#61 Maria João Valente Rosa - Envelhecimento demográfico, natalidade e desenvolvimento
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José Maria Pimentel
Bem-vindos ao 45 Graus. Maria João Valente Rosa é demógrafa e é
convidada deste episódio. A Maria João é professora universitária, doutorada em demografia
e foi até ao ano passado diretora da PORDATA, uma base de
dados e indicadores sobre Portugal que é disponibilizada pela Fundação Francisco Manuel
dos Santos. A nossa conversa levou-nos, como é habitual, em várias direções.
Em jeito aperitivo, começámos por falar sobre a paixão da convidada, a
demografia, e da importância da literacia nesta área para uma sociedade informada
e próspera. O prato principal para continuar esta analogia foi, sobretudo, a
área de investigação da convidada, o envelhecimento demográfico a que assistimos atualmente
no mundo desenvolvido e, claro, também em Portugal. Isto porque a proporção
de idosos face aos jovens tem vindo a aumentar em Portugal nas
últimas décadas. Em resultado, sobretudo, aumenta a longevidade e, em menor grau,
a diminuição da natalidade. Aliás, segundo o INEE, esta tendência vai continuar
e só tenderá a estabilizar daqui a cerca de 40 anos. Este
vai ser, obviamente, um desafio para estas sociedades, mas a Maria João
realça duas coisas que é importante ter em conta. Por um lado,
este número é enganador, porque a própria esperança média de vida também
tem aumentado. Por exemplo, uma pessoa de 65 anos em 1960 tinha
uma esperança de vida restante equivalente a uma pessoa de 72 hoje
em dia, ou seja, menos 7 anos. Por outro lado, este envelhecimento
demográfico é sobretudo uma notícia positiva, tendo em conta que por um
lado é este aumento da longevidade que leva a que haja mais
pessoas mais velhas e por outro lado a própria diminuição da natalidade
resulta sobretudo escolhas das pessoas que são elas próprias resultado do desenvolvimento
económico do país. Esta questão da longevidade dava um podcast inteiro, claro,
tantas as ramificações que tem. Neste episódio abordámos, por exemplo, a enorme
perda de valor social, que é o atual sistema binário, com trabalho
até aos 65 anos seguido de uma entrada abrupta na reforma, e
conversamos também sobre o modo, muitas vezes errado, como a sociedade lida
com os velhos e os novos e o que se pode melhorar
neste aspecto. Já sobre a redução da natalidade, falámos desde logo da
importância de ter em conta que há uma mudança de paradigma quando
um país se desenvolve e, portanto, deixa de ser normal e passa
a ser praticamente impossível o número médio de filhos ser superior a
dois e do facto disto implicar que as medidas a tomar para
aumentar a natalidade num país desenvolvido como Portugal terão sempre que ser
adaptadas a essa nova realidade. Falamos, por exemplo, daquilo que é realmente
importante neste aspecto, que é não tanto alterar o número de filhos
que as pessoas desejam, mas sim agir sobre as restrições que as
impedem de ter os filhos que realmente querem. Vamos então à conversa,
espero que gostem. Aproveito para agradecer ao número de novos mecenas do
podcast, que acelerou nestas últimas duas ou três semanas, o que foi
ótimo. É sempre um gosto dar boas-vindas a novas pessoas à comunidade
Mecenas do 45°. Muito obrigado. Muito bem-vindo ao podcast. Já estamos a
gravar. Por acaso estava a vir para cá há bocado e estava
a pensar neste início e estava a me lembrar que antes até
de passarmos a o que é que é fascinante em relação à
demografia, ou seja, o que é que a leva a ter esta
carreira ligada à demografia, que é uma área engraçada porque é uma
área que é a primeira vez que eu trago ao podcast, como
episódio individual, já é a primeira vez que converso com uma demógrafa.
Obviamente que a demografia acaba por estar ligada a uma série de
temas que eu fui abordando e é uma área interessante porque, pelo
menos a minha intuição, é que é uma área que acaba por
ser muito interdisciplinar, porque não é independente da geografia, tem muita relação
com
Maria João Valente Rosa
no fundo, a demografia fala da população e o que é que
é a população somos nós todos, no essencial é isso. Portanto, o
que é que me leva à demografia, o que é que me
leva a fascinar-me pela demografia é compreender um bocadinho a sociedade em
que vivemos, os nossos comportamentos, que depois se refletem nas nossas características
e tentar arranjar alguma forma de interpretar o que se está a
passar, porque não é por acaso que nós, do ponto de vista
demográfico, vamos tendo configurações diferentes enquanto corpo social e por isso a
demografia desse ponto de vista é fascinante. Associada a isso, é uma
ciência muito objetiva, ou seja, está também de algum modo ligada à
matemática, ou à estatística, se quiser, e por isso não é só
falar por falar. Há aqui um fundamento com base em factos que
também é muito importante para mim. Eu sempre fui uma pessoa que
precisei muito deste conhecimento factual para poder depois refletir sobre a sociedade
em que vivo.
José Maria Pimentel
por ter menos, embora tenha alguns, ter menos problemas na exatidão dos
dados do que acontece muitas vezes, sei lá, com a psicologia, por
não irmos mais longe, que depende muito das condições em que, por
exemplo, do inquérito, por exemplo, que é algo muito mais subjetivo, que
depende da resposta das pessoas, enquanto o número de nascimentos, obviamente que
eu imagino que a qualidade dos dados em relação ao nascimento na
Alemanha ou no Congo, por exemplo, não sejam o mesmo, mas apesar
de tudo, a ideia que eu tenho é que se consegue ter,
e o grande Rosling, que falávamos até por e-mail, usa, não usava,
imensos dados desses em relação, sei lá, aos nascimentos em vários países
ou ao investimento da população e apesar de haver ali uma margem
de erro nós conseguimos ter alguma segurança nas conclusões que estamos a
tomar.
Maria João Valente Rosa
Claro, as conclusões também dependem muito da metodologia utilizada. De qualquer das
formas, os inquéritos, há vários tipos de inquéritos e a demografia também
recorre muito a inquéritos, mas não tanto a inquéritos de perceção. Claro,
coisa que não é essa, exatamente.
Porque, por
exemplo, quando nós falamos do inquérito ao emprego, quando falamos, por exemplo,
dos desempregados e empregados no país, isto tem por base o inquérito,
só que não são inquéritos de percepção, ou seja, sinto-me melhor ou
sinto-me pior, confio mais ou menos na justiça ou no país, portanto
são inquéritos diferentes. É um tipo de inquérito diferente. Qualquer das formas,
qualquer ciência vale pela metodologia que está associada e qualquer cientista e
qualquer conclusão vale pela solidez da análise que sustenta esse mesmo existício.
De outra maneira, não é… a demografia é feita por demógrafos. E
é engraçado porque… começarmos por aqui, pela demografia, porque realmente até há
bem pouco tempo, quando dizia que era demógrafa, aliás, evitava dizer que
era demógrafa, porque as pessoas se perguntavam o que é que é
isso, o que é que é isso, o que é que tu
és afinal? Demógrafa! E hoje eu acho que a demografia já entrou
um bocadinho no discurso habitual de todos nós, ou seja, nós a
propósito de tudo falamos sempre um bocadinho, porque a demografia está diferente
etc. Só que a demografia tem vindo também, como eu costumo dizer,
a demografia tem as costas muito largas porque tem vindo a ser
acusada de coisas pelas quais não é responsável. E já lá vamos
com certeza, mas isto às vezes é um bocadinho complicado porque dizemos
bem, o problema é que estamos todos a viver pior ou estamos
todos menos bem ou estamos... Isto por causa da demografia. Não é
por causa da demografia, a demografia é resultado de nós próprios, portanto,
se há alguma coisa que está em causa somos nós e por
isso é bom pensarmos. E antes de nos pensarmos precisamos de nos
conhecer e aqui estão os demógrafos, não é? Agora, essa área é
uma área que começa a ser cada vez mais conhecida, mas infelizmente,
por exemplo, em Portugal ainda não existe nenhuma licenciatura em demografia, por
isso é que eu comecei pela Sociologia e depois o meu doutoramento,
a minha área de especialidade foi a demografia, mas não ao largo
é a minha paixão, porque realmente sem a demografia eu me sinto
um bocadinho perdida. Sim.
Maria João Valente Rosa
lugar? A Polónia está em sexto lugar. Está a seguir a Finlândia
e a seguir a Alemanha. A Alemanha é a quarta. Portanto é
França, Espanha, Suécia, Alemanha, Finlândia e Polónia. E Itália a seguir. E
nós, Portugal está em 13º lugar em termos de superfície. E é
muito interessante também já agora a propósito, porque a superfície é superfície,
não é uma variável demográfica, mas a população é. E nós muitas
vezes, ou eu ouço tantas vezes, a propósito de Portugal dizer, Portugal
é um país pequeno, Portugal é um país
pequeno. Quando falamos
no quadro da União Europeia a propósito de tudo e de nada
dizemos, pois mas nós somos um país pequeno, o que é que
se há de fazer? Ora nós não somos um país pequeno, nós
de facto somos um país de média dimensão, no quadro da União
Europeia há 28, nós ficamos em 12º lugar em termos de
população.
Por isso, não somos o tal país pequeno que nós queremos fazer
crer que somos. Não somos. Às vezes somos pequenos, no há alguns
resultados, mas também já lá iremos com certeza. De qualquer das formas,
de ponto de vista populacional não somos e era bom que as
pessoas tivessem isso em consideração.
José Maria Pimentel
Sim, sim. Portanto, quer dizer... Sim, a Holanda é pouco mais também.
A Holanda-Sábado é pouco mais. E também às vezes não diz nada,
não é? Claro. E o que ele fala da Holanda porque é
um país, Apesar de tudo, tem uma importância maior do que a
Bélgica, quer histórica, quer a churna, a nossa perceção. E mesmo o
Reino Unido, por exemplo, é um país que parece maior no mapa
por causa daquela questão do Mercator, não é? Sim, sim. O que
ele mete... O Reino Unido, como está mais para o norte, parece
maior do que é na realidade. Se nós o puséssemos ao lado
de Portugal não é tão maior e sobretudo a Inglaterra ao lado
de Portugal é pouco maior.
Maria João Valente Rosa
por isso é que eu dou tanta importância aos factos estatísticos, dou
tanta importância porque é a única forma que nós temos de nos
orientarmos enquanto nos orientarmos enquanto cidadãos desta era moderna, falar, porque, repare,
em relação aos factos, nós muitas vezes pensamos algo que não está
correto, que não tem a ver com a realidade, aliás este foi
também o ponto de partida da nossa conversa, mas com base nisso,
naquilo que pensamos, tomamos as nossas decisões. Ora, Se o que pensamos
está errado, as nossas decisões por certo vão estar erradas. Porque o
nosso pensamento condiciona muito das nossas decisões. Por isso é preferível ir
à origem. Ir à origem e perceber se estamos ou não a
pensar bem. E aquela ideia que muitas vezes tem que é, ah
que horror, mas estamos a falar de números, números, e os números,
eu não gosto de números.
Maria João Valente Rosa
Lá chegaremos a essa dos números de mente. Mas quando se diz
não existe os números... Ora, para já, esta aversão aos números é
algo que me preocupa bastante. Para já, porque as pessoas não têm
aversão aos números. Porque nós no dia a dia vivemos rodeados de
números, por exemplo, os preços das coisas não estão em letras, estão
em números, que eu saiba, quando o relógio, as horas, estão em
números, não estão em letras, e a temperatura não é dada em
letras, é dada
em números.
Portanto, tudo na nossa vida, quando queremos saber se temos febre ou
não, vamos ao termómetro e aquilo está em número, às pessoas não
está em letras, pronto. E tudo na nossa vida, portanto, nós estamos
rodeados de números. É claro que há números que são números abstratos
e que nos dizem pouco, E aí muitas vezes falamos da matemática,
porque estamos essencialmente a falar de raciocínios e de números abstratos, mas
há números que nos dizem muito que são números sobre nós. E
esses números, que são as tais estatísticas que eu gosto de utilizar
no plural, que é para não confundir com a estatística-ciência, essas estatísticas
são essenciais para nós, porque essas estatísticas, esses números especiais, somos nós
que os fazemos enquanto pessoas, portanto, nascer mais uma criança, se temos
mais um filho e isso vai entrar nas estatísticas, se temos mais
um ano vai entrar nas estatísticas, se nos casamos entra nas estatísticas,
se nos divorciamos entra nas estatísticas, etc. E, no fundo, esses números
são o quê? Esses números são um espelho de nós próprios. E
eu pergunto, pergunto, quem é que não gosta de se ver ao
espelho? Toda a gente gosta de se ver ao espelho e de
perceber se está bem ou não. Ora, a única forma de nos
vermos ao espelho enquanto sociedade é através destas estatísticas. Eu não conheço
outra forma. Não dá para andar a contar na rua quantas pessoas
existem em Portugal, é impossível. Portanto, só através de estatísticas é que
nós conseguimos perceber se a população de Portugal está a aumentar ou
a diminuir, se nós estamos a envelhecer ou não estamos a envelhecer,
etc. Portanto, a partir desse espelho é que nós nos conseguimos conhecer.
Logo, quando dizem eu não gosto de números, é há qualquer coisa
de estranho porque as pessoas não gostam de se conhecer, não gostam
de saberem que meia que vivem. Não entendo. Portanto, há aqui um
discurso que é um discurso, por um lado, perigoso e por outro
lado é um discurso que de algum modo tenta subvalorizar também uma
área de saber muito importante, e também poderemos depois mais tarde falar
sobre isso, que é a matemática, e tenta, de algum modo, porque
as pessoas tiveram um sucesso nessa disciplina porventura, e então a partir
daí isto vem em cataduplo ao raciocínio de isto não importa porque
eu nem quero conhecer, eu nem quero lá chegar. E é importante
que as pessoas percebam que sem estes números andam totalmente perdidas, sem
norte, mesmo. Mas Eu costumo encontrar
José Maria Pimentel
isso vindo de onde, digamos assim, ou seja, esse tipo de... Quer
dizer, isso obviamente também me é familiar, mas tinha curiosidade de saber
a sua opinião em relação a isso. Esse tipo de reação, isto
é, de subvalorização das estatísticas, aquela história do... As pessoas não são
números, isso costuma vir de quem ou de que lado da discussão
pública, digamos
Maria João Valente Rosa
assim? Vem de muitos lados, até muitas vezes a começar pelos governantes,
às vezes ouço governantes darem dois passos atrás quando encontram um professor
de matemática, por exemplo, já vi na televisão. Sim, sim. E vem
de muitos lados e vem, eu acho, de um insucesso muito grande
que temos em Portugal em várias áreas e a área da matemática
é uma área particularmente penalizante para nós todos, no passado, não é?
E isso faz com que exista um certo discurso de auto-justificação. Como
fui uma aluna matemática, ou uma aluna matemática, então vamos tentar mostrar
que isso não interessa para nada e que o que é importante
são outras coisas. Ora, claro que os números não são pessoas, a
pessoa é um ser, não é? Completo. Mas o número pretende substituir
a pessoa, não é isso que nós pretendemos com os números, substituir
a pessoa e tornar as pessoas todas iguais, não é nada disso.
Agora, nós pretendemos, com estas estatísticas, conhecer melhor as pessoas de uma
maneira geral, e é um bocadinho por aí. É claro que, também
já ouvi várias vezes, de várias frentes, que os números mentem. Os
números mentem e por isso... Há outra. E as letras dizem o
que é que é. Até acabam por confessar, depois de uma tortura,
acabam por confessar aquilo que nós queremos. Também já
Maria João Valente Rosa
Pois, desde que sejam os números bem torturados. Exatamente, o que nós
quisermos... E esse é um ponto que eu acho que é muito,
muito, muito importante. Porque estes números, as estatísticas não mentem. Nós é
que podemos mentir com eles,
que é
completamente diferente. Ou seja, se alguém não estiver minimamente habilitado a compreender
a mensagem, porque os números não falam, nós temos que lhes dar
voz, e se alguém não está minimamente habilitado para compreender a mensagem,
facilmente se deixa enganar com a mensagem que é dada por um
outro alguém. E isso é que é o problema, ou seja, nós
pensarmos pela cabeça dos outros, não só os números que estão mentindo,
porque os números estão
lá.
É como não saber ler, não é? Mas é só uma parte
do… só estão a dar uma parte do número, pois nos competem-nos
a nós e nos buscar o resto do número, o resto das
várias estatísticas que completam esse número. E isso... E por isso nós
não temos... Não... Os números em si não mentem, portanto essa é
uma questão, e a nossa incapacidade muitas vezes de os compreender faz
com que acreditemos na primeira versão que nos é dada com base
num dado ou num conjunto de dados. E isso é perigosíssimo. Nós
temos um índice de literacia em estatísticas baixíssimo e esse é um
problema gravíssimo e como digo, estou a falar no plural de estatísticas
e não de estatística. E para se perceberem estatísticas e a mensagem
destes dados tão especiais não é preciso ter elevado os conhecimentos em
matemática, acreditem. E nós temos um nível baixíssimo. Em 2016, por ocasião
de um congresso que houve em Budapeste, realizámos um estudo, a Social
Data Lab realizou um estudo representativo da população portuguesa que tinha por
base a ferir o nível de literacia em estatísticas da população e
foi muito interessante, terrível mesmo, porque esse índice, que está aliás disponível
e pode ser testado, tinha sete perguntas, simplicíssimas, sete perguntas, que eram
feitas, Perguntas deste estilo, por exemplo, 40% da população de Portugal não
usa óculos. E a pergunta era, a maioria da população usa óculos
ou não usa óculos?
Maria João Valente Rosa
era este nível, estávamos a este nível. E O índice variava entre
0 e 100. 100, literacia máxima em estatísticas, compreensão destes pontos, que
nós achamos básicos, e 0, o nível mínimo, ausência total de compreensão,
seja do que for. Ora bem, sabe qual foi o resultado da
população de Portugal em 2016? Foi 31. 31, portanto muito abaixo dos
50. Sim, foi uma
coisa incrível. Mas espera, e não fomos mais longe, porque fizemos o
chamado teste do macaco. E o que é que é o teste?
Os 50-50.
Não, o que é? Exatamente, que é pôr 1200 macacos a responderem
aleatoriamente, não foram
macacos, claro,
Mas se se respondesse aleatoriamente, qual é que seria o resultado? Sabe
qual era o resultado do macaco? Os macacos tinham tido 23. Portanto,
nós tivemos 31, estamos pouco acima do nível do macaco. Com isto,
quero concluir o quê? Eu quero concluir que, de facto, há aqui
um problema de compreensão muito grave e que nós temos que resolver,
porque as estatísticas hoje, como eu já o escrevi, são de facto
o aposentário do mundo atual. Sem elas nós andamos perdidos. Era como...
É quase tão importante quanto saber ler e escrever e contar. E
por isso nós precisamos de preparar, mas precisamos de nos preparar, não
é a partir de uma certa idade, é logo desde cedo, para
conviver com estes dados e para conseguir captar a mensagem que estes
dados nos querem transmitir. E só aí é que conseguimos começar a
pensar pelas nossas cabeças. De outra maneira, estamos à mercê de quem
domina muito bem esta informação e que consegue transmiti-la da maneira como
nós queremos. E daí os
problemas
todos das fake news, os problemas dos super-éxitos e etc.
José Maria Pimentel
Há dois pontos que a mãe de João fez que eu acho
muito interessante e que sobretudo um deles que eu ia explorar. A
questão, só rapidamente, aquela questão das estatísticas, menta, é essa frase, não
sei se essa frase é atribuível a alguém ou a frase das
estatísticas ser bem torturadas a dizer o que nós queremos que digam,
suponho que algum estatístico a tenha dito inicialmente e é muito curioso
o efeito que acontece com isso, que às vezes acontece com outras
coisas noutras áreas. Eu estava me lembrado disso a certa altura uma
vez por causa da economia, porque eu muitas vezes faço o comentário,
e já falei sobre isso no podcast, de que a economia, por
exemplo, baseia-se em demasia em modelos quantitativos. Se eu disser isto para
alguém que está dentro do tema, a mensagem passa com o valor
certo. Mas se eu disser isto na rua, passa com um valor
que é muito maior do que o que eu quero dizer. Ou
seja, eu não quero dizer que aqueles modelos não servem para nada.
Eu quero dizer que eles têm limitações. E o que me parece
nessa frase, é um comentário que faz sentido dizer, que é obviamente
as estatísticas têm limitações dependendo da interpretação e muitas vezes a interpretação
depende de alguma subjetividade dos pressupostos que nós assumimos.
José Maria Pimentel
Ou até, mas mesmo nas estatísticas às vezes têm problemas de mensuração.
Agora, daqui, dizendo isto a um laigo, por exemplo, rapidamente se pode
passar para um relativismo absoluto e dizer esta diz que não serve
para nada. E isso é um problema às vezes com este tipo
de declarações que depois se tornam generalizáveis. Basicamente era só um comentário
rápido. Agora, em relação àquilo que a Maria João dizia há pouco,
da questão dos factos, isso é muito interessante porque houve uma narrativa
que se começou a passar nestes últimos anos com a questão do
da onda populista, ou como lhe queiremos chamar, a questão do Brexit,
ou a questão do Donald Trump, por exemplo, nos Estados Unidos, que
foi o raciocínio algures nestas linhas. Dizer se alguém como o Trump
foi eleito, por exemplo, significa que havia ali alguma coisa má e
foi isso e foi. No fundo, ele está a responder em absoluta
romanticidade das pessoas. Isso será parte da história, claramente. Ou seja, claramente
há coisas que explicam a eleição do Trump, há coisas que explicam
o Brexit, por exemplo, ou ondas populistas noutros países, mas também há
um efeito de perceção que não tem nada a ver com isto.
Ou seja, aquilo que a Maria João falava, que é, se há
agentes políticos, por exemplo, que conseguem passar uma narrativa, ou seja, transmitir
uma perceção que não tem a ver com a realidade, essa perceção
pode influenciar o voto, mesmo que não corresponda à realidade
Maria João Valente Rosa
E hoje, o que nós temos, e eu percebo, temos aqui um
problema complicado porque a informação cresce quase
à
velocidade da luz,
não é? Todos os dias temos mais informação, mais informação e nós
andamos submersos a informação e a certa altura já não sabemos qual
é a informação que devemos utilizar e qual... E este é um
primeiro problema muito complicado a resolver e para isso mais uma vez
o investimento em literacia, em estatísticas é muito, muito, muito importante perceber
que no fundo a informação, para já não é por ser um
número que o número é bom, isto é o primeiro ponto, não
é por se dizer, está bem, mas é 3%, mas 3%, mas
porquê que esse 3% é mais importante que os 10% que eu
estou a avançar em relação a uma área qualquer. Há porque 3%,
como é um número, acreditamos nesse número. Os números não são todos
bons. Portanto, nós temos que perceber a origem do número e isso
é algo que nos obriga a ir um bocadinho mais longe e
não é nada de complicado. Perceber a história do número, como é
que ele nasceu, porque pode ter nascido de uma sondagem aqui neste
espaço, a três pessoas que aqui estão, três disseram isto ou uma
disse isto e isto vira logo uma porcentagem. Portanto, não vamos, não
é por ser número que vale mais do que uma palavra, não
é. É preciso perceber que há números que valem muito e há
números que não valem. E distinguir isso, temos que arranjar competências para
tal. Por outro lado também, isto num quadro da informação que se
multiplica todos os dias. Por outro lado também temos uma outra questão
que é um modo como muitas vezes os números são comunicados e
os números, estas estatísticas muitas vezes são comunicadas utilizando uma linguagem que
é compreensível do ponto de vista dos próprios especialistas mas que não
é compreensível para os cidadãos. Isto é uma luta que eu também
tenho agarrado com uma imensa força, porque eu acho que as estatísticas
só servem se forem úteis aos cidadãos e não apenas para aqueles
que produzem ou para aqueles que já têm umas apetidões especiais. E
por isso é importante que elas sejam passadas e sejam traduzidas. Eu
dou este exemplo porque estou aqui à frente de um economista e
vai ficar irritadíssimo comigo, de certeza absoluta, mas não tenho problemas, porque
eu sei que não é bem a mesma coisa, eu sei, mas
se eu falar de formação bruta de capital fixo e se estiver
a discutir consigo, José Maria, sobre formação bruta de capital fixo, as
pessoas que nos estão a ouvir vão me dizer mas é que
o investimento não é bem informado.
Maria João Valente Rosa
e é preferível que as pessoas percebam que eu estou a falar
consigo sobre um assunto que também lhes interessa e que é o
investimento, do que estarmos os dois a falar um para o outro
e muitas vezes, e se quiser encontrar dados sobre o investimento em
Portugal tem que ir à formação bruta de capital fixo e há
algumas componentes e isso é preciso saber. Por isso, era bom que
nos preocupássemos em tentar encontrar uma forma de comunicar em que as
pessoas entendessem. Uma outra que é fantástica, mas essa é por razões
diferentes, que é o PIB.
Como
eu estou com um economista, vão aqui exemplos de economia. O PIB,
todos os dias falamos do PIB, aliás, não há dia que não
apareça o PIB em qualquer sítio. O PIB é já o companheiro
de casa. Ora bem, e as pessoas falam do PIB, do PIB,
do PIB, do PIB. Poucas pessoas, acho eu, têm ou se calhar,
não sou a citar poucas, mas sabem que o PIB não existe.
O PIB é uma construção. É
um indicador, sim, claro. É um
indicador, mas que é construído, porque o PIB pode aumentar de um
ano para o outro, porque se passou a considerar algo que não
era considerado até ao momento. Muito bem, mas independentemente de como é
que as pessoas entendem o PIB, era também importante que as pessoas
soubessem como é que podem contribuir para o PIB. Isto quer envolver
as pessoas. E eu pergunto aos economistas, então me explique lá, em
linguagem normal para uma pessoa como eu, que não sou economista, o
que é que é o PIB? A resposta logo que me dão
é, mas quero o PIB na ótica da despesa, na ótica... E
eu digo assim, mas espera lá, eu não me quero na ótica
de nada, o que eu quero mesmo é que me digam, por
exemplo, se eu estiver a comer um pão, se estou a contribuir
para o PIB e em que parte do pão é que eu
estou a contribuir para o PIB. Se calhar, ou outro exemplo, mas
não. E então isto acaba por ser algo de terrível, que muitas
vezes são muros que existem entre o cidadão e os portadores de
informação e alguns investigadores, que acabam por barrar muito o efeito da
mensagem e que colocam de uma forma muito vulnerável aqueles que precisavam
de dominar a mensagem para poderem tomar as tais decisões concertadas com
aquilo que pensam sobre a sociedade. Mas para isso é preciso deitarmos
abaixo alguns muros. E um dos muros, claramente, é o muro da
comunicação, a forma como se comunica. E a outra questão é a
capacidade de nós aumentarmos competências na nossa leitura destes dados, que não
mordem, são nossos amigos, porque como somos nós, são nossos amigos e
por isso só nos fazem bem.
José Maria Pimentel
era nada malzito, sobretudo da formação de um produto de capital fixo,
que é porque parece uma coisa com isto. Isso vem das contas
nacionais, portanto é uma coisa de... É contabilidade aplicada à economia, portanto
é mesmo um termo de... Contabilístico. Exatamente, exatamente. Um tema relacionado com
aquela questão da área, uma pergunta semelhante a essa, que me lembrei
logo, é qual é... Os lucros não estão enganados na resposta, espero
não estar. Qual é a fronteira mais longa da União Europeia, entre
os dois países?
Maria João Valente Rosa
Porque nós começámos a envelhecer e há duas determinantes, que por um
lado é a diminuição da fecundidade e da natalidade e por isso
nascendo menos crianças, repare-se, nos anos 60, que foi na altura em
que eu nasci, nasciam por ano cerca de 200 mil crianças, em
que a população nem chegava a 9 milhões de residentes. Atualmente já
temos 10 milhões e 300, que é um número fácil de fixar,
e estamos abaixo dos 90 mil nascimentos por ano. Nascem menos crianças,
a fecundidade é cada vez mais baixa, cada mãe não deixa uma
futura mãe e isso significa que a importância dos jovens, da população
a idade mais jovem, vai diminuindo. Simultaneamente há a outra determinante que
é a mortalidade. A mortalidade, a esperança de vida aumenta e não
só aumenta, não só chegam mais pessoas às idades superiores como também
nessas mesmas idades têm hipótese de viver mais tempo. Por exemplo, aos
65 anos e em relação aos 70 os homens podem viver hoje
mais 5 anos, em média, aos 65 anos, do que poderiam esperar
viver em 1970 e as mulheres mais 6 anos do que. Portanto,
isto significa o quê? Significa que existem aqui duas determinantes muito claras
que a demografia conhece, as duas determinantes, ao chegar-se às idades avançadas
e ao se viver mais tempo, então isto vai contribuindo para encruçar
o grupo das pessoas entendidas como mais velhas. E por isso, o
que é que se passa aqui? O que se passa é que
a pirâmide de idades deixa de ter aquele formato triangular, vai lá,
e passa a ter um formato mais de maçã, se
Maria João Valente Rosa
como um todo está a envelhecer e o mundo como um todo
está a envelhecer. Agora há regiões onde esse envelhecimento é mais intenso
e é na Europa e Portugal o que alguma coisa teve de
original foi a rapidez com que envelheceu. Nós éramos um dos países
menos envelhecidos da antiga Europa a 15 anos do Hélioicamente e atualmente
somos um dos mais envelhecidos dessa Europa e como tal do mundo.
Agora, a razão, e isto eu acho que é muito importante enfatizar,
a razão do envelhecimento deveria ser algo, tem estas determinantes, e eu
posso sintetizá-la numa palavra, ou devo sintetizá-la numa palavra, e a palavra
é desenvolvimento. Ou seja, eu acho que nós devíamos estar todos a
festejar o envelhecimento. Eu não gostaria de voltar ao país em que
eu nasci, em 1960, o país esse que tinha níveis de envelhecimento
dos mais baixos da atual União Europeia. E não era por acaso.
E não era por acaso, era terrível. As crianças morriam muito cedo,
o analfabetismo era elevadíssimo, as meninas tinham muitos filhos, para além da
questão da liberdade, mas isso é uma outra questão. Nós tínhamos um
país terrível pelos piores motivos e envelhecemos, não é por acaso, que
os países mais envelhecidos do mundo são os países mais desenvolvidos e
por isso teríamos de estar todos radiantes por estar a envelhecer. E
é um motivo de orgulho, na minha perspectiva. O problema, motivo de
orgulho, porque eu não quero retroceder, eu não quero deixar de envelhecer
E no futuro, pelo menos a médio prazo, até 2040, o envelhecimento,
independentemente das migrações e da fecundidade, mesmo que a fecundidade aumente, o
envelhecimento não deixará de permanecer, isto é, em 2040 estaremos mais envelhecidos,
Podemos estar muito mais ou mais ou menos mais, mas estaremos sempre
mais do que hoje. Portanto, o embelecimento está cá. A longevidade aumenta
e portanto as pessoas... Exatamente. E mesmo que as pessoas venham a
ter um bocadinho mais de filhos, em média, o que acontece é
que as gerações que estão a chegar às idades certas são gerações
que já nasceram em períodos de fecundidade reduzida, portanto são menos do
que as suas mães eram. E percebemos que tenham mais filhos, acabam
por não ter, não compensar e não provocar de imediato aquele alargamento
na base da pirâmide. Portanto nós estamos perfeitamente, estamos a envelhecer e
vamos continuar e é bom, e é bom mais uma vez que
olhemos para os factos e que não continuemos a pensar que se
a fecundidade aumentar pode ser uma saída para o envelhecimento ou que
se não. Testamos, o envelhecimento é um facto. Mudámos de corpo. Éramos
uma sociedade não envelhecida e passámos a ser uma sociedade envelhecida. Isto
é um dado adquirido. Com isto levantam-se inúmeros problemas. A rapidez do
processo levanta, faz com que Portugal de um momento para o outro
tivesse acordado para o processo, assim de repente, embora já se adivinhasse
há algumas décadas, mas pronto.
Maria João Valente Rosa
ridículo e é o que nós continuamos. Nós estamos a fazer neste
momento uma figura ridícula em termos sociais, ridícula mesmo, porque nós não
estamos a aproveitar o potencial que pode representar o envelhecimento. E o
envelhecimento significa muitas coisas, mas há um ponto que eu acho que
é muito interessante terem em conta e que eu tenho vindo a
trabalhar sobre isso, que tem a ver com este colete de forças.
Nós continuamos a medir o envelhecimento como medíamos no passado. Ou seja,
a partir dos 65 anos as pessoas são entendidas como pessoas idosas.
E é assim que medimos o envelhecimento. Ora, nós sabemos que hoje
as pessoas mais velhas com 65 nada tem a ver com as
pessoas com 65 nos anos 60, nada tem a ver. Mas nós
continuamos a considerá-las da mesma forma,
no mesmo
grupo. Ora bem, as pessoas mudaram, querem termos de qualificações, querem termos
de competências, querem termos etc. E houve um retardar, ou seja, hoje
uma pessoa com 72, do ponto de vista de cálculos que fizemos,
equivale a uma pessoa com 65 nos anos 60. Se nós tivéssemos
esta métrica, se calhar percebíamos que não estávamos tão envelhecidos quanto achamos
que estamos. Aliás, os economistas, mais uma vez, talvez tenha algo complexo
em relação à economia, só porque... Não, porque eu acho que é
muito importante, mas os economistas têm uma ferramenta interessantíssima, um instrumento interessantíssimo
que é o deflator, que retirou o efeito de inflação. Eu não
posso estar a comparar 5 euros de 1995 por hipótese com 5
euros hoje. Não tem nada a ver uma coisa com a outra,
porque o que eu comprava em 95 com 5 euros, não o
compro hoje com 5 euros. Portanto, quando eu quero comparar preços entre
dois momentos do tempo, o que é que eu faço? Deflaciono e
então vejo se houve aumento ou não dos rendimentos, ou seja, do
que for. Muito bem. E este deflator que é muito usado na
economia, a pergunta é, mas porque é que também não usamos o
deflator nas idades? Porque a idade precisa de um deflator, porque hoje
uma pessoa com 72, vamos medi-la em relação a uma série de
características, neste caso à esperança de vida perspetiva ou o que se
quiser, e vamos fazer evoluir este conceito de idoso em função da
sociedade onde nós estamos e não fixá-lo como se nada tivesse acontecido
e como se tudo à nossa volta, todas as mudanças tivessem sido
à margem do processo de envelhecimento. Portanto, nós precisamos de flexibilizar um
pouco esta nossa leitura. E este é um grande exemplo, na minha
ótica, de como não nos estamos a conseguir adaptar ao curso dos
factos. E isto está a causar muito mal-estar aos mais variados níveis
que depois podemos já falar. Mas lembro-me este propósito e que é
muito necessário nós revermos estes princípios todos que nos comandam a vida
e que herdamos do passado. Aliás, no meu ensaio em envelhecimento da
sociedade portuguesa que escrevi em 2012, começo com uma frase que diz
o seguinte, o grande problema das sociedades modernas não é o futuro,
é o passado. E é por aí que eu começo. O facto
de nós não nos libertarmos do passado, queremos o passado, o passado
passou, e passou, e em muitos casos ainda bem que passou, não
é? Em outros não, mas em muitos casos do ponto de vista
social ainda bem que passou, e é preciso encararmos o futuro de
forma diferente, porque os desafios são outros. Claro,
Maria João Valente Rosa
feito para uma época industrial, de uma dobra intensiva, em que o
conhecimento não tinha o valor que tem hoje, etc. Portanto, nós, como
continuamos a pensar que as pessoas, a partir de uma certa idade,
continuamos a olhar para a idade como algo que retira valor às
pessoas. E é muito interessante, eu aliás tenho aqui a Constituição da
República, que é muito interessante que no artigo 13º da Constituição da
República, portuguesa, claro, que é o princípio da igualdade, está aqui dito
o seguinte, ninguém pode ser privilegiado, negociado, prejudicado ou privado de qualquer
direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça,
língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica,
condição social ou orientação sexual. Não há idade. A idade pode ser
fator de discriminação, não está aqui na Constituição, não é anticonstitucional, portanto
podemos discriminar e discriminamos, ou seja, discriminamos quer em relação aos mais
jovens, discriminamos em relação aos mais velhos. A idade não é neutra,
o que é um disparate, porque nós devíamos estar a olhar para
as pessoas em função do mérito que elas têm e do valor
que elas têm e não em função da idade que têm, nem
em função do sexo que têm, nem em função da nacionalidade que
têm. Que lhes são exteriores e que nada dizem sobre o valor
do indivíduo. Portanto, a ideia é, entendemos esta sociedade como uma sociedade
onde o indivíduo, mais do que a idade que ele tem, que
é pouco importante, é pouco importante porque nós sabemos que não é
por ser mais velho ou por ser mais novo que se é
mais sabedor ou menos sabedor, mais conhecedor ou menos conhecedor. Portanto, a
idade não deve ser um atributo de discriminação e a idade está
a ser um fator de discriminação, principalmente em relação aos mais velhos,
principalmente, e isto é tão estranho numa sociedade envelhecida, em que as
pessoas têm competências, conservam algumas das suas competências, até estar ganhando outras
competências, etc. E a partir dos 50 anos a pessoa começa a
ser considerada desinteressante em termos de mercado de trabalho.
Maria João Valente Rosa
há um estudo, um inquérito que foi feito pelo Eurobarómetro, que mostra
bem isso, que duas pessoas em idênticas circunstâncias, exatamente com as mesmas
capacidades, etc., quais são os fatores, os principais fatores discriminadores, ou seja,
qual é o primeiro E o que é que é o primeiro
fator que leva a optar por um ou não por outro? É
a idade, o primeiro, ou seja, ter mais de 55 anos. A
idade de 55 é uma idade terrível. E repare, nós aos 40
estamos a meio da nossa vida. Portanto, se aos 55 nos acontece
isto, a pergunta é, nós temos que começar a pensar, a planear
a nossa vida. Nós sabemos que vamos viver mais tempo, Nós sabemos
que temos um bónus de vida fantástico. Nós sabemos, portanto, não é
quando chegarmos aos 65 vamos começar a pensar mas agora o que
é que eu vou fazer? Não, é começarmos a pensar o que
é que nós poderemos fazer, ir fazendo ao longo da vida. Isto
precisamos ter tempo para pensar e isso é um outro ponto que
é o excesso de horas de trabalho que nos libertam em zero
para uma disponibilidade de imaginarmos outras carreiras ou outras atividades. Portanto, nós
trabalhamos intensivamente na idade central e depois temos o chamado período de
reforma ou descanso. Isto é uma coisa completamente bizarra.
Não faz sentido nenhum.
Porque a formação está concentrada nos primeiros 20 anos de vida, essencialmente,
partindo-se do princípio que essa formação é suficiente para a vida, quando
não é e porque cada vez mais nós precisamos estar permanentemente a
atualizar os conhecimentos. O trabalho, sim, mas o tempo de lazer e
o tempo de descanso é importante que também esteja previsto nas idades
centrais, Porque de outro modo, se o tempo de lazer não está
previsto nas idades centrais e se passamos tudo para a ultimidade, há
aqui um corte como se a vida
fosse
feita em três segmentos. Isto é uma coisa que causa mau-estar aos
estudantes, causa mau-estar aos trabalhadores, às pessoas que estão no ativo e
causa mau-estar aos reformados. Os reformados não, também, grande parte deles, não
são felizes por ninguém querer mais o seu contributo.
José Maria Pimentel
Pois claro que não. Aliás, quando li isso achei isso muito interessante
porque é uma coisa sobre a qual também já tinha pensado muito
porque é uma coisa má em vários sentidos. Primeiro é uma espécie
de... É um puzzle, é um bocado mistérico, como é que a
coisa está desenhada assim, ou seja, nós trabalhando no fundo full time,
maior parte das pessoas até aos 65, digamos, ou até antes disso,
e depois subitamente há um corte, como a Maria João dizia, e
a pessoa deixa de trabalhar. É uma coisa que não faz sentido
e depois na prática o que acontece, que é bizarro por um
lado e é uma destruição de valor enorme, de valor econômico e
de valor social e de bem-estar para as pessoas, que é nós,
no fundo, a pessoa média passa a sua vida de trabalho exausta,
no fundo, a trabalhar mais do que aquilo que queria a maior
parte das vezes, e depois, de repente, passa de um estado de
exaustão para um estado de tédio. De repente, deixa de ter propósito,
ou seja, não há uma espécie de degradação. E a questão dos
55 anos, ou outra idade em torno dessa, em que a pessoa
no fundo deixa de ser atrativa no mercado de trabalho, também tem
que ver com o empregador saber que passados 10 anos aquela pessoa
vai reformar-se, o que significa que se calhar passado 5 já está
podo, já está a olhar. Ou seja, a própria maneira como isso
está construído, com uma espécie de fim transversal igual para toda a
gente, toda a gente deixa de trabalhar aos 65, tem esse efeito
perverso.
Maria João Valente Rosa
E eu nasci... O adormecer ativo e acordar reformado, que é uma
coisa fantástica. A vida é um contínuo, a nossa idade é um
contínuo. Todos nós somos diferentes uns dos outros. Portanto, saber que hoje
ainda estão em contacto comigo e no dia seguinte já não contam.
Eu sou igual porque não foi por dormir que fiquei diferente. Eu
percebo que as pessoas, porque evoluem ao longo da vida, hoje fazem
muito bem algo e amanhã já não estão a fazer tão bem
esse algo, mas podem fazer muito bem um outro algo. E para
isso, esse bónus de vida serve exatamente para isso, que é podermos
ir acrescentando e mudando um bocadinho as nossas atividades. Para isso precisamos
de tempo, a tal formação, precisamos de ir fazendo formação, precisamos que
a formação ao longo da vida seja muito importante para nós irmos
adaptando ou irmos acumulando saber em relação àquilo que eventualmente pode ser
a nossa segunda, terceira ou quarta atividade. Precisamos, portanto, é um tempo
de formação, vários tempos de formação, não há só uma carreira, portanto
aquela história de comecei isto e tenho que acabar a fazer isto,
é claro que quando acaba a fazer isto a pessoa já está
cansada de fazer aquilo, muito naturalmente, porque assim, eu já... Porque isso
já não tem nada a ver comigo, no início até era um
entusiasmo bestial vir trabalhar e vir para... Agora é um cansaço, um
esforço.
Maria João Valente Rosa
Exatamente, depois dizia, mas a libertação é a libertação daquela atividade, mas
a pessoa ao mesmo tempo precisa de ter um reconhecimento social importante
e no momento em que a vida está toda focada no trabalho,
que é o centro, o que acontece é que no momento em
que deixamos de ter o trabalho, deixamos de ter também aquele reconhecimento
social. Repare, o centro é de tal forma o trabalho das nossas
vidas que quando nós estudamos, a primeira pergunta que fazemos a um
estudante é o que é que tu queres ir fazer? É a
pergunta. Quando encontramos um ativo na rua, um ativo é um adulto,
perguntamos o que é que tu fazes? E quando encontramos uma pessoa
mais velha, então mas o que é que tu foste? E então
está tudo na idade central. E a idade central é uma idade
que pode ser aproveitada, ou seja, trabalhar de uma forma menos intensa
na idade central, nas idades centrais, mas prolongar o tempo, portanto podermos
estar mais tempo, mas de uma forma menos intensa, muito menos horas,
nós somos dos países da União Europeia que trabalhamos em média mais
horas por semana. Aliás, nós trabalhamos em média cerca de mais 11
horas por semana que os alemães, não sei se sabia isso. 11?
11. Ora, fantástico. Porque hoje temos muito
Maria João Valente Rosa
com o part-time, mas não é por isso que são menos produtivos.
Esta questão de nós acharmos que é por trabalharmos muitas horas que
somos muito produtivos, por estarmos até muito tarde que conseguimos fazer mais,
é um equívoco.
Sim, sim, claro. Porque
não é por aí. Portanto, termos menos tempo e dizem-me assim ah,
mas tiver menos tempo recebe menos. Não necessariamente, porque uma economia mais
rica consegue pagar melhor às pessoas, uma economia mais dinâmica consegue pagar
melhor às
pessoas, mesmo
trabalhando menos tempo, portanto, não é uma redução do salário e apenas
ter menos tempo de trabalho para, simultaneamente, ter tempo para descansar, ter
tempo para estar com os amigos e ter tempo para fazer formação
e para se preparar para novas atividades, para novas áreas, para não
ficar com ovo deserto, com ovo vazio, a determinada altura, no momento
em que lhe fecham as portas, uma porta que sempre entrou durante
30 ou 40 anos.
José Maria Pimentel
Essa questão do part-time é interessante até por causa da natalidade, eu
depois já lá volto por causa disso. Aqui na questão da entrada
na reforma como uma coisa que se precipita, no fundo, de um
estado de trabalho total para um estado de reforma total, é que
isso realmente é perverso a vários níveis, porque é perverso também porque
nós estamos a desaproveitar, como economia, se nós quisermos, ou como sociedade,
estamos a desaproveitar o potencial de uma série de pessoas, que têm
uma série de saber e de experiência adquiridos e que são complementares
aos mais novos e que vão bordo a fora. E vão bordo
a fora e lá está, não vão bordo a fora aos 65,
vão antes. Vão antes. Porque na prática as pessoas reformam antes ou
já estão a pensar antes em sair, já estão a olhar a
partir dos 55, já começam a
Maria João Valente Rosa
olhar para aquilo e pensar, isto é aguentar mais 10 anos. Exatamente,
porque estão fartos de fazer aquilo que fazem. Portanto, a questão é
se fossem acumulando atividades, porque nós sabemos que o emprego, sabemos que
também está um pouco em vias de extinção, como é conhecido, mas
para todos os efeitos o emprego não é feito só de uma
atividade, portanto pode se ir fazendo várias atividades e este exercício de
nós imaginarmos, nós nos imaginarmos, porque no passado as trajetórias eram muito
lineares mas vivia-se muito pouco tempo e a mão de obra intensiva,
e percebias este
Maria João Valente Rosa
mão de obra intensiva e a força física eram essenciais, portanto era
preciso aproveitar ao máximo. Ora, nesta era do conhecimento, que é pelo
conhecimento que as sociedades podem fazer a diferença, o facto de ter
desaproveitar um capital humano incrível, com consequências para as próprias pessoas e
para a própria coesão social, porque, repare, as pessoas perceberem que os
outros deixaram de se interessar por elas, porque já não esperam nada
delas, só esperam é que estejam sossegados ou então que façam muito
exercício e que sejam ativas. O envelhecimento está ativo, que vão para
aqui. É isto que se espera delas. Isto é uma coisa terrível,
porque é assim, mas espera lá. Mas eu quero fazer mais. Quero
fazer mais diferente, mas para isso também me prestava de me ter
preparado. Porque não é aos 65 que me vou preparar. Portanto, é
uma vida que é um discurso que deve ser feito não para
as pessoas que lá estão, porque essas pessoas apanharam estes bónus de
vida, há sim um bocadinho de surpresa, como eu costumo dizer, mas
para as pessoas que têm atualmente 30 anos, 35, há algum discurso.
Nós estamos sempre a falar do envelhecimento e quando falamos do envelhecimento
falamos sempre sobre as pessoas idosas. As tais. Nunca falamos do envelhecimento
a propósito das pessoas novas, mais novas, que têm que começar porque
o envelhecimento é um processo gradual que começa, não começa aos 65
e por isso é preciso desligar um bocadinho estas barreiras etárias. Por
outro lado, o fator idade é um fator extremamente importante e pensar
que, porque eu também tenho sérias dúvidas, não tenho evidências, mas tenho
sérias dúvidas que a reforma também faça bem à saúde, aliás e
também houve um estudo da Comissão Europeia que revelava que a maioria
das pessoas achava muito interessante aquela combinação de reforma a tempo parcial,
portanto ter uma reforma a tempo parcial, com um trabalho que se
calhar não era o trabalho que sempre tinham feito, mas um outro
trabalho que lhes era permitido. Há aqui um conjunto de aspectos a
explorar numa sociedade que sabemos que vai continuar a envelhecer e não
continuar focados numa questão técnica, que é só sobre isso que falamos
e eu estou cansada, para ser muito sincera, estou cansada da questão
técnica da fórmula, da fórmula de sustentabilidade, porque mais do que a
questão técnica da fórmula é que, se a gente não tem uma
forma de fazer isso, a gente não tem uma forma de fazer
isso. Social que temos mesmo que é fazer. E, aliás, agora estava
a falar consigo e estava-me a lembrar de uma frase que não
tem nada a ver com esta área, mas que eu acho que
vem muito a propósito, do Darwin, que ele dizia que os animais
que melhor sobrevivem não são os mais fortes nem os mais inteligentes,
mas os que melhor resistem à
Maria João Valente Rosa
Portanto, sendo assim, o que nós temos, não é de ser... Não
são os mais fortes, mas nós temos que reagir bem à mudança
e enquanto continuarmos a mexer na forma que também mais uma vez
herdámos do passado, nós não estamos a enfrentar a mudança tal como
ela está em causa e temos uma sociedade muito diferente em mudança,
que começa não só por isso, mas que continua na questão dos
robôs e na chamada quarta era industrial, não é? Como já é
apelidada. A questão do trabalho que tem já valências completamente diferentes. A
questão da família. A família já não é de todo o que
era, é multiforme, as trajetórias de vida já não são as tais
lineares, a questão das fronteiras e a questão da imigração também já
não tem... Um conteúdo completamente diferente. Hoje estou cá, amanhã estou lá
e hoje volto a estar cá e já não é aquela mala
de cartão que a primeira pessoa saía e ia
para a
vida e emigrava para a vida e era emigrante para a vida.
Não! É emigrante, é emigrante, é emigrante, é emigrante. Portanto, vai saindo
e entrando. As fronteiras começam a esbater-se um pouco desse ponto de
vista, portanto nós temos aqui uma sociedade completamente diferente, com muito mais
ligado ao digital, muito mais com potencial incrível e temos algo que
é o grupo que mais está a aumentar, pura e simplesmente nós
estamos a dizer, meus senhores, vocês não nos interessam. E é isto
um bocadinho que nós estamos a dizer e a Constituição da República,
que tantas vezes se fala nas revisões, mas eu tenho pena que
até hoje ninguém se tenha lembrado de incluir no artigo 13º que,
como princípio
José Maria Pimentel
de igualdade, que a idade não pode ser um fator discriminatório. Sim,
é uma discriminação negativa em alguns casos, mas que também pode ser
considerada positiva no sentido em que, para todos os efeitos, nós ao
não adaptarmos o nosso esquema social ao aumento da longevidade também fazemos
com que, por exemplo, a idade da reforma, seja ela abrupta ou
não, surja demasiado cedo, tendo em conta o facto daquela pessoa, por
exemplo, uma pessoa de 65 anos ser equivalente a uma pessoa de
58 ou 59 em 1970. Ou seja, no fundo aquela pessoa, até
mesmo do ponto de vista económico, não se devia estar a reformar
naquela altura. Ou seja, não é só defender o interesse dessa pessoa
a manter-la ativa, é defender o próprio interesse da economia ou o
próprio interesse da sociedade em manter-se equilibrada e no fundo conseguir resolver
este puzzle que nós temos, que para todos os efeitos temos uma
população ativa mais pequena e temos uma população dependente maior, não é?
Isso é preciso corrigir de alguma forma. Ainda assim, por acaso, há
uma coisa que eu me lembrei a propósito disto, tentando fazer aqui
até um bocadinho o contraditório disto, porque eu concordo com grande parte
disto, Aliás, quando estava a ler sobre isto, ocorreu-me logo um indicador
que teria muita piada. A Maria João tem uma coisa do género
naquele ensaio que me enviou, embora não seja, creio bem, isto, que
é, no fundo, ter um indicador de... Não um indicador de idade
média da população, que nós veríamos por exemplo desde os anos 60
numa curva ascendente, mas tem no indicador da esperança média de vida
restante da população.
Maria João Valente Rosa
completamente sem nexo. E é claro que nós estamos a fazer com
que se pusermos as pessoas todas à margem e se nos desinteressarmos
delas e dissermos, olha, nós nem queremos saber de vocês e não
se percebe porquê, mas é horrível a pessoa ter assim esta separação
sem perceber bem só porque tem uma idade, mas percebemos que as
cidades mais envelhecidas podem ser mais ou menos produtivas dependendo do modo
porque a produção é feita por pessoas também. Portanto, se nós temos
pessoas a contribuírem para a produção, a produção aumenta. Ou a doença,
a doença acontece em todas as idades, é claro que pode dizer,
está bem, mas depois a manifestação de certo tipo de doenças degenerativas,
crónicas, etc. Começam a ganhar prevalência nas idades mais avançadas. Claro que
ganha prevalência, mas isso não é impeditivo que as pessoas continuem a
ser interessantes. Aliás, repara, é muito interessante, eu há um bocado estava
a falar da centralidade do trabalho, Mas é muito interessante, eu sou
uma pessoa relativamente curiosa e às vezes ando aí na rua a
ouvir conversas, não devia, mas às vezes ponho-me a ouvir porque estou
sozinha e estou ali. E é engraçado porque quando vejo pessoas mais
velhas e às vezes me põem a ouvir as conversas, as conversas
normalmente são feitas como se existisse, em muitos casos é claro, um
espelho retrovisor, ou seja, a conversa em espelho retrovisor falam do passado,
dos tais o que eu fui, o que eu fiz, quando eu
era, ou então falam dos filhos e dos netos, etc. Mas nunca,
ou raramente, encontra alguém a falar de um projeto futuro. Como é
que uma pessoa vive sem um projeto futuro? Portanto, fala-se ou das
doenças que tem, das dores, etc. Ou então, pois quando eu era
não sei o quê, quando eu fiz isto, quando eu fiz aquilo,
e tal, e tal. Ah, pois os meus filhos estão muito bem,
mas a pessoa deixou de existir. A própria conversa
das pessoas
é inexistente do ponto de vista...
Maria João Valente Rosa
própria pessoa se anula, que é uma coisa incrível. Porquê? Porque uma
pessoa que sem um projeto, sem um plano de vida, e sem
pensar, não, não, mas eu ainda tenho tanta coisa, porque são muitos
anos ainda pela frente. As pessoas neste momento têm tantos anos pela
frente, aos 65, quanto têm desde que nascem até acabarem sua formação
básica? Ou seja, têm cerca de 20 anos e muito tempo, é
desde o nascimento. Já viu? E é tanto tempo para se fazer
coisas tão fantásticas dependendo da
José Maria Pimentel
capacidade de cada um? Mas é uma questão cultural, acho que eu
também, quer dizer, a pessoa, nós vemos as pessoas mais velhas, vemos
os idosos como dependentes. Quando eu digo dependentes não é necessariamente uma
dependência direta de não conseguirem fazer coisas por si, é uma espécie
de supervisão, digamos assim, ou seja, os filhos, as pessoas mais velhas
contam que os filhos se preocupam com elas por tudo e por
nada, e os filhos têm o cuidado de se preocupar com os
pais, não é? Um pai de 70 e tal ou 80 anos,
por tudo e nada, não pode ir sozinho aqui, não pode ir
sozinho lá. E isso é feito por um bom motivo, não é?
Um motivo de preocupação e tem a ver, acho eu, também com
o nosso tecido familiar ser muito unido. Mas é muito diferente do
que nós vemos, por exemplo, em países nórdicos ou no Reino Unido.
Eu lembro, eu tenho uma prima que trabalha no Reino Unido na
área da saúde e ela conta-me, por exemplo, ela trabalha em Londres
e ela diz que ela tinha trabalhado cá e depois foi para
lá e uma das coisas que a surpreenderam mais foi o facto
de ela ver as pessoas de idade a ir lá ao hospital
sozinhas. Eu disse que quase nunca acontecia. Iam sempre acompanhadas. O que
é bom, obviamente, significa que têm famílias que as acompanham, mas também
lhes tira independência. Ou seja, no fundo, elas estão sempre dependentes
Maria João Valente Rosa
exatamente, esperemos que sim. Repare, a sua geração vai ser completamente diferente.
Nós quando pensamos, bem, as pessoas mais velhas do futuro vão ser
um decalque em ampliar das pessoas que conhecemos hoje, não é falso
também, porque vão ser pessoas que têm características completamente diferentes, muito mais
qualificadas, muito mais próximas das novas tecnologias, muito mais habituadas a consumos
mais diversificados, etc. Mas também com redes familiares muito mais reduzidas. Portanto,
essa situação, porque as pessoas têm menos filhos, já lá vamos à
naturalidade, essa situação de ter
filhos... E mudam
Maria João Valente Rosa
filhos para acompanharem os pais, com certeza, se não se preparar para
uma mudança, vai ficar eternamente infeliz. Portanto, é bom que, em benefício
de todos e em benefício seu também, que se prepare para tudo
o que vai acontecendo ao longo da vida e que podem ser
coisas fantásticas ou coisas más que não têm necessariamente a ver com
uma idade ou outra, porque o Zé Maria vai ser diferente de
outra pessoa da sua idade, porque cada um envelhece à sua maneira
e há vários envelhecimentos possíveis, portanto não há um envelhecimento, o único
é a tal idade cronológica, que é igual para todos, porque o
resto, a idade biológica, a idade psicológica é diferente, todos envelhecemos de
forma completamente diferente, portanto, e não podemos estandardizar ou padronizar tudo pela
mesma bitola e pensar que todos, a partir de uma certa idade,
estão naquelas circunstâncias. Mas mesmo assim, as pessoas acabam por ter, neste
caso, ainda algum apoio dos filhos porque muitas das pessoas mais velhas
ainda tiveram alguns filhos, no futuro também já não vai ser assim,
portanto vamos ter aqui desafios, mas também se calhar as deslocações se
calhar são menos necessárias porque a proximidade das novas tecnologias, se calhar,
faz a medicina digital, etc, que são áreas que estão a dar
o... Se calhar, faz com que as pessoas consigam, à distância, resolver
alguns dos seus problemas, o que tem algumas vantagens e algumas desvantagens,
como tudo na vida, mas terá mais desvantagens se formos, se não
nos prepararmos para isto tudo, mas, portanto, isto está tudo em mudança
E as mudanças estão cá. Nós já diagnosticámos, quer dizer, as mudanças,
eu penso, não estou a dizer nada de novo, já está tudo
diagnosticado. O problema é que quando passamos à prática, parece que fica
tudo, volta tudo à mesma e voltamos a falar do passado. E
repare, é interessantíssimo e terrível ao mesmo tempo, porque repare, a dependência,
há bocado falava das pessoas vulneráveis, mas a vulnerabilidade financeira das pessoas
mais velhas é de tal ordem grande, a dependência é de tal
ordem grande, que neste momento sem transferências sociais, ou seja, no essencial,
sem reformas, a população com 65 ou mais anos, 90% era pobre.
Isto revela a importância que as reformas têm e a dependência que
as pessoas têm em relação a esta forma. Portanto, nós não podemos
começar de uma forma ligeira a dizer vamos estirar. Não, o que
nos vamos é para as gerações mais novas temos que fazer a
mudança e temos que adaptar essa mudança àquilo que a sociedade vai
esperar de nós. Mas depende um bocadinho de todos. E depende também
da escola, porque nós começamos na escola, tudo começa nas idades mais
jovens, não é? E muitas vezes quando eu peço, assim, a crianças
para me fazerem um desenho de alguém mais velho, normalmente as pessoas
têm tendência para pôr logo uma bengala associada. Dizem, espera lá, mas
bengala, mas porquê? Porquê queres dizer logo a bengala? Quer dizer, sou
de... Mas as representações que se vão acumulando também na escola, nos
livros, etc. São representações que são de algum modo pesadas em relação
ao modo como o indivíduo pode ser. E o maior elogio que
se pode dar a uma pessoa é não pareces nada à idade
que tens. É um elogio fantástico que se dá a alguém. Não
pareces nada à idade que tens. Ou estás cada vez mais novo.
Pera lá, há qualquer coisa de errado que está aqui neste discurso.
Portanto, há uma negação de algo que nos está a acontecer pelos
melhores motivos e por isso essa negação é que tem que começar
a ser trabalhada.
Maria João Valente Rosa
E a morte não é aquilo que nos comanda a vida. Aliás,
nós passamos a vida a fugir da morte, portanto, o que nos
comanda a vida e no momento em que dizem bem, o único
projeto futuro que tens na vida é a morte, porque é isso
o pouco que se diz às pessoas quando se lhes tira tudo,
aí é que é o cair de um precipício, não é? Porque,
no fundo, nós, o envelhecer, tem aspectos muito interessantes. Aliás, nós começamos
a envelhecer, eu não sei muito bem, há quem diga que é
a partir dos 30 anos, há quem diga que é a partir
do momento que se nasce, não faço a mínima ideia.
Maria João Valente Rosa
é a partir do final dos 20. Final dos 20, portanto. Agora,
para todos os efeitos, o envelhecimento acompanha-nos ao longo da vida. Nós
estamos a envelhecer, nós estamos... Agora, isto não é... A negação deste
processo é que... E a negação, e não é só a negação,
é que... E isto depois muitas vezes gera o efeito contrário, que
é o orgulho... Ou seja, isto muitas vezes gera um efeito de
dictomia entre os jovens e os mais velhos, ou seja, parece que
estão em dois grupos, fazem parte de dois grupos diferentes, quando se
calhar não fazem, porque depende porque os mais velhos e os mais
novos... Como eu digo, Nós estamos aqui a falar de velhos, novos,
etc, mas o que eu acho é que nós deveríamos deixar de
discutir, falar em velhos e novos, porque velhos e novos remete-nos sempre
à tal questão da idade. Devíamos estar a falar em pessoas, pessoas
mais interessantes, pessoas menos interessantes, se calhar o José Maria está muito
mais interessante do que era há 10 anos, eventualmente.
Maria João Valente Rosa
Não necessariamente, porque muitos estudos, inclusivamente mais economistas, revelam que, e depois
posso dar-lhes as indicações, mas revelam que o envelhecimento, contrariamente à questão
da segurança social, o envelhecimento não é a razão do aumento das
despesas com o Serviço Nacional de Saúde. Ou seja, parte das despesas
em saúde acentuou-se nos dois últimos anos de vida, sejam eles aos
50, sejam aos 60, sejam aos 70. O que... A questão tecnológica
e não sei o quê, e os avanços tecnológicos na área da
saúde é que têm, e que depois são os mais velhos que
acabam por pronunciar, não é? Mas não é, a causa não é
o haver mais gente como nós pensamos. Porque há mais gente a
pesar mais sobre o sistema, não está a pesar mais sobre o
sistema. Não há aqui
José Maria Pimentel
Eu estou-me lembrado de ele ter falado sobre isso, sim, de facto
faz sentido. Exatamente. Ou seja, sendo no fundo, a questão é, sendo
só, bem não é só, mas o grosso nos últimos dois anos
de vida, no fundo acaba por se diluir o efeito, nós temos
uma massa de pessoas, seja acima dos 65, seja acima dos 72,
ajustando para aquela diferença, maior do que tínhamos antes, porque o que
interessa é as pessoas que estão, lá está, tendencialmente a dois anos
da morte, no fundo é isso que interessa.
Maria João Valente Rosa
Agora, Nós quando falamos desta questão e da expressão de vida também
é importante acrescentar aqui um ponto, mas fica só assim como que
falamos em anos, em quantidade e de facto a quantidade é imensa,
mas em termos de qualidade Portugal não está nada bem, Ou seja,
aumentar os anos sim, mas é preciso vivê-los com qualidade. E nós
aí temos uma expressão de vida aos 65 anos muito próxima, por
exemplo, dos suecos, mas em termos de expressão de vida com qualidade
ou sem incapacidades, a maioria do tempo que passamos... Há um indicador
que calcula isso, não é? Calcula. A maioria do tempo que
Maria João Valente Rosa
Sintética fecundidade, número de filhos feminino. Bem, nós não estamos, segundo os
dados das Nações Unidas, segundo o relatório que eu aqui tenho, nós
não estamos... Estamos próximos dos 10 mais baixos, Estamos no fundo da
tabela, mas não somos os que têm... Para 2018, porque o 2019
o ano ainda não acabou, para 2018 o que tem mais baixo
é Coreia do Sul com o 1, 1%, Singapura com o 1,
2%, portanto estamos a falar da Ásia Oriental e depois vem uma
série de países da Europa como a România, a Ucrânia, a Itália,
a Grécia. Nós estamos... Mas nós andamos... Ou seja, estamos a falar
desse... Agora, estamos com um nível de fecundidade muito baixo, é uma
realidade. Também, aqui há vários pontos que se levantam, mas agora eu
gostava, porque eu gosto sempre a este propósito, de lembrar que nós
estamos sempre a falar que temos nascimentos, precisamos de pôr criancinhas a
nascer, etc. Eu acho muito importante que se fale da natalidade, mas
deixe-me primeiro dizer que as crianças não faltam no mundo, nascem por
dia cerca de 400 mil crianças, 400 mil, só que 90% dessas
crianças nascem nos países menos desenvolvidos, portanto quando dizemos que precisamos de
ter crianças e sabemos que o mundo ainda está a aumentar, embora
de uma forma menos desacelerada do que aumentou no passado, precisamos ter
crianças, se calhar o que nos está a preocupar não é a
questão de ter crianças, é se calhar outras questões, como seja... É
Maria João Valente Rosa
Já estão a eu ela por ela em breve. Mas isto só
para dizer que é preciso encontrar esta questão. E eu acho que
esta questão é muito bem colocada, faz sentido, mas é preciso perceber
o que é que nós estamos a tentar acolhematar. E este é
um ponto, porque o ponto onde eu acho que é importante discutir
sobre a natalidade e a feminidade tem a ver com o facto
de nós percebermos que há um diferencial entre aquilo que as pessoas,
homens e mulheres, desejam ter e o número de filhos que de
facto têm. E esse diferencial é que eu acho que em termos
de políticas públicas é importante que se pense nesse diferencial. Mas não
porque precisamos de crianças, porque as crianças existem. É porque as pessoas
querem e há aqui um bloqueio. E esse ponto... Mas atenção, porque
quando falamos desse desejo, e o Inquieto da Fecundidade agora vai ser
realizado no final deste ano, o novo Inquérito à Fecundidade, o Instituto
Nacional de Estatística, em 2009. O Madalena 9? Não, não, não, não.
O último foi em 2013. E agora vai ser realizado no final
deste ano o próximo, que é em 2015.
Maria João Valente Rosa
desejados era superior, andava, de 2, 3. Mas o número de filhos
que as pessoas esperariam ter até ao final da sua vida era
1, 8. Portanto, estamos a falar, esperariam ter 1, 8 mas desejariam
em condições ideais,
etc,
os tais 2, 3.
Maria João Valente Rosa
Ora, o que é que eu quero dizer com isso? Quero dizer
que há aqui um diferencial, mas nós não temos, Não se pense
que ao resolvermos esta questão, ou seja, ao aproximarmos a fecundidade real,
que por um lado vamos deixar de envelhecer, já vimos que não,
e por outro lado não podemos imaginar que vamos ter imensos filhos,
porque a fecundidade de numerosos faz parte do passado, é uma velocidade
bem diferente. A criança hoje não tem o valor que tinha no
passado, portanto os casais já não querem
Maria João Valente Rosa
Porque é que cada mãe, cada mulher, para deixar uma futura mãe,
precisa ter um pouco mais que dois filhos. Estamos a falar de
médias, claro. Sim. E precisa ter 2, 1. Porque a probabilidade de
se ter um filho de sexo masculino é superior à probabilidade de
se ter uma rapariga. E por isso, para que uma mãe me
deixe uma futura mãe, precisa de ter um bocadinho mais que dois
filhos para que um deles seja mulher. Ora, nenhum país da União
Europeia, mesmo por mais avançadas que sejam as várias políticas de família
ou em relação aos indivíduos, etc., como é o caso da Suécia
e da França, ou em relação ao apoio às crianças, nenhum tem
já níveis de fecundidade iguais a 2, 1. Estão todos abaixo. Portanto,
a substituição de gerações para já não parece que esteja aqui... Que
seja executível.
Que
seja executível. Muito bem. Mas podemos ter mais do que de facto
temos em Portugal. E podemos ter mais e há aqui uma barreira
muito importante. Este inquérito à fecundidade revelou que a barreira, mas não
só, que a barreira do primeiro para o segundo filho, ou seja,
são poucas as pessoas, porque em Portugal, são poucas as pessoas que
não querem ter de todo filhos. Eram 8% neste... Comparativamente a outros
países da União Europeia nós estamos muito abaixo, portanto há poucas pessoas
que não querem mesmo ter filhos, não é
Maria João Valente Rosa
Antes pelo contrário, porque eu acho que até gostam... O excesso, quando
se diz Portugal não gosta de criança, eu acho que é que
Portugal... As mães e os pais, os adultos até gostam em excesso
das crianças. O que querem é este mundo e o outro para
elas, porque querem que elas tenham tudo e não aceitam… Aliás, uma
das respostas a este inquérito era que preferiam ter um filho, a
ter mais, tendo este, assegurando-o a este, todas as condições para ter
uma vida boa, ótima. E não, portanto, a questão das boas condições
de vida do filho.
Maria João Valente Rosa
com o tempo disponível porque a pessoa tem filhos e essa é
uma questão. E esta questão eu acho que é muito interessante e
que nós temos essa situação muito mal resolvida na sociedade portuguesa, que
é a chamada, vai lá, conciliação de tempos, principalmente para o caso
das mulheres, ou seja, as mulheres quando são mães, acontece que as
suas responsabilidades são idênticas às responsabilidades que as suas mães e as
suas avós tinham, só que elas hoje têm fora do espaço doméstico
outro tipo de atividades e de interesses que não é idêntico às
das suas mães e as suas avós. E a partilha de tarefas
entre pai e mãe, entre homem e mulher dentro de casa é
muito desequilibrada e o que me espantou neste último inquérito, vamos lá
ver se o próximo também, é que apesar de, embora as gerações
mais novas fossem um bocadinho mais equilibradas, mesmo assim era muito desequilibrada.
Quem é que faz não sei o quê? Essencialmente ela. Quem é
que fica em casa quando os filhos estão doentes? Aliás, é óbvio,
não é? Como uma pessoa, um homem, se fica em casa quando
os filhos estão doentes, aliás, no outro dia ouvi com graça alguém
contar isto, ao primeiro dia disse aos colegas lá no trabalho que
ia para casa porque os filhos estavam... Eles olharam, ao segundo dia,
perguntaram-me se eu não tinha mulher e eu tinha. Disse que tinha,
mas ela não pode. E o terceiro dia, preferiu dizer, ou seja,
a terceira vez, preferiu dizer que ia ao mecânico, porque ninguém iria
cobrar
Maria João Valente Rosa
E isto é complicado para um homem fazer isto, e não são
só os homens que fazem críticas sobre os homens, também são as
mulheres que fazem críticas sobre as mulheres que não vão para casa
quando os filhos estão doentes, etc. Portanto, há aqui uma pressão social
fortíssima que leva a que muitas vezes aquela equação entre ser boa
mãe ou ser boa profissional fique completamente beliscada quando se é mãe.
Portanto, a questão, e há um estudo muito interessante, porque isto não
é só uma questão de Portugal, é muito giro ver que se
à escala do mundo os nossos óculos têm que ser uns, que
é os países mais desenvolvidos têm níveis de profundidade mais baixos e
os países menos desenvolvidos têm níveis de profundidade mais altos e por
isso o desenvolvimento é um bom contraceptivo à escala do mundo. Quando
olhamos à microescala, à escala da Europa, esta relação inverte-se. São os
países mais desenvolvidos... O que é que nos interessa? Porque é
Maria João Valente Rosa
Esse artigo, esse paper, revelava que de facto, a partir de tarefas
e igualdade, ou seja, O fardo que representa uma criança sobre um
casal, e essencialmente sobre as mães, é de tal modo que quando
essa situação fica aliviada, isso é muito mais eficaz para promover a
natalidade, para promover o segundo filho, do que subsídios que venham a
cidades. E países mais igualitários, países do ponto de vista de géneros,
dentro de casa, são países que têm níveis, que são mais amigos
da natalidade do que países onde ainda impera a família tradicional. Portanto,
a família tradicional... Neste novo modelo. Neste novo modelo, é interessantíssimo. A
família tradicional começa a ser inimiga da natalidade.
José Maria Pimentel
Isso é o puzzle da natalidade, mas o que na prática acontece
é que nós temos uma descontinuidade, ou seja, quando se passa para
uma economia desenvolvida há uma descontinuidade e estamos num modelo completamente diferente,
não tem nada a ver com o anterior. E aí é muito
curioso isso. Mas sabe que eu olhar para... Essa foi a minha
intuição quando estava a pensar sobre isto. Olhando para a lista, agora
estou aqui a ver, por acaso estou aqui a ver um ranking,
mas parece-me ser um indicador diferente, porque aqui em Portugal aparecem entre
penúltimo, aparece Taiwan em último, Moldávia e depois Portugal com 1.24. Mas
isto depende das medições.
José Maria Pimentel
é curioso é que olhando para a tabela, para os países do
fim da tabela, há aqui duas coisas que ressaltam uma análise muito
superficial. São duas hipóteses. Uma vai ao encontro do que o Marijos
não estava a dizer, é que são países que, dentro dos países
desenvolvidos, são países com um nível de prosperidade, digamos assim, mais baixo.
Portanto, lá já dá. Temos Portugal, Moldávia, Singapura faz um bocadinho isto,
tem mais que ver com a segunda hipótese que eu vou dar.
Polónia, Grécia, Bósnia, a própria Espanha, Hungria, E Itália. Claromente existe essa
dualidade e depois existe essa relação. Depois também aparece-me a ver aqui
outra coisa, isso é uma hipótese um bocadinho mais suboficial, que tem
a ver com uma coisa que a Maria João aludiu há pouco,
que é a rapidez com que eu vejo esta transição, ou seja,
todos estes países, se nós repararmos, e Portugal inclui-se neles, têm uma
transição recente, ou seja, o facto de nós vivermos ainda muito a
pensar nesse modelo antigo também tem que ver com o facto de
esse ser o nosso modelo há 40 anos, ou há 50, ou
há 30. Principalmente
Maria João Valente Rosa
E é interessantíssimo porque Portugal fez uma mudança incrível nestas últimas décadas,
de tal maneira que, por exemplo, não sei se é de conhecimento
geral, mas que nós normalmente dizemos, ah nós alinhamos sempre, nós somos
um país do sul da Europa, é outra ideia, e nós não
alinhamos sempre com os países do sul da Europa. Por exemplo, quando
falamos de família e quando falamos de nascimentos fora de casamento, a
maioria dos nascimentos em Portugal são fora de casamento, ou seja, são
filhos de pais que não são casados. Nós estamos próximos de países
como a Suécia, países como a Dinamarca E Espanha ainda não tem
a maioria, mas não está muito longe, tem para aí 44% à
volta disso, mas estamos muito longe de Itália e da Grécia.
Nós temos 55,
não é? Nós temos 55. É uma... Mas estamos ao pé, como
eu digo, estamos alinhados com os países, com esses... Portanto, a nossa
família, tudo, em termos de... Agora, mantemos mais uma vez uma série
de exigências sociais e de expectativas sociais que parece que ficaram aprisionadas
no passado e que nos leva muitas vezes, ou seja, às mulheres
e aos homens, porque isto são decisões partilhadas, já não se tem
um filho porque sim, isto é tudo muito pensado, tudo muito discutido,
tudo muito planeado, etc. Portanto, tem que estar tudo quase perfeito para
se ter um filho, é um projeto que se quer o melhor
sustento possível e se o primeiro filho acaba por acontecer, porque as
pessoas realmente desejam muito, as questões que se levantam para se ter
um segundo começam a ser altamente delicadas. E tem a ver com
essa questão da partilha, que é algo muito importante, Depois também tem
a ver com o facto, ainda incipiente, apoio à primeira infância, não
é? Porque os franceses têm, mas é com o maternel que existe
em cada esquina. Onde é que eu vou deixar a criança, porque
é que a criança fica bem? Por outro lado, também a questão
financeira, também é uma questão importante, mas eu diria que estas duas
questões, que são questões... A questão da conciliação, que é uma questão
mais de valores, é um ponto extremamente importante e que se torna
muito decisivo. Aliás, neste inquérito, um dos aspectos que era referido para
não se passar para o segundo filho, portanto, o obstáculo para não
se passar para o segundo filho era a excessiva dedicação do pai
à atividade profissional.
Pois, exato.
Era isso que... E o inquérito está disponível, está online, é possível
ver. Claro, são os dados de 2013, mas são os dados mais
recentes que
temos. E bem este e feito, quer dizer, são perfeitamente atuais, obviamente.
José Maria Pimentel
que o fator cultural é um fator em si mesmo, mas ele
tem uma relação com o fator económico, ou seja, eu acho que
nós, países como Portugal e países como este que apareciam aqui no
fundo da tabela, estão um bocadinho presos no meio, ou seja, nós
já somos países desenvolvidos, mas ainda não temos a prosperidade suficiente para
poder trabalhar menos horas, para poder estar em part-time. Nós sentimos necessidade
e depois, perante essa necessidade, sendo obviamente uma sociedade que ainda vem
num modelo antigo patriarcal,
obviamente depois
tendo alguém que ir trabalhar é o homem que vai. Agora, para
todos os efeitos há um problema antes disso que é, nós não
podemos prescindir, ou seja, a maior parte das pessoas, mesmo classe média
E mesmo até a classe média alta não podem prescindir, ou não
podem prescindir mantendo o nível de vida que querem ter, de ter
um dos puros netos a trabalhar. Mas mesmo assim, não
Maria João Valente Rosa
qualificação incrível, uma... Fraquíssimas lideranças, a maior parte dos nossos empregadores tem
no máximo um nono ano de escolaridade. Isto é chocante, chocante mesmo.
Nós ficamos no topo da União Europeia pelos piores
motivos
neste indicador. Ora, isto só para dizer que fracas lideranças temos um…
nós não trabalhamos por objectivos, nós trabalhamos por tempo, portanto é como
aquela criança quando está a estudar para um exame e depois corre
mal, chega à casa e diz, ah, pois é, eu estudei tanto
e por isso, coitado, tive um mau resultado, mas estudei muito. Numa
situação nossa, Portugal dizia assim, pois coitadinho, estudou muito, tem que ser
compensado. Numa outra situação é, se estudaste muito e não deste resultado,
é porque aprendeste mal. Estudaste mal, portanto, tens de aprender a estudar.
Portanto, no fundo, o estar mais horas, as reuniões que se prolongam
eternamente, uma pessoa que sai a cedo de um trabalho, porque não
tem objetivos, porque o problema é que nós não... E não há
avaliação do desempenho, uma avaliação objetiva, real, do desempenho, do que a
pessoa consegue. Se eu e os dois estivemos no mesmo escritório e
se eu fizer mais rápido o meu trabalho e sair mais cedo,
eu sou mal vista. E devia ser ao contrário, porque se eu
faço mais rápido é porque eu sou melhor. E sou muito mais...
Portanto, sou mal vista. Se ficar lá mais não sei quantas horas,
bem, é um funcionário maravilhoso e nunca o podem dispensar e a
mim dispensam-me logo na primeira remodelação. Portanto, isto é tudo ao
Maria João Valente Rosa
E temos aqui um problema terrível, temos aqui um problema terrível a
resolver que começa com a educação, é claro, mas isso é um
outro ponto que não nos deixa, não nos pode deixar descansados mesmo
e a educação também passa por esta e o equilíbrio entre homens
e mulheres num projeto importante que é o projeto de ter filhos
e se falamos tanto de natalidade e de aposta na natalidade como
com as ressalvas que eu comecei por referir, a passagem para o
segundo filho que é importante, se essa passagem é querida e desejada,
então é preciso trabalhar, porque a natalidade é tipo um fenómeno social
total, ou seja, é de tal forma complexo,
Maria João Valente Rosa
fatores interligados, claramente. E por isso não há um fator, por isso
temos que, e este fator que implica com todos, a tal igualdade
ou menor desigualdade, ou maior equilíbrio, ou maior partilha, ou o que
se queira chamar, este fator é um fator extremamente importante, mas mesmo
com mentalidades, que não se mudam por decreto, como sabemos, e por
isso temos aqui uma série de pontos a trabalhar para conseguirmos alcançar
os tais resultados.
José Maria Pimentel
Já agora só para terminar, há dois outros fatores que nós não
falámos e eu não tenho apanhado em relação a isto e não
sei se terão ou não que ver com a diminuição da natalidade.
Um deles, aliás este por acaso eu até apanhei, como não tem
nada a ver, como me surpreende um bocadinho, é a questão da
infertilidade, ou seja, nós temos a noção de que hoje em dia
há mais problemas de infertilidade do que havia no passado, ou seja,
no fundo, pessoas que querem ter filhos e não conseguem, mas aparentemente
isto não tem um efeito estatisticamente significativo, não é?
José Maria Pimentel
A outra dúvida, isto é, a outra causa que me tinha ocorrido,
eu não sei se faz sentido, mas tem que ver com a
maior volatilidade dos casamentos, ou no fundo das relações conjugais. Ou seja,
antigamente nós víamos um modelo muito rígido em que basicamente não havia
praticamente divórcios, ou seja, quase não havia divórcios e mesmo separações havia
menos. E hoje em dia, obviamente, que por uma série de alterações,
na minha opinião são para melhor, as pessoas acabam por ter, por
muitas vezes, se separarem, em relações nas quais estão insatisfeitas, ou não
estarem casados, ou mesmo, não estando unidos de facto, nós falámos há
pouco daquela questão dos nascimentos fora do casamento, e isso também afeta
o planeamento familiar, ou não? Ou não há uma causalidade? Não,
Maria João Valente Rosa
não, eu acho que não. Quer dizer, quando não existiam divórcios, aliás,
passaram a existir a possibilidade, a maior parte dos casamentos, até os
anos 90, se eu for, a maioria eram casamentos católicos, mas até
75, quando foi a revisão da concordata, as pessoas não se podiam
divorciar dos
Maria João Valente Rosa
porque era proibido. Ou seja, a maioria era casada pela igreja, pela
religião católica, portanto não podia divorciar-se. Depois, Os divórcios começaram, mas muitas
vezes foram regularizações, não foi porque as pessoas se despedissem. Aliás, houve
um pico, mas não foi porque as pessoas se desaceleraram mal depois
de 1975. Claro, foi um pico administrativo. Foi um pico administrativo. Ora
bem, agora o casamento, como tudo, já não são projetos para a
vida. Podem acontecer e podem prolongar-se para a vida, mas até como
ao trabalho. Tudo, as vidas são feitas trajetórias interrompidas permanentemente. Isto significa,
quando se pensa numa criança, muitas vezes nós podemos dizer ah, mas
nas situações em que há menos divórcios, ou Nem não sei porque
o recasamento dos divorciados, por acaso no outro dia, eu não sei,
de ponto de vista estatístico eu não tenho qualquer dado, mas o
facto de existirem bastantes recasamentos divorciados isso pode levar a que pelo
menos o primeiro filho dos vários recasamentos, ou seja, se o desejo
está no primeiro filho, se as pessoas desejam pelo menos um, o
facto de vão se recasando, pelo menos têm esse, casadas ou não
casadas, solteiras ou não solteiras. O segundo já tem a ver, ou
seja, o facto da pessoa ser casada não lhe traz nenhum alívio
em relação a esta pressão que existe sobre ela com o filho,
porque sendo casada ou não, a pressão que vimos continua, é igual.
Portanto, eu não sei se o casamento ou se as mudanças dos
tipos de família, dos padrões de família, etc. Que estão também a
acontecer, se têm algum impacto. Só tem... O que elas traduzem, e
acho que é por aí que o impacto se pode medir, o
que elas traduzem é que a sociedade está diferente. E, portanto, isso
vai se traduzir na família, isso vai se traduzir no valor da
criança, pois já não é a quantidade que vale, mas sim a
quantidade. A criança perdeu o valor económico que tinha no passado, que
era mais um bracinho para trabalhar, era mais alguém que nos ajudava
a sustentar, a dar apoio na velhice, etc. E passou a ter
um valor emocional, portanto a criança já deixou... Portanto há aqui uma
mudança relativamente à criança, ou valor, e ao sentido da criança que
passou a ser totalmente diferente. E isso vai-se refletir sobre a criança,
sobre o número de filhos que se tem e que se quer
ter, e vai-se refletir também sobre as famílias, e vai-se refletir também
a outros níveis. Portanto, no fundo, tudo isto é reflexo de mudanças,
não é? Por isso, o facto de estar tudo a mudar, não
podemos dizer que há uma causa e outra. Não. É que têm
todos a mesma, na minha perspectiva, tudo tem a mesma origem. E
tudo descola de uma mudança, de uma evolução social importantíssima que foi
feita ao longo destas últimas décadas
em Portugal.
Maria João Valente Rosa
que é o retrato de Dorian Gray do Oscar Wilde. Acho que
é um livro extremamente interessante e que, no fundo, pega um bocadinho
com a conversa que estivemos a ter, porque a história é uma
história que, me posso contar, isso não dispensa à leitura, mas lembrei-me
dele por isto, porque é alguém extremamente belo, lindíssimo, que é retratado
e que vende a sua alma, vá lá, com a hipótese de
o retrato envelhecer E essa pessoa belíssima, o Dorian Gray, deixar de
envelhecer. E portanto, a pessoa Dorian Gray não envelhece, continua belíssima ao
longo da vida e o retrato dele vai envelhecendo. E isto, ele
torna-se uma pessoa idiota, torna-se um monstro como pessoa. E o que
isto tem a ver com o tema que nós estivemos a falar,
e por isso há pouco lembrei-me deste livro, é porque no fundo
nós estamos a viver a tal dualidade entre um processo que é
um processo de envelhecimento que é um processo natural e simultaneamente tentarmos
não acompanhar este processo mas sim tentarmos travá-lo de maneira a que
ele não nos venha a afetar na vida. E aí há uma
duplicidade que nos deixa profundamente desconfortáveis. No caso do Dorian Gray ele
transformou-se num monstro e o retrato foi envelhecendo até uma determinada altura
e acho que tem muito a ver com a negação que se
faz do processo de envelhecimento. Aqui, do ponto de vista individual, eu
estive a falar do ponto de vista coletivo, mas acho que é
uma boa sugestão
José Maria Pimentel
coletivo é sobre os indivíduos, portanto é paralelo. Ok, Maria João, obrigadíssimo
por ter vindo. Foi uma ótima conversa. Gostaram deste episódio? Se encontram
o valor no 45°, existem várias formas de contribuir para a continuidade
deste projeto. Podem avaliá-lo na aplicação que utilizam, seja ela o iTunes,
Spotify, Stitcher ou outra. E podem também partilhá-lo com amigos e comentá-lo
nas vossas páginas ou redes sociais. Se acharem mesmo que merece e
puderem fazê-lo, podem ainda tornar-se mecenas deste podcast através do Patreon ou
do Paypal. Com esse apoio estão a contribuir para a viabilidade deste
projeto, que passa a ser também um bocadinho vosso. Para além disso,
obtêm em troca vários benefícios como, por exemplo, o acesso ao backstage
do podcast e também a possibilidade de sugerir perguntas aos convidados. No
fim do dia, já se sabe, são os ouvintes que tornam possível
um projeto destes. Ouvintes como Gustavo Pimenta, João Vítor Baltazar, Salvador Cunha,
Ana Matheus, Nelson Teodoro, Paulo Ferreira, Duarte Dória, João Castanheira, Tiago Leite,
Gonçalo Martins, entre outros mecenas, a quem agradeço e cujos nomes podem
encontrar na descrição deste episódio. Até à próxima!