#57 Constantino Xavier - Índia
Click on a part of the transcription, to jump to its video, and get an anchor to it in the address bar
José Maria Pimentel
Bem-vindos. Esta semana converso sobre andia com Constantino Xavier. O convidado é
investigador na Brookings India, em Nova Delhi, uma instituição integrada na Brookings
institution, um dos maiores think tanks do mundo. A investigação do convidado
debruça sobretudo sobre a política externa dandia, segurança e políticas regionais, democracia
e relações entre a Europa e a Ásia. Tive a sorte de
apanhar uma visita do Constantino a Portugal no mês passado e aproveitei
para o convidar para o podcast. É um privilégio poder trazer ao
podcast um especialista de renome mundial em assuntos indianos para falar justamente
dandia, tanto do ponto de vista interno como do ponto de vista
da política externa. Durante a conversa falámos sobre uma série de aspectos
relacionados com o país, desde logo as especificidades deste país gigantesco e
ultra-diverso, composto para terem uma ideia por 29 estados, com muitas culturas,
dezenas de religiões e quase 400 línguas diferentes. Claro que não podíamos
deixar de falar da política interna do país, que tem sido agitada
nos últimos anos, com a exceção do partido do atual primeiro-ministro, o
carismático Narendra Modi, e a vaga de nacionalismo hindu que lhe tem
estado associada e que é um dos grandes desafios à unidade do
país, como o Constantino Salienta. Aliás, estão agora nandia a decorrer as
eleições gerais, um processo verdadeiramente hercúleo não só em dimensão, como também
em duração, visto que dura, vejam só, desde 11 de abril e
vai estender-se até ao próximo dia 23 de maio. Falamos também da
China, claro, um tema praticamente incontornável hoje em dia, quando se analisa
e discuta andia no contexto internacional. Por um lado, a China representa
para andia um modelo invejável do ponto de vista do desenvolvimento económico,
mas é também cada vez mais uma ameaça ao domínio que andia
estava habituada a ter nos países da sua vizinhança, que são mais
pequenos e menos poderosos, e em muitos casos mesmo muito mais pequenos
e menos poderosos. Para além disso, as próprias culturas e filosofias em
termos de política internacional são muito diferentes entre os dois países, algo
que é visível também nas diferentes abordagens que cada um toma, quer
à política, quer à cooperação em fóruns internacionais. Finalmente, como não poderia
deixar de ser, falámos também do Paquistão, a eterna dor de cabeça
dos governos indianos. As relações entre os dois países têm sido ultra
tensas, para usar um eufemismo, desde a partição dandia Britânica em 1947,
há mais de 70 anos, e a independência dos dois países que
se separaram juntamente com o Paquistão Oriental, agora Bangladesh. E pronto, vamos
à conversa. Uma última nota para o som, que infelizmente é irregular.
Tive um problema técnico que leva a que o som durante os
primeiros de cerca de 18 minutos e meio, seja de pior qualidade.
A partir daí, volta à qualidade normal. Boa conversa.
Está
bem, gostei muito. Bem-vindo ao podcast. Como estava a dizer, vamos falar
da INE, de várias coisas, entre outras, com as políticas externas, mas
acho que tem piada, quer dizer, não faria sentido, tendo em conta
a tua história, não começámos também por falar na cultura do país
e no que é que é para alguém que é português, embora
tenha ascendência goesa, não é? Mas que para todos os efeitos será
no máximo uma subcultura indiana. De repente, emigrar para andia e viver
para a capital, para Nova Adélia.
Como é
que se consegue explicar um português, a um estrangeiro, mas com o
mindset cultural de um português, o que é que é cultura indiana,
sobretudo se calhar na capital, porque andia
Constantino Xavier
andia já de uma forma diferente. Não, mas isto é, eu peguei
na mala em 2004 para ir para andia e na altura começava-se
a falar um bocado nandia emergente, Emerging Power, a grandendia, a grande
Ásia, mas muito pouco ainda e eu lembro das pessoas dizerem, és
maluco? Quer dizer, vais fazer um mestrado para andia, porquê? E não
faz sentido. Eu acho que são duas razões. Uma é particularmente pessoal,
académica, que é a minha origem, que é a minha já familiarização
com andia Eu tinha uma paia de Goa originalmente, tive avós lá.
Tive três ou quatro vezes de férias para Goa, como alguém que
vai, sei lá, para o Minho ou para o Algarve, passar férias
com os avós.
Não
conhecia o país, conhecia Goa, que como tu dizes é uma subcultura,
aí pequena, dandia. Um segundo motivo foi a questão política de conhecer
aquele país que eu sabia que iria crescer, em que havia uma
falta de informação enorme cá e que seria uma carreira académica e
de investigação interessante. Mas o mais importante é que, esse é o
meu caso pessoal, peguei na mala e fui para Delhi em que
nunca tinha estado uma cidade de 15 milhões de pessoas em que
eu não falava a língua e cheguei lá mas eu acho que
hoje em dia tem mais e mais pessoas indo por questões económicas
e aquilo começa a ser um país com um mercado interessantíssimo estava
a falar no outro dia da Zomato, uma das grandes empresas indianas
que está aqui forte em Portugal e que emprega vários portugueses, jovens
portugueses que se licenciam cá, pegam na mala também e trabalham hoje
em dia para uma empresa indiana nandia.
José Maria Pimentel
Eu não sabia que era indiana, é engraçado. Sim. Uma coisa que
eu acho que é difícil para nós percebermos dandia é que quando
lá está como a pessoa fala do país e assume, quanto mais
não seja inconscientemente, uma coisa parecida com Portugal em grande escala, quando
na verdade tem uma série de diferenças, desde logo o facto de
serem vários países num só. Mas eu acho que é difícil para
quem... Uma coisa é saber isto, uma coisa é na teoria, que
eu sei, outra coisa é sentir isso, sentir o número de religiões
que existem, o número de línguas, o número de subculturas como é
que se consegue explicar isso a alguém que
Constantino Xavier
cristã, a maioria de Itália sempre foi cristã, com a mesma escrita,
ainda tem dezenas de religiões, tem várias línguas, mas mais importante, escritas
diferentes, quer dizer, as pessoas nem se conseguem ter completamente, a forma
como escrevem no sul, no norte, têm dezenas de escritas diferentes, portanto
é um continente, um subcontinente, como se diz. Mas a tua pergunta
está também interessante porque tu dizes como é que a democracia consegue
criar raízes num sistema tão diferente, mas é justamente a única forma
de gerir aquela diversidade é a democracia. Portanto, não é uma fraqueza,
mas eu acho que é aliás a única forma de incluir pessoas
tão diversas é dar a liberdade às pessoas política de exprimirem, de
escreverem a língua em que querem, de falarem na língua em que
quiserem, de terem religião e terem liberdade religiosa que não tem em
muitos outros países. Sim. E, portanto, foi isso, acho que é esse
o mesmo elemento agregador que é o milagre é o
José Maria Pimentel
milagre da democracia fora do ocidente. Sim. É que a minha pergunta
são duas numa só, na verdade. Uma pergunta é mais como é
que tu consegues construir, sobretudo na altura em que foi feito, numa
altura em que aqui ser muito mais uma escolha e muito menos
uma contingência, como é que se consegue construir um Estado-nação de repente,
quer dizer, num espaço, numa antiga colónia, lá está com uma série
de culturas, línguas e religiões diferentes e haver essa identidade nacional por
exemplo, é uma das coisas que se contrasta até com o Paquistão,
que é um país mais pequeno e que tem um problema de
identidade nacional muito maior, que é aparentemente um paradoxo. Isto é um
lado, tem a ver com identidade nacional e tu conseguires construir um
Estado-nação. Depois, o outro lado da pergunta, que não é menos interessante,
tem a ver com conseguires construir um regime democrático sobre isto
Constantino Xavier
tudo, não é? Mas eu acho... Mas estão ligadas, as coisas estão
ligadas. A ideologia dandia é democrática. Isso que eu explico muitas vezes.
O Paquistão é um país islâmico. É um país para os muçulmanos
daquela região que não quiseram entrar na união indiana secular, laica, democrática
nesse sentido. Portanto, o secularismo nesse sentido já é um princípio mais
democrático, em que há uma cisão da fé hindu e de todas
as religiões, mas é uma necessidade, aquilo é uma ideologia no sentido
de é a única forma de gerir aquele país. Não há forma
de gerir tanta tamanha diversidade sem dar voz às pessoas. E isso
acho que muitas vezes nós não olhamos para isso, Olhamos para a
democracia muitas vezes com um luxo. Vamos, olha, posso votar livremente, posso
dizer o que eu quero, posso escrever nos jornais se eu quiser.
Mas a democracia lá mostra que é um sistema que funciona para
gerir a diversidade. Não só num país tão complicado como andia, mas
qualquer país. Nós hoje aqui temos opiniões diferentes em Portugal, ideológicas, regionais,
perspectivas diferentes e isso acho que é, dependendo da perspectiva, uma grande
vantagem para certas pessoas. Eu acho que é o sucesso deste milagre
que andia democrática e unida existente. Mas também às vezes é visto
como uma desvantagem. Sim, às vezes é. E a diversidade só para
as pessoas terem uma ideia. Estamos a falar de um país com
1.200 milhões de pessoas. 1.200 milhões, uma capital que tem 15 a
20 milhões de pessoas. Eu circulo numa cidade que tem 15, 20
milhões de pessoas e aqui em Portugal temos 10
Constantino Xavier
Não, não. A casta é um sistema tão forte social que tem
raízes no hinduísmo, num certo hinduísmo, mas que transcende e foi importada
para outras religiões nandia. Portanto, os cristãos, muitos cristãos dandia hoje, mantém
ligações e subdivisões baseadas na casta. Os muçulmanos também, mais e menos
os chiques também. Há religiões que abominam essas diferenças oficialmente no papel,
mas na prática em termos de costumes sociais, casamentos, partilhas, heranças, continuam
a ter tribos de castas diferentes. Portanto só é um país que
eu gosto de sublinhar. Acho que é importante sublinhar estes factos, porque
como tu dizias, às vezes não temos noção da diferença que é
este país. É um país que tem desertos, tem os Himalaias, tem
o oceanondico gigante à volta, tem oito, nove diferentes países vizinhos
José Maria Pimentel
com o exercício que eu tento fazer várias vezes, que é um
bocadinho superficial fazê-lo aqui no podcast, mas estava a tentar pensar numa
explicação fundamental para o sucesso da democracia indiana. Da democracia indiana. E
penso que pode ter que ver se calhar com duas coisas que
estão relacionadas com o que tu disseste aí. Por um lado, eu
tenho um bocado a tese de que, como em muitas outras coisas,
para um regime ser bem-sucedido tem que ter alguma pressão concorrente, quer
dizer, adversarial, no sentido em que há uma alternativa possível. E o
que tu tens nandia, basicamente, é se o regime, se andia enquanto
país não tivesse sido bem sucedida e sobretudo não tivesse conseguido agregar
todos esses povos, tinhas tido secessões, provavelmente, ou seja, tinhas tido movimentos
separatistas inicialmente que
José Maria Pimentel
E por outro lado, tens o exemplo do Paquistão, que é um
exemplo interessante. E que funciona, se calhar, e acho que isto faz
sentido, mas funciona um bocadinho como espelho. Como espelho não, como o
que ainda seria se não fosse tão plural porque eu apanhei uma
frase muito interessante, não sei quem era, mas um antigo presidente do
Paquistão que ele dizia, qual é a coisa deste género, não sei
se tu conheces, ele dizia estava raro assim, se um turco deixar
de ser musulmano, continua a ser turco e se um egípcio deixar
de ser musulmano também continua a ser egípcio mas se um paquistanês
deixar de ser musulmano torna-se indiano que é sempre uma piada à
frase não é, é só a origem do país sim, exatamente, o
que ele dizia no fundo é que há um problema de identidade
nacional porque ela está absolutamente associada à religião no fundo é o
que dizia o Zapo que é o país da comunidade muçulmana que
existia nandia, embora hoje em dia, lá está, depois houve aquela imigração
inicial, de um lado para o outro da fronteira, mas hoje em
dia, depois do que terá havido uma série de nove emigraçes de
musulmanos para andia tu acabas por ter uma comunidade que já é
idêntica de um lado e do outro mas acabaste por ter uma
associação da religião à identidade nacional que significa que se uma deixar
de existir a outra cai
Constantino Xavier
Seria como se fosse a República Cristã de Portugal. Exato. A República
Islâmica do Paquistão. Mas as coisas, eu acho que sim, é o
espelho, mas não é o espelho principal. Chegou a ser, durante muitas
décadas, acho que tens toda a razão nisso, A partição de 1947,
quando aqueles países se tornam independentes, é horrível. São milhões de refugiados,
600 mil mortos, simativas que não conhecemos, que era um episódio de
violência horrível. E os países distinguem-se ali. Andia cria-se por contraste ao
Paquistão, mas mais e mais o espelho principal, o modelo alternativo é
a China. Isso é o que é interessante. Tornou-se muito mais hoje
em dia aquele país que em termos de económicos e em termos
de peso vai à frente dandia e portanto também neste caso é
uma lógica de assimetria, que os indianos olham para os chineses e
para os paquistanes olhavam sempre com uma perspectiva de grandeza, não é?
Perante O Paquistão que é 5, 6 vezes menor a qualquer nível
de comparação.
Neste
caso é o
Constantino Xavier
em termos políticos também. O Paquistão, obviamente, teve ali e continua a
ter problemas em termos de regime militar, golpes, contra-golpes, mas é na
sua género uma democracia parlamentar que teve as suas dificuldades. A China
não. A China nunca teve sequer a ilusão de ser um país
democrático, liberal em termos políticos. E, portanto, aí torna-se o contraste muito
mais aparente hoje em dia entre o modelo indiano, que sucedeu a
nível político, a nível económico está em progresso, e o modelo chinês,
que teve uma pujança e tem uma pujança económica, é um sucesso,
um milagre económico, mas tem ali algumas dúvidas e algumas fraquezas no
nível político. Sim,
Constantino Xavier
por isso é que eu dizia, a ideologia é democrática, a única
forma, eu acho que nem sequer há uma alternativa nandia, não acho
que sequer haja nandia quem considera a possibilidade de ter ali uma
autocracia, um partido único, um ditador, porque a única vez que andia
experimentou com isso, nos anos 70, com a primeira-ministra Indira Gandhi, que
durante três anos declarou uma emergência e procurou tornar o país mais
autoritário, falhou. E falhou redondamente e Eu acho que isso é uma
lição importante dandia, que percebeu que a única forma daquele país sobreviver
é por via da diversidade política, da inclusão da diferença. Na China
é diferente. É justamente como tu dizes, o domínio não só étnico,
mas também de um pequeno grupo de homens, principalmente homens, que dominam
em termos de partido único
Constantino Xavier
tivemos líderes políticos que diziam que isto com 6 meses de ditadura
íamos lá. Sim, sim. E portanto há essas vozes nandia também que
dizem que se tivéssemos aqui um partido único, um líder, isto ia
lá muito mais rapidamente. Mas isso é uma ilusão, isso é uma
ilusão dos atalhos políticos, não é? Que dizem que se resolvem as
coisas, mas o custo político do autoritarismo a longo termo são incomportáveis
e são impraticáveis nandia, porque o DNA dandia é dessa diversidade, portanto
vai haver sempre oposição e é um país com tanta escala em
termos de diversidade que é impossível ter isso. Há vozes, mas eu
acho que ninguém olha para isso como uma verdadeira alternativa, enquanto que
na China coloca-se a questão da abertura, que há de acontecer, a
história feita de progresso económico que leva a impacto político em termos
das pessoas querendo ter mais direitos,
Constantino Xavier
Singapura, que vai com 56 mil dólares de paper capital hoje em
dia. Andia, por contraste, são 2 mil. Portanto, 2 mil vezes 56
mil. E a Singapura só está hoje em dia a pensar, possivelmente,
a abrir-se politicamente. Está ali a experimentar com umas coisinhas, umas eleições
locais. Mas é isso em Singapura. Portanto, a gaiola dourada... A China,
nesse caso, é uma abertura ainda bastante recente e acho que ainda
tem... Acho que essa gaiola dourada ainda, para muitos chineses, torna-se muito
apetecível durante muito mais anos ainda. Ainda estamos longe, penso eu, de
uma abertura.
José Maria Pimentel
A minha intuição é que também tem alguma coisa a ver com...
A condição necessária é tudo ter desenvolvimento económico, mas depois o que
pode expulsar uma transição para um... Lá está, as pessoas manifestarem-se e
haver uma transição para o regime democrático, é as coisas de repente
dentro daquele correr bem do ponto de vista macro, como se terem
um período em que correm mal. Ou economicamente. Porque
senão não
tens razão nenhuma para ir para a rua, não é? Se a
coisa continua a crescer, se a economia continua a crescer, as pessoas
que se sentem na pele ausência de liberdades políticas, são simplesmente uma
minoria. Exato. E no Estado não era a mesma coisa, não é?
A maior parte das pessoas vivia a sua vida perfeitamente, não é?
Havia uma minoria. É quem é que o fazia mal, se a
maior parte das pessoas
Constantino Xavier
tiveram perigo, não é? Há um caso concreto que eu acho interessante,
que é... Há uma escola muito conhecida de política pública, que é
a Lee Kuan Yew School em Singapura, LKY, que é a melhor
escola... Era histórico, sim. De políticas públicas e de... Que educa e
forma quadros administrativos de toda a Ásia, burocratas. E os chineses, quando
chegam lá, a primeira pergunta que fazem, a única pergunta que fazem
aos chingapurianos é como é que vocês conseguiram crescer este país de
forma económica e manterem crescimento sem se abrirem politicamente sem perderem controle
da questão política É a única pergunta que lhes interessa, como é
que se cresce e se gere de forma econômica um país sem
dar liberdade política? E essa questão agora com o Xi Jinping mantém-se
e vai se manter ainda mais premente nos próximos anos.
José Maria Pimentel
Isto é uma boa ponte para uma coisa que eu queria falar
um bocadinho. Esta questão da possibilidade ou não de haver uma ditadura
ou uma convergência para uma espécie de ditadura interna também nos leva
a outra questão que tem sido muito falada e que eu, para
ser franca, apanhei perspectivas um bocadinho opostas, que é a questão da
onda recente de nacionalismo hindu, que tem sido... Quer dizer, que é
mais ou menos associada ao Modi, ou seja, em certo sentido, há
quem diga que é promovida por ele, há quem diga que pelo
contrário, ela tem controlado e eu gostava de ter a tua perspectiva
em relação a isso porque é justamente uma das coisas que tem
sido falada nos últimos anos de haver uma espécie de favorecimento ou
de tentativa de tornar o Estado Indiano mais hindu lá está, ou
seja, por analogia ou para a questão de ser ser musulmano, colocando
as outras religiões de parte. Eu apanhei muito isto nas notícias, mas
não sei como é que alguém que lá está, sobretudo que, quer
dizer, estudando sobre política externa, mas não deixando de estar atento à
política interna, até porque uma coisa influi sobre a outra.
Constantino Xavier
Como é que tu vês isso? Eu acho que só para pôr
a questão em contexto, há dois grandes partidos nandia, o Partido Congresso,
que todos conhecemos do Nehru e da família Gandhi, e temos o
partido BJP, que é o Partido Popular Nacionalista Indiano. Agora, em 70
anos de democracia, o Congresso esteve à frente do país, provavelmente 60
anos, portanto, ou 50, 60 anos, foi o partido que dominou a
política, praticamente, muitas vezes, como partido único. Um grande partido agregador dessas
diversidades e diferenças, etc. E estamos a assistir a uma bipolarização agora
do sistema partidário, com o partido centro-esquerda-Congresso e um partido centro-direita-direita, que
é o BJP, atualmente no governo desde 2014, sob liderança do Narendra
Modi, primeiro-ministro atual.
E
o que é importante perceber para as pessoas, eu acho que sim,
há sempre essa perspectiva, muitas vezes muito politicamente correta aqui no Ocidente,
de que há aqui um partido chauvinista, extremista, radical, etc. Eu olho
para a questão de forma diferente. Uma democracia tem que viver de
forma saudável com oposição e com pelo menos dois partidos, pelo menos,
se não mais, que se anulam ou que se complementam e que
se criticam, etc. O Partido Nacionalista, o BGP de Modi, dá voz
a uma nova geração de jovens indianos que não se revê no
Partido do Congresso e nos seus valores. Essa é a realidade hoje
em dia. É esse o mandato que foi dado a Modi, principalmente
econômico, num país que só se abriu há 20 anos, 20, 25
máximo anos de forma real em termos económicos. E, portanto, hoje em
dia temos uma nova geração de jovens indianos que não são das
élites tradicionais, que querem umandia mais forte, umandia mais assertiva e que,
acima de tudo, querem empregos. O governo indiano atual, para realizar de
forma mínima os imperativos da economia indiana, tem que criar um milhão
de novos empregos por mês nos próximos cinco anos. Eu repito isto,
um milhão de empregos novos por mês nos próximos cinco anos, para
incluir um dos países mais jovens do mundo e estes jovens estão
a entrar no mercado laboral e que querem ser parte deste milagre
econômico dandia. Isso, portanto, traduz-se numa agenda econômica, mas também nacionalista muitas
vezes, de proteção, de acionismo e de identidade. Porque muitas vezes o
país teve sempre uma relação de conflito com o seu antigo colonizador,
a Grã-Bretanha. O país é democrático por causa, estranhamente, do colonialismo britânico.
O país tem os valores, a língua inglesa, as instituições que tem
por causa dos britânicos, de falta ali alguma identidade local e nacional.
E qualquer país quer isso, ninguém quer depender de uma história feita
de subjugação e de dependência e de influência colonial. E o que
o Partido Nacionalista faz muito é, olha para o Hinduísmo e para
a antigandia cultural, o sânscrito, não só a religião, mas todos os
valores culturais como o novo fundamento da nação indiana. Isso arrisca, como
tu dizias muito bem, a nacionalizar e criar ali uma identidade que
não seja necessariamente laica, e que é oposta por muitas, muitas pessoas,
mas eu acho que é um dilema para andia, e isso é
importante. Quer dizer, é preciso inventar ali algo que inclua a grande
maioria dos indianos, sem excluir e discriminar as minorias, mas ao mesmo
tempo cria ali a estabilidade democrática que seja apetecível para todos. Isso
é um dilema que se vai agudizar nos próximos anos.
José Maria Pimentel
Sim, quer dizer, haver um... A China... A China ainda tem essa
característica de que é parecida com outras democracias que tem, o Japão
por exemplo também é um bocadinho assim, que é ter, sendo uma
democracia, há um partido que domina claramente em termos de mandato e
o Partido do Congresso é um exemplo disso e, portanto, esta alternância
é boa. No caso do Modi e do nacionalismo hindu, ou o
que lhe queremos chamar, o problema se calhar tem a ver com
aquilo que estávamos a falar há pouco, ou seja, como é que
tu mantens essa pluralidade se fizeres convergir a identidade nacional no sentido
de uma das religiões.
Constantino Xavier
interpretação da história indiana que dá um lugar especial ao hinduísmo e
a certas religiões. Agora, em que grau é que isso se traduz
depois em políticas públicas, em alterações constitucionais? Depende do regime. Depende do
regime e é um debate em curso nandia e caso a caso
poderíamos agora discutir várias alterações a leis dos refugiados, que dá por
exemplo acesso especial a hindus de outros países para voltarem àndia, que
é algo que vai contra a Constituição e que agora foi discutido
no Parlamento mas não passou. Há várias políticas de afirmação ou discriminação
positiva ou negativa, dependente
de como olhas
para a questão, em particular para os muçulmanos, que são o segundo
maior grupo religioso dandia. Uma ideia da nação que muitas vezes olha
para aquelas minorias como os perdidos. A ideia dos hindus nacionalistas é
que olham para as minorias como os convertidos que têm que ser
reconvertidos de forma voluntária ou por vezes, de acordo com fações mais
radicais, de forma coerciva, com a violência, com a intimidação, etc. Isto
é um país, mais uma vez, de 1200 milhões de pessoas com
famílias políticas que não dá para
Constantino Xavier
A ideologia, a família política nacionalista hindu, bottom line, olha para o
hinduismo, para o sânscrito, para as tradições de uma certa religião e
civilização como principais para a nação e para uma prioridade para o
país, de criar aquele orgulho histórico, que é uma recuperação da história,
obviamente. Por isso que eu introduzi isto com a questão colonial. Nenhum
país quer ser refém do colonialismo, nenhum país quer dever a sua
existência a uma potência colonial. E isso muitas vezes acontece nandia. Quando
o primeiro-ministro Manmohan Singh, há cerca de 10 anos, vai à Universidade
de Oxford dizer num discurso, numa frase, num discurso que os britânicos
subjugaram-nos, mas também deram-nos muitas coisas, incluindo os caminhos de ferro.
É um
facto. E diziam, ou viram. E com isso também, de certa forma,
também criaram os alicerces da economia moderna independente indiana. Isso foi um
escândalo nacional. Não se demitiu, mas foi um escândalo nacional porque ninguém
quer ouvir disso.
Ninguém quer ouvir isso.
E temos que ter também, acho que, a sensibilidade no Ocidente de
perceber que estes países são novos, são países independentes com 70 anos.
Sim, sim, sim. Nós temos aqui 800 anos. São países com fronteiras
nem sequer delimitadas muitas vezes. A fronteira com andia e a China,
com o Bangladesh, não existe ou é disputada. E são países que
têm esse orgulho e que, portanto, o nacionalismo hindu responde a isso,
cria ali umandia muitas vezes mítica, antiga, muitas vezes... Há teses de
doutoramento hoje em dia nandia que defendem que andia já tinha armas
nucleares há 2.500 anos atrás, já tinha helicópteros, já tinha capacidade de
ter internet e comunicação... Quer dizer, uma ilusão baseada na desilusão com
o mundo ocidental e cria ali narrativas mitológicas completamente. Agora, isso é,
obviamente, ridículo e é preciso ser racional, mas ao mesmo tempo é
preciso perceber o que é que alimenta esse nacionalismo, esse fervor nacionalista
nandia.
José Maria Pimentel
Engraçado isso. E há uma figura que eu confesso que não conhecia,
um monge do século XIX, o Vivekananda, não sei se pronunciar bem,
depois ligar um bocado sobre isso, é um caso muito curioso, ele
é uma espécie de ídolo do Modi, não é? E é uma
espécie de precursor dessa visão, até mais do que o nacionalismo hindu,
é uma visão quase mirífica em relação ao hinduísmo, um bocado como
nós tínhamos aqui. É um bocadinho parecido, parece-me, superficialmente, com o que
nós tínhamos aqui em Portugal, com a questão do Quinto Império e
do Padre António de Vieira, que foi até opça de ver assim
uma espécie de missão divina do... E ele, por exemplo, tinha a
tese, que acho que agora foi um bocado recuperada, que não é
verdade, mas mesmo que fosse, também valeria o que vale. Que o
hinduísmo era a primeira de todas as religiões, no fundo era a
religião ancestral de todas as outras e que, portanto, havia uma espécie
de paternalismo natural em relação à...
Constantino Xavier
Exato, e acho que é interessante falar de Portugal porque estes debates
não são exclusivos aos pobres não ocidentais que não são desenvolvidos e
não estão a crescer.
Acho
que até ao contrário, em certo sentido. Em Portugal continua a haver
debates importantes sobre a lei, sobre a relação com a Igreja Católica
e sobre a natureza especial do nosso Estado e a sua relação
especial com a Igreja Católica e com o Catolicismo. O debate sobre
a União Europeia, o Giscard d'Estaing, o grande debate sobre a grande
convenção da União Europeia e de como é que iríamos definir a
União Europeia e o seu legado judaico-cristão, ou dar aqui algum, nesse
caso formal, algum reconhecimento formal às origens religiosas civilizacionais da União Europeia
e o debate sobre isso. Portanto, isso aplica-se em todo lado. Nos
Estados Unidos estamos a ver o início desse debate também, com o
maior radicalismo cristão de várias fações que começam a ter importância política
no sistema político americano. E eu acho que isso em todo o
mundo está a acontecer. Nandia está num estágio diferente, mas fundamentalmente é
um debate sobre qual é a ideologia principal dandia. Uma que dá
especial relevância ao hinduísmo e uma que diz que é completamente agnóstica
e que isto é um único dos poucos países do mundo que
faz da diversidade a sua força e que vai sempre ser um
país que é completamente agnóstico em relação à religião, identidade, casta, língua,
etc. Isso é um debate em curso, é uma batalha de ideias
realmente nandia e uma batalha política também em curso, e que tem
implicações diferentes porque há muitos países que olham para andia como um
modelo e se assustam muitas vezes também com o crescente radicalismo em
certas facções nandia.
Constantino Xavier
é o que diz isso no ocidente hoje em dia. Eu a
discordo, por isso é que eu tenho utilizado tanta palavra aqui nesta
conversa de ideologia, a democracia diversa como uma ideologia. Mas tens que
ter alguma identidade comum, não é? Isso é uma identidade comum. A
coexistência e acreditar que nos fortalece termos diferença e preservarmos a diferença
e respeitarmos a diferença é pluribus unum, out of many ones, fazemos
a força dessa diferença. Isso acho que é uma ideologia que está
ali à subjacente também à identidade dos Estados Unidos da América, que
não é que é um país excepcional no regime político mundial e
andia partilha muito isso e é muito semelhante aos Estados Unidos nesse
sentido e à União Europeia de certa forma também. Eu percebo que
obviamente a economia depois são fatores importantes para fazerem, que explicam o
sucesso destes países ou não destes regimes políticos, Mas andia é baseada,
e vamos depois ao livro que eu vou recomendar no fim, nesta
ideologia de que é preciso...
Constantino Xavier
o livro Idea of India, do Sunil Killnani, A ideia dandia. Aliás,
aquilo não é um ensaio alargado, tal como o Fukuyama que escreveu,
por exemplo, o fim da história,
que
começa antes do livro com o ensaio, mas The Idea of India
de Sunil Killnani, professor no King's College em Londres, é um livro
que eu acho fantástico porque define a ideia, essa ideologia dandia, tal
como foi definida em 1947, e também serve de forma para olhar
para andia hoje e como há outras ideias dandia que estão a
coexistir e a competir com esta ideia tradicional que faz a diversidade
um asset, uma mais-valia para andia. E Eu acho que isso é
importante salientar, porque nós olhamos, como dizia muitas vezes para a democracia,
como algo transacional e muito técnico.
Constantino Xavier
Agora, andia vai a votos neste mês. São 900 milhões de eleitores.
900 milhões. E aquilo não se esgota ali naquelas quatro semanas, porque
são eleições ao longo de quatro semanas, e depois na negociação para
as coligações, etc. A india, a democracia é mesmo esse processo constante
de negociar a diferença e de fazer a diferença uma mais valia.
Por exemplo, nós olhamos muitas vezes para a diversidade como algo que
nos empata e que nos acelera o desenvolvimento, etc. Eu acho que
o crescimento económico sustentável dandia, os génios de que ouvimos falar hoje
em dia em termos de ciência e tecnologia nandia, o empreendedorismo, as
novas ideias, novas inovações que estamos a assistir nandia e por todo
nandia, na diáspora indiana, aqui em Portugal, os indianos que vêm cá,
nos Estados Unidos, eles têm essa capacidade, que não têm os chineses.
Hoje, falemos das grandes multinacionais, procuram os indianos porque sabem que conseguem
os indianos diversidade de perspetivas, capacidade de retórica, de discutir, de argumentação,
de inovar, de pensar para além daquela boxe e da forma tradicional
de fazer as coisas. Isso vem desse meio em que eles crescem,
em que têm que falar com colegas nas aulas, nas escolas, que
são de uma cultura completamente diferente. Que tens ao teu lado um
miúdo que fala uma língua diferente, de uma casta diferente, de uma
região diferente, de uma tese física completamente diferente. Portanto, estás constantemente exposto
à diferença e isso testa-te e obriga-te a encontrar formas de gerir
a diferença e de construir pontos com diferença. Que não existe em
nenhum país, tanto como nandia. Nenhum país do mundo tem essa constante
diferença que te obriga a inovar e a moderar muitas vezes as
tuas próprias ideias muito fortes. Sim.
José Maria Pimentel
É engraçado os exercícios, sobretudo em comparação com a China, que tem
um sistema muito formal, quer dizer, quase stank, um sistema que eu
lembro, por exemplo, os chineses, eu não sei, se calhar até já
disse isso no podcast, mas eles aprendem inglês através de uma espécie
de dicionário, é muito engraçado, ao invés de aprenderem a gramática, têm
um foco muito grande no vocabulário que depois não é necessariamente...
Constantino Xavier
E o importante dizer, quando falo dandia, é importante não julgarmos estes
modelos. Eu acho a coisa mais fascinante é que cada um dos
modelos tem vantagens. Os chineses são muito bons em outras formas de
estar. O que é interessante é que a sociedade reflete-se no sistema
político e vice-versa. E isso acho que é tão fascinante estarmos hoje
em dia no momento da história mundial, em que temos dois modelos
tão diferentes, ambos economicamente semelhantes, mas politicamente e culturalmente completamente diferentes, O
indiano e o chinês. E eu acho que para todos nós o
debate continua a existir, que modelo político é que nós queremos. Incluindo
aqui em Portugal, que nós achamos que temos uma democracia muito forte
e muito robusta e que está cá para ficar, a democracia está
constantemente exposta a ameaças, a discussão, o debate e a mudança. E
por isso acho que todo mundo olha com tanta atenção para a
China e para andia e muitas vezes escolhe. Tacticamente, olha, nisto os
chineses são bons. Investimento rápido, infraestruturas, eles são rápidos em termos de
construção de sistemas, não é? Porque é isso que o sistema chinês
fez. Os indianos são muito melhores, muitas vezes, no processo de implementação
e de encontrarem sistemas, seja na engenharia, seja de processos informáticos, seja
em termos de processos sociais e políticos, que sejam muito mais inclusivos
e que olhem para a diferença e façam de diferença uma mais-valia.
Sim, é
José Maria Pimentel
engraçado. Quer dizer, isso é um... O que ele estava a dizer
é importante, não é? Cada um tem as suas vantagens, a ponto
de vista económico, claramente cada um tem as suas vantagens. A China
tem o enorme força de, como tem um sistema de decisão muito
top-down, muito rápido, quer dizer, é ótimo é implementar coisas, depois faltar-lhe-á
provavelmente uma flexibilidade e uma capacidade...
Crítica. Crítica,
e de implementar coisas que dependam mais da
Constantino Xavier
chineses no estrangeiro, quer dizer, nas ciências sociais e humanas, em termos
de direito, zero. Até a economia Não é uma questão que se
estude, é uma questão que se decide lá em cima no comitê
central. E, portanto, essas áreas são completamente negligenciadas pelo Estado chinês e
muitas vezes eu acho que refletem esse sistema político. Enquanto nandia temos
filósofos, pensadores, engenheiros, economistas do melhor do mundo. Cientistas também, obviamente, mas
até há formas de fazer ciência muito diferente nandia do que na
China. E é frustrante, eu estudei em universidades e dei aulas em
universidades americanas, e nota-se isso. Há abordagens em China dos estudantes chineses
que não conseguem sequer compreender o valor de fazerem perguntas. A pergunta
faz-se porque se tem que fazer três perguntas por semestre, não é?
Porque é uma obrigação no melhor dos casos. O indiano vive da
pergunta. O indiano é a definição de uma pergunta, está constantemente a
perguntar, a questionar, a tentar explorar. Eu acho isso interessante quando os
chineses, quer dizer, os estudiantes querem que lhes digas muito claramente é
isto que vais estudar, é isto que precisas saber. Os indianos muitas
vezes estão mais cientistas, também há essa vertente nandia, a robótica da
educação, mas por norma o indiano sempre retórico, argumentativo, out of the
box.
José Maria Pimentel
Olá! Gostam do podcast? Se quiserem contribuir para a continuidade deste projeto
e juntarem-se assim à comunidade de mecenas do 45° podem apoiá-lo através
do Patreon desde 2€ por mês. Visitem o site em www.patreon.com, escreve-se
P-A-T-R-E-O-N, barra 45° por extenso e vejam os benefícios associados a cada
modalidade de contribuição. Desde já obrigado pelo apoio, mas para já voltamos
à conversa. É engraçado fazer a ponte daí para a política internacional
porque a China, aliás já foi até ontem no episódio do podcast,
a China teve um peso econômico progressivo que agora se está a
refletir também muito em termos de peso político, peso geopolítico isto é,
e tu vês perfeitamente a China a ter uma atitude cada vez
mais assertiva, sobretudo na expansão no chamado mar da China, tudo que
está ali próximo dos Estados vizinhos e alguns dos quais são mais
próximos ainda dandia e já lá vamos, e percebe-se que há uma
visão, quer dizer, há uma estratégia geopolítica clara dos líderes chineses. No
caso dandia é engraçado compará-la por um lado, obviamente que existe uma...
Para os efeitos existe um poder de fogo diferente, não é? Em
termos de plástico a economia é um quinto da China e mesmo
em termos de, sabe, período naval, por exemplo, está atrás, o que
é normal. A minha dúvida, e fiquei com essa curiosidade quando estava
a preparar a conversa, é se existe também uma filosofia diferente de
agir internacionalmente, ou seja, por exemplo, o Modi é muitas vezes descrito
como, até por comparação a líderes anteriores, como um tipo ultra-pragmático e
racionalista na política internacional e um bocado cortando com aquela escola que
vinha dos países não aliados, do modelo não intervencionista e assim era
diferente, ou seja, havia uma filosofia diferente. Hoje em dia existe uma
filosofia... Para além de haver um poder de... Como é que eu
ia dizer? Um nível de capacidade de intervenção internacional diferente entre a
China e andia, existem filosofias diferentes também?
Constantino Xavier
Sim, eu acho que o regime político doméstico daqueles países reflete-se na
forma como agem com... As escolhas que fazem a nível externo. Pelo
menos isso eu acho que temos prova histórica, como os indivíduos, os
valores que eu tenho pessoalmente... Não é isso, por isso é que
eu acho interessante a pergunta. Afectam A forma como eu interajo com
a minha sociedade e as pessoas à minha volta,
se eu
acredito em certo, e o mesmo vale para os Estados. A forma
como os Estados estão organizados internamente, democracias ou não, afeta a forma
como pensam o mundo, olham para o mundo e agem Externamente. Agora,
isso não é determinativo no sentido, acho que há claramente, e também
o realismo, tal como na China, e gosto de fazer isto por
fácil, se eu fosse chinês ou estivesse na liderança da República Popular
Chinesa nos últimos 20 anos, teria feito exatamente o mesmo que eles
fizeram. Portanto, eu acho que é uma lição em termos de estratégia
mundial que os chineses têm feito. Souberam esperar durante 30, 40 anos.
Souberam criar os fundamentos económicos do país. Conseguiram interligar-se economicamente com o
resto do mundo, que lhes dá um poder de coação sobre outros
países e economias mais pequenas que nós vemos hoje na Europa, aqui
em Portugal, mas também no Sri Lanka, no Japão, nos Estados Unidos,
como vemos na guerra comercial com o Trump, mas conseguiram interligar-se economicamente,
silenciosamente com o resto do país, não falando política e também sofrendo
humilhações várias. Os Estados Unidos várias vezes humilharam a China nos últimos
20 anos em termos de exílios militares, a questão do Tibete e
nós glorificarmos e recebermos o que é efetivamente um dissidente separatista ou,
foi durante muito tempo, tibetano, que foi aqui recebido e premiado deste
lado do mundo. E, por fim, lembro do bombardeamento, por exemplo, da
embaixada chinesa na Jugoslávia, em Belgrado, durante a Guerra dos Balcãs, acidentes,
digamos assim, que os chineses conseguiram manter ali, manterem-se ali focados na
economia, no crescimento interno. Claro, isso mudou, mudou nos últimos 10 anos,
em que andia, em que a China, assume agora um papel político,
externo, assertivo, como tu bem dizes, ofensivo mesmo e agressivo. E que
estão cá para dizer que chou ao nosso momento, ainda por cima
um momento complementar por dois momentos de fraqueza do lado dos Estados
Unidos, um com o Presidente Obama que muitas vezes ainda acreditava naquela
ideia que os Chineses vão mudar e por via do crescimento económico,
da reforma económica, o país iria democratizar-se e abrir-se. Ninguém tem essa
ilusão hoje em dia, o país está mais autoritário na China hoje
do que estava há 10 anos, em que ainda se experimentava ali
com alguma democracia. E depois com o presidente Trump, em que penso
que também os chineses conseguiram tomar uma posição muito mais assertiva a
nível económico com os americanos. E está em curso essa batalha, vamos
ver quem é que a vai ganhar, mas está. Portanto, do lado
chinês isso é muito claro, que os chineses não são adeptos do
multilateralismo, das organizações internacionais, de falarem em pé de igualdade com outros
países. Os diplomatas chineses não têm o conforto de estarem à volta
de uma mesa e discutirem em nível de conferência multilateral. Vamos todos
agora aqui olhar para um problema de comércio mundial, de ambiente, de
alterações climáticas. Vamos juntos criar uma solução. A grande China e as
pequenas Maldivas, que são as mais ameaçadas, por exemplo, em termos de
alterações climáticas. Não estão. E porquê? Porque internamente nunca tiveram essa cultura
de socialização em pé de igualdade com outros. É um regime hierárquico,
vertical e, nesse sentido, agressivo. Emndia, especialmente agora, em termos de reflexão
da sua fraqueza em relação com a China, tem muito mais a
ganhar, mais uma vez, em termos de trabalhar de forma multilateral, em
termos de fazer, encontrar consensos internacionais sobre várias questões globais. Isso faz
andia um aliado e um parceiro, podemos chamar-lhe o que quisermos, mas
um parceiro, um aliado muito mais interessante para outras democracias que pensam
e agem da mesma forma. Sejam os Estados Unidos, mas também a
União Europeia e os países europeus, o Japão, a Austrália e muitas
outras democracias que olham com alguma preocupação para a China.
José Maria Pimentel
Sim, andia, apesar de tudo, tem uma série de caminhos que pode
seguir, ou seja, apesar de ter desta ameaça chinesa, tem ali... Desde
logo os Estados Unidos, que tem vindo a convergir nos últimos anos,
mas o Japão, como tu falavas, até a Austrália que está mais
longe, tem uma série de países a que se pode aliar pontualmente,
se calhar nunca se tem interesse em aliar-se completamente. Formalmente, sim. Formalmente,
mas para fazer... Formalmente, mas para fazer...
Constantino Xavier
Sobre a China, a palavra ameaça é um bocado forte. Eu tenho
muitas reticências em relação aos chineses e acredito que há motivos de
grande preocupação que todos devemos ter e não devemos estar sob qualquer
ilusão do
que os
chineses chamam de win-win, ganham todos. Isto vai ser fantástico e nós
vamos comprar o Porto Sinos e vamos investir e vai haver empregos
para todos em Portugal e da mesma coisa no Sri Lanka e
em todo o mundo e nós só queremos que o mundo cresça
de forma... E isso vamos ser só um parceiro econômico. Isso é
uma ilusão. A história mostra-nos que qualquer relação econômica está ancorada numa
relação política, estratégica e militar e cultural também. Natural, e por isso
eu digo, não culpo os chineses nem acho que... Agora, é um
problema a China, eu acho que é um desafio. Não é uma
ameaça ainda, pode vir a ser uma ameaça, mas é um grande
problema que nós temos que olhar para um problema e se quisermos
decidir que é uma ameaça, e eu acho que em certos setores
já é uma ameaça, isso é verdade, por exemplo na penetração política,
na forma como consegue já ter influência política na criação de governos
em muitos países. E é natural, quer dizer, no momento em que
eu invisto 24 mil milhões de dólares no Bangladesh, que é o
que
a China
fez, por comparação, os indianos investem 4 mil milhões, portanto, eu vou
ter muito cuidado para onde é que esse dinheiro vai e para
quem vai gerir aquele país, porque é o meu dinheiro e eu
quero saber, é como se eu pusesse o dinheiro no banco, quero
saber que administração é que aquele
banco tem.
Constantino Xavier
Exatamente. Muito importante o que tu dizes, porque é a autocensura, que
é o que se vê mais hoje em dia. Não falem mal
dos chineses ou vamos aqui fazer decisões diplomáticas que favoreçam os chineses,
que às vezes é o mais perigoso. A autocensura e o que
nós esperamos, Os chineses muitas vezes nem têm que fazer muito para
terem essa forma de poder.
Mas
em termos do caso dandia, o que é mais interessante, o que
eu muitas vezes digo é obrigado China, porque este crescimento da China
fez com que estes países, que nunca se davam muito uns com
os outros, eram os americanos que geriam isto tudo, e
que eram
os maus da fita, e que eram a potência hegemónica do mundo,
e portanto estávamos aqui todos a criticar os americanos, e havia pouco
mais, não é? Depois da Guerra Fria. De repente aparece aqui um
outro ator formidável, gigante, coincidindo com o momento de crise interna nos
Estados Unidos, económica, e na Europa também, e que faz com que
todos estes atores mais pequenos, nós todos somos mais fracos do que
éramos, temos a ganhar em termos de colaboração uns com os outros.
E, portanto, de repente andia e o Japão, que não se falavam
e pouco se falavam, estão agora a fazer parcerias fantásticas, em termos
de economia, em termos de ciência e tecnologia. A União Europeia, os
europeus em geral e andia. Aquilo há 10 anos, eu lembro-me de
trabalhar para a União Europeia, para a presidência da União Europeia de
Portugal e aquilo punham-se os diplomatas europeus e indianos na mesma sala
e era horrível, era um diálogo de surdos-mudos e acusações mútuas, e
vocês europeus só falam de luxo de direitos humanos, de direitos laborais,
de alterações climáticas. Nós aqui queremos crescer nandia e vocês vêm-nos aqui
explicar em termos de estilo missionário como é que nós devemos gerir
o nosso país e estão constantemente a interferir o nosso país. Era
isso a natureza das relações União Europeia e Europa-Índia. Hoje em dia
é fascinante ver 10 anos mais tarde os europeus e os indianos
a falarem em parcerias e olha aqui o que é que vamos
fazer que seja diferente dos chineses. Eu vou dar um exemplo muito
concreto que eu gosto de falar muito que é a questão dos
dados e da privacidade e da regulamentação dos dados, em que a
Europa agora passou uma lei muito interessante e tem isso muito bem
regulamentado, da proteção dos nossos dados privados. Os dados privados que nós
temos e a relação que nós temos com o governo e o
Estado, de como é que o Estado gere esses dados. Eu tenho
dados privados, bancários, securitários, fiscais, mobilidade, transportes que eu apanho, onde é
que eu coloco os meus filhos na escola. São dados meus, privados,
que eu tenho como cidadão. Agora, eu sempre tenho o interesse em
dar acesso a esses dados ao Estado que me protege de terroristas,
que cria um sistema econômico que favorece-me pessoalmente. E isso é uma
tensão. O quanto é que eu quero dar dos meus dados privados,
tal como na segurança, que havia esse debate do policiamento, em termos
de retorno. A Europa agora criou um sistema interessante que encontrou um
equilíbrio por via da separação de poderes, etc. Os indianos estão a
fazer o mesmo E não é surpresa que olham para o caso
europeu como o caso mais interessante. Não olham para o americano, que
é um sistema muito libertário nesse sentido, e em que as empresas,
estão realmente, os Facebooks, os Twitters, estão geralmente a liderar esse debate
em um Estado mais fraco. O modelo oposto é o chinês, em
que o Estado domina e não há sequer debate. Quer dizer, ninguém
na China tem direito ao acesso aos seus dados privados, é tudo
dominado pelo
Constantino Xavier
Créditos sociais. Isso, exatamente. Em que uma pessoa se comporta bem em
termos de privacidade, em termos de dados, e é recompensada e eis
que se comportam mal. E portanto, esse é o sistema oposto, em
que não há debate, não há tribunal supremo, não há debate público
de como é que vamos gerir isto entre as empresas, o governo
e os cidadãos. E a Europa, acho que é o sistema mais
interessante para os indianos que olham para o... Olha, isto é o
nosso sistema semelhante e começam agora a dizer, olha, vamos olhar para
o sistema europeu como um sistema benchmark e modelo em que nós
podemos seguir. Acho que é um caso concreto onde se vê que
as democracias têm uma forma concreta de trabalhar, que requer um debate
público, requer a participação das instituições judiciais e jurídicas, os Supremos Tribunais,
tem que ter um papel a dizer nisto. E onde as democracias
estão a criar alternativas e há um clube de países que olham
para problemas de uma perspectiva democrática inclusiva e há outros, a China
em particular e a Rússia também, que olham de forma muito diferente,
autoritária, controladora, centralizadora de todas essas liberdades. Há
José Maria Pimentel
um ponto que estás aí a fazer que é muito interessante, que
é isto servir para... E de certa forma tem um bocadinho a
ver com aquilo que acontecia durante a Guerra Fria, que é tu
teres... Ao teres duas grandes potências, acabas por ter de gerar um
espaço no meio. A existência das duas grandes potências acaba por enquadrar,
servir de enquadramento a um espaço no meio que depois permite aos
países aproximar-se de uma maneira que não ocorreria naturalmente. No caso, estavas
a dar o exemplo do Japão e dandia, que tem bem-sabeado, andia
e a União Europeia, e se calhar isso não seria possível se
não fosse a ascensão da China, que tem piada, porque eu
Constantino Xavier
A grande diferença para mal, preocupante hoje em dia, é que ao
contrário do modelo da Guerra Fria, é que tínhamos uma batalha de
modelos económicos e políticos. Hoje em dia temos uma China capitalista muito
mais do que andia, andia é democrática, mas é menos aberta economicamente
do que a China. Portanto, é um país que abraçou o capitalismo
de uma forma agressiva e radical, muito mais do que os anteriores
capitalistas americanos, europeus, ocidentais, mas que em sistema político e ideológico faz
de forma central e autoritária. Isso é um desafio, como chamo, ameaça
se tu quiseres.
Constantino Xavier
modelo económico que interessasse nesse sentido muito, porque era um modelo que
ao longo das décadas foi perdendo claramente poderio e capacidade de influência
e de atração. Aqui temos um modelo que está a dar sinal
de vida e sinal de crescimento, que se torna apetecível porque estamos
realmente numa crise econômica deste modelo que nós adotamos há 70 anos
atrás. Um modelo económico não é sustentável. E, portanto, ouvem-se muito mais
vozes de que vamos fazer aqui só negócios com chineses acreditando ou
esperando, dependendo da perspectiva, que não houve custo político. Eu acho que
isso é uma ilusão perigosíssima. Mas eu percebo também, e temos que
ser realistas, que para responsáveis do governo na Europa, vamos olhar para
o caso português, que é aqui o mais concreto, como falamos aqui
em Lisboa, de que é preciso crescer a economia, as pessoas querem
o pão na mesa e,
Constantino Xavier
Exato, mas eu infelizmente eu acho que nem chegamos a esse debate
muitas vezes, porque não temos tido um debate em muitos destes países,
em particular em Portugal, sobre como é só, vamos, é extremos, vamos
fazer com os chineses ou não vamos? E se não fizemos, vocês
querem ser uns, querem viver num luxo de não fazer negócios com
os chineses? Ninguém está a dizer isso, exatamente, acho que é importante
fazer essa questão. O importante é criar um debate em que olhemos
caso a caso quais são os custos a longo termo destes negócios
e desta prisão econômica em que nós estamos a entrar. Uma prisão
econômica que depois vai ter prisões políticas, culturais e de formas de
como nós até gerimos o nosso sistema educacional, como falamos, como comunicamos,
como temos uma imprensa livre ou não, ou menos livre. Ainda na
China, mas voltando
José Maria Pimentel
Butão, o Sikkim... Exatamente, tu tens aquela província, não sei pronunciar, é
o Aranutshal, do Paradejo, que também é um ponto de contenda. Mas
hoje em dia tens, para além desse ponto de contenda tradicional, tens
os estados vizinhos, onde sobretudo, diz-se Sri Lanka ou Sri Lanka? Sri
Lanka. E o próprio Bangladesh, onde a China se tem interrompido. Um
dos artigos que tu me enviaste, falavas exatamente da questão do Sri
Lanka e dos problemas de regime, da instabilidade de regime
Constantino Xavier
paradoxo, mas a nível político nem sequer aqueles dois países concordam onde
é que é a fronteira entre os dois países e tem quesilhas
militares regulares sobre essas questões geostratégicas e políticas. Esse debate é transversal
a todo o mundo, há países com mais capacidade para enfrentarem este
desafio chinês, no caso dandia, do Japão, dos Estados Unidos, há países
com menos capacidade, compreendo Sri Lanka e os Portugais deste mundo, mas
o debate é igual e acho que quanto mais estes países em
conjunto discutirem como enfrentar o desafio China e em termos de sindicatos
juntarem forças, não é? Sim. E criarem mais capacidade negocial perante os
chineses, melhor. O que os chineses fazem é muito simples, dividem e
têm uma sucessão de acordos bilaterais com a Itália nesta semana, por
exemplo, que lhes dá todo o poder negocial.
Constantino Xavier
Exatamente. É, é exatamente como tu dizes, acho que andia muitas vezes
deu aqueles países vizinhos com um dado adquirido no seu quintal, é
normal, as grandes
potências vão para os países
mais pequenos à volta, e dizem, isto é tudo nosso e nós
nos mandamos nisto, e às vezes é preciso um competidor que apareça
para acordar para a realidade e dizer, bem, nós não estamos ligados
economicamente em particular com estes países vizinhos. E os chineses têm um
poderio financeiro que lhes permite fazer em poucos anos o que andia
nunca conseguiria fazer em dezenas de anos e não conseguiu fazer. Isso
por isso é que eu sublinhava o fato de a China ser
um país economicamente aberto e andia não. Andia manteve-se ali isolada de
forma económica até nos últimos 20, 30 anos da região. E graças
à China, mais uma vez obrigado China, para quem nandia trata destas
questões regionais, porque acordou andia para a importância da sua periferia imediata.
Isso é importante porque muitas vezes os países que queriam escapar à
influência indiana, queremos ser mais sudeste-asiático, queremos mais com os Estados Unidos,
com a Europa, com a China e hoje em dia, pela primeira
vez em 70 anos, o Nepal, as Maldivas, o Sri Lanka, o
Bangladesh, países pequenos, não é? Com uma população muito menor do que
andia, estão a dizer, ndia, onde é que vocês estão? Come in,
please. Dê-nos mais, façam-nos uma oferta melhor do que a chinesa, porque
nós precisamos de um equilíbrio. Eu acho que isso se vê em
todo o mundo hoje em dia, em Portugal também, na União Europeia,
em que há agora um interesse muito maior nandia e no Japão
para equilibrar esta formidável entrada e poderosíssima e de certa forma desafiante
entrada chinesa aqui nestes espaços. Isso é importante, é importante porque para
andia dá uma oportunidade agora de assumir um papel mais relevante e
aparecer em teatros económicos, geoestratégicos, estava afastada. É pena que precisássemos de
uma China para ainda entrar agora com mais importância nesses países, mas
vai ser muito interessante ver como é que estes países... Porque ainda
por si próprio não vai ser capaz de oferecer alternativas aos chineses
sozinha a curto prazo, a longo prazo sim. A única forma de
criarmos aqui um certo equilíbrio económico, político, moral mesmo no sistema mundial
é coordenarmos, como eu dizia, esforços entre vários outros países não chineses,
até para também pôr a pressão sobre a China para eles se
reformarem. Eu acho que devemos descontinuar a possibilidade de ser impossível a
China se reformar e se abrir. E, aliás, há indícios que os
chineses se tornaram muito mais responsáveis nos últimos anos perante a pressão
que têm sofrido. Ah é? Sim. Eu acho que os chineses... Os
chineses estão a falar deste
Constantino Xavier
do regime. Eu acho que nos últimos dois anos a Belt and
Road Initiative mostra que os chineses aprenderam. Aprenderam para bem e para
mal. Aprenderam para mal, por exemplo, perceberam que não vale a pena
só realmente atirar dinheiro para estes países e fingir que está tudo
bem, esperar que tudo bem. Olharam, perceberam que é preciso ter influência
política e fazer jogo político nestes países. Isso é para mal. Porquê?
Porque temos uma China que de repente está agora envolvida em termos
políticos nestes países e percebeu o jogo de vamos também diversificar as
nossas relações, vamos também dar-nos com todos os partidos, porque pode haver
aqui uma... Isto são democracias, portanto pode haver mudanças partidárias, etc. Para
bem, eu acho que eles compreenderam a importância de serem mais razoáveis
nas suas negociações. Portanto, vemos hoje uma China que chega muitas vezes
ao Nepal, um país pequeno, e diz ok, temos aqui investimento, mas
onde é que vocês querem colocar o investimento? Como é que vamos
negociar o investimento? Olha, afinal, não vão ser só chineses a construir
a barragem, vai ser mão de obra local, vamos ter aqui uma
porcentagem de engenheiros locais que também vão ter participação na obra. Portanto,
a pressão que se fez sentir sobre a China, eu penso que
está a sortir algum efeito. Isso indica que temos que continuar a
pressionar a China para a maior transparência. Vemos isso no caso da
Huawei, no caso da União Europeia passar agora um mecanismo que vai
analisar com muito cuidado os investimentos chineses em certos setores cruciais, portos,
telecomunicações, portos, telecomunicações, em que pode haver transferência de dados e uma
violação da soberania dos países europeus muito rápida, e já houve isso,
e às cabas nós também pôr a pressão sobre os chineses a
dizer auto-AI. Muito bem, queremos investimento nas telecomunicações, mas temos que ter
aqui garantias que vocês vão respeitar certas regras e certas... Na privacidade
dos dados ou na continuidade de serviços que eles prestam e que
vocês têm que dar garantias. E eu acho que isso... Não podemos
também mostrar os chineses como uns monstros que são irrazoáveis, não é?
Eles vão fazer aquilo que podem, como
Constantino Xavier
E, portanto, cabe a nós, entre todos os outros países, e em
particular penso eu em Portugal, porque voltámos a Portugal na União Europeia,
criar as regras de jogo o mais cedo possível, porque com cada
dia que passa a margem negocial que nós temos é menor, porque
os chineses estão a crescer e têm maior, criar essas regras de
jogo e dizer, estas são as regras de jogo de investimento ou
das relações económicas entre a Europa e a China.
José Maria Pimentel
O que não acontece, o que me preocupa no caso particular da
China e acho que existe potencial em não ser assim no caso
dandia, é que tu tens uma interação de alto nível, ou seja,
seja política, seja sobretudo de investimentos, mas que não é construída sobre
uma interação social entre os dois países. Tudo o que acontece no
mundo ocidental, por exemplo, já é bastante diferente. Tu tens investimento americano,
mas também tens uma interação cultural e social entre os dois países.
No caso da China, como não acontece isso, é muito mais imprevisível
o que é que está de lado lá.
E isso é muito importante,
José Maria Pimentel
eu não queria acabar sem falarmos da série do Paquistão, que é
outro tema ultra interessante, em certo sentido é o outro tema, quer
dizer, o tema de sempre, mas que se mantém ultra-actual, aliás, é
curioso porque o Paquistão, em certo sentido, era um tema que por
natureza nunca poderia ser encerrado, mas que se assumia estar mais ou
menos estagnado, numa espécie de equilíbrio subótimo, mas para todos os efeitos
um equilíbrio. E ainda no mês passado, de repente, do nada, acontece
uma coisa que muita gente receou que pudesse dar origem a uma
guerra e depois não deu. Basicamente foi um bombista suicida, se h
o erro, não é? Ou uns bombistas que se rebentaram do outro
lado da fronteira e de repente aquilo começa a surgir dali uma
escalada entre o Paquistão e andia, o Paquistão reage e rapta um
paraclite indiano, sabe o erro, alguma coisa do género e de repente...
Um piloto, sim. Acho que a situação acalmou entretanto, mas é uma
fonte permanente de... Já houve três guerras, três sabates que eram muças.
Como é que
Constantino Xavier
tu olhas para esse lado da fronteira? É um país que era
o foco de todas as eleições indianas e deixou de ser, felizmente.
Porque aquilo é muito emocional, são
países
que separaram, são países que falam, regiões que falam a mesma língua
divididas por uma fronteira, seja no caso de Kashmir ou no caso
de Punjab, que só é religião realmente que se para, mas que
houve muita violência, como eu mencionei antes, e isso acho que é,
acima de tudo, emocional e uma questão muito difícil. É algo que
prende andia. É algo que prende andia porque o Paquistão é um
país que está com grandes dificuldades financeiras, é um país que tem
mais a ganhar do conflito com andia, não
Constantino Xavier
chantagem emocional, é uma chantagem material e com a ação. E os
paquistaneses, portanto, tem muito mais a ganhar a olhar para a China
e para outros países mais preponderantes no mundo, seja como desafios e
competidores, seja como parceiros, do que para o Paquistão, que é mais
uma questão política, securitária, identitária, mas que tem esse risco, como tu
bem dizes, de prender andia e de desviar atenções e recursos para
aquela constante guerra ou conflito, ataques terroristas, etc. É também uma questão
doméstica. Porque é a questão de Caximira que se mantém ali em
aberto.
José Maria Pimentel
Sim, sim, pois, mas o que aconteceu foi o contrário. Mas essa
era uma pergunta que eu tinha, por acaso. O que é que
distingue, do ponto de vista da animosidade em relação àndia, o Paquistão
do Antigo, o Paquistão Oriental, ou seja, do Bangladesh? É só o
facto do Paquistão ter armas nucleares ou há uma diferença na relação
dandia com os dois? Sim, com
Constantino Xavier
também, não é? É curioso. Exato, exato. Portanto, é uma questão, aquilo
é muito mais complicado em termos identitários, o Paquistão como Estado sucessor
do Estado, o Paquistão Ocidental, pós-71, que perdeu a guerra com andia
em relação ao Paquistão Oriental, que ainda apoiou a independência do Bangladesh,
porque é uma população bengali, fala o bangla, diferente. O Paquistão é
em grande maioria dominado pelos Punjabis, o Paquistão de hoje. Tem uma
diversidade étnica formidável, também leva a dissidentes e separatismos importantes no Baluchistão,
no Baltistão e
Constantino Xavier
também. Mas acho que a diferença fundamental aí é que o Bangladesh
foi apoiado na sua independência pelandia e que não é uma questão
só de religião, é um factor, mas é muito mais, é histórico,
é político, é geostratégico, porque o Paquistão alinhou-se com os Estados Unidos,
não nos esqueçamos
disso, e
hoje em dia com a China mais, enquanto que ainda se aproximam
dos Estados Unidos, portanto, às vezes há ali também questões geoestratégicas que
mantiveram esses conflitos vivos.
José Maria Pimentel
Sim, é engraçado isso, porque eu estava a pensar nisso na altura.
E este caso do Paquistão, eu acho que foi uma das coisas
que eu achei mais fascinantes quando... Quer dizer, que eu já achava,
e agora sobretudo a preparar a conversa, eu me ganhei mais sobre
isso, Esta espécie de... Porque essa animosidade entre índio e pakistão lá
está, vai muito mais para lá de uma questão tática ou até
de uma questão da permeabilidade da fronteira. É quase como uma animosidade
entre duas pessoas que se dão mal, ou seja, não é necessariamente
só tática, não é o que tu tens a ganhar em fazer
mal a outra pessoa ou outra pessoa a ti, há uma espécie
de animosidade emocional e eu apanhei um artigo de um analista, eu
não o conhecia, mas é um analista militar indiano que acho que
foi polémico na altura e que é extremo, mas que mostra bem
como isto chateia andia por impedir de, muitas vezes, focar em questões
internas, que ele dizia, tem isto em inglês, mas vou tentar fazer
a tradução mais ou menos simultânea, ele dizia, independentemente do que outras
pessoas achem, a minha opinião é que seria melhor para andia suportar
um ataque nuclear, mesmo que custasse centenas de milhares de vidas, do
que continuar ano após ano a suportar esta dor e esta ignomínia.
Ignomínia é a palavra do artigo, não sou eu que estou a
propor aquela palavra cara. Dia após dia, morte por mil cortes, que
era uma expressão dos paquistaneses e estar sempre a gastar energia em
termos de potencial não realizado interno. O facto de alguém dizer que
pode ser melhor ter um ataque nuclear de uma vez
e
encerrares o problema...
Não, mas
Constantino Xavier
É, essa é a ideia, mas não faz sentido nenhum. E, aliás,
para o Paquistão deixar de prender andia vai ter que haver uma
normalização entre aqueles dois países. O custo dandia não ter uma relação
económica com o Paquistão por causa de questões políticas, daquilo ser uma
fronteira fechada, é enorme. O Banco Mundial fez um estudo no ano
passado, custo dessas tais barreiras econômicas na região são 6 bilhões de
dólares. O fator de haver fronteiras políticas, questões étnicas e não haver
comércio livre entre a região. 6 bilhões, dos quais 3 a 4
bilhões é só culpa da questão.
Esse
custo de bem-estar económico está a sofrer porque os países não se
dão. Era o custo que nós tínhamos também aqui na Europa, não
nos dava, porque a França e a Alemanha estavam a dizimar constantemente
em guerras militares, e que nós resolvemos por via da integração
Constantino Xavier
E ali, ao custo da guerra e da política, continua a fazer-se
de uma forma brutal, incluindo com a China. Muitas vezes aquilo poderia
ser uma fronteira e uma ligação China endia, mesmo com os Himalaias,
muito mais forte do que é. E não é, porque continua a
ser uma fronteira disputada e militarizada. É um mundo muito diferente que
nós não esquecemos e eu acho que é importante lembrarmos desse mundo,
nós deste lado, porque nos lembra da fragilidade da Europa há 70
anos atrás e que poderá acontecer novamente e dos riscos e do
bem-estar que nós conseguimos por via da integração, mas que não é
um dado adquirido e que é preciso continuar a investir. E, ao
mesmo tempo, é importante eles lembrarem-se, olharem para este lado do mundo
e verem as vantagens inerentes a decisões políticas de integração que evitam
guerras e conflitos que são incomportáveis hoje em dia no mundo interdependente.
E tu
José Maria Pimentel
achas, por exemplo, do ponto de... Muitas vezes o que acontece nestas
coisas é que há Os incentivos do regime, ou seja, de quem
domina o regime e da população, ou as vontades de quem domina
o regime e de quem domina a população, não são necessariamente as
mesmas, ou seja, o regime paquistanês, por exemplo, que é muito mais
militarizado, por exemplo, tem um interesse óbvio em manter este estado das
coisas, porque beneficia dele. A população, por exemplo, pode ver as coisas
de maneira diferente. Ou não, ou isso ser tão emocional que a
população acaba por estar do mesmo lado e essa animosidade é partilhada.
José Maria Pimentel
Gostaram deste episódio? Se encontram o valor no 45° existem várias formas
de contribuir para a continuidade deste projeto. Podem avaliá-lo na aplicação que
utilizam, seja ela o iTunes, Spotify, Stitcher ou outra, e podem também
partilhá-lo com amigos e comentá-lo nas vossas páginas ou redes sociais. Se
acharem mesmo que merece e puderem fazê-lo, podem ainda tornar-se mecenas deste
podcast através do Patreon ou do PayPal. Com esse apoio estão a
contribuir para a viabilidade deste projeto, que passa a ser também um
bocadinho vosso. Para além disso, obtêm em troca vários benefícios como, por
exemplo, o acesso ao Backstage do podcast e também a possibilidade de
sugerir perguntas aos convidados. No fim do dia, já se sabe, são
os ouvintes que tornam possível um projeto destes. Ouvintes como Gustavo Pimenta,
João Vítor Baltazar, Salvador Cunha, Ana Matheus, Nelson Teodoro, Paulo Ferreira, Duarte
Dória, João Castanheira, Tiago Leite, Gonçalo Martins, entre outros mecenas, a quem
agradeço e cujos nomes podem encontrar na descrição deste episódio. Até à
próxima!