#57 Constantino Xavier - Índia

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José Maria Pimentel
Bem-vindos. Esta semana converso sobre andia com Constantino Xavier. O convidado é investigador na Brookings India, em Nova Delhi, uma instituição integrada na Brookings institution, um dos maiores think tanks do mundo. A investigação do convidado debruça sobretudo sobre a política externa dandia, segurança e políticas regionais, democracia e relações entre a Europa e a Ásia. Tive a sorte de apanhar uma visita do Constantino a Portugal no mês passado e aproveitei para o convidar para o podcast. É um privilégio poder trazer ao podcast um especialista de renome mundial em assuntos indianos para falar justamente dandia, tanto do ponto de vista interno como do ponto de vista da política externa. Durante a conversa falámos sobre uma série de aspectos relacionados com o país, desde logo as especificidades deste país gigantesco e ultra-diverso, composto para terem uma ideia por 29 estados, com muitas culturas, dezenas de religiões e quase 400 línguas diferentes. Claro que não podíamos deixar de falar da política interna do país, que tem sido agitada nos últimos anos, com a exceção do partido do atual primeiro-ministro, o carismático Narendra Modi, e a vaga de nacionalismo hindu que lhe tem estado associada e que é um dos grandes desafios à unidade do país, como o Constantino Salienta. Aliás, estão agora nandia a decorrer as eleições gerais, um processo verdadeiramente hercúleo não só em dimensão, como também em duração, visto que dura, vejam só, desde 11 de abril e vai estender-se até ao próximo dia 23 de maio. Falamos também da China, claro, um tema praticamente incontornável hoje em dia, quando se analisa e discuta andia no contexto internacional. Por um lado, a China representa para andia um modelo invejável do ponto de vista do desenvolvimento económico, mas é também cada vez mais uma ameaça ao domínio que andia estava habituada a ter nos países da sua vizinhança, que são mais pequenos e menos poderosos, e em muitos casos mesmo muito mais pequenos e menos poderosos. Para além disso, as próprias culturas e filosofias em termos de política internacional são muito diferentes entre os dois países, algo que é visível também nas diferentes abordagens que cada um toma, quer à política, quer à cooperação em fóruns internacionais. Finalmente, como não poderia deixar de ser, falámos também do Paquistão, a eterna dor de cabeça dos governos indianos. As relações entre os dois países têm sido ultra tensas, para usar um eufemismo, desde a partição dandia Britânica em 1947, há mais de 70 anos, e a independência dos dois países que se separaram juntamente com o Paquistão Oriental, agora Bangladesh. E pronto, vamos à conversa. Uma última nota para o som, que infelizmente é irregular. Tive um problema técnico que leva a que o som durante os primeiros de cerca de 18 minutos e meio, seja de pior qualidade. A partir daí, volta à qualidade normal. Boa conversa. Está bem, gostei muito. Bem-vindo ao podcast. Como estava a dizer, vamos falar da INE, de várias coisas, entre outras, com as políticas externas, mas acho que tem piada, quer dizer, não faria sentido, tendo em conta a tua história, não começámos também por falar na cultura do país e no que é que é para alguém que é português, embora tenha ascendência goesa, não é? Mas que para todos os efeitos será no máximo uma subcultura indiana. De repente, emigrar para andia e viver para a capital, para Nova Adélia. Como é que se consegue explicar um português, a um estrangeiro, mas com o mindset cultural de um português, o que é que é cultura indiana, sobretudo se calhar na capital, porque andia
Constantino Xavier
são tantos países no soco, se calhar não é muito fácil responder a isso, não é? Não disseste emigrar para andia e acho que já tem piada. Exato. Emigrar para andia,
Constantino Xavier
não é? Fala-se de imigração indiana para Portugal, estamos habituados a falar da imigração para esta parte do mundo, quem que, no perfeito juízo, decide emigrar para andia? Acho que é
Constantino Xavier
um bocado também essa a pergunta. Não, por acaso não acho, acho que percebes perfeitamente, no teu área, acho que até faz sentido. Sei porque és economista. Sim, talvez. Olhas para
Constantino Xavier
andia já de uma forma diferente. Não, mas isto é, eu peguei na mala em 2004 para ir para andia e na altura começava-se a falar um bocado nandia emergente, Emerging Power, a grandendia, a grande Ásia, mas muito pouco ainda e eu lembro das pessoas dizerem, és maluco? Quer dizer, vais fazer um mestrado para andia, porquê? E não faz sentido. Eu acho que são duas razões. Uma é particularmente pessoal, académica, que é a minha origem, que é a minha já familiarização com andia Eu tinha uma paia de Goa originalmente, tive avós lá. Tive três ou quatro vezes de férias para Goa, como alguém que vai, sei lá, para o Minho ou para o Algarve, passar férias com os avós. Não conhecia o país, conhecia Goa, que como tu dizes é uma subcultura, aí pequena, dandia. Um segundo motivo foi a questão política de conhecer aquele país que eu sabia que iria crescer, em que havia uma falta de informação enorme cá e que seria uma carreira académica e de investigação interessante. Mas o mais importante é que, esse é o meu caso pessoal, peguei na mala e fui para Delhi em que nunca tinha estado uma cidade de 15 milhões de pessoas em que eu não falava a língua e cheguei lá mas eu acho que hoje em dia tem mais e mais pessoas indo por questões económicas e aquilo começa a ser um país com um mercado interessantíssimo estava a falar no outro dia da Zomato, uma das grandes empresas indianas que está aqui forte em Portugal e que emprega vários portugueses, jovens portugueses que se licenciam cá, pegam na mala também e trabalham hoje em dia para uma empresa indiana nandia.
José Maria Pimentel
Eu não sabia que era indiana, é engraçado. Sim. Uma coisa que eu acho que é difícil para nós percebermos dandia é que quando lá está como a pessoa fala do país e assume, quanto mais não seja inconscientemente, uma coisa parecida com Portugal em grande escala, quando na verdade tem uma série de diferenças, desde logo o facto de serem vários países num só. Mas eu acho que é difícil para quem... Uma coisa é saber isto, uma coisa é na teoria, que eu sei, outra coisa é sentir isso, sentir o número de religiões que existem, o número de línguas, o número de subculturas como é que se consegue explicar isso a alguém que
Constantino Xavier
vê de fora? Acho que só vendo, é uma diversidade incrível, não há país mais diverso no mundo do que andia. Mas como é que consegues criar uma democracia?
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Muitas vezes a democracia indiana é engraçada porque é dada como modelo acho que mais academicamente do que provavelmente na prática mas muitas vezes é dada como modelo para uma eventual democracia a nível europeu Ou seja, se fosses converter a União Europeia numa União Política, toda a gente dirá, isso não faz sentido, que há uma série de línguas, uma série de culturas
Constantino Xavier
e uma das respostas possíveis é dizer, bom, mas os indianos fazem, não é? Com muito mais diversidade e diferença, não é? Quer dizer, a União Europeia basicamente é uma região
Constantino Xavier
cristã, a maioria de Itália sempre foi cristã, com a mesma escrita, ainda tem dezenas de religiões, tem várias línguas, mas mais importante, escritas diferentes, quer dizer, as pessoas nem se conseguem ter completamente, a forma como escrevem no sul, no norte, têm dezenas de escritas diferentes, portanto é um continente, um subcontinente, como se diz. Mas a tua pergunta está também interessante porque tu dizes como é que a democracia consegue criar raízes num sistema tão diferente, mas é justamente a única forma de gerir aquela diversidade é a democracia. Portanto, não é uma fraqueza, mas eu acho que é aliás a única forma de incluir pessoas tão diversas é dar a liberdade às pessoas política de exprimirem, de escreverem a língua em que querem, de falarem na língua em que quiserem, de terem religião e terem liberdade religiosa que não tem em muitos outros países. Sim. E, portanto, foi isso, acho que é esse o mesmo elemento agregador que é o milagre é o
José Maria Pimentel
milagre da democracia fora do ocidente. Sim. É que a minha pergunta são duas numa só, na verdade. Uma pergunta é mais como é que tu consegues construir, sobretudo na altura em que foi feito, numa altura em que aqui ser muito mais uma escolha e muito menos uma contingência, como é que se consegue construir um Estado-nação de repente, quer dizer, num espaço, numa antiga colónia, lá está com uma série de culturas, línguas e religiões diferentes e haver essa identidade nacional por exemplo, é uma das coisas que se contrasta até com o Paquistão, que é um país mais pequeno e que tem um problema de identidade nacional muito maior, que é aparentemente um paradoxo. Isto é um lado, tem a ver com identidade nacional e tu conseguires construir um Estado-nação. Depois, o outro lado da pergunta, que não é menos interessante, tem a ver com conseguires construir um regime democrático sobre isto
Constantino Xavier
tudo, não é? Mas eu acho... Mas estão ligadas, as coisas estão ligadas. A ideologia dandia é democrática. Isso que eu explico muitas vezes. O Paquistão é um país islâmico. É um país para os muçulmanos daquela região que não quiseram entrar na união indiana secular, laica, democrática nesse sentido. Portanto, o secularismo nesse sentido já é um princípio mais democrático, em que há uma cisão da fé hindu e de todas as religiões, mas é uma necessidade, aquilo é uma ideologia no sentido de é a única forma de gerir aquele país. Não há forma de gerir tanta tamanha diversidade sem dar voz às pessoas. E isso acho que muitas vezes nós não olhamos para isso, Olhamos para a democracia muitas vezes com um luxo. Vamos, olha, posso votar livremente, posso dizer o que eu quero, posso escrever nos jornais se eu quiser. Mas a democracia lá mostra que é um sistema que funciona para gerir a diversidade. Não só num país tão complicado como andia, mas qualquer país. Nós hoje aqui temos opiniões diferentes em Portugal, ideológicas, regionais, perspectivas diferentes e isso acho que é, dependendo da perspectiva, uma grande vantagem para certas pessoas. Eu acho que é o sucesso deste milagre que andia democrática e unida existente. Mas também às vezes é visto como uma desvantagem. Sim, às vezes é. E a diversidade só para as pessoas terem uma ideia. Estamos a falar de um país com 1.200 milhões de pessoas. 1.200 milhões, uma capital que tem 15 a 20 milhões de pessoas. Eu circulo numa cidade que tem 15, 20 milhões de pessoas e aqui em Portugal temos 10
José Maria Pimentel
milhões. Sim, sim.
Constantino Xavier
Eu circulo num país em que há dezenas de escritas diferentes, em que no Parlamento se falam quase 30 línguas oficiais. Quer dizer, num Parlamento com 540 deputados ou 550 deputados, há 30 línguas reconhecidas oficialmente. Interprets e tradutores a trabalhar para isso. É um país em que há religiões antigas, das mais antigas do mundo. Os cristãos dandia chegam muito antes dos portugueses. Os sírios, cristãos sírios no Kerala estão lá desde o século terceiro. Andia tem hoje 30 milhões de cristãos, três vezes mais de cristãos aqui. A igreja católica nandia é maior do que a igreja católica em Portugal.
José Maria Pimentel
Sim, essa é uma das questões de escala engraçada. É o
Constantino Xavier
segundo país com mais musulmanos do mundo. Falamos do Paquistão, do Afeganistão, do Iraque, da Indonésia. É o segundo país com
José Maria Pimentel
mais musulmanos. Isso é o que eu ia dizer que é interessante. Os hindus são para aí 80%, nandia, Mas mesmo as religiões minoritárias em termos absolutos são
Constantino Xavier
gigantes. São gigantes. Budistas,
José Maria Pimentel
Jainistas,
Constantino Xavier
2% da população. Os Chicos têm aqui uma comunidade interessante em Portugal também, hoje em dia. Ah é? Ah não sabia. Sim. Depois, para além disso, Para além desses 80%, 15%, etc. Vamos descendo pelos percentagens, as subdivisões religiosas, o sistema de castas. Porque às vezes uma certa casta hindu é muito mais próxima de outra pessoa de outra religião da mesma casta, partilham mais os lagos de laxo da
Constantino Xavier
casta do que a fé cristã. Mas eu pensava
José Maria Pimentel
que a casta era exclusiva ao hinduísmo.
Constantino Xavier
Não, não. A casta é um sistema tão forte social que tem raízes no hinduísmo, num certo hinduísmo, mas que transcende e foi importada para outras religiões nandia. Portanto, os cristãos, muitos cristãos dandia hoje, mantém ligações e subdivisões baseadas na casta. Os muçulmanos também, mais e menos os chiques também. Há religiões que abominam essas diferenças oficialmente no papel, mas na prática em termos de costumes sociais, casamentos, partilhas, heranças, continuam a ter tribos de castas diferentes. Portanto só é um país que eu gosto de sublinhar. Acho que é importante sublinhar estes factos, porque como tu dizias, às vezes não temos noção da diferença que é este país. É um país que tem desertos, tem os Himalaias, tem o oceanondico gigante à volta, tem oito, nove diferentes países vizinhos
Constantino Xavier
e é muito difícil gerir esta diferença. Sim, imagino que sim. Eu estava a te ouvir e estava a tentar,
José Maria Pimentel
com o exercício que eu tento fazer várias vezes, que é um bocadinho superficial fazê-lo aqui no podcast, mas estava a tentar pensar numa explicação fundamental para o sucesso da democracia indiana. Da democracia indiana. E penso que pode ter que ver se calhar com duas coisas que estão relacionadas com o que tu disseste aí. Por um lado, eu tenho um bocado a tese de que, como em muitas outras coisas, para um regime ser bem-sucedido tem que ter alguma pressão concorrente, quer dizer, adversarial, no sentido em que há uma alternativa possível. E o que tu tens nandia, basicamente, é se o regime, se andia enquanto país não tivesse sido bem sucedida e sobretudo não tivesse conseguido agregar todos esses povos, tinhas tido secessões, provavelmente, ou seja, tinhas tido movimentos separatistas inicialmente que
Constantino Xavier
tinham criado os próprios países e não se vissem representados. E houve emndia. E ainda continua a haver.
José Maria Pimentel
E por outro lado, tens o exemplo do Paquistão, que é um exemplo interessante. E que funciona, se calhar, e acho que isto faz sentido, mas funciona um bocadinho como espelho. Como espelho não, como o que ainda seria se não fosse tão plural porque eu apanhei uma frase muito interessante, não sei quem era, mas um antigo presidente do Paquistão que ele dizia, qual é a coisa deste género, não sei se tu conheces, ele dizia estava raro assim, se um turco deixar de ser musulmano, continua a ser turco e se um egípcio deixar de ser musulmano também continua a ser egípcio mas se um paquistanês deixar de ser musulmano torna-se indiano que é sempre uma piada à frase não é, é só a origem do país sim, exatamente, o que ele dizia no fundo é que há um problema de identidade nacional porque ela está absolutamente associada à religião no fundo é o que dizia o Zapo que é o país da comunidade muçulmana que existia nandia, embora hoje em dia, lá está, depois houve aquela imigração inicial, de um lado para o outro da fronteira, mas hoje em dia, depois do que terá havido uma série de nove emigraçes de musulmanos para andia tu acabas por ter uma comunidade que já é idêntica de um lado e do outro mas acabaste por ter uma associação da religião à identidade nacional que significa que se uma deixar de existir a outra cai
Constantino Xavier
Seria como se fosse a República Cristã de Portugal. Exato. A República Islâmica do Paquistão. Mas as coisas, eu acho que sim, é o espelho, mas não é o espelho principal. Chegou a ser, durante muitas décadas, acho que tens toda a razão nisso, A partição de 1947, quando aqueles países se tornam independentes, é horrível. São milhões de refugiados, 600 mil mortos, simativas que não conhecemos, que era um episódio de violência horrível. E os países distinguem-se ali. Andia cria-se por contraste ao Paquistão, mas mais e mais o espelho principal, o modelo alternativo é a China. Isso é o que é interessante. Tornou-se muito mais hoje em dia aquele país que em termos de económicos e em termos de peso vai à frente dandia e portanto também neste caso é uma lógica de assimetria, que os indianos olham para os chineses e para os paquistanes olhavam sempre com uma perspectiva de grandeza, não é? Perante O Paquistão que é 5, 6 vezes menor a qualquer nível de comparação. Neste caso é o
Constantino Xavier
contrário. A China, em termos económicos, vai 6 vezes à frente dandia. É uma diferença gigante. Eu acho que a pessoa não tem... Quem ouça falar, por exemplo,
José Maria Pimentel
dos bricos, não tem... Quer dizer, vê aquilo como um ranking e depois não tem noção da diferença de escala absoluta do que dizias, que é uma diferença de múltiplo de 6. E
Constantino Xavier
em termos políticos também. O Paquistão, obviamente, teve ali e continua a ter problemas em termos de regime militar, golpes, contra-golpes, mas é na sua género uma democracia parlamentar que teve as suas dificuldades. A China não. A China nunca teve sequer a ilusão de ser um país democrático, liberal em termos políticos. E, portanto, aí torna-se o contraste muito mais aparente hoje em dia entre o modelo indiano, que sucedeu a nível político, a nível económico está em progresso, e o modelo chinês, que teve uma pujança e tem uma pujança económica, é um sucesso, um milagre económico, mas tem ali algumas dúvidas e algumas fraquezas no nível político. Sim,
José Maria Pimentel
ainda por cima a China, na sua entidade, é um bocadinho o contrário dandia, porque a China, andia tem uma série de etnias e tem uma espécie de pluralidade étnica. Na China, os Han são 90 e tal por cento e controlam claramente o regime, ou seja, não é uma democracia, mas é um regime étnico, no sentido de que é uma etnia que sobrepõe as outras.
Constantino Xavier
Sim, que domina na prática. No Tibete, por exemplo.
Constantino Xavier
Embora seja um país diverso, é mais diverso que Portugal, nesse sentido.
José Maria Pimentel
Não, ele é diverso, mas há uma, por exemplo, no Tibete, tens claramente uma imigração dos Han, que tem como propósito basicamente, tornar-se maioria naquele estado e portanto tentar... E
Constantino Xavier
por isso é que eu dizia, a ideologia é democrática, a única forma, eu acho que nem sequer há uma alternativa nandia, não acho que sequer haja nandia quem considera a possibilidade de ter ali uma autocracia, um partido único, um ditador, porque a única vez que andia experimentou com isso, nos anos 70, com a primeira-ministra Indira Gandhi, que durante três anos declarou uma emergência e procurou tornar o país mais autoritário, falhou. E falhou redondamente e Eu acho que isso é uma lição importante dandia, que percebeu que a única forma daquele país sobreviver é por via da diversidade política, da inclusão da diferença. Na China é diferente. É justamente como tu dizes, o domínio não só étnico, mas também de um pequeno grupo de homens, principalmente homens, que dominam em termos de partido único
José Maria Pimentel
o futuro daquele país. Mas quando tu falas da China, já lá vamos à parte, quer dizer, mais relacionada com a política regional e com o peso das duas potências naquela região. Mas quando tu falas da China enquanto modelo, é no sentido de nós queremos almejar a ser como eles, isso será certamente por um lado, mas é também do ponto de vista de se isto não correr bem podemos tornar no regime autoritário também. Como tu sabes
Constantino Xavier
tivemos líderes políticos que diziam que isto com 6 meses de ditadura íamos lá. Sim, sim. E portanto há essas vozes nandia também que dizem que se tivéssemos aqui um partido único, um líder, isto ia lá muito mais rapidamente. Mas isso é uma ilusão, isso é uma ilusão dos atalhos políticos, não é? Que dizem que se resolvem as coisas, mas o custo político do autoritarismo a longo termo são incomportáveis e são impraticáveis nandia, porque o DNA dandia é dessa diversidade, portanto vai haver sempre oposição e é um país com tanta escala em termos de diversidade que é impossível ter isso. Há vozes, mas eu acho que ninguém olha para isso como uma verdadeira alternativa, enquanto que na China coloca-se a questão da abertura, que há de acontecer, a história feita de progresso económico que leva a impacto político em termos das pessoas querendo ter mais direitos,
José Maria Pimentel
querendo ter liberdade de expressão. Eu também defendo essa tese, mas o caso, tenho que admitir que o caso da China está a pôr cada vez mais em causa. Sim, sim. Porque Ele já tem um paper capital nível de um país médio, quer dizer, desenvolvimento médio. Fala de paper
Constantino Xavier
capital, não é? Nós olhemos para a
Constantino Xavier
Singapura, que vai com 56 mil dólares de paper capital hoje em dia. Andia, por contraste, são 2 mil. Portanto, 2 mil vezes 56 mil. E a Singapura só está hoje em dia a pensar, possivelmente, a abrir-se politicamente. Está ali a experimentar com umas coisinhas, umas eleições locais. Mas é isso em Singapura. Portanto, a gaiola dourada... A China, nesse caso, é uma abertura ainda bastante recente e acho que ainda tem... Acho que essa gaiola dourada ainda, para muitos chineses, torna-se muito apetecível durante muito mais anos ainda. Ainda estamos longe, penso eu, de uma abertura.
José Maria Pimentel
A minha intuição é que também tem alguma coisa a ver com... A condição necessária é tudo ter desenvolvimento económico, mas depois o que pode expulsar uma transição para um... Lá está, as pessoas manifestarem-se e haver uma transição para o regime democrático, é as coisas de repente dentro daquele correr bem do ponto de vista macro, como se terem um período em que correm mal. Ou economicamente. Porque senão não tens razão nenhuma para ir para a rua, não é? Se a coisa continua a crescer, se a economia continua a crescer, as pessoas que se sentem na pele ausência de liberdades políticas, são simplesmente uma minoria. Exato. E no Estado não era a mesma coisa, não é? A maior parte das pessoas vivia a sua vida perfeitamente, não é? Havia uma minoria. É quem é que o fazia mal, se a maior parte das pessoas
Constantino Xavier
tiveram perigo, não é? Há um caso concreto que eu acho interessante, que é... Há uma escola muito conhecida de política pública, que é a Lee Kuan Yew School em Singapura, LKY, que é a melhor escola... Era histórico, sim. De políticas públicas e de... Que educa e forma quadros administrativos de toda a Ásia, burocratas. E os chineses, quando chegam lá, a primeira pergunta que fazem, a única pergunta que fazem aos chingapurianos é como é que vocês conseguiram crescer este país de forma económica e manterem crescimento sem se abrirem politicamente sem perderem controle da questão política É a única pergunta que lhes interessa, como é que se cresce e se gere de forma econômica um país sem dar liberdade política? E essa questão agora com o Xi Jinping mantém-se e vai se manter ainda mais premente nos próximos anos.
José Maria Pimentel
Isto é uma boa ponte para uma coisa que eu queria falar um bocadinho. Esta questão da possibilidade ou não de haver uma ditadura ou uma convergência para uma espécie de ditadura interna também nos leva a outra questão que tem sido muito falada e que eu, para ser franca, apanhei perspectivas um bocadinho opostas, que é a questão da onda recente de nacionalismo hindu, que tem sido... Quer dizer, que é mais ou menos associada ao Modi, ou seja, em certo sentido, há quem diga que é promovida por ele, há quem diga que pelo contrário, ela tem controlado e eu gostava de ter a tua perspectiva em relação a isso porque é justamente uma das coisas que tem sido falada nos últimos anos de haver uma espécie de favorecimento ou de tentativa de tornar o Estado Indiano mais hindu lá está, ou seja, por analogia ou para a questão de ser ser musulmano, colocando as outras religiões de parte. Eu apanhei muito isto nas notícias, mas não sei como é que alguém que lá está, sobretudo que, quer dizer, estudando sobre política externa, mas não deixando de estar atento à política interna, até porque uma coisa influi sobre a outra.
Constantino Xavier
Como é que tu vês isso? Eu acho que só para pôr a questão em contexto, há dois grandes partidos nandia, o Partido Congresso, que todos conhecemos do Nehru e da família Gandhi, e temos o partido BJP, que é o Partido Popular Nacionalista Indiano. Agora, em 70 anos de democracia, o Congresso esteve à frente do país, provavelmente 60 anos, portanto, ou 50, 60 anos, foi o partido que dominou a política, praticamente, muitas vezes, como partido único. Um grande partido agregador dessas diversidades e diferenças, etc. E estamos a assistir a uma bipolarização agora do sistema partidário, com o partido centro-esquerda-Congresso e um partido centro-direita-direita, que é o BJP, atualmente no governo desde 2014, sob liderança do Narendra Modi, primeiro-ministro atual. E o que é importante perceber para as pessoas, eu acho que sim, há sempre essa perspectiva, muitas vezes muito politicamente correta aqui no Ocidente, de que há aqui um partido chauvinista, extremista, radical, etc. Eu olho para a questão de forma diferente. Uma democracia tem que viver de forma saudável com oposição e com pelo menos dois partidos, pelo menos, se não mais, que se anulam ou que se complementam e que se criticam, etc. O Partido Nacionalista, o BGP de Modi, dá voz a uma nova geração de jovens indianos que não se revê no Partido do Congresso e nos seus valores. Essa é a realidade hoje em dia. É esse o mandato que foi dado a Modi, principalmente econômico, num país que só se abriu há 20 anos, 20, 25 máximo anos de forma real em termos económicos. E, portanto, hoje em dia temos uma nova geração de jovens indianos que não são das élites tradicionais, que querem umandia mais forte, umandia mais assertiva e que, acima de tudo, querem empregos. O governo indiano atual, para realizar de forma mínima os imperativos da economia indiana, tem que criar um milhão de novos empregos por mês nos próximos cinco anos. Eu repito isto, um milhão de empregos novos por mês nos próximos cinco anos, para incluir um dos países mais jovens do mundo e estes jovens estão a entrar no mercado laboral e que querem ser parte deste milagre econômico dandia. Isso, portanto, traduz-se numa agenda econômica, mas também nacionalista muitas vezes, de proteção, de acionismo e de identidade. Porque muitas vezes o país teve sempre uma relação de conflito com o seu antigo colonizador, a Grã-Bretanha. O país é democrático por causa, estranhamente, do colonialismo britânico. O país tem os valores, a língua inglesa, as instituições que tem por causa dos britânicos, de falta ali alguma identidade local e nacional. E qualquer país quer isso, ninguém quer depender de uma história feita de subjugação e de dependência e de influência colonial. E o que o Partido Nacionalista faz muito é, olha para o Hinduísmo e para a antigandia cultural, o sânscrito, não só a religião, mas todos os valores culturais como o novo fundamento da nação indiana. Isso arrisca, como tu dizias muito bem, a nacionalizar e criar ali uma identidade que não seja necessariamente laica, e que é oposta por muitas, muitas pessoas, mas eu acho que é um dilema para andia, e isso é importante. Quer dizer, é preciso inventar ali algo que inclua a grande maioria dos indianos, sem excluir e discriminar as minorias, mas ao mesmo tempo cria ali a estabilidade democrática que seja apetecível para todos. Isso é um dilema que se vai agudizar nos próximos anos.
José Maria Pimentel
Sim, quer dizer, haver um... A China... A China ainda tem essa característica de que é parecida com outras democracias que tem, o Japão por exemplo também é um bocadinho assim, que é ter, sendo uma democracia, há um partido que domina claramente em termos de mandato e o Partido do Congresso é um exemplo disso e, portanto, esta alternância é boa. No caso do Modi e do nacionalismo hindu, ou o que lhe queremos chamar, o problema se calhar tem a ver com aquilo que estávamos a falar há pouco, ou seja, como é que tu mantens essa pluralidade se fizeres convergir a identidade nacional no sentido de uma das religiões.
Constantino Xavier
É, é esse o desafio. Isso vai ser muito difícil de estar a crer atenção. Porque o que efetivamente está a acontecer é que há um grupo, que não é novo, um movimento, uma ideia dandia que vai contra essa ideologia democrática, inclusive, que diz que há aqui um lugar especial para os hindus.
José Maria Pimentel
Mas a questão é, o Modi
Constantino Xavier
é ou não parte dessa ideologia? Essa questão é que eu não percebi muito bem. Sim, está. Está ligado a uma família política, a uma
Constantino Xavier
interpretação da história indiana que dá um lugar especial ao hinduísmo e a certas religiões. Agora, em que grau é que isso se traduz depois em políticas públicas, em alterações constitucionais? Depende do regime. Depende do regime e é um debate em curso nandia e caso a caso poderíamos agora discutir várias alterações a leis dos refugiados, que dá por exemplo acesso especial a hindus de outros países para voltarem àndia, que é algo que vai contra a Constituição e que agora foi discutido no Parlamento mas não passou. Há várias políticas de afirmação ou discriminação positiva ou negativa, dependente de como olhas para a questão, em particular para os muçulmanos, que são o segundo maior grupo religioso dandia. Uma ideia da nação que muitas vezes olha para aquelas minorias como os perdidos. A ideia dos hindus nacionalistas é que olham para as minorias como os convertidos que têm que ser reconvertidos de forma voluntária ou por vezes, de acordo com fações mais radicais, de forma coerciva, com a violência, com a intimidação, etc. Isto é um país, mais uma vez, de 1200 milhões de pessoas com famílias políticas que não dá para
Constantino Xavier
resumir em dois minutos. É quase a população das China, já.
Constantino Xavier
A ideologia, a família política nacionalista hindu, bottom line, olha para o hinduismo, para o sânscrito, para as tradições de uma certa religião e civilização como principais para a nação e para uma prioridade para o país, de criar aquele orgulho histórico, que é uma recuperação da história, obviamente. Por isso que eu introduzi isto com a questão colonial. Nenhum país quer ser refém do colonialismo, nenhum país quer dever a sua existência a uma potência colonial. E isso muitas vezes acontece nandia. Quando o primeiro-ministro Manmohan Singh, há cerca de 10 anos, vai à Universidade de Oxford dizer num discurso, numa frase, num discurso que os britânicos subjugaram-nos, mas também deram-nos muitas coisas, incluindo os caminhos de ferro. É um facto. E diziam, ou viram. E com isso também, de certa forma, também criaram os alicerces da economia moderna independente indiana. Isso foi um escândalo nacional. Não se demitiu, mas foi um escândalo nacional porque ninguém quer ouvir disso. Ninguém quer ouvir isso. E temos que ter também, acho que, a sensibilidade no Ocidente de perceber que estes países são novos, são países independentes com 70 anos. Sim, sim, sim. Nós temos aqui 800 anos. São países com fronteiras nem sequer delimitadas muitas vezes. A fronteira com andia e a China, com o Bangladesh, não existe ou é disputada. E são países que têm esse orgulho e que, portanto, o nacionalismo hindu responde a isso, cria ali umandia muitas vezes mítica, antiga, muitas vezes... Há teses de doutoramento hoje em dia nandia que defendem que andia já tinha armas nucleares há 2.500 anos atrás, já tinha helicópteros, já tinha capacidade de ter internet e comunicação... Quer dizer, uma ilusão baseada na desilusão com o mundo ocidental e cria ali narrativas mitológicas completamente. Agora, isso é, obviamente, ridículo e é preciso ser racional, mas ao mesmo tempo é preciso perceber o que é que alimenta esse nacionalismo, esse fervor nacionalista nandia.
José Maria Pimentel
Engraçado isso. E há uma figura que eu confesso que não conhecia, um monge do século XIX, o Vivekananda, não sei se pronunciar bem, depois ligar um bocado sobre isso, é um caso muito curioso, ele é uma espécie de ídolo do Modi, não é? E é uma espécie de precursor dessa visão, até mais do que o nacionalismo hindu, é uma visão quase mirífica em relação ao hinduísmo, um bocado como nós tínhamos aqui. É um bocadinho parecido, parece-me, superficialmente, com o que nós tínhamos aqui em Portugal, com a questão do Quinto Império e do Padre António de Vieira, que foi até opça de ver assim uma espécie de missão divina do... E ele, por exemplo, tinha a tese, que acho que agora foi um bocado recuperada, que não é verdade, mas mesmo que fosse, também valeria o que vale. Que o hinduísmo era a primeira de todas as religiões, no fundo era a religião ancestral de todas as outras e que, portanto, havia uma espécie de paternalismo natural em relação à...
Constantino Xavier
Exato, e acho que é interessante falar de Portugal porque estes debates não são exclusivos aos pobres não ocidentais que não são desenvolvidos e não estão a crescer. Acho que até ao contrário, em certo sentido. Em Portugal continua a haver debates importantes sobre a lei, sobre a relação com a Igreja Católica e sobre a natureza especial do nosso Estado e a sua relação especial com a Igreja Católica e com o Catolicismo. O debate sobre a União Europeia, o Giscard d'Estaing, o grande debate sobre a grande convenção da União Europeia e de como é que iríamos definir a União Europeia e o seu legado judaico-cristão, ou dar aqui algum, nesse caso formal, algum reconhecimento formal às origens religiosas civilizacionais da União Europeia e o debate sobre isso. Portanto, isso aplica-se em todo lado. Nos Estados Unidos estamos a ver o início desse debate também, com o maior radicalismo cristão de várias fações que começam a ter importância política no sistema político americano. E eu acho que isso em todo o mundo está a acontecer. Nandia está num estágio diferente, mas fundamentalmente é um debate sobre qual é a ideologia principal dandia. Uma que dá especial relevância ao hinduísmo e uma que diz que é completamente agnóstica e que isto é um único dos poucos países do mundo que faz da diversidade a sua força e que vai sempre ser um país que é completamente agnóstico em relação à religião, identidade, casta, língua, etc. Isso é um debate em curso, é uma batalha de ideias realmente nandia e uma batalha política também em curso, e que tem implicações diferentes porque há muitos países que olham para andia como um modelo e se assustam muitas vezes também com o crescente radicalismo em certas facções nandia.
José Maria Pimentel
O que eu estava a pensar ao ouvir-te é que a questão da diversidade é interessante e eu partilho, mas qualquer país tem que alicerçar a identidade nacional em alguma coisa, não é? E a diversidade não é o alicerce. A diversidade é aquilo que tu podes dar ao luxo de ter se tiveres, entretanto, um alicerce que, por exemplo, um alicerce pode ser as coisas estarem a correr bem no plano económico, por exemplo, essa prosperidade faz com que as pessoas não tenham necessidade de ir buscar esse tipo de... Não é que
Constantino Xavier
é o que diz isso no ocidente hoje em dia. Eu a discordo, por isso é que eu tenho utilizado tanta palavra aqui nesta conversa de ideologia, a democracia diversa como uma ideologia. Mas tens que ter alguma identidade comum, não é? Isso é uma identidade comum. A coexistência e acreditar que nos fortalece termos diferença e preservarmos a diferença e respeitarmos a diferença é pluribus unum, out of many ones, fazemos a força dessa diferença. Isso acho que é uma ideologia que está ali à subjacente também à identidade dos Estados Unidos da América, que não é que é um país excepcional no regime político mundial e andia partilha muito isso e é muito semelhante aos Estados Unidos nesse sentido e à União Europeia de certa forma também. Eu percebo que obviamente a economia depois são fatores importantes para fazerem, que explicam o sucesso destes países ou não destes regimes políticos, Mas andia é baseada, e vamos depois ao livro que eu vou recomendar no fim, nesta ideologia de que é preciso...
José Maria Pimentel
Atenção, podes recomendá-la agora, se quiseres. É
Constantino Xavier
o livro Idea of India, do Sunil Killnani, A ideia dandia. Aliás, aquilo não é um ensaio alargado, tal como o Fukuyama que escreveu, por exemplo, o fim da história, que começa antes do livro com o ensaio, mas The Idea of India de Sunil Killnani, professor no King's College em Londres, é um livro que eu acho fantástico porque define a ideia, essa ideologia dandia, tal como foi definida em 1947, e também serve de forma para olhar para andia hoje e como há outras ideias dandia que estão a coexistir e a competir com esta ideia tradicional que faz a diversidade um asset, uma mais-valia para andia. E Eu acho que isso é importante salientar, porque nós olhamos, como dizia muitas vezes para a democracia, como algo transacional e muito técnico.
José Maria Pimentel
E um luxo, não é? Desde o início.
Constantino Xavier
Agora, andia vai a votos neste mês. São 900 milhões de eleitores. 900 milhões. E aquilo não se esgota ali naquelas quatro semanas, porque são eleições ao longo de quatro semanas, e depois na negociação para as coligações, etc. A india, a democracia é mesmo esse processo constante de negociar a diferença e de fazer a diferença uma mais valia. Por exemplo, nós olhamos muitas vezes para a diversidade como algo que nos empata e que nos acelera o desenvolvimento, etc. Eu acho que o crescimento económico sustentável dandia, os génios de que ouvimos falar hoje em dia em termos de ciência e tecnologia nandia, o empreendedorismo, as novas ideias, novas inovações que estamos a assistir nandia e por todo nandia, na diáspora indiana, aqui em Portugal, os indianos que vêm cá, nos Estados Unidos, eles têm essa capacidade, que não têm os chineses. Hoje, falemos das grandes multinacionais, procuram os indianos porque sabem que conseguem os indianos diversidade de perspetivas, capacidade de retórica, de discutir, de argumentação, de inovar, de pensar para além daquela boxe e da forma tradicional de fazer as coisas. Isso vem desse meio em que eles crescem, em que têm que falar com colegas nas aulas, nas escolas, que são de uma cultura completamente diferente. Que tens ao teu lado um miúdo que fala uma língua diferente, de uma casta diferente, de uma região diferente, de uma tese física completamente diferente. Portanto, estás constantemente exposto à diferença e isso testa-te e obriga-te a encontrar formas de gerir a diferença e de construir pontos com diferença. Que não existe em nenhum país, tanto como nandia. Nenhum país do mundo tem essa constante diferença que te obriga a inovar e a moderar muitas vezes as tuas próprias ideias muito fortes. Sim.
José Maria Pimentel
É engraçado os exercícios, sobretudo em comparação com a China, que tem um sistema muito formal, quer dizer, quase stank, um sistema que eu lembro, por exemplo, os chineses, eu não sei, se calhar até já disse isso no podcast, mas eles aprendem inglês através de uma espécie de dicionário, é muito engraçado, ao invés de aprenderem a gramática, têm um foco muito grande no vocabulário que depois não é necessariamente...
Constantino Xavier
E o importante dizer, quando falo dandia, é importante não julgarmos estes modelos. Eu acho a coisa mais fascinante é que cada um dos modelos tem vantagens. Os chineses são muito bons em outras formas de estar. O que é interessante é que a sociedade reflete-se no sistema político e vice-versa. E isso acho que é tão fascinante estarmos hoje em dia no momento da história mundial, em que temos dois modelos tão diferentes, ambos economicamente semelhantes, mas politicamente e culturalmente completamente diferentes, O indiano e o chinês. E eu acho que para todos nós o debate continua a existir, que modelo político é que nós queremos. Incluindo aqui em Portugal, que nós achamos que temos uma democracia muito forte e muito robusta e que está cá para ficar, a democracia está constantemente exposta a ameaças, a discussão, o debate e a mudança. E por isso acho que todo mundo olha com tanta atenção para a China e para andia e muitas vezes escolhe. Tacticamente, olha, nisto os chineses são bons. Investimento rápido, infraestruturas, eles são rápidos em termos de construção de sistemas, não é? Porque é isso que o sistema chinês fez. Os indianos são muito melhores, muitas vezes, no processo de implementação e de encontrarem sistemas, seja na engenharia, seja de processos informáticos, seja em termos de processos sociais e políticos, que sejam muito mais inclusivos e que olhem para a diferença e façam de diferença uma mais-valia. Sim, é
José Maria Pimentel
engraçado. Quer dizer, isso é um... O que ele estava a dizer é importante, não é? Cada um tem as suas vantagens, a ponto de vista económico, claramente cada um tem as suas vantagens. A China tem o enorme força de, como tem um sistema de decisão muito top-down, muito rápido, quer dizer, é ótimo é implementar coisas, depois faltar-lhe-á provavelmente uma flexibilidade e uma capacidade... Crítica. Crítica, e de implementar coisas que dependam mais da
Constantino Xavier
criatividade. Acho que esse é um dos grandes desafios. Vê-se hoje em dia as universidades chinesas, os
Constantino Xavier
chineses no estrangeiro, quer dizer, nas ciências sociais e humanas, em termos de direito, zero. Até a economia Não é uma questão que se estude, é uma questão que se decide lá em cima no comitê central. E, portanto, essas áreas são completamente negligenciadas pelo Estado chinês e muitas vezes eu acho que refletem esse sistema político. Enquanto nandia temos filósofos, pensadores, engenheiros, economistas do melhor do mundo. Cientistas também, obviamente, mas até há formas de fazer ciência muito diferente nandia do que na China. E é frustrante, eu estudei em universidades e dei aulas em universidades americanas, e nota-se isso. Há abordagens em China dos estudantes chineses que não conseguem sequer compreender o valor de fazerem perguntas. A pergunta faz-se porque se tem que fazer três perguntas por semestre, não é? Porque é uma obrigação no melhor dos casos. O indiano vive da pergunta. O indiano é a definição de uma pergunta, está constantemente a perguntar, a questionar, a tentar explorar. Eu acho isso interessante quando os chineses, quer dizer, os estudiantes querem que lhes digas muito claramente é isto que vais estudar, é isto que precisas saber. Os indianos muitas vezes estão mais cientistas, também há essa vertente nandia, a robótica da educação, mas por norma o indiano sempre retórico, argumentativo, out of the box.
José Maria Pimentel
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Constantino Xavier
Sim, eu acho que o regime político doméstico daqueles países reflete-se na forma como agem com... As escolhas que fazem a nível externo. Pelo menos isso eu acho que temos prova histórica, como os indivíduos, os valores que eu tenho pessoalmente... Não é isso, por isso é que eu acho interessante a pergunta. Afectam A forma como eu interajo com a minha sociedade e as pessoas à minha volta, se eu acredito em certo, e o mesmo vale para os Estados. A forma como os Estados estão organizados internamente, democracias ou não, afeta a forma como pensam o mundo, olham para o mundo e agem Externamente. Agora, isso não é determinativo no sentido, acho que há claramente, e também o realismo, tal como na China, e gosto de fazer isto por fácil, se eu fosse chinês ou estivesse na liderança da República Popular Chinesa nos últimos 20 anos, teria feito exatamente o mesmo que eles fizeram. Portanto, eu acho que é uma lição em termos de estratégia mundial que os chineses têm feito. Souberam esperar durante 30, 40 anos. Souberam criar os fundamentos económicos do país. Conseguiram interligar-se economicamente com o resto do mundo, que lhes dá um poder de coação sobre outros países e economias mais pequenas que nós vemos hoje na Europa, aqui em Portugal, mas também no Sri Lanka, no Japão, nos Estados Unidos, como vemos na guerra comercial com o Trump, mas conseguiram interligar-se economicamente, silenciosamente com o resto do país, não falando política e também sofrendo humilhações várias. Os Estados Unidos várias vezes humilharam a China nos últimos 20 anos em termos de exílios militares, a questão do Tibete e nós glorificarmos e recebermos o que é efetivamente um dissidente separatista ou, foi durante muito tempo, tibetano, que foi aqui recebido e premiado deste lado do mundo. E, por fim, lembro do bombardeamento, por exemplo, da embaixada chinesa na Jugoslávia, em Belgrado, durante a Guerra dos Balcãs, acidentes, digamos assim, que os chineses conseguiram manter ali, manterem-se ali focados na economia, no crescimento interno. Claro, isso mudou, mudou nos últimos 10 anos, em que andia, em que a China, assume agora um papel político, externo, assertivo, como tu bem dizes, ofensivo mesmo e agressivo. E que estão cá para dizer que chou ao nosso momento, ainda por cima um momento complementar por dois momentos de fraqueza do lado dos Estados Unidos, um com o Presidente Obama que muitas vezes ainda acreditava naquela ideia que os Chineses vão mudar e por via do crescimento económico, da reforma económica, o país iria democratizar-se e abrir-se. Ninguém tem essa ilusão hoje em dia, o país está mais autoritário na China hoje do que estava há 10 anos, em que ainda se experimentava ali com alguma democracia. E depois com o presidente Trump, em que penso que também os chineses conseguiram tomar uma posição muito mais assertiva a nível económico com os americanos. E está em curso essa batalha, vamos ver quem é que a vai ganhar, mas está. Portanto, do lado chinês isso é muito claro, que os chineses não são adeptos do multilateralismo, das organizações internacionais, de falarem em pé de igualdade com outros países. Os diplomatas chineses não têm o conforto de estarem à volta de uma mesa e discutirem em nível de conferência multilateral. Vamos todos agora aqui olhar para um problema de comércio mundial, de ambiente, de alterações climáticas. Vamos juntos criar uma solução. A grande China e as pequenas Maldivas, que são as mais ameaçadas, por exemplo, em termos de alterações climáticas. Não estão. E porquê? Porque internamente nunca tiveram essa cultura de socialização em pé de igualdade com outros. É um regime hierárquico, vertical e, nesse sentido, agressivo. Emndia, especialmente agora, em termos de reflexão da sua fraqueza em relação com a China, tem muito mais a ganhar, mais uma vez, em termos de trabalhar de forma multilateral, em termos de fazer, encontrar consensos internacionais sobre várias questões globais. Isso faz andia um aliado e um parceiro, podemos chamar-lhe o que quisermos, mas um parceiro, um aliado muito mais interessante para outras democracias que pensam e agem da mesma forma. Sejam os Estados Unidos, mas também a União Europeia e os países europeus, o Japão, a Austrália e muitas outras democracias que olham com alguma preocupação para a China.
José Maria Pimentel
Sim, andia, apesar de tudo, tem uma série de caminhos que pode seguir, ou seja, apesar de ter desta ameaça chinesa, tem ali... Desde logo os Estados Unidos, que tem vindo a convergir nos últimos anos, mas o Japão, como tu falavas, até a Austrália que está mais longe, tem uma série de países a que se pode aliar pontualmente, se calhar nunca se tem interesse em aliar-se completamente. Formalmente, sim. Formalmente, mas para fazer... Formalmente, mas para fazer...
Constantino Xavier
Sobre a China, a palavra ameaça é um bocado forte. Eu tenho muitas reticências em relação aos chineses e acredito que há motivos de grande preocupação que todos devemos ter e não devemos estar sob qualquer ilusão do que os chineses chamam de win-win, ganham todos. Isto vai ser fantástico e nós vamos comprar o Porto Sinos e vamos investir e vai haver empregos para todos em Portugal e da mesma coisa no Sri Lanka e em todo o mundo e nós só queremos que o mundo cresça de forma... E isso vamos ser só um parceiro econômico. Isso é uma ilusão. A história mostra-nos que qualquer relação econômica está ancorada numa relação política, estratégica e militar e cultural também. Natural, e por isso eu digo, não culpo os chineses nem acho que... Agora, é um problema a China, eu acho que é um desafio. Não é uma ameaça ainda, pode vir a ser uma ameaça, mas é um grande problema que nós temos que olhar para um problema e se quisermos decidir que é uma ameaça, e eu acho que em certos setores já é uma ameaça, isso é verdade, por exemplo na penetração política, na forma como consegue já ter influência política na criação de governos em muitos países. E é natural, quer dizer, no momento em que eu invisto 24 mil milhões de dólares no Bangladesh, que é o que a China fez, por comparação, os indianos investem 4 mil milhões, portanto, eu vou ter muito cuidado para onde é que esse dinheiro vai e para quem vai gerir aquele país, porque é o meu dinheiro e eu quero saber, é como se eu pusesse o dinheiro no banco, quero saber que administração é que aquele banco tem.
José Maria Pimentel
E o país também terá cuidado em agravar o investidor.
Constantino Xavier
Exatamente. Muito importante o que tu dizes, porque é a autocensura, que é o que se vê mais hoje em dia. Não falem mal dos chineses ou vamos aqui fazer decisões diplomáticas que favoreçam os chineses, que às vezes é o mais perigoso. A autocensura e o que nós esperamos, Os chineses muitas vezes nem têm que fazer muito para terem essa forma de poder. Mas em termos do caso dandia, o que é mais interessante, o que eu muitas vezes digo é obrigado China, porque este crescimento da China fez com que estes países, que nunca se davam muito uns com os outros, eram os americanos que geriam isto tudo, e que eram os maus da fita, e que eram a potência hegemónica do mundo, e portanto estávamos aqui todos a criticar os americanos, e havia pouco mais, não é? Depois da Guerra Fria. De repente aparece aqui um outro ator formidável, gigante, coincidindo com o momento de crise interna nos Estados Unidos, económica, e na Europa também, e que faz com que todos estes atores mais pequenos, nós todos somos mais fracos do que éramos, temos a ganhar em termos de colaboração uns com os outros. E, portanto, de repente andia e o Japão, que não se falavam e pouco se falavam, estão agora a fazer parcerias fantásticas, em termos de economia, em termos de ciência e tecnologia. A União Europeia, os europeus em geral e andia. Aquilo há 10 anos, eu lembro-me de trabalhar para a União Europeia, para a presidência da União Europeia de Portugal e aquilo punham-se os diplomatas europeus e indianos na mesma sala e era horrível, era um diálogo de surdos-mudos e acusações mútuas, e vocês europeus só falam de luxo de direitos humanos, de direitos laborais, de alterações climáticas. Nós aqui queremos crescer nandia e vocês vêm-nos aqui explicar em termos de estilo missionário como é que nós devemos gerir o nosso país e estão constantemente a interferir o nosso país. Era isso a natureza das relações União Europeia e Europa-Índia. Hoje em dia é fascinante ver 10 anos mais tarde os europeus e os indianos a falarem em parcerias e olha aqui o que é que vamos fazer que seja diferente dos chineses. Eu vou dar um exemplo muito concreto que eu gosto de falar muito que é a questão dos dados e da privacidade e da regulamentação dos dados, em que a Europa agora passou uma lei muito interessante e tem isso muito bem regulamentado, da proteção dos nossos dados privados. Os dados privados que nós temos e a relação que nós temos com o governo e o Estado, de como é que o Estado gere esses dados. Eu tenho dados privados, bancários, securitários, fiscais, mobilidade, transportes que eu apanho, onde é que eu coloco os meus filhos na escola. São dados meus, privados, que eu tenho como cidadão. Agora, eu sempre tenho o interesse em dar acesso a esses dados ao Estado que me protege de terroristas, que cria um sistema econômico que favorece-me pessoalmente. E isso é uma tensão. O quanto é que eu quero dar dos meus dados privados, tal como na segurança, que havia esse debate do policiamento, em termos de retorno. A Europa agora criou um sistema interessante que encontrou um equilíbrio por via da separação de poderes, etc. Os indianos estão a fazer o mesmo E não é surpresa que olham para o caso europeu como o caso mais interessante. Não olham para o americano, que é um sistema muito libertário nesse sentido, e em que as empresas, estão realmente, os Facebooks, os Twitters, estão geralmente a liderar esse debate em um Estado mais fraco. O modelo oposto é o chinês, em que o Estado domina e não há sequer debate. Quer dizer, ninguém na China tem direito ao acesso aos seus dados privados, é tudo dominado pelo
José Maria Pimentel
Estado. Sim, e agora com aquele sistema de créditos, como é que se diz?
Constantino Xavier
Créditos sociais. Isso, exatamente. Em que uma pessoa se comporta bem em termos de privacidade, em termos de dados, e é recompensada e eis que se comportam mal. E portanto, esse é o sistema oposto, em que não há debate, não há tribunal supremo, não há debate público de como é que vamos gerir isto entre as empresas, o governo e os cidadãos. E a Europa, acho que é o sistema mais interessante para os indianos que olham para o... Olha, isto é o nosso sistema semelhante e começam agora a dizer, olha, vamos olhar para o sistema europeu como um sistema benchmark e modelo em que nós podemos seguir. Acho que é um caso concreto onde se vê que as democracias têm uma forma concreta de trabalhar, que requer um debate público, requer a participação das instituições judiciais e jurídicas, os Supremos Tribunais, tem que ter um papel a dizer nisto. E onde as democracias estão a criar alternativas e há um clube de países que olham para problemas de uma perspectiva democrática inclusiva e há outros, a China em particular e a Rússia também, que olham de forma muito diferente, autoritária, controladora, centralizadora de todas essas liberdades. Há
José Maria Pimentel
um ponto que estás aí a fazer que é muito interessante, que é isto servir para... E de certa forma tem um bocadinho a ver com aquilo que acontecia durante a Guerra Fria, que é tu teres... Ao teres duas grandes potências, acabas por ter de gerar um espaço no meio. A existência das duas grandes potências acaba por enquadrar, servir de enquadramento a um espaço no meio que depois permite aos países aproximar-se de uma maneira que não ocorreria naturalmente. No caso, estavas a dar o exemplo do Japão e dandia, que tem bem-sabeado, andia e a União Europeia, e se calhar isso não seria possível se não fosse a ascensão da China, que tem piada, porque eu
Constantino Xavier
tinha pensado isso dessa forma. Não é, isso é natural, a tendência sistémica deste mundo vai ser essa. E
José Maria Pimentel
o mundo unipolar, ou seja, o que eu quero dizer é, o mundo unipolar mesmo que esse polo seja mais próximo de nós, como é o caso dos Estados Unidos, não é necessariamente melhor do que o mundo bipolar ou multipolar, mesmo que os outros estejam mais longe, por permitir essa, por no fundo obrigar a haver um contacto que não ocorreria em condições contrárias, que seriam mais complacentes.
Constantino Xavier
A grande diferença para mal, preocupante hoje em dia, é que ao contrário do modelo da Guerra Fria, é que tínhamos uma batalha de modelos económicos e políticos. Hoje em dia temos uma China capitalista muito mais do que andia, andia é democrática, mas é menos aberta economicamente do que a China. Portanto, é um país que abraçou o capitalismo de uma forma agressiva e radical, muito mais do que os anteriores capitalistas americanos, europeus, ocidentais, mas que em sistema político e ideológico faz de forma central e autoritária. Isso é um desafio, como chamo, ameaça se tu quiseres.
José Maria Pimentel
Sim, não, pode ser desafio. E acho
Constantino Xavier
que depende do tema em que falemos em concreto, mas sim, um desafio barra ameaça fundamental que nós não estamos, acho que ainda bem preparados para enfrentar, porque continuamos a ouvir as vozes que dizem vamos fazer negócios com os chineses e não vai ter custos políticos. Isso ninguém disse
Constantino Xavier
com os soviéticos. Porque havia um
Constantino Xavier
custo ideológico imediato,
Constantino Xavier
partidónico, etc. E não havia
Constantino Xavier
modelo económico que interessasse nesse sentido muito, porque era um modelo que ao longo das décadas foi perdendo claramente poderio e capacidade de influência e de atração. Aqui temos um modelo que está a dar sinal de vida e sinal de crescimento, que se torna apetecível porque estamos realmente numa crise econômica deste modelo que nós adotamos há 70 anos atrás. Um modelo económico não é sustentável. E, portanto, ouvem-se muito mais vozes de que vamos fazer aqui só negócios com chineses acreditando ou esperando, dependendo da perspectiva, que não houve custo político. Eu acho que isso é uma ilusão perigosíssima. Mas eu percebo também, e temos que ser realistas, que para responsáveis do governo na Europa, vamos olhar para o caso português, que é aqui o mais concreto, como falamos aqui em Lisboa, de que é preciso crescer a economia, as pessoas querem o pão na mesa e,
Constantino Xavier
portanto... É uma escolha difícil, sim. É muito fácil
Constantino Xavier
eu, como analista, investigar, dizer aqui não façam negócios com os chineses, que são uns malandros... Acho que não é
José Maria Pimentel
isso que estás a dizer é façam-no conscientes dos riscos, ou
Constantino Xavier
do preço a pagar.
Constantino Xavier
Exato, mas eu infelizmente eu acho que nem chegamos a esse debate muitas vezes, porque não temos tido um debate em muitos destes países, em particular em Portugal, sobre como é só, vamos, é extremos, vamos fazer com os chineses ou não vamos? E se não fizemos, vocês querem ser uns, querem viver num luxo de não fazer negócios com os chineses? Ninguém está a dizer isso, exatamente, acho que é importante fazer essa questão. O importante é criar um debate em que olhemos caso a caso quais são os custos a longo termo destes negócios e desta prisão econômica em que nós estamos a entrar. Uma prisão econômica que depois vai ter prisões políticas, culturais e de formas de como nós até gerimos o nosso sistema educacional, como falamos, como comunicamos, como temos uma imprensa livre ou não, ou menos livre. Ainda na China, mas voltando
José Maria Pimentel
para a geografia dandia e no fundo esse desafio que a China implica.
Constantino Xavier
É isso o problema, começa sempre a falar dandia e vamos falar da
José Maria Pimentel
China e hoje em dia, infelizmente
Constantino Xavier
isso acontece. A
José Maria Pimentel
China, quer dizer, ou por outra, a interação geográfica entre andia e a China é uma coisa que vem desde sempre, embora estivesse mais ou menos enquadrada a sítios muito específicos, porque felizmente existem os Himalaias que separam um país do outro, mas ainda assim tu tens aquela zona, há uma zona da fronteira dos Himalaias, ainda há uma...
Constantino Xavier
O Nepal, o
José Maria Pimentel
Butão, o Sikkim... Exatamente, tu tens aquela província, não sei pronunciar, é o Aranutshal, do Paradejo, que também é um ponto de contenda. Mas hoje em dia tens, para além desse ponto de contenda tradicional, tens os estados vizinhos, onde sobretudo, diz-se Sri Lanka ou Sri Lanka? Sri Lanka. E o próprio Bangladesh, onde a China se tem interrompido. Um dos artigos que tu me enviaste, falavas exatamente da questão do Sri Lanka e dos problemas de regime, da instabilidade de regime
Constantino Xavier
que tem havido lá. E da influência chinesa. E da influência
José Maria Pimentel
chinesa. E depois tens a própria influência da marinha chinesa que começa a aparecer na costa indiana, que até aqui tinha uma ação muito mais próxima da costa e de repente dá a volta e começa a ser uma ameaça àndia no próprio mar, ou seja, na própria encosta. No seu quintal. No seu quintal, não é?
Constantino Xavier
É um desafio. Portanto, para voltarmos àndia, eu acho que para andia o debate é semelhante ao Portugal ou Sri Lanka, é todo... Há um incentivo a fazer negócios com a China, não é? E vamos aqui... Temos que crescer e a nossa economia depende das suas relações económicas com a China também. Aliás, a China não é o principal parceiro comercial dandia, esse é o
José Maria Pimentel
grande
Constantino Xavier
paradoxo, mas a nível político nem sequer aqueles dois países concordam onde é que é a fronteira entre os dois países e tem quesilhas militares regulares sobre essas questões geostratégicas e políticas. Esse debate é transversal a todo o mundo, há países com mais capacidade para enfrentarem este desafio chinês, no caso dandia, do Japão, dos Estados Unidos, há países com menos capacidade, compreendo Sri Lanka e os Portugais deste mundo, mas o debate é igual e acho que quanto mais estes países em conjunto discutirem como enfrentar o desafio China e em termos de sindicatos juntarem forças, não é? Sim. E criarem mais capacidade negocial perante os chineses, melhor. O que os chineses fazem é muito simples, dividem e têm uma sucessão de acordos bilaterais com a Itália nesta semana, por exemplo, que lhes dá todo o poder negocial.
Constantino Xavier
E tem a Golden Road, não é? Agora tem. É, são os patrões, é o banco
Constantino Xavier
principal e, portanto, tem toda a capacidade negocial. Mas quanto mais sindicalização, se tu quiseres, e conjunção e coordenação de esforços houver todos os outros países em conjunto, sejam os europeus e a importância da União Europeia, que nós às vezes negligenciamos, melhor para enfrentar a China. Mas em relação à vizinhança dandia é exatamente a dinâmica semelhante. São países que muitas vezes quiseram escapar à órbita indiana. Estavam ali no quintal geoestratégico indiano, são países pequeninos. E a própriandia,
José Maria Pimentel
desculpa interromper-te, mas a sensação que eu tenho é que a própriandia também foi um bocado complacente, no sentido em que como aqueles países estavam condenados a entender-se com o único país gigante que existia na vizinhança, que era andia, não havia uma necessidade de os tratar especialmente bem. E, por exemplo, um dos indicadores interessantes é o grau incrivelmente baixo de integração econômica que existe naquela região.
Constantino Xavier
Exato, é das regiões menos integradas economicamente, todo o mundo. A percentagem de comércio interno à região, portanto, a percentagem dos países que... O volume de negócios comercial interno à região é 5%, na Ásia, no Sudeste Asiático é 30%.
José Maria Pimentel
E a Dena é um exemplo especialmente bom.
Constantino Xavier
Exatamente. É, é exatamente como tu dizes, acho que andia muitas vezes deu aqueles países vizinhos com um dado adquirido no seu quintal, é normal, as grandes potências vão para os países mais pequenos à volta, e dizem, isto é tudo nosso e nós nos mandamos nisto, e às vezes é preciso um competidor que apareça para acordar para a realidade e dizer, bem, nós não estamos ligados economicamente em particular com estes países vizinhos. E os chineses têm um poderio financeiro que lhes permite fazer em poucos anos o que andia nunca conseguiria fazer em dezenas de anos e não conseguiu fazer. Isso por isso é que eu sublinhava o fato de a China ser um país economicamente aberto e andia não. Andia manteve-se ali isolada de forma económica até nos últimos 20, 30 anos da região. E graças à China, mais uma vez obrigado China, para quem nandia trata destas questões regionais, porque acordou andia para a importância da sua periferia imediata. Isso é importante porque muitas vezes os países que queriam escapar à influência indiana, queremos ser mais sudeste-asiático, queremos mais com os Estados Unidos, com a Europa, com a China e hoje em dia, pela primeira vez em 70 anos, o Nepal, as Maldivas, o Sri Lanka, o Bangladesh, países pequenos, não é? Com uma população muito menor do que andia, estão a dizer, ndia, onde é que vocês estão? Come in, please. Dê-nos mais, façam-nos uma oferta melhor do que a chinesa, porque nós precisamos de um equilíbrio. Eu acho que isso se vê em todo o mundo hoje em dia, em Portugal também, na União Europeia, em que há agora um interesse muito maior nandia e no Japão para equilibrar esta formidável entrada e poderosíssima e de certa forma desafiante entrada chinesa aqui nestes espaços. Isso é importante, é importante porque para andia dá uma oportunidade agora de assumir um papel mais relevante e aparecer em teatros económicos, geoestratégicos, estava afastada. É pena que precisássemos de uma China para ainda entrar agora com mais importância nesses países, mas vai ser muito interessante ver como é que estes países... Porque ainda por si próprio não vai ser capaz de oferecer alternativas aos chineses sozinha a curto prazo, a longo prazo sim. A única forma de criarmos aqui um certo equilíbrio económico, político, moral mesmo no sistema mundial é coordenarmos, como eu dizia, esforços entre vários outros países não chineses, até para também pôr a pressão sobre a China para eles se reformarem. Eu acho que devemos descontinuar a possibilidade de ser impossível a China se reformar e se abrir. E, aliás, há indícios que os chineses se tornaram muito mais responsáveis nos últimos anos perante a pressão que têm sofrido. Ah é? Sim. Eu acho que os chineses... Os chineses estão a falar deste
José Maria Pimentel
regime. Vamos falar
Constantino Xavier
do regime. Eu acho que nos últimos dois anos a Belt and Road Initiative mostra que os chineses aprenderam. Aprenderam para bem e para mal. Aprenderam para mal, por exemplo, perceberam que não vale a pena só realmente atirar dinheiro para estes países e fingir que está tudo bem, esperar que tudo bem. Olharam, perceberam que é preciso ter influência política e fazer jogo político nestes países. Isso é para mal. Porquê? Porque temos uma China que de repente está agora envolvida em termos políticos nestes países e percebeu o jogo de vamos também diversificar as nossas relações, vamos também dar-nos com todos os partidos, porque pode haver aqui uma... Isto são democracias, portanto pode haver mudanças partidárias, etc. Para bem, eu acho que eles compreenderam a importância de serem mais razoáveis nas suas negociações. Portanto, vemos hoje uma China que chega muitas vezes ao Nepal, um país pequeno, e diz ok, temos aqui investimento, mas onde é que vocês querem colocar o investimento? Como é que vamos negociar o investimento? Olha, afinal, não vão ser só chineses a construir a barragem, vai ser mão de obra local, vamos ter aqui uma porcentagem de engenheiros locais que também vão ter participação na obra. Portanto, a pressão que se fez sentir sobre a China, eu penso que está a sortir algum efeito. Isso indica que temos que continuar a pressionar a China para a maior transparência. Vemos isso no caso da Huawei, no caso da União Europeia passar agora um mecanismo que vai analisar com muito cuidado os investimentos chineses em certos setores cruciais, portos, telecomunicações, portos, telecomunicações, em que pode haver transferência de dados e uma violação da soberania dos países europeus muito rápida, e já houve isso, e às cabas nós também pôr a pressão sobre os chineses a dizer auto-AI. Muito bem, queremos investimento nas telecomunicações, mas temos que ter aqui garantias que vocês vão respeitar certas regras e certas... Na privacidade dos dados ou na continuidade de serviços que eles prestam e que vocês têm que dar garantias. E eu acho que isso... Não podemos também mostrar os chineses como uns monstros que são irrazoáveis, não é? Eles vão fazer aquilo que podem, como
José Maria Pimentel
qualquer país do mundo. Sim, vão até onde podem. Vão onde podem.
Constantino Xavier
E, portanto, cabe a nós, entre todos os outros países, e em particular penso eu em Portugal, porque voltámos a Portugal na União Europeia, criar as regras de jogo o mais cedo possível, porque com cada dia que passa a margem negocial que nós temos é menor, porque os chineses estão a crescer e têm maior, criar essas regras de jogo e dizer, estas são as regras de jogo de investimento ou das relações económicas entre a Europa e a China.
José Maria Pimentel
O que não acontece, o que me preocupa no caso particular da China e acho que existe potencial em não ser assim no caso dandia, é que tu tens uma interação de alto nível, ou seja, seja política, seja sobretudo de investimentos, mas que não é construída sobre uma interação social entre os dois países. Tudo o que acontece no mundo ocidental, por exemplo, já é bastante diferente. Tu tens investimento americano, mas também tens uma interação cultural e social entre os dois países. No caso da China, como não acontece isso, é muito mais imprevisível o que é que está de lado lá. E isso é muito importante,
Constantino Xavier
se ali entra no vento do papel dandia, que é importantíssimo hoje em dia, porque é um país que partilha os valores europeus sobre essas questões e tem as mesmas perguntas em relação à
José Maria Pimentel
China. E portanto mais aberto até culturalmente, quer dizer, consumir cultura chinesa é ultra difícil, pela
Constantino Xavier
língua mas não só. Acho que é mais em termos de sistema político, em termos de
Constantino Xavier
abertura da forma de como olhamos por problemas e o tentamos resolver. Por exemplo, no caso dos dados, voltemos aos dados, se quiseres armazenar dados e criar uma infraestrutura
José Maria Pimentel
de armazenamento de dados,
Constantino Xavier
obviamente vais comprar servers chineses muitas vezes. Mas se quiseres criar um sistema de gestão de dados, interface de como é que os dados são depois transmitidos e de segurança de dados, os indianos vão muito à frente porque percebem a questão da privacidade e não estão a criar backdoors, secretas de entrada para o governo chinês depois de controlar os teus dados. E isso é importante, eu acho que é importantíssimo para tudo o que nós fazemos e para proteger a nossa privacidade. Obviamente está asseminada não só pelos chineses, incluindo aqui por interesses privados no nosso seio, mas isso é importante porque andia oferece uma abertura que não existe em nenhuma parte do mundo, em termos de mercado e abertura política. Sim,
José Maria Pimentel
eu não queria acabar sem falarmos da série do Paquistão, que é outro tema ultra interessante, em certo sentido é o outro tema, quer dizer, o tema de sempre, mas que se mantém ultra-actual, aliás, é curioso porque o Paquistão, em certo sentido, era um tema que por natureza nunca poderia ser encerrado, mas que se assumia estar mais ou menos estagnado, numa espécie de equilíbrio subótimo, mas para todos os efeitos um equilíbrio. E ainda no mês passado, de repente, do nada, acontece uma coisa que muita gente receou que pudesse dar origem a uma guerra e depois não deu. Basicamente foi um bombista suicida, se h o erro, não é? Ou uns bombistas que se rebentaram do outro lado da fronteira e de repente aquilo começa a surgir dali uma escalada entre o Paquistão e andia, o Paquistão reage e rapta um paraclite indiano, sabe o erro, alguma coisa do género e de repente... Um piloto, sim. Acho que a situação acalmou entretanto, mas é uma fonte permanente de... Já houve três guerras, três sabates que eram muças. Como é que
Constantino Xavier
tu olhas para esse lado da fronteira? É um país que era o foco de todas as eleições indianas e deixou de ser, felizmente. Porque aquilo é muito emocional, são países que separaram, são países que falam, regiões que falam a mesma língua divididas por uma fronteira, seja no caso de Kashmir ou no caso de Punjab, que só é religião realmente que se para, mas que houve muita violência, como eu mencionei antes, e isso acho que é, acima de tudo, emocional e uma questão muito difícil. É algo que prende andia. É algo que prende andia porque o Paquistão é um país que está com grandes dificuldades financeiras, é um país que tem mais a ganhar do conflito com andia, não
José Maria Pimentel
é?
Constantino Xavier
Porque ameaça com essa questão nuclear e basicamente vai à praça, vai aos europeus, aos americanos, aos chineses e se vocês não nos ajudarem nós vamos aqui apontar a arma à nossa cabeça e vamos fazer aqui uma grande guerra com os indianos e isso
José Maria Pimentel
vai tudo ao ar. Depois põe o papel do Afeganistão também, que também é outro. É uma
Constantino Xavier
chantagem emocional, é uma chantagem material e com a ação. E os paquistaneses, portanto, tem muito mais a ganhar a olhar para a China e para outros países mais preponderantes no mundo, seja como desafios e competidores, seja como parceiros, do que para o Paquistão, que é mais uma questão política, securitária, identitária, mas que tem esse risco, como tu bem dizes, de prender andia e de desviar atenções e recursos para aquela constante guerra ou conflito, ataques terroristas, etc. É também uma questão doméstica. Porque é a questão de Caximira que se mantém ali em aberto.
Constantino Xavier
Sim, isso bem em Caximira isto que estava a falar.
Constantino Xavier
De Insatisfação na população local, em que ainda tem feito um esforço enorme para desenvolver a região, muito mais do que o resto do país, mas continua obviamente a haver problemas. Problemas. É
José Maria Pimentel
que o maior ativo que o Paquistão tem é de destabilizar andia, no sentido em que é o caminho, é a solução mais fácil para tentar conseguir o que é rente. Portanto, o Paquistão também teve um azar incrível com a repartição, porque ficou com o pior, em certo sentido, ficou ali com uma zona que não é especialmente bem dotada de recursos naturais.
Constantino Xavier
Sim, mas ficou com a Paquistão Oriental, hoje em dia o Bangladesh durante 20 anos, que dava uma possibilidade em sanduíchar emndia e...
José Maria Pimentel
Sim, sim, pois, mas o que aconteceu foi o contrário. Mas essa era uma pergunta que eu tinha, por acaso. O que é que distingue, do ponto de vista da animosidade em relação àndia, o Paquistão do Antigo, o Paquistão Oriental, ou seja, do Bangladesh? É só o facto do Paquistão ter armas nucleares ou há uma diferença na relação dandia com os dois? Sim, com
Constantino Xavier
o Bangladesh tem uma relação ótima.
José Maria Pimentel
É? Porque são muçulmanos
Constantino Xavier
também, não é? É curioso. Exato, exato. Portanto, é uma questão, aquilo é muito mais complicado em termos identitários, o Paquistão como Estado sucessor do Estado, o Paquistão Ocidental, pós-71, que perdeu a guerra com andia em relação ao Paquistão Oriental, que ainda apoiou a independência do Bangladesh, porque é uma população bengali, fala o bangla, diferente. O Paquistão é em grande maioria dominado pelos Punjabis, o Paquistão de hoje. Tem uma diversidade étnica formidável, também leva a dissidentes e separatismos importantes no Baluchistão, no Baltistão e
Constantino Xavier
vários outros. No próprio Kashmir
Constantino Xavier
também. Mas acho que a diferença fundamental aí é que o Bangladesh foi apoiado na sua independência pelandia e que não é uma questão só de religião, é um factor, mas é muito mais, é histórico, é político, é geostratégico, porque o Paquistão alinhou-se com os Estados Unidos, não nos esqueçamos disso, e hoje em dia com a China mais, enquanto que ainda se aproximam dos Estados Unidos, portanto, às vezes há ali também questões geoestratégicas que mantiveram esses conflitos vivos.
José Maria Pimentel
Sim, é engraçado isso, porque eu estava a pensar nisso na altura. E este caso do Paquistão, eu acho que foi uma das coisas que eu achei mais fascinantes quando... Quer dizer, que eu já achava, e agora sobretudo a preparar a conversa, eu me ganhei mais sobre isso, Esta espécie de... Porque essa animosidade entre índio e pakistão lá está, vai muito mais para lá de uma questão tática ou até de uma questão da permeabilidade da fronteira. É quase como uma animosidade entre duas pessoas que se dão mal, ou seja, não é necessariamente só tática, não é o que tu tens a ganhar em fazer mal a outra pessoa ou outra pessoa a ti, há uma espécie de animosidade emocional e eu apanhei um artigo de um analista, eu não o conhecia, mas é um analista militar indiano que acho que foi polémico na altura e que é extremo, mas que mostra bem como isto chateia andia por impedir de, muitas vezes, focar em questões internas, que ele dizia, tem isto em inglês, mas vou tentar fazer a tradução mais ou menos simultânea, ele dizia, independentemente do que outras pessoas achem, a minha opinião é que seria melhor para andia suportar um ataque nuclear, mesmo que custasse centenas de milhares de vidas, do que continuar ano após ano a suportar esta dor e esta ignomínia. Ignomínia é a palavra do artigo, não sou eu que estou a propor aquela palavra cara. Dia após dia, morte por mil cortes, que era uma expressão dos paquistaneses e estar sempre a gastar energia em termos de potencial não realizado interno. O facto de alguém dizer que pode ser melhor ter um ataque nuclear de uma vez e encerrares o problema... Não, mas
Constantino Xavier
não encerraria jamais pelo contrário. Claro que não é, mas o facto de alguém
José Maria Pimentel
poder ser crível, alguém dizer isto, mostra que é um...
Constantino Xavier
E ser popular dizer isso. Exato.
José Maria Pimentel
É popular? É, é,
Constantino Xavier
sim. E vamos destruí-los e vamos bombardear os paquistaneses. Mas
José Maria Pimentel
o que ele estava a dizer é mesmo que morram nos 60 milhares do nosso lado. E não, o que eles estão a dizer é que como tem
Constantino Xavier
a vantagem assimétrica ainda, o Paquistão seria desimado, ainda suportaria ou teria que sofrer
José Maria Pimentel
o estupro. Exatamente,
Constantino Xavier
e encerrava o problema. Mas Isso não é realístico, mas é popular porque é populista e é radical e as pessoas muitas vezes gostam.
Constantino Xavier
E é emocional. É emocional, sim. E é uma solução limpa, não é?
Constantino Xavier
É, essa é a ideia, mas não faz sentido nenhum. E, aliás, para o Paquistão deixar de prender andia vai ter que haver uma normalização entre aqueles dois países. O custo dandia não ter uma relação económica com o Paquistão por causa de questões políticas, daquilo ser uma fronteira fechada, é enorme. O Banco Mundial fez um estudo no ano passado, custo dessas tais barreiras econômicas na região são 6 bilhões de dólares. O fator de haver fronteiras políticas, questões étnicas e não haver comércio livre entre a região. 6 bilhões, dos quais 3 a 4 bilhões é só culpa da questão. Esse custo de bem-estar económico está a sofrer porque os países não se dão. Era o custo que nós tínhamos também aqui na Europa, não nos dava, porque a França e a Alemanha estavam a dizimar constantemente em guerras militares, e que nós resolvemos por via da integração
José Maria Pimentel
política e cultural. Sim, ao custo da guerra, exatamente.
Constantino Xavier
E ali, ao custo da guerra e da política, continua a fazer-se de uma forma brutal, incluindo com a China. Muitas vezes aquilo poderia ser uma fronteira e uma ligação China endia, mesmo com os Himalaias, muito mais forte do que é. E não é, porque continua a ser uma fronteira disputada e militarizada. É um mundo muito diferente que nós não esquecemos e eu acho que é importante lembrarmos desse mundo, nós deste lado, porque nos lembra da fragilidade da Europa há 70 anos atrás e que poderá acontecer novamente e dos riscos e do bem-estar que nós conseguimos por via da integração, mas que não é um dado adquirido e que é preciso continuar a investir. E, ao mesmo tempo, é importante eles lembrarem-se, olharem para este lado do mundo e verem as vantagens inerentes a decisões políticas de integração que evitam guerras e conflitos que são incomportáveis hoje em dia no mundo interdependente. E tu
José Maria Pimentel
achas, por exemplo, do ponto de... Muitas vezes o que acontece nestas coisas é que há Os incentivos do regime, ou seja, de quem domina o regime e da população, ou as vontades de quem domina o regime e de quem domina a população, não são necessariamente as mesmas, ou seja, o regime paquistanês, por exemplo, que é muito mais militarizado, por exemplo, tem um interesse óbvio em manter este estado das coisas, porque beneficia dele. A população, por exemplo, pode ver as coisas de maneira diferente. Ou não, ou isso ser tão emocional que a população acaba por estar do mesmo lado e essa animosidade é partilhada.
Constantino Xavier
Qual é que é mais verdade?
Constantino Xavier
Depende. Às vezes também é a população que instiga, não é? Por
Constantino Xavier
causa da questão emocional. Como
Constantino Xavier
eu digo, são milhões de pessoas que fugiram, refugiadas e deixaram tudo para trás e morreram pessoas, foi um massacre. E portanto, às vezes depende, pode ser tanto uma coisa como outra. Às vezes os partidos e as elites a instigarem e a mobilizarem para motivos eleitorais e partidários, às vezes é a população que requer isso dos seus líderes e pede sangue
José Maria Pimentel
e quer a capitalização. Às vezes é para piorar as coisas, não é? No sentido de ser mais empoderada. Sem dúvida. Constantino, excelente conversa.
Constantino Xavier
Obrigado por teres vindo. Obrigado eu.
José Maria Pimentel
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