#58 Bernardo Pires de Lima - Dos desafios da União Europeia ao futuro da política norte-americana
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José Maria Pimentel
Bem-vindos ao 45°. Esta semana o convidado é Bernardo Pires de Lima,
que é investigador na área das relações internacionais e é colunista e
comentador em vários órgãos de comunicação social. Tem publicado vários livros sobre
uma série de temas, da política externa portuguesa, aos Estados Unidos, ao
Médio Oriente e, claro, sobre a Europa. E foi precisamente sobre a
Europa que falámos à boleia do seu livro mais recente, O Lado
B da Europa. Esta é Uma daquelas conversas que é um pouco
difícil de resumir, porque falámos sobre uma série de coisas. Começámos por
discutir os desafios da União Europeia, tanto os internos, como a emergência
dos partidos populistas e, sobretudo, autoritários, como os externos, como a emergência
da China ou o desafio da relação com os Estados Unidos. Falámos
especificamente de um dos maiores desafios internos, que é a chegada ao
poder de partidos autoritários em países como a Polónia ou a Hungria,
o que entre outras coisas põe a nua a incapacidade da Europa
ou da União Europeia em por cobrar a deterioração das instituições democráticas
na sua própria casa. Falámos também de outros aspectos não políticos, digamos
assim, como a importância de constituir uma democracia e uma sociedade civil
a nível europeu e, tão importante como isso, uma cultura europeia. Há
coisas como o programa Erasmus que ajudam muito, mas claramente não são
suficientes, como os últimos anos têm mostrado. Terminámos a discutir um ensaio
recente de Yoni Applebaum, na revista americana The Atlantic, que me foi
enviado pelo Bernardo, e em que este historiador e jornalista recomenda o
impeachment a Donald Trump. Recomendar o impeachment não é novidade, mas ele
fala com base num argumentário muito sustentado historicamente. Como a análise é
histórica e o tema é mais do que importante, fiz aqui uma
exceção à minha regra de tentar evitar assuntos da atualidade. E claro,
como em geopolítica tudo está ligado por definição, regressamos no final da
conversa à União Europeia e falamos ainda do papel da NATO. Espero
que gostem da conversa.
Bernardo Pires de Lima
Está bem, ok. Leonardo, bem-vindo ao podcast. Vamos falar a propósito do
teu livro, como eu estava a dizer há bocadinho. A minha ideia
é falar a propósito do teu livro, em que basicamente tu percorrestes
as 28 capitais da União Europeia, portanto só isso já nos dá
pano para mangas. Para além disso, nós estamos prestes a ter eleições
europeias e, além disso, como aliás fica visível no teu próprio livro,
quando nós estamos a falar da União Europeia, acabamos por ter ao
mesmo tempo que falar de uma série de outras geografias, como desde
logo os Estados Unidos, e eu gostava de falar daquele artigo daquela
ensaia da Atlântica que estávamos a falar há bocadinho que me enviaste,
se tivermos tempo, mas também da Rússia, de Putin, quer dizer, uma
série de outras coisas. Eu não sei por onde é que podíamos
começar, talvez seja interessante começar até a pretexto exatamente das europeias a
falar da União Europeia, porque nós não sabemos ainda os resultados mas
sabemos que as europeias vão dar de certeza um número relevante de
deputados eurocéticos. A estimativa que eu vi recentemente, mas admito até que
seja mais do que isso, eram cerca de 150 representantes que podiam
ser classificados assim. Claro que isso depois depende da classificação que a
pessoa atribui. E ao mesmo tempo, mas mais interessante até do que
isso, até porque eu no podcast tento evitar falar sobre a espuma
dos dias, ou seja, estar a falar daquilo que vai acontecer para
a semana, mais interessante para mim até do que isso é perceber
o que é que tem falhado na União Europeia, o que é
que falta, o que é que foi feito a exagero e o
que é que falta para resolver. Tu no livro, Salienas, há alguns
aspectos em relação a isso e imagino-te também os outros. Portanto, se
quiseres podes partir daí. Quais são para ti os principais problemas e
desafios atualmente da União Europeia? Bom, agradecer-te o convite, em primeiro
Bernardo Pires de Lima
lugar, o desafio é de sobrevivência neste momento, sobrevivência da grelha democrática,
da separação de poderes, do respeito pelas liberdades, sobretudo liberdade de imprensa,
ter alguma defesa também mais consolidada da coesão entre Estados-membros, isso não
tem só a ver com fundos estruturais, tem a ver com uma
certa partilha de dores, não se vê muito isso. Quando eclodiram várias
crises ao mesmo tempo, nós percebemos que essa coesão, digamos, assente nos
ganhos financeiros, não garantia uma certa... Eu não gosto muito da expressão
solidariedade porque eu acho que ela é um bocadinho despolitizada. Sim. Mas
vou usá-la, pronto. E quando essas crises eclodiram expuseram ali uma série
de dilemas muito profundos entre o Norte e o Sul, entre o
Ocidente e o Oriente, europeus, entre países ricos e países pobres, quer
dizer, já não se falava de Estados-membros, falava-se de credores e devedores.
E, portanto, percebemos que o financeiro não pode esgotar o debate da
União. Isso foi um problema. Nós cavámos muito fundo as erosões financeiras
e a ressaca de praticamente, durante muitos anos, não termos falado mais
nada, não nos preocupamos com mais nada. E havia muito mais para
além disso, havia política pura e dura e muitas referências que pareciam
muito tenos, quer dizer, aquilo que nós dávamos como referências quase inquebrantáveis
de quatro, cinco décadas de integração europeia, com a crise financeira e
com os programas de assistência e todo esse debate que existiu,
Bernardo Pires de Lima
que essa profundidade da integração não era assim tão profunda. Sim. E
isso assustou-me bastante. E, portanto, toda a comunicação virada para paz, prosperidade
e desenvolvimento e liberdade de circulação não chega para criar uma adesão
e uma motivação com o projeto de integração. Sobretudo porque as novas
gerações não podem perceber a paz e o valor da paz porque
não perceberam a guerra, não viveram. Viveram sempre em prosperidade, em liberdade
de circulação. E, portanto, é preciso construir uma nova mensagem. Para responder
diretamente à tua pergunta, eu acho que nós precisamos de acautelar o
fundamental. E eu acho que com estas eleições a expressarem essas grandes
divisões, e também não concordo muito com a expressão euroscepticismo hoje em
dia, quer dizer, o que nós estamos a ver