, em psicologia e coisas do género, que basicamente está relacionado com quão cooperantes são as pessoas numa sociedade e, portanto, quão capazes são de criar esses por um lado, criar esses jogos de soma positiva que nós falávamos há pouco, essas super linearidades numa sociedade cooperante isso irá haver uma partilha de conhecimento muito maior, uma discussão muito maior e uma evolução muito maior, mas também, por exemplo, a capacidade de corrigir erros, por exemplo, ou seja, por essa cooperação e por essa inteligência coletiva que se gera, tu tens uma capacidade de adaptação muito maior. Isto é visível, por exemplo, nas espécies é a mesma coisa, ou seja, as espécies com maior capacidade de adaptação são as que sobrevivem melhor, enquanto aquelas espécies que são muito, muito específicas a um determinado ambiente exógeno, se esse ambiente exógeno se alterar, elas morrem, morrem, isto é, desaparecem. Enquanto espécies, as baratas, são um exemplo de uma espécie com uma enorme capacidade de adaptação a alterações de condições exógenas, enquanto os dodos, por exemplo, tinham muito pouca capacidade, chegámos lá nós e acabámos com eles. Eu pergunto-me até que ponto é que a investigação nesta área ajuda a explicar isso, ou seja, ajuda a explicar porque é que tu tens sociedades dinâmicas que não só conseguem criar prosperidade para elas e conseguem criar estes jogos de soma positiva, ou seja, criar uma sociedade melhor para toda a gente e depois tens sociedades em que tudo funciona mal, tens uma espécie de Coreia do Norte onde tudo aquilo funciona mal para a maior parte das pessoas que lá estão, não há capacidade de adaptação e algum dia provavelmente vai estourar e sei lá, ou tiveste a Alemanha-Nazi ou tiveste a União Soviética, que são exemplos de sociedades rígidas a esse nível, e depois tens exemplos de sociedades que conseguem não só criar estes jogos de soma positiva e aumentar o bolo, mas também adaptar-se, ou seja, também ter esta capacidade de adaptação. E eu, se calhar ao meu lado das ciências sociais, mas aquilo que mais me cativou nesta investigação é pensar, ok, conhecendo nós a maneira, a arquitetura do sistema, o que é que nós podemos fazer para aumentar isto?
Francisco C. Santos
Eu acho que é interessante porque estás a ligar dois pontos que são muito engraçados, que é pensar nesses sistemas que são difíceis de explicar e de compreender de uma perspectiva quase, usando analogias da evolução de alguma forma, uma perspectiva ecológica. Sim, completamente. Que é uma perspectiva muito simpática porque a biologia já nos oferece um conjunto de ferramentas muito grande para estudar essas ecologias, tanto evolutivas, mas também de comportamento. E é interessante perceber que, do ponto de vista de comportamento humano, os princípios, a origem dessas dinâmicas, até podem ser ligeiramente diferentes, mas do ponto de vista formal são muito semelhantes. Portanto, eu posso não ter comportamentos a reproduzirem-se geneticamente, mas existe uma coisa fantástica que aconteceu, que é a linguagem. Portanto, eu consigo imitar, eu consigo compreender comportamentos. E
José Maria Pimentel
reproduzem-se culturalmente, não
Francisco C. Santos
é? Disseminam-se. Disseminam-se e, portanto, essa evolução cultural, essa aprendizagem social, que do ponto de vista formal é muito simpático porque é muito transversal, consegue-se mostrar que estas coisas são todas muito equivalentes, permite-se estudar ecologias de comportamento e perceber porque é que em certas condições os equilíbrios são benéficos e em certas condições os equilíbrios já não são benéficos. E por vezes nós vivemos felizes numa espécie de equilíbrio estável que é benéfico para todos, mas é muito fácil modificar ligeiramente o jogo, que é uma espécie de
José Maria Pimentel
metáfora. Mas aqui seria
Francisco C. Santos
modificar o quê? Ou o jogo, ou a estrutura, a forma como as pessoas interagem, a hierarquia das pessoas, o facto de ter uma instituição que monitoriza de uma maneira ou monitoriza de outra e podemos estudar, por exemplo, vamos imaginar um exemplo simples. Vamos imaginar que eu tenho uma instituição que monitoriza o que as pessoas fazem e oferece uma recompensa a quem se comporta de forma... Que vai ao interesse... De encontro ao interesse coletivo. Ou seja, incentiva a cooperação. E temos outra que eu tenho sanções, por exemplo. É interessante perceber que estas duas... Esta ideia do carrot and stick, que é uma coisa muito antiga, gera dinâmicas sociais completamente diferentes. E é interessante perceber que, ok, o que se pode fazer para combinar o melhor dos dois lados? E isso gera dinâmicas de comportamento, ecologias de comportamento, que são muito semelhantes àquilo que se tem estudado desde os anos 80 em comportamento animal, mas na realidade estudados no contexto de uma população humana muito grande. E é interessante esses extremos que tu estavas a sugerir, entre sociedades que funcionam muito bem e sociedades que funcionam menos bem, digamos assim, podem ser vistos como diferentes equilíbrios e muitas vezes, se nós queremos promover a cooperação, agora já não é tanto explicar a cooperação na natureza, mas tentar perceber como é que nós podemos usar o mesmo conjunto de ferramentas para promover a cooperação em situações onde elas não ocorrem. É tentar perceber como é que eu consigo dar o empurrão necessário para que o sistema passe de um equilíbrio para o outro. Essa é a mesma analogia até que eu costumo usar, de passar de um
José Maria Pimentel
equilíbrio para o outro. A minha pergunta para ti é esta. Eu sei que os cientistas não gostam nada de conjeturar sobre coisas deste género, porque obviamente não é possível ser completamente exato em relação a isto, mas pensando no caso português, é uma coisa que eu tenho pensado muito e estava aí na conversa até com o Nuno Garoupa, falávamos muito sobre isto. Portugal tem um problema, e isto é uma coisa amplamente estudada, ao nível do capital social, ou seja, ao nível da cooperação interpessoal. Tu cooperas muito bem com a tua família e com as pessoas que te são próximas, mas tens uma desconfiança, que é provavelmente legítima, tu, isto é, uma pessoa média, uma desconfiança em relação à próxima, uma desconfiança em relação ao Estado, uma desconfiança em relação àqueles que vejo como sendo os poderosos, achas que nós tendemos a achar mais do que noutros países, menos do que noutros também, não é? Mas, obviamente, o objetivo é melhorar, que nos estão a enganar. O Pedro Magalhães, por exemplo, num episódio que foi dos primeiros, dava um exemplo que eu achei ótimo, não me tinha ocorrido, que é a questão do trânsito, que é um exemplo brilhante de pouco capital social. Nunca mais me esqueci. Todos temos esta experiência que é, tu estás no trânsito e tens um semáforo vermelho de um lado, estás num cruzamento, um semáforo vermelho e fica verde e tu tens aquela parte, aquele terreno de ninguém, que agora até tem aquela matriz, aquela caixa amarela para tu não estás ali. A maior parte das pessoas entra e fica na caixa amarela. Porquê? É um exemplo perfeito de cooperação, porque tu sabes, o ideal seria tu ficares aquém da caixa amarela, os outros ficarem à quem da caixa amarela, quando o semáforo dos dois ficasse verde eles andavam o suficiente e os últimos que deram um golzinho a pessoa ficavam à quem da caixa amarela. Mas o que tu sabes é que é provável que os últimos não fiquem à quem da caixa amarela, avancem e te vão roubar o espaço que seria teu. Portanto é um problema clássico de não cooperação. E, aliás, até um bom exemplo até para te fazer esta pergunta, porque é um exemplo mais micro do que eu ia fazer, que era mais geral em relação ao problema do capital social em Portugal. Num caso destes, sabendo que o sistema tem este, que o equilíbrio que se gerou, que é um equilíbrio, não é? Uma coisa que existe há décadas, provavelmente com uma alteração ou outra, mas é assim que funciona e que se manifesta num monte de outras coisas. Sabendo que é este o equilíbrio, que é um equilíbrio mau, é o dilema do prisioneiro, em certo sentido, não é? É um equilíbrio que é mau, é subótimo, mas é a estratégia ótima para ti, indivíduo em particular. Como é que tu consegues promover a alteração, a descolagem e a transição deste equilíbrio para um equilíbrio cooperativo? Pois, essa é a
Francisco C. Santos
pergunta que é muito difícil de responder.
José Maria Pimentel
Qual é a tua intuição em relação a coisas que possam
Francisco C. Santos
funcionar? Eu acho que muitas vezes resulta também de questões de normas sociais e que têm de alguma forma ser promovida. E esta ideia do que é natural, é visto como uma má ação, digamos assim, ficar na caixa amarela. Se calhar é subtil.
José Maria Pimentel
Ou seja, tens um mecanismo de criar-se reputação negativa para pessoas que ficam na faixa amarela.
Francisco C. Santos
É, eu não estou a sublinhar isso, mas acabamos na China.
José Maria Pimentel
Eu sei, mas não te preocupes, estamos a conjeturar sobre hipótese. Não quer dizer que não tenha desvantagens, mas obviamente que esse era um sistema cujas desvantagens são evidentes, porque é uma espécie de estado de polícia, mas poderia ter vantagens neste sentido.
Francisco C. Santos
O que eu não tenho a certeza é se o português... Vamos imaginar que eu faça a mesma experiência com um problema de bem público, um problema de interesse coletivo, em que eu tenho indivíduos que têm de contribuir para um bem público e, por exemplo, e recebem retornos baseado naquilo que todos contribuíram. Se eu fizer uma experiência aqui e uma experiência no Norte da Europa, eu não tenho certeza se em Portugal teremos, ou pelo menos eu não conheço nenhuma experiência que mostre que o nosso nível de cooperação é mais baixo. Provavelmente, ou talvez, o nível de cooperação, ou o tipo de cooperação que nós temos aqui nos países latinos, que é mais embaixo, funciona de maneira ligeiramente diferente. A afinidade quase local, ou a capacidade de eu chegar à minha rua e pedir ajuda às pessoas da rua, ou ao senhor do café, ou quer que seja, para me ajudar com o meu filho. É fantástico. Portugal tem uma rede. É uma rede de proximidade. Uma rede informal de cooperação que é francamente especial, é muitíssimo forte, ao ponto de, em certos aspectos, ao nível familiar, ao nível local, em certos aspectos, substituir de alguma forma o papel do Estado.
José Maria Pimentel
Estás a fazer um alerta importante, que é, no fundo, o equilíbrio que nós temos é um equilíbrio em que tu privilegias a proximidade, ou seja, é uma rede que funciona muito bem e até muito melhor do que países com mais capital social, que são países individualistas do ponto de vista dos estudos e defesas culturais na sociologia, ou seja, individualistas aqui significa que lá está que se dão muito bem em redes de longo alcance, mas têm famílias menos coesas, nós temos normalmente famílias mais coesas, temos uma ligação maior aos vizinhos e até aos nossos amigos mais próximos, que no fundo é um bocado o trade-off disto. Agora, do ponto de vista social e do ponto de vista de escalar, aquilo que falávamos há pouco, escalar aqui no sentido de crescer, do ponto de vista da criação de uma cidade. Para a criação de uma cidade e para tu obteres os jogos de forma positiva, as super linearidades que nós falávamos há pouco, que vêm com os grandes conjuntos de população, tu aí
Francisco C. Santos
precisas do outro sistema. É possível que sim. É possível que sim. Eu não sei de certa forma agarrar, do ponto de vista formal, em que medida o cidadão português é menos cooperativo que
José Maria Pimentel
os restantes. Isso é até interessante do ponto de vista... Eu também estou a pensar nisto dessa forma a primeira vez, mas de certa forma são redes que parecem ter uma arquitetura diferente, ou seja, a nossa rede tem ligações muito fortes de curto alcance e depois tem ligações muito tenues de longo alcance.
Francisco C. Santos
Ou colocando de outra forma, é como se na nossa vida nós não jogámos um jogo de cooperação. Nós jogamos múltiplos jogos de cooperação. Ou isso, exato. Também não é boa. E eventualmente há certos jogos de cooperação que culturalmente, a nossa norma, diz-nos que é muito importante. O jogo do trânsito? Eventualmente não será. Mas eu tenho dificuldade em extrapolar o jogo do trânsito para todas as dimensões da vida
José Maria Pimentel
cultural em Portugal. Claro, claro, claro. E por acaso eu reconheço que acho um ótimo exemplo, mas obviamente será sempre simplista, não é? Mas que há tempo tem a ver com isso, tem a ver com nós termos vários sistemas, temos um sistema partido em vários, enquanto que em países individualistas, nesse sentido, é um sistema uno. Isso vê-se, por exemplo, em países mais individualistas, normalmente há mais propensão para tomar para ti as dores de pessoas que são completamente diferentes de ti. Enquanto que em países como Portugal é muito difícil de fazeres isso. Mas já é fácil e funciona até provavelmente muito melhor do que nesses países, tomar para ti as dores das pessoas que estão imediatamente próximas de uma maneira que não existe naqueles países. Quer dizer, a ajuda familiar funciona de uma maneira completamente diferente, mas o trade-off é alterações de, como é que eu ia dizer, sei lá, grupos, grupos desprivilegiados da sociedade, por exemplo. Em países coletivistas tendem a ser mais ou menos ignorados, porque tu estás preocupado com a tua família, não estás preocupado com uma minoria qualquer, com os afrodescendentes que vivem na buraca, por exemplo. Estás nas titas porque eles não estão ao pé de ti. Num país mais individualista, em que o sistema é um só, isso tende a funcionar melhor, embora eu estou a explicar isso do ponto de vista da sociologia, não do ponto de vista da teoria de redes.
Francisco C. Santos
Por outro lado, nós temos exemplos de cooperação em Portugal, por exemplo, que são francamente sensacionais. A pessoa vai para uma aldeia ou para uma vila mais pequena. As relações das ditas coletividades locais funcionam com um bem público fantástico que é totalmente bottom-up a nível local e é absolutamente fantástico e por vezes eu tenho dificuldade em encontrar nos países
José Maria Pimentel
do Norte do Europeu. E as famílias é um ótimo exemplo. A maneira como as famílias funcionam, a maneira como isso sentiu-se muito durante a crise, a rede de apoio que as famílias dão é muito diferente do que acontece nos países nórdicos, ou no Reino Unido, ou em países acianos. Isso não funciona da mesma forma, simplesmente.
Francisco C. Santos
E mesmo a forma como é discutido, mesmo em termos de espectro político, o que assistimos, por exemplo, na Bélgica, que é um sítio que eu conheço melhor e que se compararmos com Portugal é bastante distinto. Há aqui qualquer coisa que nos
José Maria Pimentel
faz... Mas explica lá, agora fiquei
Francisco C. Santos
curioso. É distinto? Portanto, o seu olhar para a forma como é discutido a imigração e a ideia de nacionalidade, etc. A Bélgica é um país complicado, não é? Sim, pois. A sul, a norte, o sul, a Flandres e o Sul. Existe um...
José Maria Pimentel
Pois, mas há muitas coisas que mudam também, não é? Tem uma exposição muito maior. Mas, acima de
Francisco C. Santos
tudo, a percepção do outro. Como é que se olha para o outro e como é que eu tomo com minhas as dores de o outro
José Maria Pimentel
não é necessariamente igual. Mas a Bélgica ou esses países são países que estão muito mais expostos à imigração e que têm, lá está, aparentemente até são muito mais xenófobos do que nós. Os xenófobos, estou a dizer, a xenofobia tem um peso que aqui não tem, no sentido em que Vê-se politicamente que os partidos anti-imigração têm pouca representatividade. Também porque lá está, no fundo o sistema deles não se estende, ou para muita gente não se estende às pessoas que entraram recentemente no país. Aliás, Isso fala-se muitas vezes em relação aos países escandinavos, não é que o estado social deles funciona muito bem e foi muito criado para uma população muito homogénea, mas depois não é necessariamente bom para pessoas diferentes. E esse, aliás, é um paradoxo do nosso baixo nível de capital social, porque nós, sendo muito homogéneos com o que isso tem de bom e mal culturalmente, até seria de esperar que nós comprássemos melhor. Isso é uma coisa estranha. Mas voltando ao problema concreto, olhando para isto do ponto de vista da teoria de redes e pensando no que podia ser feito. Imagina que aquele exemplo do trânsito, eu acho interessante, podia ser outra coisa qualquer. Acho interessante porque todos conseguimos nos relacionar com ele. Porque todos já estivemos nessa situação. Uma coisa, ocorremiam várias hipóteses para resolver aquilo. Uma era aquela que já aludiste, que é quase ter um regulador. Ou, por outro, nem era um regulador neste caso, era ter uma maneira de tornar visível a ação daquela pessoa e repercuti-la numa reputação. Essa era desde logo uma hipótese, havia várias maneiras mais intrusivas ou menos intrusivas de fazer isso. E acho que já houve casos disso em Portugal, por exemplo, no que diz respeito ao pagamento de impostos, por exemplo, nós estamos muito melhores agora do que estávamos no passado, em que havia quase um... As pessoas pagavam... Não diziam isso publicamente, mas entre o seu meio, não tinha problemas em dizer que não pagavam impostos. E hoje em dia acho que nos parece um bocadinho mais estranho isso. Mas uma alternativa que tu podias ter ali era enxertar aquele sistema de pessoas cooperantes. Absolutamente, absolutamente. E aí a pergunta interessante é, quantas pessoas cooperantes é que tu
Francisco C. Santos
precisarias de pôr para o sistema mudar de paradigma. E isso estás a tocar num ponto que é precisamente o que estamos a fazer, a tentar perceber agora. Vamos imaginar que nós já vivemos numa sociedade híbrida, num certo sentido, onde viveremos muito em breve, onde temos uma população de humanos a partilhar o espaço com agentes ou entidades artificiais. E se nós pensarmos nessas sociedades híbridas, Nós não vamos olhar para os agentes artificiais como um ser mágico. Alguém tem de nos programar. Os algoritmos, tudo o que lá está, é feito por alguém. E a pergunta pode ser... Há duas perguntas interessantíssimas nesse contexto. A primeira é exatamente a que colocaste. Que tipo de perfil, cooperativo ou não, eu devo colocar num agente artificial de forma a promover o bem-estar e a cooperação no resto da população humana? Eu não posso dizer, olha, vai ser só cooperador, só cooperador, porque naturalmente do outro lado a ecologia vai reagir para explorar essa... Portanto, a pergunta não é fácil de resolver. Se for só cooperador vai se dar mal. Exatamente. A segunda pergunta que eu acho que é particularmente interessante é do ponto de vista de delegação. Se eu delegar as minhas ações, por exemplo, de cooperação a uma entidade artificial, a cooperação vai subir ou descrescer? Isso é uma pergunta muito interessante. Nós fizemos umas experiências com pessoas em que fazíamos um jogo, é um jogo que tenta simular algo relacionado com alterações climáticas e as pessoas jogam e noutros tratamentos nós dizemos, olha, agora vai programar um robozinho para jogar em vez de si e a cooperação dispara. Ah, isso é muita piada. E é muito interessante porque parece que o facto de as pessoas serem chamadas a escrever o código ou de certa forma a dizer a estratégia num jogo de várias rondas no futuro.
José Maria Pimentel
Então a trazer lá consciência também, não é? E a refletir. E não a reagir intuitivamente.
Francisco C. Santos
É uma espécie de nudging. Estamos a fazer... Estamos a empurrar as pessoas a pensarem no sucesso coletivo num futuro que não precisa de ser precisamente o próximo. Sim, isso é interessante. Eu não estou a dizer que esta conclusão é generalizável para todos os dilemas sociais, se funciona com a caixa amarela. Mas isso é
José Maria Pimentel
muito interessante e, quer dizer, obviamente não será generalizável para tudo, mas tem implicações interessantes e isso tinha que ver, a tua interpretação, é que isso tem que ver com... Porque uma das coisas que aparecem também na literatura desta área, dos papers que tu partilhaste comigo, tem a ver com aquela questão de a nossa estratégia numa situação desse género varia consoante nós tínhamos uma reação intuitiva, que é eu pôr-te uma coisa à frente e tu reagires logo, não é? Reagires com o teu inconsciente, com a tua intuição, ou uma reação consciente e refletida, em que eu digo pensa um bocadinho sobre isto, pensa e faz. Neste caso isto tinha que ver com isto? Tinha que ver com o facto de tu forçares a trazer, a que a pessoa traga a consciência e refleta sobre aquele problema?
Francisco C. Santos
Sim, eu creio que sim. Se voltarmos ao exemplo da caixa amarela,
José Maria Pimentel
do trânsito, Eu
Francisco C. Santos
imagino que se a maioria das pessoas fosse chamada a dizer o que o carro deveria fazer, a maioria iria dizer por favor não entres na caixa amarela. Exato. Tem ali uma afirmação, um if statement a dizer se...
José Maria Pimentel
Isso é muito interessante, é do ponto de vista da psicologia humana, não
Francisco C. Santos
é? Não seria capaz
José Maria Pimentel
de escrever tem um comportamento batuteiro, mas és capaz de o fazer.
Francisco C. Santos
Na realidade, este efeito já foi mostrado, efetivamente, com carros autónomos. E depois eu estava a pensar nisso, exatamente. É um artigo deste ano
José Maria Pimentel
ainda. E eu estava a lembrar-me de outro exemplo relacionado com carros, porque agora veio-me à cabeça apostar por ser da mesma área E que tem que ver também com as diferenças entre culturas que falávamos há pouco. Por exemplo, eu confesso que como nunca vivi num país nórdico, ainda hoje não acredito que isto seja exatamente assim. Não acredito, tu é. Há um lado de mim que não acredita que seja exatamente assim. Mas um exemplo que normalmente é dado é o facto de, nos países nórdicos, tu chegas a um... Tens uma reunião de trabalho, por exemplo, e aquilo começa às 9 e tu chegas às 8h40, ainda não está lá quase ninguém. O que em Portugal tu fazes de modo completamente automático e nem sequer te passa pela cabeça, nunca me tinha passado que pudesse nem sequer ser o mais correto é estacionar no primeiro lugar, no mais próximo, é o que é evidente. E já várias vezes ouvi contar esta história que nos países nórdicos o que tu fazes é ao contrário, tu estacionas no lugar que é mais longe porque sabes que a última pessoa a chegar está com mais pressa e, portanto, o ideal do ponto de vista global é que ela tenha ao seu dispor o lugar mais próximo para chegar mais rapidamente à sala, vamos pronto, a haver reunião. E o que está implícito aqui é que na próxima vez, quando tu chegares atrasado ou em cima da hora, tenhas a mesma vantagem. E isto são equilíbrios tão distantes um do outro, que é quase um milagre eu pensar como é que pode surgir, alguma vez, nalguma cultura, um equilíbrio tão cooperante como isto, em que tu estás a cooperar numa coisa que, confesso, nunca me tinha ocorrido sequer que houvesse aqui, lá está um jogo de soma positiva com base em cooperação.
Francisco C. Santos
Mas Essas diferenças são muito interessantes, mas funcionam dos dois lados. Depende muito da situação e do jogo e da configuração. Há certos jogos em que Portugal é altamente cooperativo, em que a pessoa, no dia a dia, a nossa vida é tão mais fácil por sermos tão cooperativos em certos aspectos simples,
José Maria Pimentel
como
Francisco C. Santos
a vida familiar, etc, etc, que não precisa de envolver uma relação de parentesco, mas a forma como as crianças são vistas em Portugal, a forma como a paternidade e a maternidade é vista não ao nível das leis, mas ao nível do dia-a-dia das pessoas comuns, por vezes é interessante. Mas não consigo estabelecer bem essa diferença entre Portugal é menos cooperativo que
José Maria Pimentel
os restantes. O que eu acho interessante aqui é, nem é tanto se é menos cooperativo ou não, quer dizer, do ponto de vista das implicações, acho isso muito relevante, é uma coisa em que eu penso muito, mas do ponto de vista do estudo destes sistemas, o que é giro aqui tu perceberes é que tu tens uma cultura que será diferente, e isso parece-me evidente que existam culturas diferentes, mas também existem situações diferentes, como tu dizias, ou seja, o tipo de interação também varia de acordo com a situação, e mesmo em culturas mais cooperantes haverá situações em que não há cooperação e em culturas menos cooperantes haverá situações em que há cooperação. O que é interessante deste ponto de vista é que aquilo que nós falávamos no início de haver coisas que são regras transversais e que se encontram nos mesmos sistemas não é absoluto, não é?
Francisco C. Santos
Porque tu tens, apesar de tudo, variação entre... Essas diferenças culturais é aquele ponto onde já começa a ser difícil usar este tipo de modulação. Exato. Por exemplo, aquela ideia de haver instituições globais e instituições locais, a ideia da coletividade da aldeia e de ter uma instituição global que consegue gerir e monitorizar toda a gente. É interessante perceber que, do ponto de vista dinâmico, essas tais ecologias de comportamento, a cooperação é muito mais fácil de ser sustentada através das instituições locais. É engraçado que consegue-se mostrar isso. Claro, exatamente. Porque uma instituição global é muito mais difícil de manter, é muito mais difícil de confiar numa instituição global. E essas instituições envolvem custos, portanto, as pessoas tendem a pagar. É mais fácil manter uma instituição local e essa instituição local promover a cooperação localmente.
José Maria Pimentel
Até por causa daquela questão dos graus de influência.
Francisco C. Santos
Exatamente, é uma boa analogia. E é interessante perceber que essas instituições locais são prevalentes também aqui. É como se nós falhássemos ao nível global, mas a nível local se calhar não estamos assim tão maus, provavelmente por não existir um nível global assim tão forte também.
José Maria Pimentel
Sim, exatamente.
Francisco C. Santos
É uma história de ouvido na
José Maria Pimentel
galinha. Exatamente. Sim, que existe muito aqui. Exatamente. Está bem, Francisco, foi uma ótima conversa. Este é um tema fascinante. E eu acho que a melhor maneira é mesmo acabar com, quer dizer, quase sempre, mas neste caso em particular, é mesmo acabar com a recomendação para quem nos está a ouvir e até para mim próprio, e ficando interessado no tema como eu estou, conseguir perceber melhor uma série destes aspectos que acaba por ser difícil numa conversa. Portanto... Sim,
Francisco C. Santos
então eu selecionei aqui um livro que se chama O Átomo Social. Eu creio que não existe traduzido em português, mas pelo menos eu não encontrei, de um senhor chamado Mark Buchanan. E este livro dá uma pequena introdução a esta ideia de sistemas complexos, modulação de sistemas complexos, com um particular foco em sistemas sociais. Eu acho que é engraçado, ele toca nesta questão de cooperação de vários níveis, o facto de podermos olhar para sistemas sociais como um sistema ecológico. E isso, parece-me que é uma boa introdução. É pequenininho, é um livro muito pequenininho,
José Maria Pimentel
portanto é muito fácil. É relativamente pequeno também. Dito assim, parece que é uma coisa...
Francisco C. Santos
Sim, sim. Mas é fácil. Do ponto de vista de redes, também como estamos sobre redes, existe aqui um livro que já é um bocadinho antigo, mas que dá uma ideia da área das redes complexas e o que é que aconteceu nessa revolução das redes complexas recentemente, de um senhor chamado Albert Lazo Barabasi, que se chama Linked, e que é fácil de encontrar também. E por fim, e já estivemos a falar de cooperação, acho que é interessante também percebermos como é que nós podemos pegar em todas estas ferramentas de cooperação, ecologia de comportamentos, para tentar eventualmente resolver um problema que, neste momento... Que é só o maior problema, não é? Que é só o maior problema que nós temos, que é o problema das alterações climáticas. E este livro, que se chama Why Cooperate, de um senhor chamado Scott Barrett, oferece uma ideia do problema que nós temos entre mãos. Do ponto de vista evolutivo é interessante olhar para este problema porque é um problema que nós nunca encontramos na nossa história evolutiva, se quisermos. Estamos a falar de um problema global, portanto aquela história do local que nós estamos a falar não funciona e estamos a cooperar...
José Maria Pimentel
E distante do tempo, é um problema distante do tempo também. Tem todas as desvantagens do ponto de vista da cooperação.
Francisco C. Santos
Estamos a cooperar com os nossos filhos, não é? Ou com os nossos netos. E, portanto, torna o problema tão complicado de ser resolvido que uma perspectiva de ecologia, uma perspectiva de sistemas complexos, imagino eu, poderá providenciar
José Maria Pimentel
algumas indicações interessantes. Associado provavelmente a alguma psicologia e noção da evolução humana, porque no fundo isso também tem que ver com nós enquanto espécie fomos feitos para cooperar lá está, mas em condições específicas. Cooperar com eventos futuros e com eventos globais é o pior dos mundos deste ponto de vista. Exatamente. Ótimas sugestões. Muito obrigado,
Francisco C. Santos
muito obrigado mais uma vez.
José Maria Pimentel
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