#56 Daniel T. Santos - “O que podemos aprender com o modo como pensa um Designer?”

Click on a part of the transcription, to jump to its video, and get an anchor to it in the address bar

José Maria Pimentel
Bem-vindos, e agora para algo um pouco diferente, design. O convidado é Daniel Santos, designer, lá está, e alguém que me foi recomendado, e em boa hora, por um mecenas do podcast, o Gustavo Pimenta. O Daniel tem uma carreira ligada ao design que já passou por várias geografias, como andia e o Reino Unido, e a desempenhar papéis diferentes desde professor a praticante. Atualmente é designer de serviços no LabEx, Laboratório de Experimentação da Administração Pública, onde aplica metodologias do design para tornar os serviços públicos melhores tanto para os cidadãos como para os funcionários. A conversa, como é habitual, se tendeu-se por vários terrenos. Comecei por tentar perceber o que é design. Acho que todos os leigos, como eu, tendem a associar intuitivamente à estética, mas como vamos ver é muito mais do que isso. E falamos também de alguns exemplos do design com que nos cruzamos no dia a dia, exemplos tão simples como o tipo de letra que escolhemos para escrever um texto no computador. E a letra Arial, descobri há pouco tempo, tem muito má fama entre os designers. De seguida, discutimos alguns dos princípios do design, como o conceito de modelos mentais, que significa na prática a maneira como o utilizador de um produto ou do serviço interpreta na sua mente e representa a realidade e a situação em que aquele produto ou serviço é utilizado. Ora, para um designer é essencial conhecer o modelo mental do utilizador, porque só assim pode assegurar que esse utilizador vai entender e beneficiar das características que o designer tenta incluir naquele produto. O problema, ou desafio, associado aos modelos mentais é que estes variam muito entre pessoas, seja pelas experiências e backgrounds de cada um, seja sobretudo quando estamos a falar de culturas diferentes ou de países diferentes. Conversámos ainda sobre a área de trabalho do convidado, design de serviços, uma área muito centrada na funcionalidade e, portanto, onde este conceito de modelos mentais é essencial. Finalmente, falámos de outro conceito-chave do design, este, um que se tem tornado quase uma moda no mundo da gestão, e adulterado que é bê pelo caminho, o design thinking, ou seja, algo como pensar como no design. A utilidade da abordagem do design para a gestão de empresas e de organizações é fácil de entender. O design, na essência, o que faz é tentar encontrar soluções para problemas práticos. Portanto as interseccões entre isto e o objetivo de uma empresa, que é melhorar a proposta de valor para os clientes, são fáceis de descobrir. O que é especial no método do design é que por ter de lidar com objetos e tipos de utilizador muito variados, tem mesmo de utilizar o trabalho colaborativo e equipas multidisciplinares e também ter uma grande atenção às necessidades reais dos utilizadores. Ora, trazer estes métodos para dentro de uma empresa, se for bem feito, pode ser uma grande ajuda para encontrar soluções inovadoras. E pronto, vamos à conversa Deixe-Fuz com Daniel Santos. Bem-vindo, Daniel. Obrigado, Zé Maria. Eu, como agora estávamos a falar disto, como é a primeira vez que se fala de design aqui no podcast, vou ter que pedir a tarefa ingrata de definir design, porque eu acho que é, para um laico como eu, a primeira coisa que a pessoa se lembra quando fala de design é um… pensem em artes, pensem em estética, pensem no referencial estético que me parece existir numa versão muito restrita do design, mas que não está porventura na origem do termo design sequer, ou no processo a que isso se refere, e não está num monte de áreas do design, entre as quais o design de serviços que é aquela que, ou pelo menos, não está tão
Daniel T. Santos
diretamente. É muito interessante essa pergunta e eu acho que a própria disciplina em si não cristalizou numa definição. Eu acho que é interessante porque nunca ninguém, se eu fosse um contabilista, provavelmente tu não começarias a conversa por perguntar qual é Daniel, qual é a definição
José Maria Pimentel
de contabilidade.
Daniel T. Santos
Ou de economia, ou de direito, ou até mesmo de arquitetura. Aí eu acho que tem a ver com a maturidade da própria disciplina e com as perceções, os arquétipos que as pessoas constroem à volta da disciplina, que é como tu disseste, à volta da estética, à volta das coisas bonitas ou com valor estético. Uma pessoa que define design como não é dimensão visual, não é como parece, não é como se sente, é como funciona. E foi o estudo de Jobs que diz, design is not how it feels like, how it looks like, is how it works. A palavra design vem do latim, apesar de ser uma palavra inglesa, tem etimologia no latim e tem a palavra signo no meio, por isso há uma parte de codificação clara quando falamos de design.
José Maria Pimentel
Qual é o étimo da palavra? É signo e o
Daniel T. Santos
D? Dessignare.
José Maria Pimentel
Ah, ou seja, é dar um... Assigno, de estar assim. Sim, mas no sentido de signo, no sentido de sinal Ou no sentido de... No sentido
Daniel T. Santos
de representação, codificação. No sentido também de... Se nós formos mesmo à etnologia da palavra, é out of ordinary, é algo que sai do ordinário e é uma representação, uma codificação do ordinário. E quando nós falamos em inglês também é muito interessante porque as palavras e os verbos muitas vezes em inglês, é uma das características da língua, podem ser substantivos e verbos ao mesmo tempo, a mesma palavra, não é? E como o substantivo, os significados são muito semelhantes, mas como o substantivo pode ser projeto, pode ser engenho, pode ser até plano, pode ser diagrama de uma descrição visual e como verbo é projetar, planear, portanto tem muito a ver com esta ideia de disciplina projetual. A parte que tu falaste de o design estar relacionado com a arte, eu acho que tem muito a ver com a parte da educação e onde é que o design é ensinado, ou nem começou a ser
José Maria Pimentel
ensinado. Exato.
Daniel T. Santos
No Reino Unido desfeito pós-guerra, foi criado em 1947 o Design Council para trazer pessoas da disciplina de design industrial para conceber objetos e equipamento que fosse barato de produzir, fácil de produzir em série para recuperar o país. Então, um objectivo muito estratégico em 1947. A coisa mais semelhante que nós tivemos em Portugal foi a exposição do mundo
José Maria Pimentel
português, não é?
Daniel T. Santos
De 1940, acho eu, e o design desde essa altura até 1974, creio, que foi quando houve, foi sempre uma disciplina informal. Só em 1974 é que há o primeiro curso superior na Faculdade de Belas Artes de Lisboa ou de Porto ou em ambas, alguém que estará a ouvir poderá corrigir, mas sei que foi em 1974 porque os primeiros professores das Faculdades de Belas Artes de Design são dessa fornada. Portanto, é muito recente a disciplina E voltando à parábola que fiz com o contabilista, ninguém vai pedir a um contabilista para definir a disciplina de contabilidade porque toda a gente tem, está aculturada, há uma experiência social com quando é que nós precisamos de um contabilista relacionado com a função
José Maria Pimentel
e o propósito e o que é que ele entrega. Intuitivamente também parece ter que ver com o facto de o trabalho de um contabilista ter sobretudo que ver com o objeto daquele trabalho, é quase que dá para definir pelo objeto do trabalho, enquanto o design tem mais que ver, parece-me, com um processo que se pode aplicar tanto num ramo muito próximo das artes, das chamadas artes aplicadas, como da indústria, falava-vos do design industrial, como a de design de som, hoje em dia nos sites, como nos serviços, quer dizer, uma série de coisas cujo objeto muda radicalmente, muitas vezes está em áreas de... Tem setores da economia completamente diferentes, com pessoas com perfis completamente diferentes, mas onde o mesmo processo
Daniel T. Santos
pode ser aplicado. Parece-me, não sei se estou a ver isto bem. Sim, estás a ver bem. Ele se calhar poderia ter, em vez de ter começado pelo exemplo do contabilista, pelo exemplo da engenharia. Também tem uma série de ramos, desde as minas a aeroespacial, não é? E é capaz de ter menos pessoas a coçarem a cabeça quando dizem, eu sou engenheiro de minas, ou eu sou engenheiro aeroespacial, porque há um capital de conhecimento na sociedade do que é que faz o engenheiro, mais ou menos. E enquanto dizer, eu sou designer de equipamento, eu sou designer taistil, Eu sou designer industrial, eu sou designer de serviços, eu sou designer de comunicação, eu sou designer de estratégia. Mas o que é que isso é? E tem a ver com a própria maturidade, acho eu, da disciplina, que é cada vez maior e há cada vez mais um conhecimento alargado do que é que faz um designer, por menos na minha bolha, que confesso que posso estar a ser enviesado nesse aspecto. Eu acho que tem a ver com isso, tem a ver com isso. Por isso eu fugia à responsabilidade de definir, porque eu acho que a sair desta conversa, eu vou para casa pegar em alguns dos livros e vou encontrar dez citações bem menores que alguma que eu poderia pôr aqui. Acho que é muito mais necessário haver esse caráter demonstrativo, orientado a resultados, as pessoas perceberem, apesar de... Há muitos processos em engenharia, como bem sabes, mas é preciso um mercado, usando essa linguagem, mas as pessoas perceberem quais são os resultados, quais são os produtos do trabalho de design. Porque as pessoas quando percebem, ou há, se calhar, o arquétipo da
José Maria Pimentel
percepção,
Daniel T. Santos
o preconceito da percepção das pessoas, é muito superficial, ou é de fazer as coisas bonitas, é a percepção associada ao valor que o design traz, ou se tiver design é mais caro, ou são produtos mais exclusivos. Isso é muito interessante, mas não deixa de ser um conhecimento muito, ou uma abordagem muito superficial ao design. Porque, por exemplo, se nós formos ver até, e agora relacionando com a arte, a arte renascentista, tem um monte de lógica matemática na composição dos quadros, com o número de fibonacci, o golden circle, não é? Toda a proporcionalidade. A tipografia, a tipografia se nós estivermos a falar da tipografia romana, que é um tipo de tipografia, tem também uma lógica muito, vai viver essa arquitetura clássica ou neoclássica e tem as mesmas proporções. Um jornal bem paginado, e agora falando da parte mais visual, a relação entre elementos tipográficos e visuais é tão ou mais harmoniosa quanto mais matemática for nesse sentido. Olhos treinados são capazes de olhar para aquilo e perceber as proporções. Olhos não treinados olham para aquilo, não percebem as proporções mas percebem a dimensão de harmonia, isto é
José Maria Pimentel
mais harmonioso. O que estás a dizer faz todo sentido e aliás é um argumento que eu acho que faz sentido invocar quando se fala de design é que a oposição estética-funcionalidade eu não acho que seja completamente fictícia mas é, pelo menos em larga medida, fictícia porque a estética, como estavas a ouvir, a estética é uma espécie de teorística para uma certa funcionalidade, ou seja, as coisas que não nos parecem bonitas por acaso, parecem que muitas vezes têm as proporções certas. Claro que a construção estética vai muito para além disso e muitas vezes até a própria estética pode ser construída pela inversão dessa harmonia. Exatamente. Se tiver isso como referencial, mas as duas coisas estão mais ou menos casadas. As duas coisas têm algum grau de relação e acho que o design tem um bocadinho a ver com isso, ou seja, muitas vezes, esse exemplo do jornal que te davas é um exemplo interessante, muitas vezes a boa paginação no sentido, a bonita paginação também é boa paginação no sentido de facilitar a leitura e de terem em si mesmo um objetivo funcional.
Daniel T. Santos
Exatamente, e calvénio não esquecer que esta proporção matemática, as divinas proporções que estava a falar, é a imitação do homem das proporções que são encontradas
José Maria Pimentel
na natureza.
Daniel T. Santos
Então essa sensação de harmonia, e espero não estar aqui a fazer uma lapalissada, mas essa dimensão de harmonia é quase como reconectar o homem às proporções naturais onde ele se sente seguro, estável, confortável, mas via um processo altamente abstrato, não é? E altamente racionalizado e estudado.
José Maria Pimentel
Sim, e é engraçado, por exemplo, estava agora a lembrar-me de uma coisa que estávamos a falar em off, da questão, estávamos a falar um bocadinho de biologia e de muitas vezes as pessoas escolherem como parceiro pessoas que têm, por exemplo, uma genética compatível por ser diferenciada e outra das coisas que estão mais ou menos comprovadas é, por exemplo, a simetria da cara. É uma espécie de próxia, uma espécie de heurística inconsciente para... É uma espécie de estética, ou seja, nós tendemos a achar mais bonitas pessoas com uma cara simétrica, mas aquilo é uma heurística, imperfeita obviamente, mas não deixa de ser uma heurística para... Consodável é aquela pessoa. O que é engraçado. Mas ainda assim, deixa-me só interessar aqui um bocadinho mais nesta parte da estética porque eu acho que é interessante escrever isso um bocadinho mais dentro do design. Ao contrário deste exemplo da engenharia, é verdade, mas tu pensas numa casa, quando na casa entra uma componente estética já não é o papel do engenheiro, já será o papel do arquiteto ou da arquiteta. Ou do designer de interiores. Ou do designer de interiores, se for relativo ao interior. Obviamente que tudo isto se sobrepõe entre o arquiteto e o designer de interiores, estará por haver alguma luta. Mas, ainda assim, o que acontece no design, no sentido que a maior parte das pessoas lhe atribuem, o eu, é que essas coisas muitas vezes estão misturadas, ou seja, muitas vezes, para quem está a ver, parece que, sei lá, se vires uma peça do Philip Stark, por exemplo, parece que a estética ali se está a sobrepor à funcionalidade, ou seja, esta ligação que nós estamos... Há aquele exemplo clássico daqueles promotores de laranja que nem funciona bem, não é? Ou seja, ali não é como o arquiteto e o engenheiro, ali parece que está alguros no meio e de vez em quando, no caso do design de serviços, por exemplo, claramente depende mais, depende sobretudo para o lado funcional e de ligação ao utilizador ou ligação ao cidadão, enquanto que ali há um terreno muito mais cinzento, não é? A parte estética. Tu achas que as pessoas quando atribuem ao design, sobretudo, um valor estético estão erradas no fundo? Estão a ver a coisa da maneira errada? Não,
Daniel T. Santos
eu não acho. Acho que é superfície, não é? É superfície, é a primeira camada. E a maneira como nós... Eu ligo muito isso aos sentidos. Não vamos entrar na conversa quantos sentidos é que temos porque são mais que cinco, não é? Mas vamos ficar pelos cinco. E quando nós estamos num espaço, a nossa relação com o espaço, qual é a primeira coisa que tu te perguntas quando estás num espaço? Se calhar nós, nestes seres civilizados e a viver em cidades, provavelmente não temos essa relação intrínseca, mas se estivermos num sítio que não conhecemos fora de uma zona de conforto, a nossa primeira relação é segura, não é segura. Claro, claro. Depois da segurança, vem o sentido provavelmente de orientação, O que é que eu posso fazer aqui? O que é que há aqui para mim? Então e nós vamos depois aprofundando e racionalizando a partir desse primeiro estímulo que são sempre os nossos sensores, não é? Então, o nosso cérebro, eu não sei ao certo a proporção, mas tem muito mais receptores para o sentido da visão do que para, por exemplo, o sentido do olfato, do sentido do paladar. Somos muito orientados, há muito mais processamento de informação visual do que… é um sentido que acaba por ser dominante. Então, A primeira leitura que nós fazemos de tudo que sejam estímulos visuais, acabamos por ser extremamente rápidos. Aliás, há um teste que se faz em UX, que agora não me lembro do nome, mas tem um nome mesmo engraçado, depois eu posso dizer.
José Maria Pimentel
Sim, não depois de mandar no porno.
Daniel T. Santos
Que consiste em mostrar sequências de imagem mesmo, mesmo, mesmo rápido às pessoas e para fazer uma pergunta, onde é que está o botão de comprar? Onde é que está o botão de checkout? Onde é que está o botão? E é incrível, sempre que fazes esse teste, tu consegues ver que as pessoas respondem. E estás a mostrar, e eu acho que nós demoramos a processar alguma análise crítica a estímulos visuais em 15 milissegundos. O que é brutal! Agora imagina se tu olhas para alguma coisa com sentido crítico durante 60 segundos. Imagina a velocidade de análise que tu estás a fazer. Voltando à tua pergunta, porque é que... Eu não acho que é errado, eu acho que é superficial. Eu não sou economista, eu posso olhar para notícias, posso ler, posso tentar me informar, mas não tendo o conhecimento técnico, a experiência profissional de trabalhar no âmbito de economia, eu provavelmente vou fazer análises muito superficiais ou sequer háro vou ter um ou dois verticais de coisas que me são mais próximas da minha área de trabalho e eu percebo um bocadinho mais, mas não vou conseguir fazer uma análise verdadeiramente crítica dos factos ou recombiná-los. E a economia é uma ciência social também, não é uma ciência, apesar de eu querer fazer para ser muito exata, cada vez mais, é uma ciência social, tem essa particularidade. Portanto, Eu não acho que é errado. Acho que tem a ver com a maneira como as pessoas se relacionam e até onde é que elas conseguem ir nas análises que fazem. Mas percebe porquê que eu digo isso. E acho que é uma certa fragilidade formal, se calhar, dos designers ao reagirem defensivamente quando alguém diz ''oh pá, mas isso é feio''. Eu se me disserem ''mas isso é feio'', e eu provavelmente nunca iria expor um trabalho e perguntar ''gostas ou não gostas?'' Porque acho que é uma péssima pergunta para se fazer. Ou gostas ou não gostas? Lá está, porque estás a convidar a uma análise superficial. Acho que tem tudo a ver com as perguntas que fazes, o contexto em que mostras o teu trabalho e o objetivo de mostrares o teu trabalho a quem? Sim,
José Maria Pimentel
mas deixa-me entrar num exemplo concreto que é capaz de ser giro para concretizarmos o que estamos a falar. Imagina um site de um jornal, por exemplo. Qual é o papel do designer? Este é um caso muito específico, do tipo de designer muito específico. E depois já vamos ao design de serviço que é a tua área atual. Mas imagina um designer atuar sobre um jornal. O que é que ele faz ali que porventura escapa ao leigo que visita o jornal? Qual é a função deles? O que me parece é ser lá está uma pessoa que vai muito para o lado da estética, ou seja, do quão bonito é o site, tem muito que ver com a interação do utilizador com aquele site, não é? Lá está. Agora voltando à tua primeira pergunta da definição, ele organiza
Daniel T. Santos
a informação da mesma forma que um designer de equipamento que desenha uma cadeira, e há um certo fetiche dos designers de equipamento por cadeiras, são objetos de... E organiza requisitos materiais, funcionais, heurísticos também, ergonómicos. Então, um designer de um jornal, e daqui o jornal online no caso, ele vai organizar informação de acordo com parâmetros que, um, ele pesquisou, tem acesso a dados, sabe quando é que as pessoas lêem o jornal, que tipo de leitor é que há, ele vai organizar e vai criar aquilo que é chamado hoje em dia de design system, ou seja, que é uma série de regras que incluem da tipografia, ao tipo de botões, ao tipo de codes, que é o sistema de design que depois é suposto ser replicado em todas as páginas de forma a criar consistência, a criar coesão, as pessoas por exemplo não navegarem para outra página e pensarem que saíram do jornal porque as coisas parecem bizarramente diferentes. Então o papel do jornal aí é o papel do designer de um jornal online, é organizar informação, é definir as regras com qual… porque o tipo de informação que aparece no jornal, a não ser que haja peças especiais de infográficos ou de documentários interativos, não há de ser diametralmente oposta de um artigo
José Maria Pimentel
para o outro, não é?
Daniel T. Santos
É conteúdo hipertextual e o hipertexto são imagens, vídeos, sons, texto.
José Maria Pimentel
No outro dia estava a ouvir uma entrevista com o Dizaran, no podcast português que é o Sobre Tudo, e ele estava... E o entrevista estava a insurgir-se, eu achei engraçado, porque ele estava a insurgir-se contra a utilização do tipo letra areal. Ele dizia que era uma espécie de... Não com o areal, mas não sou inteiramente insensível a isso, é o tipo de coisa que a pessoa depois repara, mas eu não pude deixar de pensar que o... Quer dizer, que base é que existe para dizer que isso é errado? Que
Daniel T. Santos
a real é errada? Sim,
José Maria Pimentel
ou que é preguiçoso, não é? Até poderá ser, mas... Porque é um tipo de letra diferente, não é, no caso? Eu não sei se tu partilhas de opinião, atenção-te.
Daniel T. Santos
A minha opinião é que este é um debate longo, muito longo, e normalmente do outro lado do rinco está a Helvética, que são... Era mais antiga a Helvética, não é? A Helvética é mais antiga, veio-a-quente nos anos 50. É uma fonte extremamente bem desenhada do ponto de vista formal, do ponto de vista da relação entre os traços finos e traços grossos, em relação entre as curvas fechadas e as curvas abertas, caixa alta e caixa baixa, é extremamente bem desenhada. E é bem desenhada por duas coisas, que é isto que as pessoas... E eu ao dizer bem, estou aqui a trazer adjetivos e substantivos da ética, da estética, o bom e o bem, e isto muitas vezes não é claro. É bem desenhada porque funciona, porque é legível, porque cansa menos as pessoas na leitura e isso mede-se. Uma pessoa com uma formação média lê 200 palavras por minuto, cerca de 200 palavras por minuto. E é possível medir a fadiga das pessoas a ler textos. A Arial, que é muito parecida com a Elvética, há quem defenda que foi um rip-off da Elvética, feito pela, eu não sei, eu acho que não foi feito pela Microsoft, mas a Microsoft é que tornou a Arial popular com o Windows, porque era uma das
José Maria Pimentel
fontes que vinha com o Windows. E era a fonte por defeito, não era? E era a
Daniel T. Santos
fonte por defeito numa série. E é quase como... Há um canal no Reddit, há um que eu gosto muito que é o Oddly Satisfying, que são coisas, são gifs, que são mesmo, tu ficas ali a ver o loop, a ver se sente, e sai mesmo bem. E depois há um oposto que é...
José Maria Pimentel
Oddly Unsatisfying?
Daniel T. Santos
Sim, é uma coisa que corre mal e que dá mesmo vontade de parar. E há uma animação muito conhecida de alguém que fez, tipo, quando estás naquelas máquinas, e fez uma série de exemplos, de alguém atirar uma bola de basquete e a bola bate num ponto do ar, bate no ponto do outro, bate novamente e depois sai. Tu pensas que ficas sempre naquelas máquinas e ela vai entrar e depois não, ela cai fora. Ou então aquelas máquinas de vending machine que têm aquela espécie de espiral que empurra os produtos, na máquina de venda automática, e depois o produto está a cair e fica preso
José Maria Pimentel
a mais.
Daniel T. Santos
Então, a Arial é isso. A Arial é isso, é insatisfatoriamente irritante, porque tem uma série de... Agora, mais uma vez, eu acho que isso podemos ir pelo lado funcional e, de facto, testar, pôr o mesmo texto, com o mesmo espaçamento entre linha e perguntar às pessoas se elas sentem-se mais fadiga com Ariel. Eu não sei se algum estudo desses foi feito.
José Maria Pimentel
Há de haver, há de haver. Há de haver,
Daniel T. Santos
mas tenho quase a certeza que é por aí que se injure. Não há nenhuma implicação. Por exemplo, outra fonte que há uma implicação, outra tipografia que há uma implicação clássica é Comic Sans. Porque é mesmo mal desenhada. Acontece que há um público mal desenhado para quem? Quando nós falamos de mal desenhada, nós temos que pensar para quem? Em que contexto? Porque é muito difícil o One Fits All, não é? O desafio universal de design de servir para toda a gente a todo momento é um bocado uma narrativa perigosa, para dizer o mínimo. A Comic Sans foram estudos feitos com pessoas com dislexia e provou-se que a Comic Sans é altamente eficaz para as pessoas com dislexia. Ou seja, elas não comem
José Maria Pimentel
sílabas, elas não saltam linhas, não saltam palavras. Precisamente para tornar a leitura mais lenta, provavelmente, não é? Provavelmente. Pelo mesmo motivo que estou a conjeturar, não é? Eu tenho uma
Daniel T. Santos
amiga escocesa que é dyslexica e que sofre muito com isso. A tese mestrada dela demorou anos a ser feita porque ela não conseguia. Tinha uma dificuldade patológica em fazer. Até que mudou a tese para a Comic Sans. Engraçado. É isto. É uma história que eu conheço de alguém que me é muito próximo e conseguiu. E falou com o orientador. É muito curioso, de facto. Se podia fazer em Comic Sans, nem que depois reformatasse.
José Maria Pimentel
Por um lado deve ter sido horrível, porque ela deve ter pensado, se eu tivesse começado a usar Comic Sans desde o início. Sim, exatamente. Tem esse lado que é um bocado ingrato. Voltando ao exemplo do jornal, o que eu tenho visto relacionado com o papel do design neste aspecto é também uma preocupação com a, por causa dessa lógica, da lógica da usabilidade que no fundo é transversal a quase todas as áreas do design, neste caso, fictícismo, estamos a falar disto, não estamos a falar disto de qualquer, também acaba por trazer para a equação uma série de fatores que podiam não estar ali relacionados com... E eu acho que isso é a jargão do meio que eu domino pouco, mas a questão da interação com o utilizador, aquela que são dos modelos mentais, que provavelmente explicas melhor do que eu, o que é que são estes termos e de que forma é que eles não existem, por exemplo, noutras áreas ou não existiriam se não tivesse lá o... Ou não existem fora do raciocínio do designer, se quiser?
Daniel T. Santos
Os modelos mentais têm a ver com os pressupostos que nós temos em relação a coisa.
José Maria Pimentel
Nós, as pessoas, utilizamos
Daniel T. Santos
pressupostos, preconceitos, que mais uma vez se nós fôrmos ao início da conversa e dássemos a falar de biologia, Se nós estivéssemos sempre a processar toda a informação ao nosso lado e não usássemos preconceitos, se o nosso cérebro…
José Maria Pimentel
Não conseguia decidir, claro. Exatamente. Se o nosso
Daniel T. Santos
cérebro já é o órgão que mais energia gasta, seria, provavelmente, biologicamente impossível. Então, há aqui atalhos que nós usamos. E os modelos mentais estão muito ligados com esses atalhos, com esses pressupostos, com essa relação. Eles às vezes posem sentidos como vantagem, ou seja, o pressuposto do modelo mental da reciclagem, que é o clássico, ser o balde do lixo. As pessoas olham para aquilo e pensam, um balde do lixo. Se
José Maria Pimentel
refaz o lixo do computador. Sim, exatamente,
Daniel T. Santos
o balde do lixo do desktop de computadores. Vários sistemas operativos, apesar de a Apple ter sido a primeira base de sistemas operativos, usam a mesma metáfora. E há uma parte que está relacionada com a pesquisa que o designer tem que fazer antes de entregar e tem a ver precisamente com isso. Para quem é que nós estamos a trabalhar? Quais são as necessidades dessas pessoas? As aspirações dessas pessoas? Os desejos dessas pessoas? Como é que elas se comportam? Quais são os modelos mentais que elas usam? Porque nós podemos usar uns como atalhos e outros que se quer há como menos desconstruir. Um exemplo prático disso é a caixa de multibanco. O sistema de multibanco, durante muitos anos, imprimia o talão por defeito. Tu ias ao banco, levantavas dinheiro, se acaba assim por talão. Aquilo tinha custos enormes para a rede. A primeira interação, iteração, desculpa, que eles fizeram, ou seja, a primeira evolução, vamos tentar, uma decisão da gestão da rede, foi vamos colocar um botão se as pessoas, a perguntar se as pessoas querem mesmo imprimir o talão. E o modelo mental das pessoas é resposta afirmativa verde do lado direito, resposta negativa vermelha do lado esquerdo. Ou seja, as pessoas, por defeito, o facto do botão na primeira atração estar do lado direito, as pessoas continuavam a carregar no botão do lado direito. E eles depois trocaram o botão e fizeram sim, querem imprimir do lado esquerdo e não, não querem imprimir e reduziram de uma maneira brutal o número de talões que saiam da máquina multibanco. Isto é um exemplo do modelo mental em prática no desenho do interface. Sim, eles tiveram atenção ao
José Maria Pimentel
modelo mental e as pessoas o tornaram muito mais eficaz. Exatamente,
Daniel T. Santos
que é sempre ajustado à cultura. Eu duvido se numa cultura não ocidental, em que, por exemplo, se escreva da esquerda para a direita, se... Por acaso não sei se... Da direita para a esquerda. Sim, da direita para a esquerda, exatamente. Se numa cultura onde se escreve mandarim ou numa cultura árabe, se isso se unifica, provavelmente
José Maria Pimentel
será ao contrário. Mas o multibanco, por acaso, é um exemplo. Não quero estar a ser injusto porque admito que isso possa ter mudado, mas julgo que não. Tinha uma coisa muito mal feita do ponto de vista da usabilidade, não sei se diz assim em português, que era essa questão do talão, ele dava de dinheiro ou não. Mas havia outro evento alternativo que era quando ele não tinha sequer talão, não tinha sequer talão para te oferecer e perguntava, quer levantar na mesma ou não quer? E o que eu fazia sempre, eu pedia sempre, não pedia talão, para que eu estava a usar papel quando não precisava daquilo, e na direita passava a estar o não, não quero levantar dinheiro. Então eu revertia a... Tinha que pôr o cartão outra vez. Porque o reflexo condicionado de fazer aquilo ali funcionava ao contrário. O exemplo dos modelos mentais é giro, por exemplo, um que eu lembrei-me logo disso, não sei quem é que falou disso uma vez, mas achei muita piada. Pegando outra vez no exemplo dos computadores, tu à bocado estavas a falar do Lisp, do Recycle Bin e a outra opção que também faz uso do modelo mental é a questão do guardar. A opção do guardar. Qualquer documento. Em muitas aplicações, em muitos programas, o guardar tem o símbolo de uma disquete. Que correspondia ao modelo mental, que é o teu, que é o meu, ainda, em certo sentido, mas já não é das gerações novas. Se calhar nem conhecem, nunca viram uma disquete à frente. Para eles aquilo é o símbolo de guardar, provavelmente, que é giro, não é? Ou seja, é um modelo que acabou por se tornar obsoleto e não houve uma atualização daquilo. Sim, provavelmente também se calhar nunca viram pastas de arquivo, não é? De papel. Exato, exato.
Daniel T. Santos
E é interessante, mas aí eles se calhar já aprenderam, não como modelo mental, mas como uma linguagem icónica daquele computador.
José Maria Pimentel
E há outra coisa, que eu imagino que seja um desafio para os designers de várias áreas, que é, há um argumento que pode largamente ser feito a propósito disto, que é adapta o que estás a fazer ao modelo mental do utilizador. Mas há outro, há um argumento adicional que não deixa de ser relevante, que é altera o modelo mental do teu utilizador. E também me parece que isso ocorre várias vezes, que é, se tu achas que há um paradigma que é melhor, se tu puderes alterar o modelo mental do utilizador, consegues que a experiência de utilização dele venha a ser melhor. Por exemplo, a Apple faz muito isso, o Facebook também faz muito isso, de repente mudam aquilo e tu tens toda a gente a protestar porque eles mudaram, depois habituam-se ao steady state de novo. Como quer dizer que não seja melhor, se calhar só se habituaram porque se habituaram. Mas eu imagino que isto seja um dilema muitas vezes, que é, se eu conseguir, correndo o risco da pessoa estar numa situação desconfortável inicialmente, fazer-lhe alterar esse modelo mental, sei lá, os telefones em vez de serem daqueles de girar passam a ter números, por exemplo, como aquele que está ali passam a ter números ou em vez de terem teclas, olha, em vez de terem teclas passa a ser touch no ecrã. Eu lembro quando surgiu touch no ecrã, muita gente, inclusive eu próprio, queixava-se muito que aquilo era muito difícil e, por exemplo, a Apple, estou-me a lembrar, os iPhones, por exemplo, eu lembro-me quando os iPhones surgiram com o teclado idêntico ao meu computador, eu lembro de protestar com aquilo porque estava habituado àqueles teclados da Nokia, os normais, que achava-me muito melhor e achava aquilo uma perda de tempo, porque eu queria carregar no T e carregava no R. E no entanto o meu modelo mental depois foi alterado, foi forçado a ser alterado e convergiu para um steady state que se calhar era melhor do que aquele. Eu acho que há aí duas
Daniel T. Santos
coisas muito interessantes no que tu dizes. Um tem a ver com a força do hábito e a curva da aprendizagem que tu pões numa coisa e depois queres o benefício de teres investido nisso. Voltando àquele telefone que está ali, que é o telefone daqueles antigos de discard, é assim que se diz?
José Maria Pimentel
Ah, acho que era, pois era, exato. De
Daniel T. Santos
discard, por exemplo, português brasileiro ou de rodar.
José Maria Pimentel
Era discard, era já por um bocadinho de
Daniel T. Santos
tempo. Eu quase que aposto, e se alguém tiver um estudo partilhe, que se dermos e este telefone a uma geração mais nova, a crianças, e dissermos marca o número 93 qualquer coisa, eles vão carregar no... Não vão rodar, não vão perceber isso, porque nunca foram expostos àquela realidade. Então, muitas vezes, o que tu estás a dizer, eu tenho algumas reservas na formulação mudar o modelo mental dos utilizadores. Um, por princípios éticos, que eu
José Maria Pimentel
acho
Daniel T. Santos
uma formulação subversiva, e Não é que não ocorra, e ocorre muitas vezes, e eu me tento distanciar disso. Eu
José Maria Pimentel
estou a perceber o que é que dizes. Me tento
Daniel T. Santos
distanciar disso porque acho que um designer não só deve trabalhar de forma que os utilizadores ou os destinatários dos resultados do seu trabalho, sejam produtos, sejam serviços, atinjam o seu objectivo de forma mais eficaz e eficiente, mas há aqui uma consideração que é eticamente válida. E nós vivemos numa altura em que se também pela aceleração que temos tido a nível de inovação tecnológica e mudanças de comportamento social e das dinâmicas política ou económicas, não sei, o quadro é tão vasto, se nós olharmos para isto, em que acho que nós temos cada vez mais como profissionais, independentemente de sermos designers, eu não estou a reclamar que preocupações éticas são preocupações exclusivas do design, mas têm que ser preocupações obrigatórias para um designer. Voltando à tua pergunta de se devemos promover, nós devemos promover jornadas de utilização, uma experiência de utilização que esteja ligada às necessidades intrínsecas que podem ser estudadas, o comportamento dos utilizadores pode ser estudado, nem sempre é autorreportado. Se eu te for perguntar hoje o que tu queres, tu vais me dizer uma coisa. Mas se eu for fazer a mesma pergunta amanhã, num outro ambiente, provavelmente tu vais-me mudar. E eu vou ficar muito baralhado. Então, o Zé Maria ontem disse-me que queria ABC, e hoje está-me a dizer que é XYZ. Ah, o Zé Maria é esquizofrénico, o Zé Maria é maluco, o Zé Maria... Depois... Escreve-nos. Não, estou obviamente a criar aqui pernas. Quando se eu for observar, se tu for observar nesse ambiente em que respondes à minha pergunta, se calhar o teu comportamento vai ser muito mais consistente do que aquilo que tu reportas. Quero com isto dizer o quê? É a importância da pesquisa, é a importância de não aceder, aceder, ceder provavelmente é a palavra certa, a agendas, decisões empresariais de querer provavelmente ter mais lucro ou acelerar o número de utilizadores ou ter mais utilizadores de métricas meramente de gestão do negócio e pensar nas pessoas.
José Maria Pimentel
Mas eu aqui, atenção, eu aqui falava, claro, são casos que eu imagino que para um 2-R como para qualquer pessoa que trabalha numa empresa, haverá muitas situações em que se vê um bocado entre a espada e a parede, por estar a fazer uma coisa que pode não ser necessariamente melhor para o utilizador. Mas aquilo que eu falava é algo que é melhor para o utilizador, mas não é melhor de imediato. Por exemplo, outro exemplo, entretanto, que é bom até para fazer a pontualização dos serviços, que é um exemplo que eu achei muito interessante na altura, que foi quando os IPA-mercados, acho que o Continente foi o primeiro a fazer isso, começaram a criar aquela história da fila única. E eu lembro-me das pessoas protestarem imenso com aquilo, que para mim, não sei qual é a tua visão em relação a isso, para mim desde o início foi evidente que aquilo era melhor, porque é muito fácil tu veres a quantidade de ineficiências que existem em teres 50 filas, se calhar um bocadinho exagero, mas 20 ou 30 filas num IPB mercado grande, obviamente, do ponto de vista de gestão de operações, quer dizer, qualquer pessoa percebe que é muito mais fácil ter uma fila que depois alimentar os outros, mas as pessoas reagiram muito àquilo inicialmente. Hoje em dia julgo que não. Ou seja, lá está, hoje em dia julgo que estamos num steady state, para continuar a usar esta expressão, melhor do que aquilo. Para os utilizadores foi melhor, mas implicou fazer uma coisa que lhes foi desagradável de início, ou seja, que provocou reações contra inicialmente. Porque
Daniel T. Santos
tem a ver com a reação à mudança e a percepção
José Maria Pimentel
de usabilidade.
Daniel T. Santos
Ou seja, tu tens uma percepção de usabilidade de algo que não experimentaste e se isto for a primeira vez, ou seja, tu não tens nenhum património de experiência que possas fazer uma comparação. É a primeira vez que estás a
José Maria Pimentel
comer comida do surubati. Então para
Daniel T. Santos
ti, te Vais para lá de cabeça aberta. Pensei no nome do país mais exato, exótico, me podia lembrar. Vais para lá de cabeça aberta, mas se tu já tiveres algum património de experiência, tu já tens modelos mentais, já tens pressupostos. Então, a tua perceção, de fila no supermercado esquerdo, tenho 4, 5 pessoas à frente, passas a ter 20, mas enquanto tu tinhas 4, 5 pessoas à frente para uma única caixa, tu passas a ter agora 20 pessoas e 20 caixas disponíveis. Mas a tua perceção é agora tenho uma fila muito maior e tenho que esperar mais tempo, mas na prática não tens que esperar mais tempo. Então a submissão das pessoas, submissão as pessoas experimentarem esse novo modelo organizacional da fila do supermercado e perceberem que é mais rápido. Eu por acaso não tenho, como vivo no centro de Lisboa e vivia no centro de Manchester e vivia no centro de Mumbai, já não tenho experiência de supermercado e hipermercado há muito tempo e os supermercados de bairro ainda tenho um modelo. Eu uso muito aquelas filas de self-checkout, que ainda me parece a maneira mais rápida de sair do supermercado com o meu objetivo cumprido, se forem poucas culpas, obviamente. Portanto, eu acho que tem a ver com isso, com a usabilidade percepcionada versus a experiência vivenciada. E eles tendem a serem ou confirmados, sobre uma coisa que ou mal vejam, isto é muito melhor, ou a anularem-se mutuamente, ou seja, a serem nudos. O contraste que havia inicial tende a ser zero, porque de facto a experiência é melhor.
José Maria Pimentel
Olá! Gostam do podcast? Se quiserem contribuir para a continuidade deste projeto E juntarem-se assim à comunidade de mecenas do 45° podem apoiá-lo através do Patreon desde 2€ por mês. Visitem o site em www.patreon.com, escreve-se p-a-t-r-e-o-n, barra 45° por extenso e vejam os benefícios associados a cada modalidade de contribuição. Desde já obrigado pelo apoio, mas para já voltamos à conversa. Então, mas até esta é uma boa ponta para falarmos de design de serviços, que é, lá está, se calhar até o menos intuitivo, ou das áreas de design menos intuitivas para as pessoas, o que é paradoxal em certo sentido, ou seja, é menos intuitivo porque a pessoa tem menos contacto com ele, embora na prática, como tu me dizias no outro dia, e é verdade, o setor dos serviços é o que tem mais peso na economia, tanto, quer dizer, sobre qualquer métrica, tanto em termos do pivo, como em termos do número de empresas, como em termos do número de pessoas que trabalha, é claramente o sector que tem mais peso e, portanto, onde, com tudo o resto igual, haveria maior aplicação do design. Aqui, se calhar o mais fácil até para explicar isso, o que é que é específico do design dos serviços que diferencia das outras áreas? No fundo trata-se, a lógica é idêntica no sentido em que tu tens alguém que utiliza aquele serviço, uma entidade que o presta, e trata-se... Ou várias. Ou várias, e quase sobretudo da parte de quem utiliza vários de certeza, e trata-se de tu tentares fazer a melhor intermediação entre os dois, mas há de ter uma série de especificidades. Sim, é mesmo, eu acho que é do caso, dentro dos
Daniel T. Santos
ramos de design, que é mais auto-explicativa, Estou a fazer aqui uma tradução de um estrangeirismo, não sei se haverá
José Maria Pimentel
uma expressão em português
Daniel T. Santos
melhor. O que é design de serviços? É o design de serviços. E o que é que é um serviço? Se calhar a pergunta também vai um pouco por aí. O que é que é o design de serviços? Sabendo que economias maduras ocidentais, dois terços, três quartos, andarão à volta do setor terciário, não é? De prestadores de serviços. E o design de serviços é uma orquestração. É uma orquestração do ponto de vista de quem usa o serviço, de nós percebermos qual é a jornada dessas pessoas e quando é que ela começa e como começa tradicionalmente antes do uso do serviço, durante o serviço e o pós-serviço. E essa orquestração é nós percebermos todos os momentos e estes momentos nós chamamos de pontos de contacto, quando as pessoas contactam com uma ou várias entidades prestadoras desse serviço e esses pontos de contacto se obedecem a vários canais que podem ser presenciais, podem ser digitais, podem ser os mídias, podem ser uma série de canais diferentes. E nós ao percebermos essa jornada, ao estudarmos a jornada atual das pessoas, nós vamos identificar uma série de barreiras, Porque essas pessoas que usam o serviço têm um objetivo. Tu vais ao supermercado, estávamos agora a falar do supermercado e do hipermercado, eu felizmente faço quase compras de dois em dois dias, porque também tem a ver com a oferta que eu tenho à minha volta. Se eu tivesse um hipermercado, se fosse fácil arranjar estacionamento no centro de Lisboa, Eu pegava no carro, ia ao supermercado, fazia as compras por mês e trazia-te. Por isso, o meu objetivo quando vou ao supermercado é comprar meia dúzia de coisas para aquele dia ou para o próximo dia. E tem uma série de barreiras que podem ser estudadas nessa jornada. E tem uma série, e essas barreiras podem ter até uma coisa que nós, prosaicamente, chamamos de pontos de dor. Há uma dor ali que deve ser tratada. E juntamente com esse ponto de dor há oportunidades que podem ser exploradas. Ou seja, do ponto de vista, se nós olharmos para o serviço como uma peça de teatro, aquilo que os utilizadores são, são a audiência e o que nós estamos a mostrar no palco são as interações, as interações que nós proporcionamos. Então, durante essa jornada no palco em que as pessoas vão percorrer o serviço com o seu objetivo, nós podemos desenhar as interações de forma a que elas atinjam o seu objetivo de forma mais eficiente, eficaz e ética. Isto pode ser orquestrar tecnologia, pode ser orquestrar espaços, pode ser orquestrar comunicação do ponto de vista do prestador de serviço para o utilizador ou para a pessoa que usa o serviço, no caso serviços públicos, o cidadão. Ou pessoas, porque também cidadão depois mete-se a questão de mas quem é estrangeiro e reside no
José Maria Pimentel
país e paga impostos.
Daniel T. Santos
Podemos fazer um episódio só disso. Ser humano. Porque lá está, porque as palavras têm todos um valor intrínseco muito interessante. Depois, do lado, detectar esses pontos de contato, esses pontos de dor, esses bloqueios ou barreiras que há no serviço. E para nós podermos proporcionar uma melhor experiência, uma experiência que seja mais eficiente, que vai fazer que essa pessoa regresse ao serviço e volte a utilizar ou até após utilizar o serviço, recomenda a outros amigos, faz isto, se tens o mesmo objetivo que eu, que eu utilizo este serviço. Do lado dos bastidores do palco nós temos a organização ou a entidade que é o fornecedor do serviço e toda a sua estrutura de fornecedores. Então aí nós vamos fazer uma espécie de engenharia de processos, vamos melhorar os processos dentro da própria organização para que A peça que sai cá para fora corresponde às necessidades, às expectativas e obvia só o comportamento que é documentado. Então daí a metáfora, mais uma vez, de uma arte cénica de orquestração. Orquestração de tecnologia, de processos, de pessoas, entidades, organizações, tendo como ponto, como building block, como
José Maria Pimentel
componente, é a jornada que o utilizador ou vários utilizadores tipo fazem com o nosso serviço. Se te lembrares, era Giro, dás-me um exemplo, acho que até para quem ouve, para tornar mais concreto, de... Quer dizer, um exemplo com o qual tenhas estado envolvido ou não, em que tenha sido feita justamente uma melhoria dessa interação do utilizador em conclusão desse processo, de perceber, no fundo, pegando essa analogia do teatro entre quem está no palco e quem está na audiência, percebendo o que é que podia ser melhorado
Daniel T. Santos
e de que forma é que a interação com o utilizador melhorou em consequência disso. Há milhares de casos e por mais estranho que pareça, às vezes são incrementos muito pequenos que são feitos. Há muitos da ciência comportamental, chamam-lhe de nudges, um toquezinho que é dado.
José Maria Pimentel
E faz todo sentido, na verdade, que seja assim.
Daniel T. Santos
Nós tivemos, recentemente, a testar protótipos num serviço público em que, na zona de atendimento, foi documentada a nossa pesquisa que as pessoas que lá estavam e os funcionários reportavam falta de privacidade, falta... Às vezes são assuntos que são sensíveis de serem tratados ou o ruído global do ambiente faz com que as pessoas tenham que falar mais alto ou falar mais alto tão a expor...
José Maria Pimentel
Se fosse o fórum delicado, estariam um bocadinho tensas e o ruído ainda piora.
Daniel T. Santos
E às vezes as pessoas, só na ansiedade de guardar as vezes, vão se aproximando
José Maria Pimentel
da zona de atendimento. No ano passado não aconteceu isso, curiosamente.
Daniel T. Santos
O que nós fizemos, e não estou a concretizar de propósito porque isto é um processo, é um projeto, concretizar o nome e o contexto, mas o que nós fizemos foi colocar fitas no chão, umas com relevo, outras sem relevo, com uma linguagem visual que as pessoas conhecem universalmente, que eram barras de 45 graus pretas e amarelas alternadas com 5 centímetros de largura e ficarmos a observar se aquele diâmetro era invadido ou não. E percebemos que tivemos um sucesso relativo naquela medida. Ou seja, as pessoas já não se acercam tanto. Claro que há aquelas pessoas com um caráter urgente que vão com... Demonstram uma ansiedade tão grande por informação que essas até podia pôr lá um muro, que eu tenho a certeza que o muro caía. Mas para as outras todas, foi clarinho com água e não havia uma única informação logocêntrica textual a dizer por favor não te respasse. Isto, voltando à nossa conversa inicial, O modelo mental das pessoas é que aquelas barras amarelas e pretas significam não ter passado. Estão habituadas a vê-las nas obras. Claro, claro. Sim, sim. Faz todo sentido. Outro exemplo de... E isto foi documentado em pesquisa. Fizemos uma pesquisa bastante robusta.
José Maria Pimentel
Sim, não surgiu de nada. Não foi humano. Não surgiu de nada. O perigo...
Daniel T. Santos
Há uma anedota que o Adam St. John Lawrence, que é um dos principais ativistas desta área, conta, e eu gosto muito de a reproduzir porque acho que é sintomático e demonstrativo do problema. Tenho outro que pedimos ficar aqui mais umas horas só a contar anedotas do problema de não se fazer pesquisa, o problema de se executar e não se perceber qual é o contexto que se está a trabalhar. Um aeroporto grande, na Alemanha,
José Maria Pimentel
com
Daniel T. Santos
departamentos competentes na parte de customers experience, marketing, operações, gestão, manutenção. Terão de ter uma reunião porque perceberam que os cidadãos séniors ou os utilizadores séniors de mais de 100 anos utilizam a casa de banho três vezes mais que os outros utilizadores. E eles têm isso medido, que já é espetacular, eles estão a medir os utilizadores que vão à casa de banho e têm dados demográficos, que não são o menor tipo de dados para se tirar conclusões, mas têm dados demográficos. Então fazem uma reunião, olha o que é que se passa aqui? Porquê é que nós temos cidadãos sénios a irem à casa de banho três vezes mais que os outros utilizadores? Se calhar eles têm problemas, o corpo já não funciona como dantes, se calhar temos que fazer mais casas de banho. Ou então, como são cidadãos, se é que nós temos que criar casas de banho mais
José Maria Pimentel
acessíveis, terem
Daniel T. Santos
melhores acessos. Ou então, se calhar, como eles vão lá e também provavelmente ficam lá mais tempo, colocarmos música na casa de banho, uma música mais alta, vá lá, para nos proporcionar uma experiência mais agradável. Enquanto as reuniões, Zé Maria, já estiveste em Camalta, 60 horas de axómetro na linha vermelha, a tentar adivinhar o que é que se passa. A equipa do Adam foi chamada como consultores e o que eles fizeram, ok, dei-nos uma semana, nós vamos tentar perceber. E mandou os investigadores deles para a casa de banho levar as mãos durante 6 horas. Estaram lá a levar as mãos e sempre que entrava alguém com o perfil descrito pelos dados que eles tinham recolhido, eles começavam a conversar com eles. Oséde, sabes porque é que eles iam para a casa de banho, os cidadãos, os utilizadores do aeroporto? Para ouvirem as chamadas do avião. Porque o aeroporto era demasiado ruidoso e eles iam para a casa de banho para tentar, sempre que ouviam, ok vou à casa de banho tentar perceber se é o meu voo. E este é o
José Maria Pimentel
risco.
Daniel T. Santos
E há... Nós também temos montes de exemplos. É este o risco que se corre quando não se faz pesquisa, ou quando se prescreve uma solução sem se perceber para quem é que estamos a trabalhar. Já não quero que vocês façam um map, mas um map porquê? Para quem? Porquê? Também já tivemos uma encomenda dessas. Nós quero que vocês façam um map. E nós fomos ao terreno, fomos perceber o público-alvo, que por acaso até eram menores, o que é muito sensível trabalhar com essa população. Então desenvolvemos ferramentas lúdicas para poder trabalhar com essa população, instruímos as pessoas que estavam com eles todos os dias, os professores, a aplicarem essas ferramentas de diagnóstico e percebemos que não só aquela população infantil-juvenil não cria apps, porque reportaram, os meus pais já passam demasiado tempo agarrados aos telemóveis, eu quero é fazer coisas que os envolvam e sem serem digitais, Como o próprio instrumento se tornou num objeto, o instrumento diagnóstico se tornou num objeto num resultado, ou seja, vai ser implementado agora como um jogo para desenvolver.
José Maria Pimentel
Ah, curioso, sim.
Daniel T. Santos
Então são este tipo de situações que acontecem quando não se faz pesquisa e muitas vezes, principalmente no mundo da publicidade, que eu nunca trabalhei, e perdoem se eu estiver a dizer alguma coisa que não seja precisa, mas conheço muita gente que trabalha e sei que é uma prática comum, por exemplo, os concursos, em que estão equipas durante semanas por vezes a trabalhar na expectativa de ganhar um concurso, sem serem ressuscitadas daquele investimento que fazem de tempo. E eu acho que isso é uma das fraquezas do design, é submeter-se a trabalhar dessa forma. Se a mim abordasse, se eu fosse dono de uma empresa e abordasse a minha empresa para participar num concurso, mesmo que o concurso, ou o concurso tinha que ser pago, aquele trabalho, e o trabalho que eu teria que fazer não teria que ser numa simulação do objeto final do concurso, mas um trabalho de pesquisa. Fazer pesquisa era o que vocês querem fazer a estas oportunidades aqui, em vez de fazer o artefacto. E há muito essa...
José Maria Pimentel
Seria o problema antes de propor a solução. Exatamente,
Daniel T. Santos
e acho que ainda há muito, por contingências várias, ainda há muito designer de empresa de design que não tem outra hipótese a não ser navegar o espaço da solução em vez de navegar o espaço do problema, antes de navegar o espaço da solução. Eu não tenho nada contra o espaço da solução. E voltando à conversa do design de serviços, tem muito a ver com isso. Se nós trabalhamos numa economia de serviços, setor terciário, nós temos que ter equipas multidisciplinares, onde os service designers são apenas mais uns, mas com este foco de entregar o serviço end-to-end, de uma ponta a outra, e perceber o end-to-end começa antes da utilização do serviço.
José Maria Pimentel
Isso que tu disses é um ótimo aponto para outra coisa que eu queria falar, que acho eu cada vez mais falado no mundo da gestão e eu até esta conversa até tinha um contato mesmo com isso, entretanto fui ler um bocadinho mais, que é a questão do design thinking, não sei como é que se traduz em português, pensar a designer ou alguma coisa do gente.
Daniel T. Santos
Dizem muito design sinking,
José Maria Pimentel
mas isso é
Daniel T. Santos
e às vezes é mesmo, às vezes é mesmo design sinking.
José Maria Pimentel
Eu por acaso gostaria de saber a tua opinião em relação a isso, porque parece-me ter como origem, justamente nisto que tu estás a falar, que é um enfoque que existe na área do design e que muitas vezes não existia instituído dentro das empresas que tinham caído em alguma complacência de, no fundo, achar que sabiam o que o consumidor, cliente, utilizador, whatever, queria. Esta moda do design thinking, este entusiasmo com o design thinking é, no fundo, tentar importar essa maneira de raciocinar e essa espécie de modelo mental, se quiser pausar a expressão de há pouco, para o âmbito da gestão. No meio do tratado eu fui percebendo que isto é uma área dada a paixões e ódios, ou seja, há quem seja fervorosamente a favor desta mitologia, há quem diga que não passa de uma moda. Eu confesso que tive alguma dificuldade em perceber, ou seja, percebo que há uma abordagem, com uma série de passos e tal, mas pareceu-me algo difuso, ou seja, pareceu-me que, depende muitas vezes da interpretação que é dada e da maneira como é aplicada. Tu enquanto designer como é que olhas para isso?
Daniel T. Santos
Eu olho para o design thinking como uma abordagem, não como uma antologia, mas como uma abordagem, como um set de... Uma abordagem processual, com um conjunto de ferramentas que podem fazer sentido ou não utilizar de acordo com o contexto. E o contexto é para quem é que nós estamos a trabalhar, quem é que está a escrever o cheque, que muitas vezes o destino a estar daquilo que nós fazemos não é a pessoa que nos passa os cheques e isso traz condições muito particulares no caso de design, que nós muitas vezes temos que dizer não a quem passa o cheque, em detrimento do estudo que fizemos, do comportamento da pessoa que
José Maria Pimentel
vai. Mas a questão é que para a pessoa que passa o cheque também é importante isso, ela por miopia é que pode não estar, ou por desconhecimento é que não está a ver isso. Sim,
Daniel T. Santos
mas esse exercício é mais fácil de falá-lo
José Maria Pimentel
do que de demonstrá-lo. O que eu li sobre isso é que, por exemplo, há muitas empresas que começaram a criar uma posição de, será, CDO, de Chief Design Officer, ou alguma coisa desse, ou de chief design officer. Sim, o Barclays foi uma delas, por exemplo. Ah, foi? Ah, curioso. Não sabia, por acaso. Sim, e
Daniel T. Santos
agora a pessoa que era CDO no Barclays até 2017, agora está em Madrid no BBVA
José Maria Pimentel
e foi buscar
Daniel T. Santos
o CEO da Designit, que era uma das, agora comprada pelo, agora há algum tempo comprada pela Accenture, se não
José Maria Pimentel
estou em erro, e foi buscar uma série de craques desta área para trabalhar e transformar o BVA em Espanha. Engraçado, depois não sabia disso, é curioso. E, de fundo, trata-se de trazer para a mesa do board, ou seja, para a mesa da administração, a pessoa que é responsável por essa componente do negócio, se quiseres, de modo a que isso passe a ter uma importância que não tinha até ali. Eu apanhei uma entrevista com a, como é que ela se chama, com a Indra Nui, não sei como é que se pronuncia o nome, com a CEO da Pepsi, que ela falava, quer dizer, estava a falar em causa própria, portanto não sei se o caso é particularmente exemplificativo, mas ela falava do facto de eles terem trazido esse, de terem ido buscar um responsável agressor e terem trazido para a mesa decisões e isso ter passado a ter uma importância que não tinha até
Daniel T. Santos
ali. Mas aí eu vejo o design a ser usado como uma ferramenta estratégica. O design thinking, eu vou-te dizer, é uma abordagem. Da mesma forma que em empresas tecnológicas tu podes ter o Lean, o Agile e
José Maria Pimentel
tantas
Daniel T. Santos
outras abordagens que tu podes usar na resolução de problemas e de gestão de produto e projetos. Usar o design como abordagem estratégica, trazer um cd ou trazer alguém para o bordo de executivos que representa o design é uma coisa ligeiramente diferente, que pode ser o aplicando processos de design thinking na organização toda ou não.
José Maria Pimentel
E há dois estudos
Daniel T. Santos
muito interessantes, ambos que duraram dez anos, são estudos consistentes e que tentam perceber tendências. Um, que é o Value Index da Design Council, que estuda Financial Times top 100, o FES 100, são empresas menor cotadas pelo Financial Times e percebe que 61 empresas do período de 1995 até 2005 ou 94 de 2004, portanto num período pré-era digital, em que o digital está a dar os primeiros passos. As empresas design-driven, ou seja, que usavam um design como elemento diferenciador na sua estratégia, do ponto de vista executivo, tático e operacional, tinham performance melhores na casa dos 200% consistentemente durante 10 anos.
José Maria Pimentel
Depois
Daniel T. Santos
e o design management institute é americano, então já estudou a standard and poor 500, o index, e chama-lhe design value index e estudou desde 2005 a 2015, portanto já aparece aqui a era digital e estudou apenas 16 empresas que, de acordo com os critérios, são 6 critérios que eles definiram para definir empresas design led, ou seja, empresas que são... A força motriz delas, ou uma das forças motriz é usarem o design como ferramenta estratégica e comparou-as em relação aos outros do mesmo índex da Standard & Poor's a 500 e tiveram performas de 211% melhores que as outras. Então nós aqui estamos a perceber isto tem muito a ver também com o ciclo económico dos negócios que provavelmente saberás isto muito melhor que eu e corrija-nos se eu estiver a dizer algo mais neira, mas depois dos anos 50 e 60 começou a ser cada vez mais curto. Ou seja, até os anos 50 e 60, que eram os anos das grandes produção em massa, em que tinha ciclos dos inovadores, mesmo longos, depois dos followers, dos primeiros que seguiam relativamente longos, depois tinham os lagas, os que se atrasavam e quando o mercado ficava saturado, mas era uma coisa mais ou menos previsível. Hoje em dia este ciclo é muito mais longo, é muito mais curto, quer dizer, ou seja, repete-se muito mais vezes. E aqui o design, claramente como uma disciplina diferenciadora para trazer inovação, pelo caráter processual que aplica na maneira como se produz valor, estamos a falar agora de valor do ponto de vista do mercado.
José Maria Pimentel
E pela compreensão do utilizador no fundo.
Daniel T. Santos
E pela compreensão do utilizador. Ou seja, como o processo que reduz ineficiências diante da compreensão do utilizador, aquilo que ele faz e aquilo que as entidades oferecem, torna-se um elemento diferenciador para o início da bell curve, para o início dos early adopters e dos innovators. Essas coisas não são por acaso tão bem documentadas e temos dois estudos que combinados são 20 anos, provavelmente na altura em que a economia acelera mais, porque é na altura em que a economia começam a entrar as tecnologias digitais e as grandes empresas tecnológicas, e o design aparece como um elemento diferenciador. O design thinking, e voltando à tua pergunta, é uma abordagem que tem tido um sucesso relativo, mas não é design estratégico. Ou seja, é uma abordagem que teve que ser simples o suficiente para poder explicar a pessoas que não tiveram nem treino, nem experiência a trabalhar no processo de design, de uma forma muito condensada e por vezes até simplista, mas que de facto põe as pessoas... O que é mais importante? É eu ter-te a ti que trabalhas no mundo financeiro a perceber quais são as... Como é que as pessoas, mesmo que seja de uma maneira ingênua ou de uma maneira superficial, o que é que as pessoas que utilizam os serviços ou os produtos que tu geras, a perceber o que é que é... Qual é o comportamento delas, eu prefiro ter-te a ti a perceber isso, mesmo que seja de uma forma superficial, a ter de atirar, a não perceber de todo. E a sentar em reuniões com os outros executivos a tentar adivinhar. E o design thinking traz essa capacidade, ou essa promessa pelo menos. Pois claro, há modelos de negócio que são criados à volta da comercialização dessa abordagem, em que a vendem como uma espécie de vareta mágica, em que... E depois é como aquele sistema de fotocópia, não é? Tu tiras uma fotocópia de uma folha e depois se voltas a tirar
José Maria Pimentel
cópia de cópia de cópia. Chegas
Daniel T. Santos
ao fim e percebes o que é que causa essas reações defensivas, porque de facto há coisas que são muito superficiais e quase que se repetem sem se perceber o objetivo pelo qual se está... Mas é uma abordagem extremamente poderosa se tu pensares na rapidez com que consegue mudar modelos mentais de pessoas, os profissionais a trabalhar em entretenimento. E não é tão recente como isso. Se nós dizerem isso, que eu estava ali a ver nas notas, é de 1970. A primeira vez que aparece o termo design thinking e foi um cientista comportamental de seu nome. Eu não sou académico, mas eu tenho aqui as minhas notas. Herbert Simon, que por acaso até foi o prémio Nobel, que escreveu a primeira vez e que referiu a importância de trazer o processo de design...
José Maria Pimentel
É o economista Leo, acho eu. Sim, sim, Sim. Eu ia falar dele há bocadinho, por acaso, que ele tinha uma definição de design curiosa, ele dizia, que também deves ter apanhado, ele dizia que todas as... Não sei como é que isto se diz em português, profissões aplicadas a alguma coisa, quer dizer, isto no fundo, por exemplo, áreas como a medicina ou o direito não são... Medicina é um bom exemplo. Medicina não é estar ali cerçada na ciência, mas não é uma ciência, é uma prática. Ele dizia todas as práticas nesse sentido, todas as... Ele chamava-as professional training, são em certo sentido design, porque são em certo sentido uma solução aplicada
Daniel T. Santos
para um problema e para outro. E tem processos bem definidos, processos que podem ser claramente otimizados e melhorados.
José Maria Pimentel
E diferentes das ciências, que no fundo a ciência tem como objetivo perceber como é que algo funciona. Gerar conhecimento. Gerar conhecimento e para depois ser mais tarde aplicado. Exatamente. E não paga. Uma solução concreta. Mas é
Daniel T. Santos
interessante que usa a palavra da solução concreta e o que eu acho, e fazendo agora se calhar até um certo jogo de palavras, o que acontece com muito dessas ferramentas e depois da maneira como elas chegam às pessoas, por quem as leva às pessoas, é que há uma dissolução concreta. Ou seja, elas começam a se dissolver, começam a se transformar, muitas vezes em sucedênios. Nós, na nossa prática, não usamos o termo design thinking de propósito nenhuma vez, porque é um termo que está contaminado, principalmente em Portugal, em que há a perceção de, ah eu já fiz um
José Maria Pimentel
workshop, ou,
Daniel T. Santos
ah eu já vi briefs assim, e o brief é uma encomenda, queremos que vocês venham a fazer um processo de design thinking, ou queremos que vocês... E eu percebo que é que as pessoas querem dizer, que quer dizer, venham trabalhar de forma diferente, porque business as usual já não está a funcionar conosco. Venho-nos ajudar a perceber como é que nós podemos abordar isto de forma diferente. E voltando ao exemplo do Design Management Institute e do Design Council, essas empresas design-led são as que se estão a destacar e destacaram-se durante aquele período de tempo precisamente porque não abordaram a área de negócio como abordaram nas décadas anteriores. Perceberam que tinham que fazer as coisas diferentes. E fazer as coisas diferentes, na minha prática de design de serviços, é perceber primeiramente o que é o serviço, quem são as pessoas que estão envolvidas no serviço, como é que elas utilizam o serviço, perceber quais são as ineficiências que há no serviço e melhorá-las incrementalmente ou às vezes de forma disruptiva.
José Maria Pimentel
O que me parece, vendo de fora, mas tendo alguma experiência com outras coisas do género, o design team neste caso não é muito diferente de outros tipos de coisas aplicadas à gestão que é sempre por várias especificidades do setor empresarial, acabam por funcionar de uma maneira que depois entram rapidamente numa caricatura e entram sobretudo, acabam por ser vendidas como uma espécie de panaceia, quando na prática, para usar a tua expressão de há pouco, são sobretudo nudges, ou seja, são sobretudo chamadas de atenção para teres mais cuidado em fazer uma coisa de outra forma, para não te esquecer, muitas vezes é quase uma tcheklística, não te esqueceres de fazer isto, não é? Ou ter atenção, ou tentar perceber ao máximo o que o utilizador do teu serviço pretende, é quase um truísmo em certo sentido e no entanto muitas vezes não é feito. Porquê? Porque no meio da voragem de outras coisas mais
Daniel T. Santos
iminentes, as pessoas acabam por pôr isso de parte. Quem faz investigação e tu fazes, por exemplo, para todos os episódios e preparas-te bem, quando é que tu sabes que tens que parar? Quando é que tu sabes, já fiz investigação que chegue?
José Maria Pimentel
Eu presumo que não seja fácil. E
Daniel T. Santos
o mesmo acontece connosco quando estamos em processo de investigação. Ou seja, tu podes estar sempre a aprofundar e vais sempre encontrar petróleo e tipos de diferentes petróleo. Agora, tu tens que encontrar, e há um livro muito bom da Erika Hall que se chama Just Enough Research, não é o que eu trago hoje, mas deixo-vos a recomendação, que é mesmo isso, é quando é que tu paras de levantar conhecimento e o materializas. Porque há aqui coisas que para mim, no processo de design, estão muito cristalizadas do ponto de vista de me sentir muito à vontade. Cristalizadas nesse sentido. Que é, onde começa, começa por perceber qual é o contexto, qual é o problema, qual é o problema certo, para depois o resolver da maneira correta. E resolver da maneira correta passa por devolver também a investigação e o conhecimento que foi gerado na investigação aos próprios utilizadores e aos próprios fornecedores de serviço. E muitas vezes trazê-los juntos para a mesma sala e dizer isto foi o que nós descobrimos, ajudem-nos a dar peso. Ou isto foi o que nós descobrimos e isto são as oportunidades que nós encontramos. Gerem ideias. E são coisas que as pessoas não estão habituadas, mas tipo, não é isto, porque é um outro dos arquétipos do designer é o que é o criativo que gera ideias, mas já lá vamos. Ajudem-nos a gerar ideias, mas se todas essas ideias são menos exercícios narrativos, se não forem materializadas. Uma ideia sem sair do papel é só uma ideia. Tu achas que ter 10 pessoas a lerem a mesma ideia terem 10 interpretações diferentes porque elas trazem mais uma vez os seus modelos mentais, as suas experiências, a sua carga, e seus enviasamentos. Por isso é a materialização da ideia e a submissão dessa ideia a teste que é o vai ou não vai, que é o que decide de facto essas coisas. Por isso quando é que paras? Paras quando tens material suficiente para materializar. Passa a redundância das palavras, mas quando já tens conhecimento suficiente, quando já levantaste dados e informação suficiente para materializar de alguma forma e testá-lo, porque é isso que vai validar. O
José Maria Pimentel
que não deve ser fácil também.
Daniel T. Santos
Não é, não é fácil. Exige uma humildade tremenda, porque tu queres... O nosso cérebro é super rápido em encontrar soluções, super rápido. Eu não sei se já tiveste alguma situação em que, talvez tarde de noite, estás numa rua que não conheces e vês um grupo de pessoas a vir na tua direção e tu não queres correr o risco de perceber se naquele passeio estreito se vai correr tudo bem e se as pessoas vão desviar e tu... Há essa análise que faz-se super rápido e decides se calhar atravessar a rua ou decides entrar em algum lado e deixar porque lá está a primeira relação, não me sinto seguro ou antecipo que isto não vá correr
José Maria Pimentel
bem. É um processo inconsciente. É um processo inconsciente.
Daniel T. Santos
É muito difícil quando tu estás num processo de investigação de parado com problemas, tu controlas o teu cérebro e dizes, pá, a solução seria isto. É mesmo difícil. Nós até usamos a metáfora do parque de estacionamento, em que estacionamos as ideias que vamos tendo durante o processo de investigação, para não deixarmos que isso contamine os restantes passos do processo. Que tem a ver mais uma vez com a cocriação, em trazer as pessoas que são também os tomadores de serviços e envolvê-los no processo de leitura de informação, geração de ideias, que nem sempre é possível, mas estou a falar dos três passos principais do processo, que tem a ver com investigar, a geração de ideias, a incocriação e depois o teste e experimentação. Eu se não tiver orçamento para fazer as três, eu sei qual é o que eu faço. Eu faço investigação. Eu não vou experimentar soluções sem saber se o problema que eu estou a resolver é correto, enquanto se eu posso só produzir um relatório, mas em que defino o problema e o entrego ao meu cliente e tenho a esperança de pronto, com o orçamento que ele tinha para me pagar, mas só pode ser que agora consiga internamente implementar a solução ou testar a solução porque eu
José Maria Pimentel
fiz metade do trabalho, o trabalho mais importante, que é definir o problema corretamente. Mas essa atenção aos nossos enviasamentos é uma coisa que eu achei muito interessante, por acaso, ou seja, a atenção da área do design e, sobretudo, neste ponto de vista do processo que está associado aos nossos enviasamentos cognitivos é interessante. Tu falavas, acho que era a primeira vez que falo disso no podcast, nós temos uma, como tu dizias, nós temos uma ânsia de decidir, no sentido de decidirmos, às vezes, é decidir a nossa opinião sobre. Exatamente. Pois nós lidamos muito mal com a incerteza e com manter as coisas no ar. Tu começas a ler sobre um determinado assunto e rapidamente tu enveredas por uma opinião, a ou b, e depois daí em diante é confirmation bias, não é? Daí em diante vais procurar aquilo que confirma a tua opinião. E é muito difícil, é impossível fazê-lo se não tiveres ativamente esse cuidado, ou há quem o tiver por ti, contrariar essa tendência para fazer isso. E o design é engraçado porque, isso para mim foi relativamente surpreendente, depois percebi que isso permeia o design noutras vertentes, no fundo uma atenção às especificidades da cognição humana. Tu há pouco falavas dos nudges outra vez, que está muito ligado à economia comportamental, de percebendo os nossos enviesamentos e fazendo pequenas correções marginais, no fundo, para melhorar. Pegando aquele exemplo lá, um bocadinho, da máquina multibank, aquilo lá é um nedos no fundo, vamos trocar isto, este pequeno alteração de repente produz 40%, não sei quanto é que era, 40% menos gasto de papel ou uma coisa qualquer de género. E isso é interessante, mas O que eu fico a pensar é de onde é que vem essa ligação da psicologia, por exemplo, ao design? É uma coisa que está na origem da... Eu creio... Eu
Daniel T. Santos
não sei dar uma resposta científica em relação a isso. Ou seja, acho todos que a minha percepção é porque design é uma disciplina que, para ser bem sucedida no seu propósito, é altamente multidisciplinar.
José Maria Pimentel
Pois, exatamente. É
Daniel T. Santos
multidisciplinar. Eu próprio, a minha formação de base, a minha licenciatura, são artes digitais. Ou seja, eu trabalhei muito com isto durante a minha licenciatura, com comidia. Eu não tenho... A minha formação de design faz-se na indústria, porque eu faço um projeto final de licenciatura, que era de 5 anos, na altura, em que faço um jogo georreferenciado de realidade mista, era este. O que é realidade mista? Era realidade mista, na altura ainda nem sequer havia smartphones e nós estávamos a usar um telemóvel da Nokia que agora nem me lembro. Tínhamos o patrocínio da FNAC, da IBM e na altura da Optimus, que peço desculpa pela publicidade, se agora é que me estou a
José Maria Pimentel
lembrar. É, publicidade bosta-me, portanto não há problema que a Optimus já... Sim, isto já foi em
Daniel T. Santos
2004. E o que nós fizemos foi usar um telemóvel que funcionava como um modem portátil, ligado a um portátil, que eram os Thinkpads, que passavam um trator em cima e que não partia, que eram mesmo robustos. E tínhamos equipas no porto, equipas de jogadores, atrás de pistas num mapa em que eles se viam, isto bem antes do Google Maps, em que eles se viam em tempo real onde é que eles estavam, onde é que a equipa adversária estava e podiam sabotar as pistas uns dos outros e falavam com uma espécie de mastermind em tempo real, também em chat em tempo real. Para aquilo não houve nenhuma confusão, aquilo foi muito mais um serviço do que um gadget tecnológico. Nós na altura trabalhamos com uma malta do Inesc que estava a trabalhar numa tecnologia, Inesc do Porto, que era... Como é que era? Environment Intelligence, ou seja, basicamente o que eles queriam era tinham modems inteligentes que detectavam a presença de dispositivos e mandavam automaticamente conteúdo para esses dispositivos. Então, nós conduzíamos, tínhamos que conduzir as equipas a espaços fechados onde havia essa tecnologia e depois eles descarregavam as pistas para os seus. E às vezes tinham pistas também que eram meramente anológicas. Encutando a história, e acabo a licenciatura por ter tido este projeto e tenho uma startup que está a ser criada, que me convida a ser designer de interfaces, porque vira um interface do jogo, que nem tinha sido eu a desenhar, mas tinha pedido alguém, o Jorge Marques, grande designer, para me fazer e começo a trabalhar em user interface sem nunca ter sido designer na vida. Então eu aprendo por paixão, muita leitura, muito tutorial, porque a minha formação de base tem a design class. Claro que depois faço uma carreira toda em design, faço pós-gradações e mestrado já, e sim, na área de design. Mas isto quer dizer o que? Eu conheço designers brilhantes, brilhantes, que vêm da área da sociologia, por exemplo, que vêm da área da psicologia, que vêm de áreas de ciências e depois perceberam que era ali que eles queriam estar e que se desenvolveram sem terem o conhecimento académico. Conheço equipas de design brilhantes que são compostas por psicólogos, sociólogos, engenheiros. Então, e quando trabalhas em equipa há muito este fluxo de conhecimento, não
José Maria Pimentel
é? Há uma complementaridade até. Faz sentido, não é? Porque sendo aplicado a perceber pessoas, no fundo tens uma série de... E as
Daniel T. Santos
ferramentas, que fomos só para terminar, E muitas das ferramentas que são hoje tidas como ferramentas de, por exemplo, design de serviços, são ferramentas de etnografia. Não é que vieram de fora, não se reinventa a roda. Há muito esse princípio entre os profissionais, nós não vamos reinventar a roda. Nós não vamos estar aqui a fazer inovações disruptivas com princípios tecnológicos se conseguimos resolver a coisa
José Maria Pimentel
de outra forma. O que me parece é que, e agora sobretudo a ouvir-te descrever isso, é que a área do design funciona como uma espécie de aglutinador, de agregador de uma série de fontes de conhecimento
Daniel T. Santos
diferentes. Mais antigas até, porque... Sim, é
José Maria Pimentel
quase uma prática muito eclética do ponto de vista da origem da informação. Não,
Daniel T. Santos
a mulher é simpática de opor, mas eu concordo com ela, concordo com essa visão holística, quer do ponto de vista do âmbito, onde o design se pode envolver, e eu acho que alterações climáticas são um problema de design também. Eu acho que os problemas políticos que nós vemos atualmente são um problema também. Por
José Maria Pimentel
acaso as alterações climáticas é um exemplo muito giro porque nesse sentido lá eu concordo que são um problema de design, ou seja, tu tens um problema de... Como é que tu ligas o... Tu tens os utilizadores que neste caso basicamente é a humanidade toda e a que aí vem. E a que aí vem. Não é só a humanidade toda atual. E nós já contribuímos para
Daniel T. Santos
essa também recentemente. Exatamente, nós
José Maria Pimentel
também já fizemos a nossa. Bem, eu não fiz a nossa, não fizemos a nossa cota, fizemos parte dela. Mas, entretanto, há um problema de dissonância que tem muito que ver com os nossos enviasamentos cognitivos de não nos parecer urgente, não é? Porque não o sentimos na pele e é um problema que torna-se muito difícil regimentar força suficiente para resolver esse problema. E, portanto, nesse sentido é um problema de design, não é? Ou seja, existem várias soluções possíveis, existem as necessidades dos utilizadores, mas não é muito fácil casar as duas coisas, sobretudo porque, muitas vezes, os próprios utilizadores não têm, como há variável tempo que é dilatada, muitas vezes não tem a noção até dessa capacidade.
Daniel T. Santos
Mas pronto, eu disse isso até pela própria complexidade, que eu acho que o design enquanto processo ajuda a quebrar complexidade em mínimos de dominadores comuns, que sejam mais... Não é a única disciplina que faz isso, mas faz isso muito bem em colaboração com outras, mas ajuda a quebrar essa complexidade, ajuda a estruturar, a identificar passos pequenos que possam, combinados, são combinados a serem passos gigantes para resolver... Há uma expressão que eu não sei como é que se traduz para... Eu traduzo como problemas complexos mas o inglês é o wicked problems que são... Ah sim, sim, também me conhece. Ou os sticky problems, que é muito interessante.
José Maria Pimentel
Sim, problemas ambíguos, ultra complexos, que são difíceis de definir. Exatamente. E que variam da cor de cabeça
Daniel T. Santos
com a perspectiva.
José Maria Pimentel
Até porque wicked problems, interpretado literalmente, parece uma coisa estranha. Muito. E sticky também. Exatamente. Enfim, Daniel, vamos ao livro então. Não sei qual é que é, mas agora estou curioso.
Daniel T. Santos
Eu, por acaso, é um livro que tem muito a ver com design e com design a nível estratégico e o design usado para a resolução destes wicked problems, que é do Dan Hill, que é o Dark Matter and Trojan Horses. Não há o livro em português, mas fala da matéria negra, não é? Que são estes contextos políticos, económicos, sociais, ambientais e como é que o design usado estrategicamente pode ser um cavalo de troia para ajudar a resolver e a trazer num primeiro nível uma melhor compreensão. É muita piada isso. Sim, é muito interessante o livro.
José Maria Pimentel
Pois é, exatamente isto que estamos a falar agora. Sim, é muito interessante o livro. Por isso é que tu falaste disso. Já estávamos a fazer a ponta com o livro. Eu acho
Daniel T. Santos
que há dado a altura. Não sei se isso acontece contigo quando com acesso a conhecimento, seja por via de artigos científicos, a livros e outros canais, que os incorporas. É conhecimento que depois fica incorporado, que é transmitido e que acaba por ser diluído na tua prática, na tua narrativa e do primeiro ano. Eu fiquei entranhado, não é assim? Eu fiquei entranhado. Onde é que eu fui buscar isto? E depois às vezes leio livros a segunda vez. Ah, é verdade, eu estou a dizer isto e a primeira pessoa a dizer que todos os produtos são serviços disse-o em 1824, ou aliás, 1848, que era um senhor francês chamado Bastiat, e que disse que os serviços estavam no princípio, no meio e no fim de tudo. Isto foi bem no auge da primeira revolução industrial. E estava relacionado com a questão de ter que se... Dos serviços terem se... Distinguir uns dos outros e os produtos. Depois também há uns senhores que em 2004 escreveram o serviço Dominant Logic, que é uma peça de Martin, é das mais citadas academicamente neste século e que basicamente dizem essas coisas, dizem que toda a atividade económica é maioritariamente baseada em serviços e o ciclo, aquela história do ciclo económico de negócio é cada vez mais curto e é conduzido pela inovação, ou seja, quem inova é quem vai à frente, é quem tem a maior fatia de mercado e o design é o motor dessa inovação. Então, essas três componentes que é muito interessante. E isso é design utilizado ao nível estratégico, no nível de uma organização, como todos sabemos, temos o nível estratégico, tático e operacional e talvez por ser uma disciplina mais recente, que por exemplo a engenharia, o design tem estado relegado para nível operacional de executar e tático no máximo, quando temos um gestor a gerir outros designers, que também é gestor, mas tem mais experiência que os outros designers, também é designer, quero dizer, mas tem mais experiência que os outros designers, é promovido à carga de gestor. E muitas vezes perde-se um técnico famoso e ele é um péssimo gestor por causa dessa lógica.
José Maria Pimentel
Eu imagino que tenha a ver também com alguma coisa que acontece também com os recursos humanos e acontecia até pouco tempo com o marketing e tem a ver com também ter um impacto mais indireto sobre a atividade. A pessoa que gera as finanças da empresa ou a pessoa que gera a produção tem um impacto direto sobre a atividade e muito palpável. O design, os recursos humanos, o marketing, por exemplo, são tudo áreas que muitas vezes até em empresas específicas podem ter sido muito mais importantes no sentido de... Não é mais importantes, fazerem mais a diferença na variação relativa, sobretudo em relação à concorrência, mas como tem um efeito mais indireto e mais difuso, não é tão perceptível e demoram a ganhar esse protagonismo. Sempre
Daniel T. Santos
tem muitas intangibilidades. Por exemplo, houve durante anos uma narrativa que dizia que as decisões de compras eram meramente racionais, então existia-se muito uma série de posicionamentos de marca e está mais provado que são emocionais. E eu percebo a importância de departamentos financeiros e departamentos de gestão, porque têm métricas maduras, bem definidas e visíveis, para toda a organização perceber o que é que são valorizados, mas finalmente estás a perceber que o design, apesar de ter todas as suas intangibilidades e... Como é que eu quero dizer? Linhas, linhas, muténos por vezes, definir onde é que acaba e onde é que começa, mas é, por exemplo, a disciplina muito mais do que disciplinas financeiras ou de gestão, que traz inovação para dentro das organizações, pela própria abordagem processual que têm. Então, são todas necessárias, mas no momento em que é preciso inovar, apresentar novas propostas de valor, o design é muito mais essencial do que as disciplinas de gestão ou disciplinas de engenharia que tradicionalmente, ou de forma clássica, vão estudar como é que se pode escalar os processos e aumentar a eficiência. Até que depois não é possível esticar mais e nessa altura provavelmente o mercado já está cheio de gente a oferecer o mesmo tipo de serviço ou valor que tu inicialmente ofereceste.
José Maria Pimentel
Exatamente, sobretudo parece-me ter mais potencial para fazer a diferença, ou seja, para diferenciar nesse sentido. Por acaso nem falámos da psicologia, até nem falámos da questão das emoções, que também eu acho interessante. Eu lembro de ter, vejo uma cadeira de comportamento do consumidor, havia uma decisão que eu acho que, não sei se isso não vem ao urso justamente da área do design, não sei se isto é familiar, mas tinha que ver com... Acho que isto tem várias formulações diferentes. Aquela que eu aprendi era, nós temos três tipos de necessidades, a primeira que é mais intuitiva, tem que ver com as necessidades funcionais, queremos uma coisa, queremos uma escova, comprar a escova de dentes que melhore, nos limpe os dentes. Depois tens as chamadas necessidades hedonistas ou hedónicas, que têm a ver com coisas que te dão prazer, ou seja, sei lá, comer um chocolate ou uma coisa de qualquer tipo de género e depois as identitárias que têm que ver com coisas que te permitem projetar socialmente. Vais comprar o BMW porque aquilo tem lá o símbolo da BMW, ou o carro desportivo porque aquilo transmite um certo status ou uma coisa de qualquer tipo de género. E o design é uma área que tem muita atenção a isso porque, claro que está, para tu fazeres um carro que apela a esse lado identitário, de te dar uma identidade peculiar, vai ser um carro diferente do que aquilo que te dá gozo conduzir ou do que aquilo que é estritamente funcional.
Daniel T. Santos
Sim, mas, todavia, hoje em dia a grande problemática que se coloca não é tanto a identidade, ou criares a tua identidade pelo aquilo que consomes, de alguma maneira estou a falar desta forma de propósito, mas se calhar crias a atividade daquilo que não consomes, ou seja, eu se calhar não compro um carro, e por acaso tenho um carro, mas se calhar não compro o carro e utilizo um serviço utilitário que me leve de ponto A a ponto B, mas não vou comprar um objeto que 90% do tempo está parado. Claro, claro. E aí a identidade e a afirmação pela cadeia de valores está muito mais relacionada com a minha relação com o serviço que é muito funcional, que é muito utilitária, muito mais do que os valores da marca, muito mais do que os valores da marca. Da mesma forma, isto está a acontecer muito por conta da tecnologia, muito por conta de as grandes enterprises, os grandes corporativos não se reinventarem. Depois aparecem estes agentes na toalha, se calhar as fintechs que estão...
José Maria Pimentel
Sim, já falei disso no podcast.
Daniel T. Santos
Em muitos níveis, se calhar dá a dor de cabeça a legisladores e a... Mas, para actually, eles estão a responder a necessidades que estão bem documentadas e que eles provavelmente identificaram, porque procuraram esse nicho,
José Maria Pimentel
procuraram esse nicho de elevadores. Sim, claro. Ok. Daniel, obrigado por teres vindo.
Daniel T. Santos
Muito obrigado, Zé, e até à próxima.
José Maria Pimentel
Esperem, ainda não acabou. Já depois de gravarmos o Daniel, lembrou-se de outros exemplos de design de serviços de referência, resolveu partilhá-los comigo e eu acho que vale a pena referi-los aqui rapidamente. Um deles é o Revolut, uma empresa que, entre outras coisas, emite um cartão de débito pré-pago, e da qual falei no episódio com a Fonsoessa. O Daniel elogia tanto o processo de pedir o cartão, que é rápido e fácil, como o próprio cuidado que foi dado ao design do cartão e à caixa em que ele nos chega à casa. Um pouco ao estilo do packaging da Apple, que nos faz sentir especiais por termos aquele produto. Outro exemplo, na área dos serviços financeiros, neste caso português, é o MBWay, uma aplicação que permite fazer, rapidamente e com facilidade, uma série de operações bancárias apenas utilizando um telemóvel. Noutro setor, o Citizen M é uma cadeia de hotéis holandesa que opera na Europa e que oferece aos hóspedes uma série de opções muito originais e práticas, desde o self-check-in ao controle completo de todos os artefactos e dispositivos que encontramos no quarto, desde o tipo de chuveiro ao tipo de luzes, à maneira como a televisão está configurada, etc. Finalmente, entre serviços públicos, o Daniel destaca os transportes intermodais do Porto, que são um exemplo de usabilidade, e a linha de saúde 24. Esta última usei ainda recentemente e confirmo que funciona muito bem, facilita a vida aos utentes e ao mesmo tempo alevia as urgências dos hospitais. Gostaram deste episódio? Se encontram o valor no 45°, Existem várias formas de contribuir para a continuidade deste projeto. Podem avaliá-lo na aplicação que utilizam, seja ela o iTunes, Spotify, Stitcher ou outra, e podem também partilhá-lo com amigos e comentá-lo nas vossas páginas ou redes sociais. Se acharem mesmo que merece e puderem fazê-lo, podem ainda tornar-se mecenas deste podcast através do Patreon ou do Paypal. Com esse apoio estão a contribuir para a viabilidade deste projeto, que passa a ser também um bocadinho vosso. Para além disso, obtêm em troca vários benefícios como, por exemplo, o acesso ao Backstage do podcast e também a possibilidade de sugerir perguntas aos convidados. No fim do dia, já se sabe, são os ouvintes que tornam possível um projeto destes. Ouvintes como Gustavo Pimenta, João Vítor Baltazar, Salvador Cunha, Ana Mateus, Nelson Teodoro, Paulo Ferreira, Duarte Dória, João Castanheira, Tiago Leite, Gonçalo Martins, entre outros mecenas, a quem agradeço e cujos nomes podem encontrar na descrição deste episódio. Até à próxima!