#63 Inês Torres - “Porque é que o Antigo Egipto nos continua a fascinar tanto?”
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José Maria Pimentel
Bem-vindos ao 45°. Neste episódio o tema é o Antigo Egito e
a convidada é Inês Torres, egiptóloga e atualmente doutoranda na Universidade de
Harvard, nos Estados Unidos. O Antigo Egito até pode parecer um tema
um bocado circunscrito para aquilo que há hábito no 45°. Mas é
preciso ter em conta que falamos de uma civilização que durou mais
de 3.000 anos. E isto é se considerarmos só aquilo que se
convencionou como sendo o início desta civilização quando as cidades-estado do Alto
e Baixo Egito se uniram para formar um só território. Para além
disso, continua a passar todo este tempo a ser um dos períodos
que mais fascinam as pessoas, e não é por acaso, porque é
um mundo que nos parece simultaneamente próximo e ao mesmo tempo misterioso,
entre pirâmides que não se sabe como foram construídas e o estranho
hábito de mumificar os mortos. Mas como a Inês realça, as pessoas
que viveram naquele tempo são seres humanos iguais a nós, que viveram
naquela cultura estranha e que nos parece tão exótica e peculiar. Curiosamente
o Egito, ou seja, o Egito dos faróis, terminou já perto do
ano zero, ou seja, precisamente quando dava entrada em cena o cristianismo
que se tornou a matriz da cultura ocidental até pelo menos ao
Renascimento. Esta nossa conversa tocou em tantos pontos que pode ficar confusa
e por isso vale a pena deixar aqui uma cronologia da história
do Egito em traços grossos. Ao longo destes três milénios, os historiadores
identificam três períodos de estabilidade e prosperidade, chamados convenientemente Império Antigo, Intermédio
e Novo. A separar estes três períodos, tiveram dois períodos de interregno,
marcados, claro, por instabilidade, sendo que, como tudo isto se desenrolou ao
longo de três milénios, cada um destes, a que nós chamamos de
interregnos, durou de 100 a 200 anos, ou seja, mais do que
alguns reinos que lhes seguiram na história do Ocidente. Estes 3.000 anos
de civilização egípcia são explicados pelo menos em parte pela sorte que
aquele território tinha, pela proteção que a geografia lhe dava e pelo
acesso ao nilo, uma fonte de água mais fiável do que acontecia
com outras civilizações. Esta prosperidade ao mesmo tempo traduziu-se também em tempo
livre, ou seja, libertou o tempo de muitas pessoas que depois acabaram
por fazer aquilo que nós hoje, em retrospectiva, admiramos, desde a criação
de uma burocracia administrativa ultra-desenvolvida, aos progressos na matemática e na astronomia,
passando, claro, pelas proezas arquitetónicas e artísticas. Ao longo da conversa falámos
sobre tudo isto e também sobre a escrita, sobre as pirâmides e
outras criações, sobre os ritos funerários e sobre a visão optimista dos
egípcios em relação à morte. Falámos ainda de outras características peculiares da
cultura egípcia e da maneira como esta sociedade estava estruturada, desde as
elites, que se conhecem relativamente bem, ao povo, que sabemos muito menos.
Concentramos-nos menos em reinos de faróis específicos, com uma exceção que vale
a pena, que foi a de Akhenaten, que foi provavelmente o farói
mais misterioso e mais controverso deste período. Ao longo desta conversa tentei
conjugar estes aspectos mais transversais àquela civilização ao longo do tempo, com
a tentativa de perceber como é que a história se foi desenrolando
ao longo daqueles 3.000 anos, percebendo como é que foi cada um
dos três períodos de prosperidade, mas também os anos ou séculos de
interregno. Como o tempo é limitado e tendo em conta que a
área de especialização do convidado é o Antigo Império, acabámos por falar
menos do período final da civilização egípcia. Deixámos de lado, por exemplo,
temas tão importantes como o reinado de Ramsés II ou o fim
do império com Cleópatra. E pronto, foi um ótimo episódio, espero que
gostem. Inês, muito bem-vindo ao 45°. Obrigada. Vamos lá falar do Egito.
Estávamos a falar há bocadinho, vou repetir aquilo que mais ou menos
aquilo que já tinha dito, que é, eu acho que a pessoa
pensa no Antigo Egito, muitas vezes não pensa ou não tem noção
de quanto tempo aquela civilização durou. Estamos a falar de uma civilização
que durou mais de 3 mil anos e que não só isso
acaba por fazer, tem uma coisa interessante que acaba por fazer, de
certa forma faz a ponte entre a invenção da escrita e já
lá vamos que é outra coisa que também pode valer a pena
falar, ou seja, o começo da civilização egípcia, ou aquilo que se
toma como o começo acaba por coincidir com o surgimento da escrita,
até porque tu até lá não tinhas muitas formas de validar esse
início, e depois vai-te fazer a ponte até a Antiguidade Clássica, até
a meio da Antiguidade Clássica, não é? Acaba por terminar, ao menos
o consenso, perto já do ano zero. Portanto, um período de 3
mil anos e que ainda por cima tem esta coincidência de fazer
a ponte entre, no fundo, o início de todas as civilizações e
a Idade Clássica que é depois o que nos serve de matriz.
Se calhar uma maneira gira de começar isto é eu perguntar-te de
onde é que vem este fascínio que nós temos todos pelo Antigo
Egito, que é uma coisa que é mais ou menos comum a
toda a gente. Se alguém dava este exemplo, se eu perguntar na
rua pela Suméria, a maior parte das pessoas provavelmente não saberá o
que era e se souber não sabe dizer mais nada. Se eu
perguntar, se eu falar do Antigo Egito, toda a gente sabe falar
das pirâmides, das fins, das múmias, de 30 por uma linha, até
dos deuses, do livro dos mortos, um monte de coisas. Ou seja,
há aqui uma desproporcionalidade que é engraçada, não é?
Inês Torres
Claro, não é verdade. E Eu acho que ainda é mais engraçado
se pensarmos que Portugal tem 840 anos de história, não é? Se
pensarmos que o nosso país já aconteceu tanta coisa, já temos uma
história tão rica e só temos 840 anos, imaginemos então o antigo
Egito que tem 3 mil. E eu acho que a antiguidade e
a longevidade da civilização acaba por
ser uma das coisas que fascina as
pessoas. É o facto de ser tão antigo e ter durado durante
tanto tempo, que é mesmo... Sim. É a única civilização do mundo
que dura durante um período tão grande. A
China não conta?
A China também, a China também, mas eu julgo que o Egito
o que tem de diferente é que a administração e o tipo
de governo mantém-se quase sem mudanças nenhuma, Portanto, nesse aspecto acaba por
ser mais estável, entre aspas. Claro que há mudanças, claro que as
coisas não se mantêm da mesma forma durante 3 mil anos, mas
sim, mas de certa forma acaba por ser bastante estável nesse aspecto.
Depois, claro, há a questão das pirâmides que levantaste. A verdade é
que é um monumento que nós ainda hoje não sabemos como é
que foram construídos, não é? Na idade da pedra, numa altura em
que não havia os mecanismos que temos hoje e, portanto, isso é
parte do fascínio também.
Inês Torres
claro. Há várias etapas, e uma pessoa consegue ver isto, não? Na
arqueologia, apesar de mesmo assim continuar a ser um processo que ainda
não compreendemos perfeitamente como é que as coisas, como é que foram
construídas. E depois, claro, a escrita também, por ter sido apenas setificada
em 1822, também foi um dos grandes mistérios que sempre atrai as
pessoas. Aliás, as três coisas que toda a gente me pergunta quando
eu falo sobre o Egito são as pirâmides, a escrita e Tutankamón.
Sério? São as três coisas principais e eu por acaso fiz a
minha tese de mestrado sobre Tutankamon, agora estou a estudar um túmulo
que fica ao pé das pirâmides e dou aulas dentro da língua,
portanto acabo por tocar um bocadinho nessas coisas todas, por acaso, porque
há quem nunca na vida, fazendo gipologia, quem nunca
estudou tudo na Kamon, por exemplo. Sim, até porque ele mesmo não
José Maria Pimentel
factoide que eu adoro, para ilustrar isso, que é a questão de
as pirâmides estarem mais distantes da Cleópatra do que ela está de
nós, temporalmente não, que é incrível! É incrível! É uma coisa... Para
ti, obviamente, isso já é natural, mas para quem seja um leigo,
eu acho que mesmo sabendo, quando o repito, continua a ser impressionante.
Inês Torres
Mas é mesmo impressionante e isso é uma das coisas que me
fascina sobre esta civilização, é que de facto é tão antiga, é
tão antiga, mesmo para... E nem precisas de ir à Cleópatra sequer,
já no tempo do Tutankamon, as pirâmides já tinham mais de mil
anos. Portanto, é absolutamente inacreditável. Quer dizer, Portugal, como nós o conhecemos,
como eu estava a dizer há bocado, tem 840, portanto eu nem
imagino o que é que seja, não é? Ser essa distância em
tempo. E ao mesmo tempo pertencendo à mesma civilização, porque estas pessoas
sentiam-se herdeiras das pirâmides, herdeiras. Fazia parte do mesmo contínuo, de certa
forma.
José Maria Pimentel
Pois, isso é giro. Eu até gostava de pegar por aí. Esta
questão da unidade cultural alm destes três bilhões, que é sempre um...
Nós falamos sempre disto como se fosse uma coisa binária, ou existe
uma civilização dentro de determinado período, ou então não existe no sentido
em que tem quebras, quando obviamente há muito mais chuva nos zonas
cinzentas e a China, que nós falávamos há pouco, tem muito esse
problema, tu dizes, ah, a China é uma, no fundo é una
desde que surgiu ou não? E na verdade acabas por ter, por
um lado, tens se calhar um núcleo ou um resíduo de matriz
cultural que vem desde que a civilização surgiu mas obviamente que teve
tantas alterações até geográficas de poder, com os Hunos e tudo mais,
que acabas por... Com os Hunos, não com os Mongóis, que acabas
por ter... Que é muito difícil dizer isso. Em relação ao Egito,
já não, mas é interessante se calhar perceber isto. Ou seja, se
calhar, começando pelo início, o Egito surge de maneira identificada a China,
não é? São aquela história das civilizações dos rios, não sei como
é que isso se diz em português, mas que surgem ao pé
dos rios, surge até relativamente cedo e depois convencionou-se dizer que surgiu,
se houver, entre 3100 e antes de Cristo, não é?
Sim.
Mas isto tem a ver com ter, como é que eu ia
dizer, pode ter surgido ainda antes mas isto dever-se ao facto só
de nós não termos restos arqueológicos de escrita antes dessa altura ou
nós temos razões convincentes para dizer que foi mesmo ali que houve
uma união?
Inês Torres
Claro, pois isso é de facto uma pergunta muito relevante porque Quando
se diz que o Egito surgiu em 3100 a.C. O que a
maior parte das pessoas está a falar é que nessa altura, mais
ou menos, nós não temos datas certas, portanto quem diz 3100 se
calhar diz 3000, se calhar diz 2900, pois exatamente, não temos bem
datas certas, aproximadamente. Portanto, quem disse 3100? 3100 é o princípio já
de um Egito unificado. Antes de haver um Egito unificado, que portanto,
se calhar tenho que voltar atrás, Havia um Egito que era composto
de diferentes grupos sociais, diferentes grupos humanos, não quero chamar de tribos
porque isso é já um termo bastante antiquado, mas havia diferentes grupos
que viviam no país, à volta do rio, não é? Porque só
há uma fonte de água, é um país que está rodeado por
dois desertos, só tem um curso de água e portanto acabou por
se concentrar ali naquela faixa. E então, a verdade é que não
se sabe muito bem como é que de repente estes grupos sociais
diferentes se tornaram num grupo unificado, numa civilização, não é? E claro
que há imensas teorias, há imensas pessoas que discutem esse assunto. Há
quem diga que houve guerra, que foi um grupo mais forte que
dominou os outros, há outros que dizem que não, que simplesmente se
aperceberam que trabalhando juntos conseguiriam chegar mais longe. Outros simplesmente que falam
até em desastres ou transformações ecológicas,
que
se calhar havia menos prosperidade agrícola ou prosperidade na altura não tanto
agrícola, mas um pouco mais uma mistura de agricultura e de... Pecuária?
Ah, sei, exatamente. Portanto, há uma data de motivos, a verdade é
que não temos, temos alguns vestígios arqueológicos mas não temos na altura,
a escrita também surge por volta de 3100. Pois,
Inês Torres
de certa... Eu não gosto de dizer que sim, de certa mente,
porque como já disse, não sabemos muito bem exatamente em que altura,
se calhar foram 100 anos antes ou 100 anos depois, mas sim,
é mais ou menos... O que a escrita demonstra, de facto, é
que há pelo menos um grupo, uma sociedade, seja ela de que
tamanho seja, há uma sociedade que de facto já se juntou e
decidiu que há certos símbolos pictográficos que representam certas ideias, que representam
se calhar até certos sons e portanto eles decidem que isto é
a escrita e se calhar este passarinho assim olhar para não sei
para onde, significa isto e aquele número escreve-se assim, com um tracinho
e dois com outros tracinhos e portanto isto tem que ser, não
pode ser, a escrita demonstra que há uma certa, um certo tipo
de organização e de comunicação num grupo social e é um dos
maiores fatores também de unificação da elite, Claro, porque temos sempre que
pensar que apesar da escrita ser inventada, os primeiros objetos que nós
temos com inscrições estão relacionados com produtos, por exemplo, com vinho, com
importações, com… portanto, é administrativa. A escrita nasce da administração, da necessidade
de administrar e de organizar.
Inês Torres
Sim, de certa forma, quer dizer, digamos, pronto, temos a escrita hieroglífica,
que
é a
escrita, pronto, mais elaborada, que é muito mais pictográfica, que de facto
mostra, representa coisas da realidade dos antigos egípcios. Essa é normalmente mais
oficial, tem-se um carisma mais oficial, vezes em monumentos, mais relacionada com
a pedra do que por exemplo com o papiro, se bem que
também há hieroglifos sem papiro, e depois temos a escrita hierática, que
é uma escrita mais administrativa, portanto os hieroglifos demoram muito tempo a
escrever desenhos. Sim, são desenhos
basicamente, não é?
São desenhos, exatamente. Portanto, acabam por ter um papel mais monumental, um
papel mais oficial. O hierático acaba por se tornar a escrita mais
da menstruação porque é mais prático e também aquela que, por exemplo,
vês em cartas ou em notas ou o que é que seja,
portanto hieroglifo assim tem um aspecto mais oficial, mais monumental, não necessariamente
ritual, porque também há ritual, há encantamentos mágicos, por exemplo, em erático.
Portanto, não é tanto nesse aspecto, acho que é mais o meio,
se bem que, claro, a função dos hieroglifos acaba por ser também
mais... Ter um cariz assim mais pesado, mais importante e hierártico assim
um pouco menos formal, digamos.
Inês Torres
certo? Exatamente, exatamente. E, aliás, mesmo se pensarmos que são 3 mil
anos de história, a maior parte não foi preservada, não é? O
papiro era um método, um meio de escrita caro, não é? Não
se escrevia em papiro, a desenhar um desenho ou mandar uma nota
a um amigo, não é? Aí pegava, sei lá, um pouco de
cerâmica, um pedaço de cerâmica partida ou então numa pedra e escrevia.
Inês Torres
Papiro é um meio caro onde aquilo que sobrevive nos papiros acaba
por ser, por exemplo, cartas ou até livros mortos, tudo o que
seja notas administrativas, sei lá, até dizer, neste dia o sacerdote fez
aquilo, aquilo e com o outro e trouxe isto e aquilo, portanto,
tudo o que seja assim mais oficial pode estar escrito em papiro,
mas não se vê, não é assim tão comum. Se calhar também
porque não se preserva tão bem, não é? A verdade é essa.
Aí o acidente da preservação significa que nós até podemos ter uma
ideia errada daquilo que o papiro, da função do papiro, não é?
Sim. Mas que não temos, que sobrevive mais à pedra, que sobrevive
mais à cerâmica e, portanto, temos mais dados desse lado do que
dos papiros.
Inês Torres
Claro, aliás, até há uma frase muito importante e famosa no meio
arqueológico que é absence of evidence is not evidence of absence. Sim,
sim. Uma coisa não significa a outra. Só porque nós não temos
esse vestígio arqueológico não significa que não existiu, não significa que não
foi importante, que não esteve presente. Aliás, no Egito há aquela ideia
que tudo é construído em pedra e não é verdade.
Simplesmente o
tijol não sobrevive tão bem, a madeira não sobrevive tão bem. Portanto,
temos mais pedra do que temos outros materiais, mas a verdade é
que não era o material principal. A pedra é um material caro,
é um recurso que é difícil de obter e, portanto, está reservado
a determinadas obras e a pessoas que podem pagá-las. Mas é interessante
José Maria Pimentel
essa ideia. Sim, esse é um bom exemplo disso. A pessoa olha
para... E tens casos de civilizações que quase se perderam exatamente por
não usarem pedra.
Claro. Aliás, a China,
estávamos a falar há bocadinho, tem muitos exemplos. O Japão como usavam
muito... O Japão tem até um hábito engraçado de... Nem faço ideia
sequer quanto tempo é que isso tem, mas eles têm o hábito
de... Imagina, têm monumento qualquer em madeira e eles reconstroem-no periodicamente exatamente
igual, no mesmo material, o que leva a que seja muito difícil
tu dizer quanto tempo é que aquilo
tem. Exatamente.
Tem 20 anos ou tem 300, porque é difícil dizer se aquilo
foi construído hoje ou foi... Porque, tecnicamente, ele foi construído ontem, mas
acaba por estar lá há imenso tempo. Então, mas espera aí, falando
então em relação a esse... Falando em relação ao período inicial, ao
período das pirâmides. É um período engraçado porque lá está, ele acaba
por ser... É um período relativamente inicial, mas onde se conseguem pruezas
logo incríveis com uma questão das pirâmides que depois não são repetidas.
E esse para mim é um dos mistérios. Ou seja, tu... No
fundo há aqui dois mistérios. Há o mistério de quão antigas são
as pirâmides, ou seja, tem 4.500 anos, cerca de 2.500 anos de
Cristo, tem pai de 4.500 anos. Aliás, até é giro comparar coisas
com as outras antigas maravilhas do mundo da idade antiga, porque não
só as pirâmides foram as únicas que sobrevivem, como eram de longe
as mais antigas. Todas as outras, tendo ou não existido, eram muito
mais recentes. Portanto, isso já é incrível, mas depois não deixa de
ser curioso que não se tenham repetido, ou seja, depois não volta
a haver... Ou estou errado? Interrompeu-se a construção de pirâmides ou não?
Inês Torres
A construção das pirâmides continuou, mas de forma diferente. Se o que
está a pensar é nas pirâmides do Planalto de Giza, aquelas as
famosas, não é? De facto não se repetiu mais nada como aquilo.
São únicas, são as maiores do Egito todo. Mas continuam a haver
pirâmides. Aliás, no Império Antigo, durante o Império Antigo, construíram-se à volta
de 80 pirâmides. Reis e rainhas e tudo mais. A reforma piramidal
também continua a existir no Império Médio, que é o império que
se... É a época que se sucede ao Império Antigo, ao primeiro
período intermediário.
E
no Império Médio os Reis também continuam a construir pirâmides, só que
não as constroem em pedra, é mais
José Maria Pimentel
Novo,
Inês Torres
que é a época que se sucede ao Império Médio e ao
Segundo Período Intermediário, então temos pirâmides, mas já não são pirâmides reais,
as pirâmides acabam por ser adotadas pelos particulares, por indivíduos, e temos
indivíduos que constroem os seus túmulos e têm pirâmides pequeninas, assim mais,
pronto, não é assim uma escala menos majestosa, digamos, menos faraónica. Sim,
sim. E, portanto, eles continuam. E depois, ainda mais, continuam mais tarde
no Sudão, na Antiga Núbia, os reis da Antiga Núbia, continuam a
construir pirâmides. Aliás, eles escolhem a pirâmide como símbolo dos seus túmulos,
o que nós chamamos da 25 Dinastia Egípcia, que na verdade vem
do Sudão. São reis da Núbia. A
José Maria Pimentel
de 700 e tal antes de Cri. Então, mas espera, nós Obviamente
temos que falar um bocadinho sobre as pirâmides, embora haja outras coisas
interessantes. Primeiro, o que é que nós sabemos do objetivo, no fundo,
último, em construir as pirâmides? Ou seja, havia ali claramente uma... Elas
tinham a função de tumos, dos reis, dos faraós, e claramente há
ali uma... A forma piramidal não é por acaso, há ali uma
espécie de ascensão em relação ao céu. Mas o que é que
nós sabemos mais para além disso?
Inês Torres
As pirâmides são um símbolo religioso e são um símbolo funerário. Portanto,
a ideia que tu acabaste de referir do farol a poder ou
do rei poder subir até ao céu é apenas uma das teorias,
porque, Voltando atrás, o Império Antigo é uma altura em que a
religião solar do Antigo Egito acaba por ganhar muito destaque. É uma
religião palaetaísta, como tu sabes, há vários deuses, mas durante o Império
Antigo o deus com maior importância funerária e até nível da religião
de Estado, acaba por ser o Deus Ra, que é o Deus
do Sol. A pirâmide é um símbolo solar e pode representar várias
coisas. Pode representar essa ideia de uma escada que, através da qual
podemos chegar ao céu, representa também, há quem diga, um raio solar
petrificado. Portanto, uma espécie de um raio solar petrificado na Terra, daí
essa ligação com o Sol. E também a forma da pirâmide está
ligada a um mito egípcio da criação do mundo, que diz que
o mundo surgiu desde uma espécie de, não é uma montanha, mas
assim mais uma... Pronto, uma espécie de um terreno assim elevado, não
é assim uma montanha, mas uma coisa mais pequenita. E esse monte
elevado, esse montezinho de terra é o monte primordial e acaba por
ser a partir daí que o rodeado de água e é a
partir daí que o mundo é criado. E então a pirâmide também
pode ter essa ideia desse monte primordial, esse momento da criação, tudo
relacionado também com a religião funerária dos antigos egípcios, essa ideia de...
A morte está ligada ao renascimento também. Portanto, não é... Nada está
isolado, quer dizer, não há nada puramente funerário, puramente da morte, está
tudo... Morte e vida
são dois
lados da mesma moeda. Até porque eles tinham uma visão otimista, no
fundo, em relação à morte, não é? Muito otimista. Muito otimista. Pode
parecer que não, porque eles de facto...
Inês Torres
Exatamente. Mas a verdade é que eles gostavam tanto da vida que
levavam, pelo menos a elite, porque nós temos que diferenciar os túmulos
que, a maior parte dos túmulos que sobrevivem são os túmulos de
elite, não sabemos assim tão bem como é que era a religião
funerária e quais eram os costumes e até as crenças da população,
está menos estudado também porque há menos vestígios arqueológicos. Mas de facto
eles adoravam a vida e queriam a ideia da morte, era um
sono e era apenas uma fase de transformação que nos levaria para
a outra vida. Portanto, nunca, não havia essa ideia de que parávamos
de existir. Quer dizer, podia haver. Há a segunda morte, o que
os egípcios chamam a segunda morte, que é basicamente é o esquecimento
da pessoa, do indivíduo. É engraçado. Exatamente.
Inês Torres
Claro. Sim, sim, sim, de certa forma. Aliás, toda a construção de
túmulos no Egito são não só monumentos funerários e religiosos, como são
também essa crença que os egípcios têm que há mais para além
desta vida e
que
desde que as pessoas saibam o teu nome e desde que continue
também as ofrendas são muito importantes, portanto o espírito para sobreviveres, os
egípcios acreditavam que precisava de comer e beber como
nós. Portanto,
tem que haver oferendas. Agora, as oferendas também podem ser simbólicas, porque
o poder da escrita no antigo Egito é realidade, basicamente. Se tu
tens algo escrito e se lês essa coisa, essa coisa transforma-se em
realidade. E a forma mais interessante até de se ver isso é
que muitas vezes em espaços sagrados, como seja por exemplo a câmara
funerária, os egípcios escrevem hieroglifos, mas por exemplo se é um hieroglifo,
se o símbolo é uma cobra, eles vão cortar a cobra a
meio, de forma a que a cobra não ataque a múmia da
pessoa. Portanto, é sério, se for um pássaro, cortam-lhe as asas, por
exemplo, ou até a cabeça, de forma a que não se transforma
em realidade e não vá atacar a pessoa. Portanto, a palavra e
a escrita são muito potentes, são símbolos muito importantes. Sim,
Inês Torres
Claro, exatamente. A pesagem do coração. O que é muito interessante também
porque para irmos para... Digamos, não é qualquer um que pode ir
para o além, não é? Apesar de que o coração simplesmente significa
que o defunto tem que se apresentar perante os deuses e tem
que provar que foi boa pessoa. Agora, boa pessoa na ideia dos
egípcios, não é? Eles achavam que era uma pessoa correta, uma pessoa
justa, uma pessoa educada e, portanto, um dos capítulos mais importantes do
Livro dos Mortos é o chamado a confissão negativa, em que o
defunto diz eu não roubei, eu não matei, eu não tirei a
comida a uma criança, eu não tirei a roupa
a...
Portanto, diz que não fez as coisas que os egípcios consideram más
e então depois da confissão negativa o coração é pesado contra a
pena de ma'at. E ma'at é uma palavra que os egípcios têm
que não é normalmente traduzida porque tem tanta coisa associada. É difícil
arranjar uma palavra. Ma'at significa equilíbrio, significa justiça, significa paz, significa bondade,
significa uma data de coisas que acreditavam que era o suporte, a
coisa mais importante deste mundo e que o faraó, o rei, era
obrigado a manter Maat, a ordem, a estabilidade, a justiça e, portanto,
a pena de Maat, que é uma deusa, acabava por ser pesada
contra o coração. Se o coração fosse mais pesado do que a
pena, a pena de justiça, a pena da verdade, a pena de
má arte, então o coração era comido por um monstro que estava
ali à espera para ver o resultado e nesse caso o defunto
não entrava no paraíso. Agora, claro que todas as pessoas que construíam
túmulos acreditavam, ou pelo menos achamos nós, não é? Que
o monstro
não ia comer o coração delas.
José Maria Pimentel
Sim, sim, sim. Sabe que eu apanhei uma coisa gira, já não
sei quem dizia isto, mas era naquele programa da BBC que eu
te falava há pouco, do In Our Time, mas era um egiptólogo
e até acho que era um egiptólogo daquela lista de livros que
tu me enviaste. Ele dizia uma coisa engraçada que era, ele ou
ela, por acaso, não, acho que era uma egiptóloga que dizia que
os livros dos mortos que nos chegaram e que no fundo acompanhavam
as pessoas no túmulo, lá está, para lhes servirem de instruções, muitos
deles estavam escritos com erros e com... E aquilo era, não sei
como aquilo seria feito, mas era uma espécie de manufatura, uma espécie
de fábrica de produção em massa, o que é que se pode
chamar em massa para aquele tempo, em que no fundo eles deixavam
o espaço para colocar o nome da pessoa. E muitas vezes o
nome não estava lá porque eles esqueciam de pôr e a pessoa
não chegava a verificar. Pá, que incrível, não é? Tu pensares que...
Quer dizer, como é que eu ia dizer? Detetares, passados estes milénios,
um erro tão prosáquico como esse, não é? A pessoa esqueceu de
verificar o livro.
Inês Torres
Isso também acontece, isso por acaso acontece em períodos mais tardios e
também depende, não é? Porque se uma pessoa tiver, assim, muito dinheiro,
claro que vai ter um livro todo XPTO e tal, e tem
um papiro de qualidade e uns desenhos muito bonitos e não sei
o quê. Mas isso também acontece em sarcófagos, por exemplo. Há sarcófagos
em que têm as inscrições com a fórmula da ofrenda, que é
assim uma fórmula tradicional que está em quase todo lado, que era
essencial para a sobrevivência do espírito no outro mundo e, portanto, havia...
Então a fórmula estava escrita e depois no final tinha um espaço
para o nome da pessoa e em muitos casos, isso era escrito
assim à volta do sarcófago, em muitos casos de um lado tem
o nome mas depois no outro esqueceram-se ou então tem assim o
nome é muito grande e eles não têm mais espaço e então
escrevem assim tudo meio a cair para
o lado
assim, mas foi um bocado discutido.
José Maria Pimentel
muita piada, por acaso. E este fascínio que eles tinham pela morte
também foi outra coisa que eu apanhei, que achei graça. Este fascínio
que eles tinham pela morte, que lá está, não era um fascínio
macabro no sentido de rutista, mas um fascínio otimista, é atribuir para
algumas pessoas ao facto de, no fundo, há sorte que os egípcios
tinham com o Nilo, porque o Nilo, pelo menos durante grande parte
do tempo, tinha épocas relativamente previsíveis, eles até tinham três estações, o
que é bastante diferente do que acontecia, por exemplo, na Mesopotâmia ou
do que acontecia na China em que os rios eram muito mais
irregulares. Claro. E portanto, há quem atribua esse otimismo deles à sorte
que eles tinham com a natureza.
Claro. No
fundo eles achavam que os deuses eram bons. Achas que é por
aí?
Inês Torres
Acho que sim, acho que parcialmente pelo menos. É sempre um bocado
difícil dizer, ah, este é o único motivo, não é? Porque, quer
dizer, como em todas as civilizações, como em todas as culturas, até
hoje em dia nunca há apenas um motivo para uma coisa, para
uma atitude ou para uma crença. Mas sim, certamente é parte disso,
porque o Nilo era extremamente regular. Claro que havia inundações que eram
melhores do que outras, porque se a inundação fosse fraca, e isso
depende das chuvas na Etiópia e no Equador, que vão alimentar os
lagos que depois acabam por encher e que dão início a essa
inundação, há cheias, há inundações melhores do que outras e uma inundação
fraca com pouca água significa fome.
Inês Torres
A rularidade, exatamente. Agora, a força da inundação é que poderia ser
diferente. Isso, de facto, traz uma estabilidade muito grande. E em períodos
de inundação boa, em que se produzia muito, e aí é que
também entra um bocado essa fantástica burocracia de administração egípcia, Porque tudo
que era extra, tudo que não era necessário para consumo imediato, era
guardado em celeiros, que eram mantidos pelo Estado e pelos templos, pelos
templos em nome do Estado, acabavam por poder garantir que em anos
de inundação fraca, seja porque fossem muito, demasiado ou porque não havia
água suficiente, eles estavam, não passavam fome, porque
havia
cereal guardado e mantido precisamente para essas alturas. Portanto, é, sim, acho
que de facto essa, havia, especialmente comparando com a Mesopotâmia, havia muito
mais estabilidade agrícola e menos fomes, menos períodos de...
José Maria Pimentel
Esquecer, sim, sim. Exatamente. Mas, por exemplo, eu não sei quão fácil
é responder a isto, mas se nós fizermos aqui uma espécie de
sociologia à distância, não falando necessariamente desse aspecto mais específico da mitologia
especificamente do Egito, mas em termos de cultura, da maneira de ser,
do tipo de visão que as pessoas tinham em relação ao mundo
e a interação entre elas, havia de facto uma diferença palpável entre
o Egito, por exemplo, e os povos da Mesopotâmia, que estavam ali
separados pelo deserto, mas no fundo estavam próximos. A
José Maria Pimentel
eu digo, esta é uma pergunta um bocadinho difícil, não é por
isso que eu digo que é um bocado de sociologia à distância,
mas é da maneira de ser, no fundo, do espírito coletivo, da
mesma forma que tu dizes que um português, e isso é uma
coisa que neste momento deve ser relativamente clara para ti, que um
português e um americano, embora os Estados Unidos sejam um país enorme,
têm coisas muito diferentes na maneira de ser, na maneira de se
comportarem, eu não sei quão possível é estabelecer isso em relação, por
exemplo, ao Egito e à Suméria, ou a Areva, não é? Obviamente
que a Mesopotâmia é muito mais instável, tem muito mais cidade-estado e
não sei o quê.
Inês Torres
sua geografia e pela facilidade com que podiam obter produtos agrícolas também,
acaba por ser mais pronto, menos isolado porque está ali, quer dizer,
está isolado do resto, está isolado do resto do mundo, está avaliado
por dois desertos, depois temos o Mediterrâneo, depois temos mais a separação
entre a Núbia e o Egito é feita também através de meios
naturais, porque há uma espécie, umas
águas
rápidas.
Inês Torres
águas rápidas que eles chamam a primeira catarata, mas não é bem
uma catarata, é sim mais umas águas rápidas com pedras e granite
e não sei o quê. E, portanto, acabam por estar, de certa
forma, isolados, mas ao mesmo tempo, como têm o Nilo, estão muito
próximos de tudo. É só pegar no barco e de repente já
estás facilmente, navegas pelo Nilo. E portanto acaba por ter mais, conseguir
estar mais unido do que aquilo que vejo na Mesopotâmia. Na Mesopotâmia
tens tantas coisas a acontecer, tantas pequenas cidades-estados que funcionam completamente diferente
da cidade-estado ao lado, da vizinha. Há também mais guerras entre uns
povos e outros e o Egito nesse aspecto acaba por ser menos
afetado por invasões ou por diferenças sociais dessa forma.
Inês Torres
Exatamente, exatamente. Aliás, a maior parte do transporte no Egito não é
feito através da roda, é através da navegação. Aliás, a roda nem
sequer é... Uma carroça não é um elemento que se vê no
Egito, são os
barcos e depois tudo que seja feito a pé são os burros.
Os burros são utilizados como meio de transporte também. Mas é, é
uma autoestrada mesmo e é muito fácil de mover à Danilo também,
apesar de ter alguns problemas, não é? E ter crocodilos e hipopótamos
na altura, agora já não, mas era perigoso de certa forma, mas
mesmo assim é um meio de comunicação e de ligação absolutamente fantástico.
José Maria Pimentel
Nós temos, ainda em relação a esta questão da cultura, nós temos
relatos de estrangeiros, se é que esta palavra se pode utilizar para
a altura, que tenham entrado em contato. Eu sei que temos os
relatos do Heródoto, pelo menos, mas isso já foi... O Heródoto é
que há 500 anos de Cristo, já é relativamente perto do final.
Exato. E ele falava das pirâmides, pelo menos falava das pirâmides. Temos
outros relatos que nos permitam ter uma visão externa daquilo que era
o Egito, de terceiros, não é, no fundo, para além do...
Inês Torres
Temos, quer dizer, portanto, o Egito também foi invadido pelos assírios a
determinada altura e, portanto, e antes disso, o Egito, na altura do
Império Novo, especialmente, na altura, costuma chamar-se a altura imperial do Egito
porque o Egito tinha influência na área da Siro-Palestina e tudo mais,
o Egito esteve em contacto com várias civilizações e mantinha um contacto
diplomático até, não era só guerras, não era só conflitos. Antes pelo
contrário, a diplomacia nessa altura é... Há muitas... O que eles chamam
as diplomatic letters, encontradas até algumas na cidade da Marna, durante o
período do famoso Achenaten e antes dele também. Também
Inês Torres
Abandonaram, e portanto sobreviveram a estas
coisas.
Mas há textos, há cartas que são enviadas entre as várias potências
até, e estão escritas não é em egípcio, não é em hieroglífico,
mas é em cuneiforme, por exemplo. E, portanto, de facto, há contactos
e há outras civilizações que descrevem elas próprias sobre o Egito, mas
pronto, é sempre do ponto de vista delas, não é? Quer dizer,
temos que... É bom saber o que é que os outros achavam
do Egito, mas o que é que o Egito achava mais e
próprio também é importante e é interessante ver de facto esse combinar
as duas. Por exemplo, uma das características, aparentemente uma das coisas que
o Egito era conhecido na Ásia Menor, era o facto de ter
imenso ouro, ter acesso a muito ouro. Portanto, Sabemos isso porque uma
das cartas que foi enviada a um faraó falava sobre o facto
dele não ter enviado ouro suficiente como prenda, porque havia essa troca
de prendas diplomáticas e ele
dizia assim,
mas tu tens tanto ouro e só envias isto. Um bocado chato.
Inês Torres
Eu acho, não tenho certeza, acho que foi ou foi ao Achenaten
ou foi ao pai dele, que é o Amenhotep III, mas não
tenho a certeza, não é o meu período de especialidade, o meu
período de especialidade é o Império Antigo, à altura das pirâmides, mas
sim, mas foi mais ou menos na altura do Achenaten, à volta
de 1300 a.C.
José Maria Pimentel
Não, estava a perguntar por causa disso. Olá, Gostam do podcast? Se
quiserem contribuir para a continuidade deste projeto e juntarem-se assim à comunidade
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e vejam os benefícios associados a cada modalidade de contribuição. Desde já
obrigado pelo apoio, mas para já voltamos à conversa. Como já percebeste
eu Estou aqui a tentar fazer uma ginástica difícil entre tentar seguir
um bocadinho uma ordem cronológica e ao mesmo tempo ir cobrindo as
coisas que são mais ou menos independentes da ordem cronológica, que é
um bocado difícil de fazer, lá está, numa civilização que dura 3
mil anos. Mas voltando às pirâmides, só para encerrar esse capítulo, a
pergunta óbvia é o que é que nós sabemos de como é
que elas foram feitas? Sobretudo as pirâmides de Isé, não é? Portanto,
sobretudo a Grande Pirâmide, não é? Mais do que... Porque há as
outras pirâmides, não sei se em português se põe a dizer que
há pirâmides de socalcos, não é? Que são aquelas...
Inês Torres
De graus, Sim, sim. De graus. Exatamente. Sabemos muito pouco, a verdade
é essa. Há muitas teorias, há muitas teorias, aliás eu até aconselho
o livro do Mark Lehner, The Complete Pyramid, que é um bom
livro para, fala, toca em vários assuntos e fala sobre pirâmides desde
o Império Antigo até ao final da civilização egípcia. Acho que a
teoria mais aceita neste momento é que a pirâmide foi construída através
de um sistema de rampas que iria à volta da pirâmide. Eram
rampas feitas de uma combinação de terra batida com, não sei, assim,
bem, não temos bem a certeza.
Inês Torres
Exatamente. Portanto, as rampas eram feitas à volta, envolvendo a pirâmide, é
a teoria agora mais aceita, mas não temos a certeza. E portanto
eles empurrariam as pedras através dessas grandes rampas, que tinham que ter
uma dimensão bastante larga. Recentemente houve um arquiteto francês, já não me
recordo o nome dele, mas um arquiteto francês que sugeriu que as
rampas até fossem internas, que houvesse um sistema de rampa interno, portanto
que a
pirâmide não foi construída de fora para dentro. Mas
de dentro para fora. Sim,
de dentro para fora, exatamente. Através do sistema de rampas interno e
depois... Não,
Inês Torres
Há muitas perguntas e, de facto, é das coisas mais vergonhosas, talvez,
que os egiptólogos não conseguem ainda responder a essa pergunta. Quer dizer,
vergonhoso, mas, de certa forma, continua a manter esse fascínio, não é?
Porque se tivéssemos a resposta apta, perdíamos o interesse.
Inês Torres
São, são. São mesmo um sistema absolutamente preciso. Nós não temos muitos
tratados matemáticos, portanto, não sabemos muito bem como é que eles conseguiam
ser tão precisos. Mas, de facto, a pedra era cortada com pedra.
Nós temos que imaginar que não havia aço, não havia ferro, quer
dizer, era pedra com pedra e conseguiam cortar aquilo de forma, ou
talhar a pedra de forma a que fosse absolutamente proporcional, porque basta
ter um bloco que não é proporcional aos outros e acabou, a
estrutura não aguenta. Mas, de facto, é...
José Maria Pimentel
Eu não sei, esta pergunta é um bocadinho difícil, se calhar para
ti, porque estou aqui a cruzar isto com exemplos que são externos,
mas não fazia sentido não falarmos nisto, que as pirâmides são ao
mesmo tempo misteriosas, misteriosas no sentido que eles pretendiam com aquilo e
fascinantes porque têm sido feitas tão cedo, mas ao mesmo tempo que
o são, são também ultra-ubíquas no sentido em que existem em muitas
outras culturas. As culturas da Mesoamérica, já não sei se eram os
incas ou os aztecas, ou os maias, não sei porquê, tinham pirâmides
também, na própria China também existiam pirâmides. Ou seja, a pergunta é,
cruzando essas fontes diferentes, isso traz algum insight para a egiptologia, no
sentido de perceber o que é que eles pretendiam com aquilo? É
Inês Torres
egiptologia. Há muita gente que faz essa ligação, a maior parte da
resposta que um egiptólogo vai dar é assim, ah, isso não tem
nada a ver. Pois há pessoas, há pessoas que te dizem, não
egiptólogos, mas há leiros que já sugeriram, já ouvi sugerir, que foram
os egípcios que se meteram num barquinho e foram até à Meso-América
e explicaram como é que se construiu uma pirâmide. Agora, pessoalmente, não
há assim nada trabalhado sobre isso, sobre essa questão. Pessoalmente, eu simplesmente
acho que é daquelas coisas que é transversal à humanidade. Há certas
coisas que os humanos fazem da mesma
José Maria Pimentel
Então, espera aí, vamos... Vou fazer agora um zoom out da história,
porque nós estamos a falar do período antigo. Há uma coisa que
me parece, isso provavelmente é uma conclusão muito superficial, mas era giro
ter a tua visão em relação a isto, porque olhando assim muito
superficialmente para a história do Egito, aquilo que me ressalta são, no
fundo, dois apógeos. Ou seja, parece haver ali dois períodos de apógeos.
Parece haver este período de cerca de 2500 anos de Cristo, que
no fundo é o apógeo do Reino Antigo, que coincide com a
construção dos pirâmides, que são quatro ou cinco, ou mais se calhar,
reis que as constroem e se conhecem nestas maiores. Portanto, isto terá
coincidido com um período de prosperidade material, não é por acaso que
eles no fundo têm os recursos e até o tempo livre, em
certo sentido, para construir as pirâmides. E depois parece que volta a
surgir esse apógeo mais tarde, passados quase mil anos, na altura do
Akenatmo, que já falámos, do Amenhotep III. O meu sotaque egípcio não
é muito bom.
Inês Torres
É mais um texto plenário, não é? Literatura é o que nós...
A literatura egípcia consiste de um conjunto de textos fictícios, que têm
a função quase de entreter, de certa forma, mas também que passam
uma mensagem. Nós temos, por exemplo, um conto de Sinué, que é
o mais famoso, que foi escrito, aliás, uma parte destes é escrito
na altura do Império Médio, é um bocado difícil de precisar, mas
na altura do Império Médio, temos um conto de Sinué, que é
um conto de um...
Inês Torres
Sabemos que certas pessoas estiveram envolvidas, mas assim, por exemplo, Imhotep, que
foi o arquiteto da pirâmide de Graus, da primeira pirâmide que foi
construída, mas assim, em regra geral, essas são as exceções mesmo,
porque em
regra geral não sabemos quem são os autores. Mas o Sinué é
a personagem principal deste texto, é um texto que é passado na
altura do princípio do Império Médio, em que o rei Amenemhat I
é assassinado e o Sinué ouve uma conspiração qualquer, ou pelo menos
é o que parece que acontece na altura, ele ouve parte da
conspiração e com medo de que o novo rei, Senóserat I, o
castiga ou puna de certa forma, foge, foge para a área da
Siró-Palestina. E portanto a história toda tem a ver com ele no
estrangeiro, a viver fora mas ao mesmo tempo saudoso, pensar no Egito,
que tem vários ínotes ao rei Plumeio, a certa altura o rei
o faraó percebe-se, o cenózobe de primeira percebe-se que o sinué está
nesta tribo da cirópolis chistina e quer que ele volte para casa,
escreve-lhe uma carta a dizer volte o perdoto. Portanto, são textos que
nós hoje consideraríamos literários, mas que nós não temos bem, é sempre
difícil aplicar terminologia moderna a uma civilização antiga, mas que nós hoje
consideramos literais, não é? E, portanto, há contos deste género que, a
maior parte deles, são datados desta altura do Império Médio, que é
considerado o período clássico da escrita e da literatura egípcia. Portanto, nessa
perspectiva, se calhar até podemos falar também de outro apogeu, um apogeu
que não é arquitetónico, que não é artístico, quer dizer, literatura pode
ser
José Maria Pimentel
arte, não é? Claro, exato, sim, sim, sim, estou a perceber. Sim,
mas não deixa de ser interessante até desse ponto de vista, não
é? No fundo os três períodos áureos acabam por ter repercussões em
meios de expressão criativa, pelo máximo termo, meios genéricos diferentes, não é?
Inês Torres
Sim, se bem que não podemos, quer dizer, também há estátuas absolutamente
fascinantes no Império Antigo, não é? Não é só arquitetura, também temos
pinturas absolutamente fantásticas, relevo, quer dizer, acaba por ser tudo, dividir as
coisas assim acaba por ser um bocado artificial, não é? Porque temos
que olhar para estes períodos como um todo e eles são, de
facto, apeligêros, mas com ênfases um pouco diferentes, se calhar, e também,
se calhar, por causa, lá está, dos acidentes de preservação. Nós não,
quer dizer, não, há coisas que se calhar ficaram pelo caminho e
nós não sabemos, não temos.
José Maria Pimentel
Exato, pois, lá está a mágoa do arqueólogo. Mas, portanto, sendo justos,
vamos falar nos três, para os dois que no fundo correspondem ao
cânone dos três períodos. O que é que ditou os períodos intermédios
entre esses períodos de estabilidade? Teve que ver com, lá está, o
nilo sendo menos generoso, teve que ver com invasões estrangeiras, teve que
ver com a instabilidade política interna, o que é que ditava aos
baixos? Os altos é relativamente fácil, não é? Teria que ver com
as coisas correrem bem, não é? Mas quando elas correram mal, correram
mal porquê?
Inês Torres
criaram estas classificações, portanto, de certa forma, isto é tudo um pouco
artificial, não é? Porque não, isto foi, é uma forma moderna de
classificar o Egito de forma a poder estudá-lo melhor e de forma
mais ordenada. Aquilo que os egiptólogos decidiram foi que tudo o que
se chama império é um período de centralização de poder, em que
o poder real, o Estado, está bastante forte e um período de,
geralmente falando, de prosperidade e tudo o que seja um período intermediário
é um período sem poder central, poder descentralizado, e o que não
significa que não haja prosperidade, mas simplesmente não há um governo, não
há um estado e normalmente é caracterizado por várias áreas geográficas que
são independentes.
Inês Torres
claro. Por exemplo, no final de... No segundo período intermediário é uma
altura em que... Entre o Império Médio e o Império Novo, é
uma altura caracterizada por dois poderes centrais que estão em luta um
contra o outro. No Norte temos os chamados Ixos, que são considerados
estrangeiros, mas contudo tem havido nova investigação que revelou que, bem já
não é tão nova assim quanto isso, mas de qualquer das formas
que estes Ixos que eram considerados estrangeiros invasores que vinham da zona
da Sira Palestina, que na verdade já tinham integrado a administração egípcia
há séculos atrás, portanto não eram, apesar de serem, terem nomes estrangeiros,
não eram invasores e não eram estrangeiros dessa forma, não é, Já
faziam parte da administração. E no Sul tínhamos um governo que achava
que era o herdeiro do faraonato, se é que podemos chamá-lo assim,
que era, consistia de uma data de, eram egípcios e portanto estas
duas forças, norte e sul, acabam por ter vários episódios de guerra
e tudo mais até que finalmente os egípcios do sul conseguem vencer
os íxos do Norte e começa o Império Novo, que é um
império centralizado. Portanto, cada período intermediário é um bocado diferente, mas a
ideia é que quando não há centralização do poder, quando não temos
um rei a reinar durante pelo Egito todo, então chamamos primeiro período
intermediário.
Inês Torres
Exatamente. Por exemplo, o primeiro período intermediário é muito interessante porque assim
que o Império Antigo acaba, que não foi assim de repente, acabou,
não é? Mas gradualmente, vê-se as regiões que produzem peças interessantíssimas. Há
quem as chame feias, não é aquela, não são tão requintadas
com aquilo
que sai do Palácio Real, não é? Mas são de uma criatividade
fantástica, a nível da língua, a nível da arte, da pintura, imensas
inovações artísticas que se vê, que se calhar até já existiam nessas
regiões, mas tentavam-se ir um pouco mais à norma.
José Maria Pimentel
Sim, isso é engraçado porque no fundo ao tu deixar de ter,
ao tornares mais fraca à mão do poder centralizado acabas por também
permitir que chegue aos dias de hoje, se calhar muito mais da
variabilidade que se calhar já existia mas que estava escondida por baixo
de uma espécie de manta niveladora, que nivelava tudo de acordo com
o canone central. Pois é, isso é giro. Então já agora, peraí,
há um evento que é muito falado e que não diz respeito
só ao Egito, diz respeito no fundo a toda aquela zona entre
o Europa Oriental e o Sudeste Asiático e o... Como é que
se diz? E o Oriente Próximo que é a questão do... Eu
não sei como é que se diz em português mas o colapso
da idade de bronze tardia, Não sei se é assim que se
diz. No fundo é uma coisa que ocorre em 1200 a.C. E
portanto ocorre até já depois do pico do Reino Novo, não é?
José Maria Pimentel
Ou seja, pronto, whatever, seja como for. Eu só achava que era
uma pergunta gira porque há uma altura, isto ainda era tecnicamente a
Idade do Bronze, que é uma separação que eu nunca achei muito
feliz, ou pelo menos sempre achei pouco entusiasmante, esta coisa da Idade
do Bronze e da Idade do Ferro, mas em que tu tens
ali o colapso de uma série de civilizações ali próximas, na zona
da Grécia, na zona da Mesopotâmia e mesmo o Egito é muito
afetado, embora se mantenha, e pelo que eu percebo não se sabe
muito bem o que é que causou aquilo, e se no Egito
há os relatos daquilo que eles chamavam de seapeople, não é? As
pessoas do...
Inês Torres
E até um bocado antes dele, antes de Ramesses III, já tinha
havido contactos com as despobem do mar. Mas de facto parece que
houve alguma alteração, algum problema que fez com que uma data de
gente, milhares de pessoas se movimentasse e fosse, não é bem atacar,
quer dizer, ainda é discutido quem são os povos do mar, Não
sabemos. Claro,
exato.
Mas há, pelo menos dentro da egipologia,
há
duas teorias principais. Uma é que de facto estes povos do mar
eram um exército que veio atacar o Egito e outra, que se
calhar é aquela com que eu concordo mais, apesar de não ter
grande conhecimento sobre esta área, que diz que de facto isto eram
movimentos populacionais, crianças, mulheres, não era bem um exército, eram mesmo populações
que simplesmente se movimentaram e acabaram por chocar com o Egito, que
foi de repente, tinha esta gente toda e não sabia muito bem
onde é que havia de as colocar e houve, definitivamente houve conflito
armado porque temos Ramsés III fala sobre isso e até gravou, talhou
nas paredes de um templo dele em Medinet Abul no sul do
Egito, há informação sobre os povos do mar e sobre as guerras
contra os povos do mar que eventualmente foram expulsos do Egito. Não
sabemos mais o que é que se passou. Mas é de facto,
é interessante, eu confesso que não sei muito bem qual é a
teoria atual que explica o motivo pelo qual estes povos se puseram
em movimento. Mas de facto há indicações que isso de facto foi
uma invasão quase, digamos assim, pelo menos da perspectiva egípcia, quase que
foram invadidos por esta gente.
Inês Torres
Exatamente. Aliás, a última teoria que eu ouvi falar sobre sobre esta
questão dos pobres que se movimentam e que... Foi a teoria de
que houve um vulcão na Islândia, na Islândia, bem, não tenho certeza,
mas no norte, que entrou em erupção e foi um vulcão, uma
erupção tão potente que acabou por se arrastar pela Europa toda e
chegar até ao Mediterrâneo e que o ar, o próprio ar, estava
poluído e, portanto, as pessoas
José Maria Pimentel
eu acho que é essa dúvida, assim, que no fundo parece um
bocado ridículo, não é, mas entre ter sido, ter tido causas naturais
ou ter tido causas políticas, não é, se quisermos, ou seja, simplesmente
da confluência de uma série de ocorrências que levou a que houvesse
ali instabilidade naquela zona e que tivessem empurrado esses povos do mar,
fossem eles quem fossem, para lá e para o pé, não é?
Pois. Então, mas quando é por ela estamos a falar do Império
Novo. Tu estavas a dizer que esta não é bem a tua
área de especialização, não é?
José Maria Pimentel
que eu acho que é mais ou menos assim, é uma figura
um bocado incontornável, porque é uma figura um bocadinho... Quer dizer, o
Akhenaten e o Ramsés II, talvez sejam os dois os dois mais
importantes deste período. O Akhenaten, começando por ele, surge neste período de
grande prosperidade, não é? Sim. O pai dele, ou seja, o reino
do pai dele tem até saído do pico, não é?
José Maria Pimentel
E ele depois é uma personagem, um gainho estranho, não é? Porque
ele faz uma cisão completa em termos da religião, não é? E
é... Isto é tudo muito superficial, mas aquilo que, num primeiro contacto,
pelo menos a mim, salta à vista é que, e acho que
é isso que cria grande parte do fascínio, é que há ali
um lado muito moderno. Primeiro, aquilo é uma espécie de monotaísmo, embora
o Freud falava daquilo, até um amigo meu estava a chamar a
atenção para isso, falava da religião que ele tentou instituir como uma
espécie de primeiro monotaismo, embora acho que isso caiu um bocadinho em
desuso, porque as pontes não são tão óbvias assim, mas tem esse
lado e depois tem um lado de, quer dizer, muito próximo com
muitas coisas que aconteceram na Europa, até mais próximo da Idade Moderna,
de centralização de poder, de alteração, ele até alterou a questão da
arte, da maneira que era representado na arte, apareciam cenas do cotidiano,
depois a mulher dele, que também vou pronunciar o nome mal, a
Nefertiti, que tem aquele busto incrível, que parece um... Aquilo é estranhíssimo,
porque parece uma coisa que foi... Eu até acho... Eu até recomendo
aos ouvintes verem, se não conhecerem, pesquisarem no Google, que vejam se
apanha-se logo. Pá, e aquilo parece uma coisa feita ontem, é incrível!
Inês Torres
Pois é, pois é. Não é? É lindo, e isso é uma
das atrações nesse busto, é a intemporalidade da beleza da Nefertiti. É
inacreditável. Pelo menos
ali, não é?
Exatamente, pelo menos ali, porque há outras representações dela que não têm
nada a ver com esse gosto.
Pois. Nada
a ver mesmo. Sim, o Akhenaten é uma figura muito, muito interessante
mesmo. A razão pela qual os egiptólogos agora não gostam de falar
em monoteísmo é porque, por aquilo, sobretudo há uns anos para trás,
que tem havido muitas descobertas em Amarna, especialmente descobertas que não estão
focadas só na elite, mas que têm a ver também com a
religião doméstica, aquilo que nós chamamos de religião privada ou doméstica, é
feita em casa, é feita nos... Nem se calhar em nicho, na
própria casa da pessoa, portanto uma religião mais privada que não tem
a ver com a religião de elite ou do Estado, entre aspas,
não é? E parece que pelos vistos, apesar de Aken Atten tentar
eliminar os outros deuses, que é aquilo que parece não é na
propaganda oficial, a verdade é que mesmo em Amarna, a cidade que
ele construiu de raiz para adorar o seu próprio, o seu Deus
único, que ele chama mesmo o Deus único, o Aten, mesmo na
própria Amarna, nas casas, ainda se encontram amuletos de outros deuses, encontram-se
statuetas de outros deuses, portanto até que ponto é que de facto
foi um monotonismo? Será que ele tentou mesmo banir tudo o que
seja outros deuses ou simplesmente tentou focar toda a gente nu? Porque
a verdade é que esta ideia de chamar a um deus único
não é nova.
Na
religião egípcia há sempre essa dualidade, que é o único e o
múltiplo. Portanto, cada Deus é único e é múltiplo. Tem uma e
várias formas. Para nós parece uma contradição, mas os egípcios cansam muito
com esta ideia da dualidade das coisas. Há sempre... Vai tudo em
pares. Portanto, há o único e há o múltiplo. Há o homem
e há a mulher. Há o deserto e há o rio. Portanto...
Inês Torres
É um pouco simbólico, não é? Porque, primeiro porque em sistemas palitaístas
nunca há, não há assim uma única forma para um único Deus,
quer dizer, os Deuses têm várias funções, têm várias caras, têm várias
formas de serem representados, têm até várias, podes ter deuses a fazer
coisas muito diferentes, até mesmo no texto religioso, portanto eles não são
fixos, não é… não há assim uma definição, ah este Deus só
pode fazer isto, só faz aquilo e não sei o que. Portanto,
acabo-me a ser mais flexível. E essa ideia de ser múltiplo, ao
mesmo tempo ser uma unidade, mas dentro da unidade há uma multiplicidade
de perspetivas e de variações e formas e tudo mais. E portanto,
essa ideia de um Deus ser único não é nova na religião
egípcia. O que o Akhenaten faz, de facto, é... Ele ataca certos
Deuses. Ataca, por exemplo, o deus Amon, que era o deus principal
do Estado na altura. Ataca outros deuses como Osíris também. E, portanto,
a religião muda um pouco. A religião do Estado, não é? Entre
aspas. Sim. Não tanto a religião, como acabei de dizer, a religião
privada parece manter-se mais ou menos da mesma forma, mas a religião
real, não é? Da elite, acaba por se modificar um bocado, é
muito mais virada para o sol, para o elemento solar. O Aten
é um disco solar que tem raios que acabam... O final dos
raios são mãos e muitas vezes as mãos estão a segurar um
símbolo que é o Ankh, que é o símbolo da vida. Portanto,
é essa a ideia de que o sol dá vida, a luz
solar dá vida. E uma das coisas mais interessantes também do Akin
Aten é que ele supostamente escreveu, quer dizer, não sabemos... Uma inscrição
diz que ele é que é o autor, mas só... Não sabemos
até que ponto é que foi ele que escreveu isto, mas ele
escreveu dois hinos ao deus Aten, que basicamente são quase a proposta
religiosa dele, que são extremamente interessantes. O deus único, o deus solar
como o Criador único, quando não há sol, nas trevas ninguém vive,
não há vida, portanto, para fazer mesmo essa ligação entre criação, vida,
sol, luz, trevas, morte e de forma muito poética.
Inês Torres
ossos e escoletas e não sei o quê. Mas de qualquer das
formas, o que é interessante é que a maior parte das pessoas
achavam que tinha sido ele, a pessoa, a criar esta nova religião
e a cortar com a religião tradicional. Mas a verdade é que
o pai dele já, o pai e a mãe, no reinado anterior,
já estavam devagarinho a criar mais ênfase no Aten, no deus Aten,
e também a mudar um bocadinho a arte, que começa ligeiramente a
parecer-se mais com o género da arte que depois vês no tempo
da Akhenaten, que é assim muito exagerada. Tem umas figuras um pouco
andrógenas, quer dizer, não é bem homem,
não é bem
mulher. Ele tem umas ancas um pouco alargadas e uma cara alongada.
Portanto, já se começa a ver um bocadinho traços da mudança na
arte e na religião no reinado anterior. Portanto, é capaz, isto é
capaz de ter sido algo, de certa forma, em família. Não fosse
ele apenas o messias.
Inês Torres
Exatamente. Quer dizer, de facto ele fez uma rotura, porque ele, aliás,
uma rotura muito física, porque a capital na altura era Tebas e
ele decidiu sair da capital e mudar a corte para um local
no meio do deserto, um local virgem, onde não tinha habitacidade nenhuma,
fundou uma cidade nova, que nós chamamos Amarna, mas no egípcio é
Akhetaten, Akhetaten significa o horizonte do Aten, que é o deus dele,
e não só fez uma cidade do zero para o seu Deus,
como o escreveu, mandou-o erigir várias estelas à volta da cidade a
marcar o perímetro e escreveu nessas várias estelas fronteiriças um motivo pelo
qual ele resolveu escolher esta cidade e que foi o Deus átomo
que lhe deu um sinal que este sítio era o mais indicado,
José Maria Pimentel
esse é outro lado, esse apelo moderno dele também tem que ver
com isso. Por um lado, esse lado meio de rei absolutista, de
reunir todo o poder em volta dele e depois mudar a Corte,
porque ele foi com a Corte, para
uma cidade
nova, para Sul Luís XIV
ir para
Versalhes. E depois a história de criar a cidade no meio do
nada, que parece uma coisa quase dos países modernos. Há um monte
de países que fizeram isso, como o Brasil, de criar uma cidade,
por outros motivos, mas uma cidade em terreno virgem. E isso é
uma coisa que tem muita piada e depois acaba por morrer ali,
Porque depois quem vem a seguir a ele reverte completamente as alterações
que ele fez.
Inês Torres
Exatamente. Aliás, o famoso Stupendhamen, que há quem diga que era filho
dele, mas pronto, lá está, estas
coisas,
é sempre...
Há
tantas teorias, meu Deus. Este período é um período fascinante. Há muita
informação, mas ao mesmo tempo não há informação suficiente. Portanto, acaba por
ser muito discutido, há muitas teorias e acaba por ser difícil de
trabalhar também neste período, porque já há tanta gente que pensou em
tantas teorias que acaba por ser complicado. Mas o Tutankhamun, supostamente filho
de Akhenaten, ele na verdade, o nome dele era Tutank-Aton. Portanto, Tut
é palavra para imagem, Anc vida, Aton é o deus, Amon era
o deus anterior que seria o deus do Egito, do Estado na
altura, antes do Aten. E portanto ele tinha o nome Tutank Aten,
que significa a imagem viva de Aten e mudou depois do Aten
morrer. Quando ele subiu ao trono mudou o nome para Tutank Amon.
Portanto mesmo uma forma muito óbvia de mostrar que voltou à religião
tradicional. Portanto o Aten acabou, adeus, já está arrumadíssimo, mas ele até
mandou escrever, uma, erigiu uma Estela que estava no Templo de Karnak.
Acho que sim. E Irjuma Estela, que é chamada Estela da Restauração,
em que ele explica que os templos estavam todos fechados e que
o culto dos judeus tinha sido abandonado e que foi ele que
restaurou o culto tradicional. E, portanto, é uma forma muito, muito clara
porque o templo de Karnak era o mais importante, dedicado ao deus
Amon, era o mais importante do país, portanto, é uma forma política
muito clara de mostrar que, quase a dizer, a minha lealdade está
aqui escrita na pedra. Portanto, voltou à religião tradicional.
José Maria Pimentel
Sim, sim, sim. É uma forma conspicua de fazer isso, que aliás
faz sentido, normalmente as coisas religiosas são feitas dessa forma, até para
o gesto valer. Eu ia perguntar-te alguma coisa a propósito disso. O
que isso parece sugerir, e há uma coisa que nós ainda não
falámos, é que haveria da parte das restantes elites, não sei se
nobreza é um termo que se pode aplicar neste caso, provavelmente uma
insatisfação com essa mudança, ou seja, dificilmente terá sido o próprio Tutankhamen,
até porque ele era muito jovem, não é? Eu acho que não
é o quê? Não há mais dez anos,
Inês Torres
Não tanto de recolher impostos, também os templos tinham... Portanto, basicamente o
rei era o dono disto tudo. Pois o rei dava terras ao
templo. O templo podia arrendar as terras a quem quisesse, pois eles
pagavam um x ao templo por estar a utilizar a terra do
templo. E pois não é só isso, é que Esta é uma
altura que eu já disse um pouco assim imperialista, é o nome,
apesar de eu odiar este termo moderno, de imperialismo, que não é
bem a mesma coisa, mas é uma altura em que há muito
espólio, muitos materiais, muita riqueza, que vem destas expedições, destas guerras que
os reis dão aos templos, nomeadamente ao templo de Karnak, porque era
o templo principal, estava na capital em Tebas, e também por ser
o templo do deus Amon, que era o deus principal na altura.
Portanto, eram entidades de facto muito, muito importantes e, portanto, quando este
templo, este sacerdócio de Amon ficou, de repente, sem nada, bem, não
ficou sem nada, mas de repente o rei decide, ok, agora Amon
muito giro e tal, mas eu quero um novo deus, Atan, portanto,
e eu sou o sacerdote único, já agora, portanto, pá, vou construir
templos, este deus, Karnak, Não, mudo de cidade e de repente a
riqueza deixa de ir para este sacerdócio de Amon e começa a
ser investida neste novo sacerdócio de Aten.
Inês Torres
Sou eu, exatamente, e faço o que quero.
Só tem
que tecnicamente o rei sempre esteve à frente de todos os sacerdócios,
não é? Ele era o sacerdote por excelência, mas, como é óbvio,
delegava o poder a outros. Só que o Akhenaten decidiu que não,
ele queria ser mais ativo e decidiu mudar a ênfase no deus
Amon e passou a pôr no deus Aton. Obviamente que houve muita
gente que ficou chateada e os sacerdotes de Amon, especialmente os de
Karnak, tinham muito, muito poder. Eram gente que tinha muito poder econômico,
muita influência e, portanto, tem a sensação de que não ficaram satisfeitos.
Claro que pode ter havido também, a população não gostou de ver
os outros deuses atacados, se calhar houve outros membros da élite que
não acharam piada nenhuma, que queriam continuar a adorar aos íris e
já não podiam, ou queriam continuar a adorar outros deuses e já
não podiam, e portanto acho que tudo isso junto acabou por levar
ao facto de o jovem Tutankhamen voltar a ser influenciado.
Inês Torres
Porque o Egito só começou, tecnicamente, a expandir-se nessa altura, na altura
do Império Novo.
Ok.
Portanto, antes disso, simplesmente, quando era necessário reunir um exército para uma
expedição qualquer, ou à Núbia, ou tipo qualquer, então reunia-se uma data
de pessoas, mas não era preciso haver nada profissional.
Inês Torres
Claro, Sabemos muito pouco, infelizmente, e isso é um dos maiores problemas
que há muita gente que está a tentar mudar isto. A ênfase,
tentar parar de colocar a ênfase na elite e voltar a pô-la,
não é voltar, pela primeira vez pô-la nas pessoas, nos camponeses, nas
pessoas comuns mesmo, aqueles que não tinham direito a grandes túmulos, aqueles
que não tinham direito a... Que não sabiam escrever, portanto não podiam,
não podiam deixar vestígios escritos e eu acho que isso é de
facto essencial e é uma falha grande no nosso conhecimento que está
a ser agora comatada pela primeira vez desde os princípios da egiptologia.
Inês Torres
Claro. Não, essa é uma questão das mais importantes. Quando nós falamos
sobre o Egito, falamos sobre a elite, na maioria dos casos, e
isso é
um
dos maiores problemas da disciplina, um problema que, como eu já disse
há bocado, as pessoas estão a mudar as mentalidades, estão a tentar
passar do monumental para o doméstico, por exemplo,
Inês Torres
pouco sobre a forma como se vivia, os camponeiros normales, como se
vivia no Egito e, de certa forma, é porque estas coisas não
sobrevivem, porque as cidades ocupadas na antiguidade continuaram a ser ocupadas até
aos dias de hoje ou estão ocupadas com campos, agrícolas ou até
com cemitérios às vezes, portanto não é possível escavar nessas áreas. Depois,
como eu já disse também, porque estas pessoas não sabiam ler nem
escrever. Portanto, não nos deixaram nada escrito em que nós pudemos dizer,
ok, pronto, era isto que eles pensavam, era assim que eles faziam.
De certa forma, mesmo assim, ainda é possível saber alguma coisa sobre
eles. Parece que, pelo menos, por exemplo, as cavações e a mar,
né? Os túmulos que eram basicamente aquilo era uma cova no chão
e a pessoa era colocada lá, assim, com alguma joalharia, alguma cerâmica,
depois assim enrolada, nem era completamente mumificada, era mais enrolada em linho
e também em esteiras e, portanto, vê-se que de facto, para a
elite é necessário ter uma data de inscrições, uma data de textos,
uma data de imagens, uma data de espaldo e funerário para eles
é essencial para a sobrevivência no além. Parece que a ideia do
além era diferente para a população camponesa, para aqueles que não tinham
acesso a esta riqueza, se calhar porque não tinham acesso a ela,
mas pode ser que de facto as suas crenças fossem um pouco
diferentes. Não temos mais certeza, é um tópico muito interessante que eu
espero nos próximos anos que possamos saber um pouco mais
sobre
isto.
José Maria Pimentel
Pois, isso tem muita piada. Olha, vamos caminhar para o fim, infelizmente,
porque havia imensas coisas de que falar, quer dizer, não falámos de
tantas, mas sobretudo acabamos por terminar aqui mais ou menos neste período
do Tutankamon, não falámos do Ramesses II, não falámos depois do tudo
que veio a seguir e do final com a Cleópatra, que era
giro também, mas o preço para recorrer a essa extensão toda acho
que agora a conversa será menos interessante porque... Claro,
Inês Torres
Não, e isso é que é interessante porque, apesar de eu estar
a estudar um túmulo de elite, este túmulo nunca foi estudado. Foi
escavado, parte dele foi transportada para Boston, para o Museu de Belas
Artes, mas nunca foi estudado, foi esquecido simplesmente. A escavação ocorreu em
1912, já passaram mais de 100 anos e finalmente alguém voltou a
ter interesse neste sumo. Pouco se sabe sobre esta pessoa. Ele viveu
por volta de 2300 a.C. Já as pirâmides todas tinham sido construídas
lá no Planalto, já tinham as pirâmides todas sido construídas. Uma altura
em que nós chamamos a 5 dinastia, em que é uma altura
em que já não estão a construir pirâmides em Giza. Estão-se a
construir pirâmides...
Inês Torres
Exato. Não é o único. Há muita gente que, da 5 e
6 dinastias, muita gente é elite, que decide fazer o seu túmulo
ali. E aquilo que mais me interessa, portanto, o Giza foi muito
estudado, principalmente no que diz respeito às pirâmides e aos túmulos de
elite da 4 dinastia, que eram contemporâneos com as pirâmides. O pessoal
da Quinta e da Sexta foi mais ou menos assim... Postulado. Exato.
Porquê? Porque os túmulos também já não eram tão ricos e aí
volta mais uma vez esse objetivo da escavação, exatamente, no princípio do
século XX. Como os túmulos já não eram tão grandes, já não
eram tão bonitos, já não eram de gente tão importante, foram assim
vistos, mas nunca foram muito trabalhados, muito estudados. De uma forma geral,
claro que há exceções. A minha ideia agora então é voltar este
túmulo e tentar contextualizá-lo, tentar perceber primeiro quem é este oficial, qual
era a função dele, o que é que ele fazia, quem é
a família dele, porquê é que ele decidiu construir o seu túmulo
ali em Giza e de certa forma também tentar compreender um bocadinho
mais daquilo que se passa no Pão Alto de Guisa, na 5
Dinastia. Quem é que continua a querer ficar lá para a eternidade,
não é? Porque temos que pensar dessa forma, eles constroem tudo para
sempre. Portanto, quem é que escolhe esse lugar? Porquê que eles escolhem
esse lugar? Mais, o que é que sabemos das pessoas que escolheram
esse lugar? Portanto, uma data de perguntas relacionadas com a cultura funerária,
mas também com, não só com a morte, mas com a vida.
O que é que levou estas pessoas a crerem? E
Inês Torres
Tinha vários esqueletos. Não tinha múmia, mas todas as câmaras funerárias, tinha
várias câmaras funerárias, tinha sete. Todas elas já tinham sido roubadas na
antiguidade, portanto já tudo que estava lá já estava muito destruído e
tem vários esqueletos. Portanto, teria que fazer uma análise dos esqueletos que
foram lá encontrados para tentar perceber se é homem, se é mulher,
quantos anos é que tinha e tudo mais. Porque quem morreu às
vezes e d? Qual é o problema? É que isto foi escavado.
Portanto, o túmulo foi escavado em 1912, 1913, mas não se lembraram
de escavar as câmaras funerárias até 1935. Nessa altura, quando retiram as
coisas da Câmara Funerária, os pólios, os esqueletos, tudo o que lá
encontraram, resolveram, pediram uma pessoa, qualquer um professor de anatomia da Universidade
do Cairo, para analisar os esqueletos. Então enviaram os esqueletos, esse senhor,
e eles apareceram. Não sei onde é que estão. As maravilhas da
arqueologia egípcia. Não sei onde é que estão os esqueletos. Não faço
ideia. E, portanto, só tenho fotos e que nem sequer são muito
boas, não é? Portanto, há sempre um pouco... Há questões que eu
não vou poder responder, infelizmente, mas espero... Mas, de certa forma, também
são interessantes, porque mostra como as práticas se modificaram. Quer dizer, ninguém
hoje pensaria em deixar uma escavação a meio e voltar 20 e
tal anos depois e dizer, ah, espera lá, esquecemos de escavar a
câmara funerária, deixa-me voltar aqui. Quer dizer, não foi o propósito, não
é? Porque às vezes há arqueólogos que decidem, ok, vou parar aqui,
a minha já descobriu o que queria descobrir e agora vou deixar
para o futuro, para os próximos virem cá para
Inês Torres
Em todo lado. É preciso pedir permissão ao serviço das Antiguidades, ao
conselho. E é cada vez mais difícil. Está cada vez mais difícil,
cada
vez mais complicado, mas desde tudo, nem é só escavação. Se eu
quiser fazer prospecção, tenho que pedir autorização, se eu quiser tirar uma
foto, tenho que pedir autorização. Quer dizer, de certa forma, posso ir
lá tirar uma foto, ninguém me vê, mas depois quero publicar o
material e aparecem-nos à porta a dizer então, amiga, deram
um... Como
é
óbvio.
E acho que isso é um pouco, não é, tem a ver
também com o passado do Egito, que foi ocupado durante muito tempo
por potências europeias, portanto... Acho um
Inês Torres
Uma das coisas que mais me fascina é ver que de facto
há coisas transversais à humanidade, no passado e no presente. Claro que,
atenção, não quero ser simplista, Não quero dizer que os egípcios e
nós somos iguais e temos os mesmos valores, nem sequer estou a
falar em valores, mas de facto há certos comportamentos humanos que simplesmente
se mantêm e eu acho isso fascinante. De certa forma até reconfortante,
não é? Exato. Não somos os únicos que pensamos assim ou que...
E eu acho que é enriquecedor de facto poder estudar uma civilização
tão antiga e aperceber-me que de facto a verdade é que continuamos
essencialmente com questões semelhantes e também com reações semelhantes à vida, se
bem que tendo outros instrumentos, outras perspectivas, outras... Vivemos num outro tempo
completamente diferente, não é? Mas eu também acho que há outro lado
também no Egito que para mim é importante, que é essa ideia,
tem a ver com essa ideia da humanidade
e
que nos dias de hoje, num mundo que está tão dividido, eu
acho que essa ideia de património cultural mundial é muito importante. E
especialmente com o Egito, que toda a gente gosta, Toda a gente
gosta de ouvir falar sobre o Egito. Até
Inês Torres
Exatamente. Portanto, eu acho que partilhar, tentar perceber mais e saber mais
sobre uma civilização, um, muito antiga, dois, completamente diferente da nossa, num
espaço, num tempo que não tem nada a ver connosco, é uma
forma também de criar uma certa empatia para com outras culturas, para
com outras regiões, é uma forma talvez de pensarmos mais a nível
mundial, nós como humanos no mundo, nós como humanidade, e não tanto
como, ah, isto é o que é nosso, e fizeram isto.
Inês Torres
Um em português, outro em inglês. Queria remindar, o em português é
do professor Luís Manoel Araújo, que foi o meu professor na Faculdade
de Letras da Universidade de Lisboa, quando eu fiz lá o meu
curso de Arqueologia, e ele escreveu um livro em 2015, relativamente recente,
Para o meio académico, que se chama O Egito Faraónico, uma civilização
com 3 mil anos. E eu gosto do livro porque dá uma
ideia muito geral daquilo que foi o Egito e está organizada em
temas, que é algo que eu gosto porque há livros de histórias,
de história que são organizados cronogicamente, às vezes pode ser um bocado
demasiado datas e não sei o quê, portanto este livro está organizado
tematicamente, que eu acho ótimo, portanto temos um tema religião, temos a
história, temos a geografia, quase como estivemos a falar aqui,
Inês Torres
Exatamente, exatamente. Portanto, queria recomendar outro que fala sobre cidades e sobre
pessoas não tanto camponeses, digamos, pessoas que trabalham no campo, mas assim,
aqueles que não tinham acesso àquilo que a elite tinha. Este é
do professor Stephen Snape e chama-se The Complete Cities of Ancient Egypt
e é um livro excelente, não só porque reúne um catálogo que
mostra as várias cidades do Antigo Egito, mas também porque fala sobre
esses temas de ir à escola, o crime, o que é que
as pessoas comiam, o que é que elas faziam, como é que
se divertiam, portanto acaba por ser um bom livro. Também fala em
palácios reais, não é? Mas acaba por dar outra perspectiva que o
primeiro livro não daria. E, portanto, acho que em combinação acabam
José Maria Pimentel
a chegar. Não, isso é uma ótima combinação, por acaso estou a
perceber onde queres chegar, porque este segundo tem muita piada, ou parece
ter muita piada, não é? No fundo dá-te uma visão da organização
geográfica, da demografia, provavelmente, do dia a dia das pessoas. Boa, excelente,
excelente. Inês, foi interessantíssima a conversa. Muito obrigado por teres vindo.
José Maria Pimentel
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