#55 Joana Amaral Dias Psicologia Política: personalidade, emoção, moral e cognição

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José Maria Pimentel
Bem-vindos. Neste episódio converso com Joana Amaral Dias, psicóloga, comentadora e antiga política, sobre psicologia política, que é um dos temas que mais me tem dado que pensar nos últimos tempos, sobretudo desde que gravei a série de episódios sobre orientações políticas. Andava eu já resignado, convencido que não existia nada em português publicado sobre o tema, quando o amigo que sabia desse meu interesse me ofereceu o livro da convidada no Natal, O Cérebro da política, assim que se chama, como a personalidade, emoção e cognição influenciam as coisas políticas. E é que eu saiba o único livro publicado em Portugal que aborda este tema. A jornal, aliás, acaba por ter credenciais dificilmente igualáveis para investigar esta área, uma vez que ali há a formação e experiência clínica em psicologia à experiência da política ativa. A área da psicologia política dedica-se então ao estudo de como as diferenças psicológicas entre as pessoas, como a personalidade, as emoções, os valores ou mesmo a cognição ajudam a explicar, por exemplo, o eterno mistério de duas pessoas igualmente bem-intencionadas e igualmente capazes de chegar a visões políticas por vezes antagónicas. Dito isto, vale a pena se calhar esclarecer que o objetivo da psicologia política não é, obviamente, reduzir a política à psicologia. Claro que o nosso egoísmo nos leva a alinhar com visões políticas que defendam a nossa posição na sociedade, por exemplo, e é óbvio que o meio em que nascemos influencia a nossa posição. Mas o que é incrível e que a psicologia política ajuda a explicar é que isso não é suficiente para explicar porque é que pessoas, como por exemplo dois irmãos que nasceram no mesmo meio e receberam a mesma educação, continuam a ter muitas vezes visões políticas muito diferentes. Durante a conversa, falámos sobre uma série de aspectos da influência da psicologia na política. Começámos por uma das descobertas fundacionais desta área, o facto de o nosso julgamento moral e político começar sempre por uma intuição, isto é, de forma inconsciente. É dessa forma inconsciente, e muitas vezes de forma emocional, que formamos uma visão, positiva ou negativa, sobre, por exemplo, o que defende determinado partido ou determinado político. Só depois disso é que a nossa mente racional, o nosso consciente, entra ao serviço e vai sobretudo ter o trabalho de justificar aquela conclusão que foi tirada a priori e só muito raramente rever criticamente essa conclusão. É aliás muito curiosa esta descoberta e para mim é de certa forma, lá está, intuitiva. Ocorreu-me logo, por exemplo, o episódio que gravei com o Francisco Mendes da Silva, em que ele explica como se tornou conservador ainda muito novo e o facto da sistematização dessa posição ter ocorrido já muito mais tarde na vida, quando ele já tinha as ferramentas para esse processo. A comprovação de que o nosso julgamento moral é primariamente intuitivo deve muito ao trabalho do psicólogo moral Jonathan Haidt, cujo livro The Righteous Mind, traduzido a algo como A Mententegra, me foi recomendado em boa hora por dois ouvintes, João Coutrinho Figueiredo e Pedro Macedo Alves, a quem aproveito para agradecer. Recomendo, aliás, grandemente o livro que é um dos achados que fiz nos últimos anos. Compreendendo então que as nossas opiniões são formadas sobretudo de forma inconsciente, rapidamente percebemos que a nossa forma de pensar, o nosso software mental, tem um papel muito importante. É por isso que as diferenças de personalidade são essenciais para explicar porque é que pessoas diferentes têm visões distintas do mundo e da política. Foi disso mesmo que falámos a seguir na conversa, usando como referencial o chamado modelo dos cinco fatores, que é o modelo com maior validação empírica na área da psicologia da personalidade. A propósito desse modelo, recomendo ouvirem, se ainda não o fizeram, o episódio nº11 com Margarida Pedroza Lima. De qualquer forma, explicando rapidamente o modelo, este modelo divide as diferenças de personalidade entre as pessoas em cinco grandes dimensões. Abertura à experiência, conscienciosidade, extroversão, instabilidade emocional e amabilidade. Destas cinco, as duas dimensões mais relacionadas com as diferenças nas preferências políticas entre as pessoas são a abertura à experiência e a conscienciosidade. A primeira destas está relacionada essencialmente com a abertura intelectual da pessoa, o interesse pela arte, pela emoção, aventura, ideias fora do comum, imaginação, curiosidade e variedade de experiências. É um traço que tende a distinguir, por exemplo, as pessoas que tendemos a ver como imaginativas, daquelas mais terra-a-terra e mais convencionais. Já o outro fator, a conscienciosidade, está relacionada com a tendência para mostrar autodisciplina, orientação para os deveres e para atingir os objetivos. Ser mais consciencioso, então, tende a significar ser mais responsável, mas tem também o reverso da medalha, a tendência para o conformismo, e da mesma forma está muito relacionada com a organização da pessoa, por exemplo, e com a noção de ordem, mas também, sobretudo se associada a uma abertura à experiência baixa, a sentimentos de repugnância e de apelo pelo autoritarismo, fatores que, claro, são ultra-relevantes em política. Estas diferenças de personalidade são facilmente observáveis sobretudo nos próprios políticos. E falámos, aliás, de alguns casos portugueses que é interessante analisar à luz desta lente. No seguimento da conversa partimos de discutir as diferenças de personalidade entre as pessoas para abordar as diferenças ao nível dos valores com que cada um de nós se identifica. A principal diferença entre estes dois é que a personalidade tem sobretudo que ver com a nossa forma de pensar, enquanto os valores representam juízes concretos, isto é, aquilo que acreditamos ou que sentimos estar certo ou errado, ser importante ou irrelevante. E a propósito dos valores, socorremos-nos do dito livro de Jonathan Hydes, de que falei há pouco, e que organiza os valores universais da humanidade, ou seja, encontrados em todo o tipo de culturas, em cinco dimensões. O cuidado e a empatia pelo outro, a justiça, a lealdade ao grupo, a autoridade e tradição e a liberdade. Como é fácil de perceber, estes valores são muito relevantes em política e facilmente entram em conflito, pelo que são muito relevantes para explicar diferentes visões em relação à política. Durante o resto da conversa tivemos ainda tempo para falar sobre o grande mistério de qual a origem de todas estas diferenças entre nós sejam elas personalidade ou valores, ou seja, quanto é culpa dos genes e quanto é causado pelo meio em que crescemos ou a educação que tivemos. Falámos ainda sobre a liderança na política e a distinção, muito estudada na psicologia política, entre os líderes que procuram poder sobre e aqueles que buscam poder para. E mesmo a terminar, perguntei à convidada, que sempre se assumiu de esquerda, que valores tradicionalmente da direita é que tinha ficado a ver de uma forma mais positiva depois deste trabalho de investigação e também da sua própria experiência na política. Resumindo antes só de passarmos à conversa, Esta é uma área fascinante e que me tem ajudado não só a ser muito mais compreensível com quem pensa de forma diferente de mim, mas também a tentar aprimorar a minha própria filosofia política de forma a corrigir os enviesamentos que a minha intuição inevitavelmente traz. Embora, como digo durante a conversa, seja difícil fugirmos ao nosso software mental, pensar sobre estes temas tem-me tornado, julgo, um pensador mais robusto. Por exemplo, ao compreender a relevância de alguns valores da direita, dou-os mais valor, por exemplo, ao interesse em preservar instituições que vêm de trás e que por algum motivo subsistem e à necessidade de manter uma sociedade estruturada. Da mesma forma, compreendendo a relevância de alguns valores da esquerda, reconheço hoje que a minha preocupação inata com as chamadas liberdades negativas é, em certa medida, embora não totalmente, um enviesamento de privilegiado, e que deve ser temperada pela necessidade de intervir para corrigir desigualdades na origem e numa outra dimensão pelos limites práticos à chamada meritocracia. E pronto, vamos à conversa? Antes disso aproveito para divulgar o novo projeto da convidada, um canal de YouTube chamado Voto Nulo. Dei uma olhada lá. Bem-vindo, Joana. Obrigada, é um gosto. Vamos começar a falar de psicologia política. Nem sei para onde é que te quero começar, na verdade. Porque há aqui várias coisas giras. Talvez, naquilo que nós estávamos a falar um bocadinho do papel do inconsciente. Porque tu falas muito no livro do inconsciente, de emoções, e eu acho que há uma confusão que a pessoa pode fazer muitas vezes entre inconsciente e emoções. Aquilo que me parece, e agora corrijo-me se eu estiver enganado, o que acontece, as nossas emoções acontecem quase sempre ao nível do inconsciente, mas o inconsciente não se resume às emoções, ou seja, o inconsciente atua muitas vezes para decidir o que nós vamos fazer, se nós percebemos, aliás, o inconsciente é fundamental para nós decidirmos, há aqueles estudos do Damasio, daquele tipo que não tinha, que tinha aquelas lesões no córtex pré-frontal, sabe o erro, e depois não conseguia decidir, mas, portanto, emoções atuam, acontecem, há o nível do inconsciente, mas o inconsciente não se resume a isso e a atividade inconsciente relevante para a política não se resume às emoções.
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Esperemos que não, não se resume. É assim, a questão é o cérebro, obviamente, porque o cérebro humano é uma espécie de um fóssil vivo. Ele, na verdade, tem várias camadas que foram sendo acumuladas, isto para usar uma linguagem mais corrente, foram sendo acumuladas, depositadas ao longo da evolução da espécie humana e portanto nós no Homo Sapiens Sapiens, no seu dia a dia, no seu cotidiano, recorre ou socorre-se de algumas das funções do cérebro, de uma forma mais consciente ou voluntária, digamos assim, mas há uma série de outras funções do cérebro que continuam a laburar e a trabalhar 24 horas, sobre 24 horas, 24x7, das quais nós não temos consciência. Portanto, eu não estou a dizer que nós não usemos todo o cérebro, que só usemos uma parte pequena do cérebro. Isso não é a verdade.
José Maria Pimentel
Sim, esse é aquele mito. É um
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mito. Agora, a verdade é que há uma grande parte de camadas do cérebro, as camadas reptílicas, as camadas dos mamíferos, até dos primatas superiores, que nós não temos consciência que estamos a utilizar, na verdade. Por isso há uma série de fenómenos um pouco bizarros, que até há relativamente pouco tempo, até ao final do século XX, muitas vezes até eram atribuídos a fenómenos paranormais. Que hoje em dia com o desenvolvimento da neurociência, nomeadamente das técnicas associadas à neurociência, das ressonâncias magnéticas, das demografias axiais computorizadas, nós sabemos que são absolutamente explicáveis justamente pelo cérebro ser esse fóssil vivo e ter essas camadas todas. Por exemplo, um dos que é mais eloquente sobre isso é a chamada visão cega, que são pessoas que na verdade estão cegos mas veem e veem porque há uma parte do nosso cérebro que nós já não a utilizamos porque lá está, porque temos outras partes mais desenvolvidas, já não nos socorremos dele voluntariamente, mas que é capaz de fazer a percepção dos objetos sem aquilo que nós designamos vulgarmente da visão
José Maria Pimentel
normal. Sim, temos visão consciente.
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Sim, temos visão consciente, exatamente. Portanto, aquilo que o Freud... Eu não sou uma freudiana, aviso já os nossos queridos ouvintes, não sou uma freudiana clássica, digamos. Há pouca
José Maria Pimentel
gente, quer dizer...
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Há alguns, não sou uma freudiana clássica, mas de facto no essencial, nesse aspecto o Freud tinha razão. E a neurociência, e nomeadamente o António Damasio, que tu há um bocado evocaste bem, deu-lhe razão no sentido que o cérebro há uma enorme quantidade de processamento de informação, de dados, sentimentos, etc, que ocorre sem nós estarmos conscientes disso. O Freud tinha razão, mas repara, isto não foi o Freud bem que inventou, já o Leonardo da Vinci dizia que todo conhecimento começa com um sentimento. Eu penso que aquilo que o da Vinci como gênio que era, o que ele queria dizer com certeza era que toda a possibilidade de acesso à cognição e ao conhecimento começa efetivamente com uma parte de intuição, se quiseres usar uma outra palavra muito associada ao inconsciente, de intuição, um faro, como se fôssemos chegar a uma parte da nossa perceção, que é como se fôssemos um cão pisteiro e que a partir de uma determinada pista podemos efetivamente chegar a outro sítio. Portanto o Freud desenvolveu isso e hoje em dia não é o Cesar Dalho de razão. O inconsciente labora, de facto, noite e dia e ele decide e toma opções e impela uma determinada ação e as escolhas antes de nós próprios termos consciência disso, às vezes quando já temos consciência e às vezes ainda depois termos consciência disso. Sim, no fundo interagem,
José Maria Pimentel
mas o que tem piada nisto, aliás, eu já falei, já conversei sobre isso no podcast, tem no outro dia, eu falei com um neurocientista da Fundação Chapalim, onde estávamos a falar disto, que tem muita piada. Eu acho que o interesse isto é, o insight disto para a política, que é muito engraçado e como estávamos a falar há bocadinho, ajuda a explicar porque é que pessoas igualmente inteligentes e igualmente bem intencionadas chegam visões políticas muitas vezes antagónicas.
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Ao contrário do que dizia o professor Cavaco Silva. Dizia? Ele tem uma célebre frase entre algumas das suas tiradas mais conhecidas. Uma delas é necessariamente, ou forçosamente, duas pessoas com a mesma informação chegam à mesma conclusão. Eu acho que isto é tão revelador da personalidade de Mac Silver, não é? Porque obviamente não é verdade, mas na sua economia mental, digamos assim, eu percebo porque é que ele o diz.
José Maria Pimentel
Mas sigo bem interrompido. Sim, esse é um sinal de reduzida abertura à experiência, por usar uma das dimensões que estávamos a falar. Mas isso explica porque é que pessoas igualmente inteligentes e bem-intencionadas chegam a visões diferentes, o que significa que todos nós temos esse caminho que tem muita piada. Eu queria falar da relação entre as diferenças de personalidade e esse... Que depois manifestam muito ao nível do inconsciente da nossa relação com o mundo, mas antes disso havia uma pergunta que se calhar era giro, não deixar passar, que é o que é que mostra a investigação em relação a diferenças entre nós a esse nível? Ou seja, isto que tu falavas era no fundo aquela questão do nosso inconsciente decide e depois a nossa consciência vai lá, à quem der a analogia do repórter, vai lá, vê o que aconteceu e arranja uma justificação para aquilo acontecer, ou seja, tu, pessoa, vai entrando em contato com o mundo, começa a desenvolver uma... Há certas coisas que encaixam e que nós gostamos, outras que nós não gostamos e começamos a desenvolver uma determinada visão política e depois à posteriori é que nós vamos racionalizar aquilo e depois idealmente vamos conseguir aprimorar aquilo um bocadinho mais, que é aquilo que eu tento fazer mas imagino que isto também varia de pessoa para pessoa ou não muito, ou seja, todos nós somos igualmente suscetíveis a esta espécie de bypass do nosso inconsciente face à supervisão da consciência?
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Somos todos igualmente suscetíveis. A verdade é, como tu estavas a dizer, pessoas que têm mais abertura a admitir que existe essa força em si, porque é um pouco... Eu acho que para algumas pessoas é um pouco assustador a ideia de que existe inconsciente, por mais evidência científica que vá aparecendo sobre isso, porque isso implica admitir de certa forma que existe algo dentro delas que elas não controlam. Portanto, para pessoas um pouco mais rigidas e um pouco mais, se calhar, austeras, de alguma maneira, admitir que não são o centro de si próprias e que não se autodominam de manhã à noite, se calhar é um pouco inquietante, não é? E é desassossegante. Então eu acho que há muitas pessoas que reagem de uma forma mais epidérmica a essa ideia, da mesma forma que, enfim, faz parte da perda de poder. Já vamos falar do poder, não é? Com certeza. É impossível falar de psicologia e de política sem falar de poder. Da mesma forma que no século XX havia uma reação de uma certa elite, uma suposta nata da sociedade, que se rebelava contra a ideia de nós descendermos dos macacos, da Terra não ser o centro do planeta e claro não faltava mais nada o homem não ser dono e senhor de si próprio, com as ideias do Freud. Portanto, eu acho que quando a pessoa tem um pouco mais de consciência que existe inconsciente, passas por ser humano, naturalmente está um pouco mais recetiva à ideia de uma vez que a pessoa automaticamente procura encontrar explicações, a tal ideia do repórter que tu estavas a dar, e é verdade. Hoje em dia nós sabemos que, mesmo que em outros fenómenos de lesões cerebrais, onde a pessoa, por exemplo, não vê uma parte, nós temos os hemisférios trocados e, portanto, não vê o que se passa, tem uma lesão no hemisfério direito e, portanto, não vê o que, não consegue encontrar uma explicação, ela inventa uma explicação. Nós temos uma necessidade brutal, digamos que é quase uma necessidade primária, básica, quase tão importante como comer ou dormir, de encontrar explicações e justificações para as coisas. Portanto, quando a pessoa tem um pouco mais de razoabilidade neste departamento e percebe que efetivamente nem sempre controla ou domina as suas emoções, os sentimentos e que há outras forças entre si poderosas, se calhar depois tem mais abertura a procurar outra informação, informação se calhar que seja um pouco mais divergente em relação às suas crenças, que a desafie um pouco mais, está mais aberta a ser confrontada, e portanto...
José Maria Pimentel
Sim, no fundo superar o viége da confirmação, não é? Que é nós procuramos...
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Ou pelo menos, se não superar totalmente o viége, pelo menos transformar-se numa coisa um bocado mais sofisticada, é menos primitiva, é menos básica.
José Maria Pimentel
E a outra coisa acho que foi, também, pelo menos para mim, isso foi muito revelador, se calhar porque o meu inconsciente já tinha chegado antes. Se calhar estou a atropelar-me. Porque também nos dá uma noção de que, e em política, eu disse isso muitas vezes ao longo desta série política, que a política é feita de verdades parciais ou de bens conflituantes e o que tu percebes disto é que O mundo, a visão do mundo depende de... Ou por outra, a visão das pessoas em relação ao mundo depende de personalidades diferentes e de valores diferentes que elas têm. Não quer dizer um relativismo absoluto, dizer que esses valores, todos os valores estão certos e todas as posições estarão sempre certas, nada disso, porque há posições que podem ter sido válidas em determinado tempo e espaço e não são válidas agora, mas ainda assim dá uma noção de que não há um lado bom e um lado mau, que eu acho que é muitas vezes uma visão manicaísta que é comum haver de ambos os lados, de um lado para o outro. Em relação à personalidade, que realmente é muita piada, como estava a dizer, a Psicologia da Personalidade interessa-me há algum tempo e depois não sei quando é que percebia as implicações políticas daquilo e é muito engraçado porque é possível que haja algumas limitações nos estudos por causa daquilo que nós falávamos, o facto de eles serem muito feitos na realidade americana e a realidade portuguesa é diferente, mas há uma espécie de facto estilizado que é muito curioso, que é o facto de, fazendo aqui um parênteses, há cinco dimensões principais do modelo mais usado na psicologia da personalidade e há duas delas que são dimensões diferentes, ou seja, numa análise fatorial elas resultam com dois fatores diferentes e no entanto formam um cluster em termos de orientação política, que é pessoas de esquerda tendem a ter abertura à experiência, acho que abertura, não sei porque é que se chama abertura à experiência, abertura intelectual era um bocadinho melhor, ou abertura de horizontes maior e conscienciosidade mais baixa e vice-versa em relação à direita. Que é muito interessante, ou seja, são dois fatores diferentes mas ele forma um cluster. Direita, alta conscienciosidade,
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baixa em abertura à experiência. Esquerda, o contrário. E para quem faz política e para quem está na política eu devo dizer, eu tenho uma experiência académica, não é? Nomeadamente ao escrever este livro e ao ler e investigar neste tema, eu tenho uma experiência política, como atora política, como agente política. E neste campo como agente política, realmente isso nota-se muito. Se eu der um passo atrás e olhar para as pessoas com quem tenho vindo a interagir no mundo da política da esquerda à direita, mais conservadores, mais direcionais, ou até usando outras dicotomias, porque de facto isto não se esgota na esquerda e na direita, de maneira nenhuma.
José Maria Pimentel
Ou não me revejo nessa questão. Ou não
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eixo mais autoritário ou libertário, ou não eixo mais cosmopolita barra produtivista, ou não eixo mais ecologista, não interessa. A verdade é que isso nota-se muito, não é? Essa parte da abertura à experiência barra conscienciosidade mais baixa. Eu acho que isso é... E faz sentido que assim
José Maria Pimentel
seja, não é? Faz todo sentido, faz todo sentido. Porque se
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for demasiado consciencioso, se calhar fica difícil ter alguma disponibilidade à maior abertura.
José Maria Pimentel
Fazer de ser demasiado consciencioso,
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o que já revela... Pois, exatamente. Não, porque o... Já é revelador da minha própria personalidade. Estamos sempre a falar de nós. Sempre que abrimos a boca estamos a falar de nós. Quanto mais
José Maria Pimentel
falamos dos outros, mais falamos de nós mesmos. Exatamente. Há um lado disto, por exemplo, vamos pegar em figuras portuguesas, por exemplo, há bocado falavas do cavalo. Independentemente da opinião que a pessoa tenha relacionada
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à figura dele.
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Era impossível, era impossível que ele alguma vez não fosse de direita, sobretudo pela parte da conscienciosidade. No sentido que ele não é um tipo particularmente liberal na economia, mas pelo lado consciencioso. Conscienciosidade, neste caso, implica, e eu acho que se souber explicar isso melhor do que eu, mas há aqui dois lados. Há um lado que se manifesta se calhar menos em Portugal, que é o lado ligado ao que os ingleses chamam de disgust, que é um bocado nojo, está muito ligado à repulsa e à xenofobia. Em Portugal, se calhar até vamos passar por aí, há a questão do racismo que, dependendo da nossa interpretação, pode puxar para aí, mas a verdade é que politicamente não é uma coisa que tenha um grande peso, ao contrário do que acontece nos Estados Unidos. Mas há outro lado que esse sim tem um grande peso, está muito ligado às contas certas, à austeridade, a uma certa descrição política, aquele lado da ordem, da diligência, do bom trabalhador, do industrioso, do bom gestor das contas públicas, que é muito interessante e é bom, e no sentido é que não são características más, são características boas, ou seja, alguém que seja diligente, que seja... As pessoas conscienciosas são por norma melhores trabalhadores, são pessoas que...
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Depende da função. Pois, dependerá da função. Depende muito da função, se forem copies, se calhar. Como? Se forem copies, ou se forem artistas, ou... Depende
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muito da profissão. Mas pelo menos são mais... Ou seja, estou a isolar este fator, não é? Pois, já estou a perceber. Estás a falar de um copywriter, por exemplo, precisa ter abertura às prensas, não está ali chato. Isso é muito mais importante do que ser consciencioso. Mas a conscienciosidade não é uma má característica, é uma boa característica. Claro
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que é uma boa característica. Aliás, esse tipo de tipologias, esse tipo de achatos científicos, não são eles próprios de esquerda ou direita, são grelhas de leitura. Mas eu por acaso acho que há um fenómeno na política portuguesa, não é exclusivo da política portuguesa, mas é quase. Não é uma singularidade lusitana, mas praticamente que é um nível de consciosidade, uma mistura disso bastante particular que é o Partido Comunista. Exatamente, exatamente.
José Maria Pimentel
Porque... Que só de esquerda. Não existe naquela realidade americana. Exatamente, não existe. Os estudiosos não conseguem estudá-lo. O que é que tu achas do PC?
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Acho que tem um elevadíssimo nível de consciosidade. Por exemplo, essa descrição toda que tu fizeste do Cavaco Silva, nós poderíamos dizer do estereótipo, claro, nós estamos a falar um pouco destes clichês. Isso é assumido. Claro, assumido. Mas podia encaixar como chave fechadura no militante típico do Partido Comunista. Portanto, a boa prestação de contas, o rigor, o baixo perfil, a consciencizidade, uma pouca austeridade, etc. Baixa abertura à experiência, o PC é relativamente conservador, aliás, se nós olharmos para os movimentos mais de costumes, de mudança de costumes, perdão, nestes últimos anos, nós vemos que o Partido Comunista é sempre uma postura mais defensiva e no entanto não são de direita.
José Maria Pimentel
Curioso, então fala a diferença.
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Porque, pois, daí é que entra uma, lá está, uma das minhas batalhas nestes últimos 15 anos na política portuguesa, na política de uma maneira geral, que é de facto esta dicotomia esquerda-direita é muito pobre, não é? E eu acho que é muito pobre e é muito... Vamos lá ver, é um bocadinho como diria o Bateson, o especialista da comunicação, é que o mapa não é o território e de facto esquerda-direita é uma grelha de leitura da realidade, mas não é a realidade propriamente dita. E a certa altura eu acho que nós tomámos uma coisa por outra e confundimos uma coisa com a outra. E isso tem reduzido um pouco alguns campos de investigação e de reflexão, nomeadamente até esta parte da psicologia política. Eu acho que o Partido Comunista é um bom exemplo de como escaparia sempre a este radar, escaparia a esta lei de leitura a este radar, porque são claramente de esquerda, mas são claramente de direita no sentido, neste perfil que nós estávamos a estabelecer. Por isso é que eu acho que é muito importante também no campo da psicologia política lá está, ir abrindo para as tais outras dicotomias que eu estava a falar há pouco e que se calhar podem introduzir uma complexidade maior e portanto serem uma linha de leitura se calhar um pouco mais rigorosa e um pouco ter de fazer um escrutínio um pouco melhor. Como essa, por exemplo, eu acho que introduzir esses fatores de ser mais produtivista ou ser mais ecologista, ou ser mais nacionalista, ou ser mais cosmopolita...
José Maria Pimentel
Mas de onde é que isso vem? Outras
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dicotomias são igualmente importantes. O cosmopolitismo, a partir de ver da abertura à experiência, não é? Pois, mas se tu reparares, se calhar hoje em dia tu encontras muitas pessoas que nas suas posições, se calhar faz muito mais sentido dividi-las assim, ecologistas barra, por exemplo, ou ambientalistas, se quiseres, barra produtivistas do que propriamente só a esquerda-direita, não é?
José Maria Pimentel
Claro que sim. Então, espera aí, vou aproveitar isso para...
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Mas isto só para dizer que é um... Até com alguns colegas estrangeiros desta área da psicologia política eu tenho-te ido a chatear com eles de lhes espetar com o exemplo do Partido Comunista Português, pelos olhos dele assim, cuidado! Porque, de facto, a abertura à experiência e a conscienciedade é de esquerda, mas em Portugal nós temos 10% de exceções, um indêxido de alvos vota diferente.
José Maria Pimentel
É verdade, é verdade. Eu acho que isso pode ser pode ser explicado por duas coisas. Primeiro, estes cinco fatores são, para todos os efeitos, são fatores que têm imensa validação empírica, mas são fatores que depois têm subfatores, como é típico, não é? Ou seja, são uma simplificação, mas por exemplo a consciência, conscienciosidade pode ser dividida em pelo menos dois e, por exemplo, um deles que se pode manifestar nessa vertente mais xenófoba, mas também se pode manifestar naquela questão do medo, que está muito associado à absurdidade, por exemplo, e tu falas nesse livro, que é medo de de repente o país ir pelo canabaixo.
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Exato, deixar de existir. Não é irrazoável, ou seja, pode
José Maria Pimentel
ser exagerado, mas não é irrazoável. Pode acontecer, claro, os países também não duram para sempre. E o PC, por exemplo, parece-me ter menos essa visão, pelo contrário, não é? Ou seja, o PC também tem a questão de ser um partido já histórico, não é? Ou seja, é um partido com um lastro muito grande, mas é um partido de revolução e portanto não tem esse medo, pelo contrário, abraça o... E depois tens outro lado, que também é giro falarmos, que são as outras três dimensões, porque essas são as duas com o maior... Creio que são as que têm a maior validação. Mas existe, por exemplo, a questão da... Acho que em Portugal é traduzido por amabilidade, que a minha intuição seria que tivesse grande peso à esquerda, mas não é mais validada. Acho que o que eu apanhei, assim como mais perto do facto estilizado, é que lá está, ela subdivide-se em dois. Há um lado mais ligado à empatia pelo próximo, se quiser, sobretudo pelo próximo que está longe, que está ligado à esquerda. E há outro lado mais ligado à boa educação, que está mais à direita, que é tu não quereres criar cisões e ir contra isto. Mas eu acharia que... Acho que tu vejo muitos indícios dessa... Há aquelas pessoas... Isto é mais dos Estados Unidos, mas os bleeding heart liberals, os liberals lá de esquerda, não é? Exatamente. O que é muito aquela coisa de empatia pelo... Pelas
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minorias, por exemplo. Acontece do outro lado do mundo se for preciso. Mas tu aqui também
José Maria Pimentel
vês muito isso. Tu na esquerda vês para o bem e para o mal, no sentido em que... Quando digo para o bem e para o mal é claramente para o bem, em alguns casos, isto é a minha opinião, o demasiado empático, no sentido em que precisava de alguma racionalização, mas tu vês claramente que a empatia está muito por trás da ação política. No outro dia falava com a Isabel Moreira, por exemplo, e ela é um exemplo vivo disso, não é? Claro. Que a grande parte da ação política dela resulta dessa empatia, não é? Dessa empatia pelas minorias sexuais, pelas minorias étnicas, por pessoas que ela vê como estando desfavorecidas. A minha intuição seria que esse fator tivesse muito maior peso, por acaso é engraçado.
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Pois, mas a montante disto, se calhar, Zamaria, faz sentido, pelo menos eu acho pertinente sublinhar isso, porque durante muito tempo, e isso curiosamente aconteceu em todos os regimes autoritários, sejam de esquerda ou de direita, se quis arredar a psicologia, tirar o elemento psicológico da grande produção, digamos, da produção das elites, ou fosse ela artística, intelectual, de uma forma geral, ou política, como se as elites pudessem viver, fossem sobre-humanas e pudessem estar acima da sopa, vaca e arroz da vida quotidiana, como diria Hunter de Cantal, acima dos humanos, das paixões, dos ódios, mas não estão. Mas é curioso isso porque efetivamente se tu olhas para todos os regimes autoritários que tentaram estripar a psicologia até do ensino universitário, etc., Quase como se tivessem receio da introdução desse fator humano, como se o fator humano para as elites... Ainda é um debate muito intenso quando se discute a obra de um autor à luz da sua biografia e ainda há pessoas que acham isso... Uma coisa é a obra, outra coisa é a vida. Isso hoje por exemplo... O
José Maria Pimentel
Miguel Morgá dizia isso, desculpa. Pois, exatamente. Ele dizia isso em relação a... Desculpa, agora interrompi, não era para te cortar o raciocínio. Não sei se era o Maquiavel, acho que não era o Maquiavel. Era o... Já não sei. A obra que ele citava, ele dizia isso, que eu discordo, ou seja, acho que tu deves o respeito ao autor de analisar a obra pela obra, em certo sentido, mas a personalidade da pessoa e o contexto em que
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a foi escrita... E a vida está lá, não é? Quer dizer, agora isso até por acaso ultimamente até curiosamente o movimento do qual eu até tenho algumas críticas, que é o Me Too, tem trazido isso um pouco à liça de novo, que não pode se deificar em deusar uma série de personalidades, não interessa de que área, neste caso têm sido mais artísticas e ligadas ao audiovisual, mas não interessa, pode ser o contrário de qualquer, se essas pessoas têm uma conduta imprópria ou abusiva, ou outra coisa qualquer. Bom, e esse debate tem surgido, é uma espécie de um leite subterrâneo que tem estado no debate, mas ele é muito antigo, efetivamente, e eu estou contigo, eu acho que nós temos que analisar a obra, mas efetivamente, se a pessoa, estou a pensar até em vários escritores, se foi um fascista, defensor do extermínio dos judeus, como dissociar isso, como clivar isso, Como fingir que isso não aconteceu? Não podemos, com
José Maria Pimentel
certeza. Depende do que a pessoa escreve, acho eu. Para mim depende muito do que a pessoa escreve. Há um, esse é outro enviasamento cognitivo que nós temos, que é assumir, isso tem um nome que agora não me ocorre, o que é assumir que uma característica positiva que alguém tem implica que ela tenha uma série de outras características positivas. Se olha para um homem, ele é bom gestor de uma empresa. Então é bom pai e bom marido, de certeza. Não, pode
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ser, pode não ser.
José Maria Pimentel
E em Portugal também nós temos muito a ver. Eu lembro sempre do Funeral do Eusébio, por exemplo. Que era, se calhar, o nosso melhor jogo de futebol, ou o segundo melhor. O tempo dirá. Mas... Mas... Havia uma necessidade. Era muito grande! Exatamente. Havia uma necessidade de o endeusar enquanto pessoa. Eu não sei se ele era bom ou má pessoa, mas ele não está no panteão por ser bom ou má pessoa, está no panteão por ser um grande jovem do futebol. E depois quando de repente se descobre que não é, de repente, no caso qualquer...
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É uma desidealização, não é?
José Maria Pimentel
A coisa cai de repente...
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Mas eu estava a fazer esta ressalva amontando a nossa conversa, José Maria, porque efetivamente eu acho que há uma certa resistência da parte de algumas elites, sejam políticas ou intelectuais, de outras áreas, de pensar estas questões da personalidade e como é que o fator humano molda, interfere, influencia, determina uma série de escolhas e dações, por enfim, por receio de sentirem de alguma forma mais expostas ou mais analisadas ou mais observadas e por isso há essa recusa e essa rejeição. Agora não faz sentido nenhum, às vezes até fico um pouco perplexa quando as pessoas me perguntam, até a propósito deste livro, ah mas achas, mas porquê? Achas que a personalidade interfere no
José Maria Pimentel
político? É sério?
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Mas assim, em que é que a personalidade não interfere?
José Maria Pimentel
Sim, é o contrário.
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A personalidade interfere naquilo que tu comes, nos teus sonhos, na forma como amas, em quem amas, nas decisões que tomas da tua vida, na casa, no carro, nos filhos. Interferem tudo, no teu trabalho, interferem absolutamente Tudo. Naturalmente também influencia e molda a forma como as pessoas fazem política. Não acho que isso seja... Agora, há muitas pessoas que procuram retirar essa variável do debate e querem até mesmo reduzir a política a apenas uma questão racional. E também é preciso ver aqui que na tradição europeia, a partir do momento em que a tradição cartesiana ganhou raízes, houve aqui uma série de lastradas, destas clivagens, destas divisões, que não fazem muito sentido e não fazem sentido nenhum à luz daquilo que é o estado à arte hoje, nomeadamente da neurociência e da neuropsicologia, mas que se mantém ainda na cabeça de muita boa gente e de gente até muito informada e culta. É estranho, para mim a grande dificuldade é a contrária, ou
José Maria Pimentel
seja, é tu depois não relativizares completamente e conseguires manter algum grau de objetividade. E eu discordo, como em outras coisas, de um relativismo absoluto, a personalidade tem relevância, mas... Estou contigo. Também há uma análise racional que é possível fazer E que é possível desmandar. E por isso é que nós
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temos estruturas no cérebro, o tal fóssil, não é? Que temos as partes reptílicas e depois temos partes que só o Homo Sapiens Sapiens tem e que devemos usá-las, respectivamente, para escolhas e decisões muito complexas. Não,
José Maria Pimentel
é isso mesmo. Por exemplo, agora estou-me a lembrar, nem está diretamente relacionado com isto, mas há um tipo, um filósofo que é o Paul Bloom que tem um livro interessante que é meio provocador que se chama The Kaisergans of Empathy. Não sei como é que se traduziria
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em português. Eu sei, eu nunca li o livro, mas eu li uma sinopse ou assim uma coisa, até fiquei curiosa por acaso. Tem
José Maria Pimentel
muito a ver com isto, o que ele diz é que no fundo a empatia é um fenómeno inconsciente, tem uma série de enviasamentos, ou seja, nós somos mais empáticos por pessoas mais partidas connosco,
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por exemplo. Ui, então está cheio de enviasamentos e empatia.
José Maria Pimentel
E o que ele diz é... Ele não diz isto desta forma, ele diz que ele chama compaixão à alternativa, mas no fundo o que ele quer dizer é nós precisamos de trazer essa empatia ao consciente, à consciência e racionalizá-la e perceber onde é que devemos investir e o que é que devemos fazer para não estar, por exemplo, o ambientalismo está cheio de consequências disso, não é? Que tu está ali a separar o lixo, e foste toda contente, não é? Separar o lixo. Mas se calhar havia maneiras mais eficazes de...
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Claro. Eu considero-me até bastante verde, bastante ambientalista, mas já tive conversas, Por exemplo, com ambientalistas mais radicais, em que tem uma visão completamente idealizada e açucarada da natureza. A natureza é naturalmente cruel, eu costumo a dizer. Ah, é falar ser naturalista, pois. Então vai lá cinco minutos para o meio da Amazónia a ver quanto tempo é que sobrevive. A natureza não é fofinha e querida, com certeza, portanto isso tem, claro, a ver com a personalidade. Mas é engraçado tu por as coisas assim nesses termos porque, ao fim e ao cabo, eu sou clínica, não é? Portanto eu faço o meu trabalho diariamente é fazer psicoterapia, avaliação psicológica e psicoterapia, adultos. E aquilo que nós fazemos num trabalho psicoterapêutico é só isso. É só trazer para o consciente uma série de mecanismos e de escolhas que são semi-conscientes ou totalmente inconscientes, das quais a pessoa às vezes muitas vezes até se sente refém à prisioneira e portanto não tem, porque não tem consciência delas, funciona quase em piloto automático. A pessoa muitas vezes até diz a si própria que gostava de não ser assim, promete a mim própria que não vou voltar a reagir assim, ou que não vou pensar assim, ou que não vou optar assim, depois faz a mesma coisa e aparece no consultório sentindo-se sequestrada por algo em si, no seu eu, que não a permite ter os tais graus de liberdade que gostaria. Ora bem, aquilo que se faz no trabalho de psicoterapêutica, que eu até muitas vezes explico às pessoas que eu não estou ali para dar conselhos, não é? E para dar palpites sobre a vida das pessoas, porque cada um é o maior especialista na sua vida, embora essas pessoas me peçam conselhos, também dou, mas acho que os meus conselhos não valem nada, sinceramente. Mas para ajudar a pessoa a pensar melhor. É uma espécie de psicoterapia, uma espécie de ginásio da mente. E é exatamente isso, é trazer para a consciência porque é que somos mais empáticos com a pessoa que morreu na tragédia na Tailândia do que com o vizinho de duas casas abaixo que é alcoólico, por exemplo. E se calhar trazer para a consciência esse tipo de funcionamentos que está sempre ligada invariavelmente à nossa história pessoal, ao nosso hardware, nós vivemos sempre com hardware, mas o software de facto molda-nos em leve aumento, portanto a nossa história de vida, trazer para a consciência e depois a pessoa poder em cima disso trabalhar de tal forma mais racional que tu estavas a dizer e ao trabalhar de uma forma mais racional fica mais livre. Portanto na política é exatamente a mesma coisa. Eu por exemplo como agente política é isso que faço. Eu tendo a reagir, eu sei que tendo a posicionar-me de uma determinada maneira
José Maria Pimentel
E fazeste exercício depois de controlo? Muitas vezes penso
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assim, menina jovem, pensa lá duas vezes Às vezes não consigo, confesso, às vezes é mais forte do que eu e às vezes até me deixo ir, mas a espontaneidade também é bonito mas muitas vezes fazem esse exercício comigo, por exemplo, pensam lá duas vezes porque é que estás a reagir assim ou porque é que pensas assim, não é? Isso é bom, é muito enriquecedor e de facto dá muita maturidade e sobretudo dá tal liberdade, tal capacidade de escolha.
José Maria Pimentel
O que eu noto, por acaso, até tinha curiosidade de saber o que tu achas em relação a isso. Fazendo esse exercício, do que eu tenho feito em relação a mim próprio, o que eu noto não é que eu depois vá para uma posição muito diferente da inicial, não é? É curioso. Porque tu não há como controlar isso, Os teus valores são os teus valores.
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Mas é mais sustentado. É sustentado e é consciente, porque percebes porquê que fazes isso. Realmente a maior parte das vezes eu também erro, me dou a opinião por causa disso. Mas isso até... Lá está, É uma questão de expansão de horizontes. É tal coisa que eu digo clinicamente, olha, eu não posso dar conselhos, posso ajudar-los a expandir os seus horizontes. Às vezes as pessoas na primeira consulta ficam um pouco frustradas, e dizem assim,
José Maria Pimentel
não tenho o que fazer, porquê que eu vim
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por aqui? Mas é isso, realmente, E eu até muitas vezes digo assim, olha, um processo psicoterapêutico, e tal como o processo da psicologia política, não pretende... Nós nunca mudamos o esqueleto da pessoa, e a psicologia política faz isso, em termos de convicções, de valores, nós podemos aumentar ou alcançar a massa muscular, ou reduzir a massa gorda, isto para dar uma imagem desse tipo, mas nunca alteramos a estrutura, efetivamente. Mas quando tu ages com consciência, porque é que vais votar a favor da austeridade ou votas contra, se tu percebes melhor porque é que fazes essas escolhas, também a certeza que farás, a sustentarás melhores, as defenderás melhores e até eventualmente como um ator político conseguirás ser mais convincente.
José Maria Pimentel
E também perceber o outro lado. Há várias razões para uma democracia ser um bom regime, ou para usar aquele clichê do Churchill, o menos mal de todos. Uma das razões é justamente o facto de as pessoas terem valores muito diferentes, mas isso não quer dizer que nós não devamos expressar os nossos.
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Claro, antes pelo contrário. Exatamente. Mais uma razão para expressar.
José Maria Pimentel
Pois é, isso justamente, a pessoa acaba por voltar ao início. Por acaso é engraçado, eu vou aproveitar as tuas faculdades clínicas para te fazer aqui um desafio. É engraçado, olhando para isto, eu sou uma espécie de... Quer dizer, sou uma costela libertária, que depois eu complemento, porque acho que é insuficiente e em certo sentido pouco madura, ou seja, ignoro uma série de variáveis que são essenciais e portanto estou a complementar com uma série de outros considerantes que são importantes, mas na prática continuo sempre a ser uma pessoa com uma tendência liberal tanto na economia como nos costumes. O que é curioso é que olhando para aquele cluster que falávamos há pouco, eu à partir devia ser uma pessoa de esquerda.
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Tu ficavas bem do outro
José Maria Pimentel
lado do espelho do Partido Comunista, não é? Em certo sentido, sim. Mas eu acho que... Ou seja, o que eu penso é, então o que é que me faz não ser de esquerda? O que eu acho que me faz não ser de
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esquerda... O senhor tinha que fazer uma psicoterapia de três anos e isso não vai acontecer aqui.
José Maria Pimentel
Não, mas temos pelo menos estes fatores e há um fator que eu acho que também é estudado e que pelo menos eu apanhei alguma relação com no fundo à vontade, com a ambiguidade que existe em economias capitalistas e que não existem economias planeadas que é o neuroticismo, a estabilidade emocional. Eu tenho um neuroticismo muito baixo, ou seja, ou tenho estabilidade emocional muito alta, como quisermos. Ou pelo menos é aquilo que me costuma dar nesse tipo de escalas. Sim, que já fiz várias vezes. E eu acho que talvez tenha um bocadinho a ver com isso, ou pelo menos eu olhando para trás, lembro de ter discussões muitas vezes com amigos de esquerda sobre questões de tecnologia e aqui no podcast também já tive várias vezes, não quer dizer que eu esteja certo, atenção, o que eu estou a dizer é qual é a minha presuposição. É de, Eu acho que o risco que existe e a quantidade de vezes que a coisa vai falhar e vai haver mais notícias, como acontece, muito mais numa economia capitalista do que numa economia planeada, não é? Claro. Que as coisas estão muito planeadas e não se trata tanto de tu teres muitos micro-problemas, trata-se de poderes ter um grande problema a longo prazo, eu acho que tem alguma coisa a ver com isso, mas não sei. Pois, não sei também. Não
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me sinto muito capaz de ajudar assim, sem saber mais o contexto lá está. Realmente, aquilo que também a neurociência e todos os estudos mais avançados da psicologia política mostram é que de facto a importância da circunstância e da anamnese do sujeito para depois se poder fazer, por exemplo, se tu queres efetivamente alterar convicções políticas de alguém, que é complicado, não é fácil, se calhar o contexto de vida daquela pessoa e as suas circunstâncias pessoais são determinantes para tu conseguires
José Maria Pimentel
fazer. Imagino que haja alguns estudos em relação a isso, ou seja, há pessoas que de facto mudam... Mudam, claro,
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e tu tens exemplos na história disso,
José Maria Pimentel
não é? Sim, em Portugal até.
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E tens até alguns exemplos bastante radicais disso. Muitas vezes aproveitando ondas ou momentos particulares. Olha, a ascensão do Partido Socialista na Alemanha Nazi é um exemplo, não é? Claro, sim. Foi uma mudança abrupta. A questão dos velhos e dos novos, não é? Exatamente, abrupta e radical. Portanto, isso muitas vezes é associado a um determinado momento, a uma circunstância histórica ou económica particular, e que fazem uma mudança, aquilo nós chamamos de mudança de segunda ordem, porque há as mudanças de primeira ordem, as mudanças superficiais que todos fazemos, e as mudanças mais estruturais, mudanças de segunda ordem. Que habitualmente, quase sempre, funciona como uma tempestade perfeita, não é? Portanto, há uma série de fatores que vão confluir num determinado momento, num curto espaço de tempo, para um mesmo sentido e que acabam por ter, de facto, efeito. Mas elas são possíveis, mas para isso tu precisas efetivamente conhecer muito bem essas circunstâncias.
José Maria Pimentel
Claro, mas esse exemplo, tu falas desse exemplo da Alemanha nazi, do papel dos jovens, não é? Tens tido uma série de jovens que votaram a primeira vez e que foi suficiente para o Hitler não ter ganho, mas ter tido um resultado expressivo E a verdade é que tu, na onda atual de populismo, ou que é aquilo que queremos chamar, tu vês muito isso e é muito curioso. E eu lembro-me logo disso. Tu tens países em que o populismo, isto é, aqueles candidatos que se convencionam a chamar populistas, agora não vale a pena perder muito tempo com essa nomenclatura, são impulsionados pelas camadas mais velhas e outros países, como por exemplo em França, onde são impulsionados pelas camadas mais novas. É engraçado.
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E tens, efetivamente, tu agora não assistes a outra coisa de manhã à noite, senão aos detentores do poder a dizerem que todos os outros são populistas, e a fazer o exorcismo do populismo porque estão cheios de medo. Porquê? E porquê estão cheios de medo? Porque efetivamente, não só novos e velhos, como há uma massa crítica muito grande afastada do voto. Portanto, a abstenção é a melhor expressão disso. E ao estar afastada do voto estão obviamente lançadas as bases ideais para a tal tempestade perfeita. Ou seja, isto é uma espécie de um pensamento que ainda não encontrou o pensador. Há um pensamento que já anda por aí e na medida que... No exato momento em que ele se alugar ao pensador, quando eu ver o tal encaixe perfeito Entre esta massa disponível para votar de maneira diferente e alguém que o represente, a coisa é clod. O ovo da serpente é clod. Em Portugal, as condições estão lá e ainda não apareceu o tal protagonista. Acho que sim. Acho que ainda não apareceu o protagonista, mas as condições estão lá porque nós temos uma objeção elevadíssima. Não temos um desinteresse político, aliás, todos os estudos mostram isto simultaneamente, e portanto, por isso mesmo estão lá realmente as bases para isso. É que não há desinteresse político, não há, ao contrário do que muitas vezes se diz, a maior parte das pessoas, inclusive jovens, estão interessados na atividade política e na vida política, não estão interessados em votar, nem na vida partidária que existe. E depois há essa outra questão que concorre com esta, que é as democracias ocidentais efetivamente degeneraram, sobre isso para mim não há dúvidas nenhumas, muito mais do que...generaram muito mais do que algumas pessoas querem pensar e portanto estão num estado de descendência e portanto as pessoas sentem-se abandonadas pela democracia e portanto é natural que também abandonem a democracia, não é? Isso é sempre um excluído, comporta-se como um excluído e etc.
José Maria Pimentel
Sim, isso é com uma série de atalhos mentais e de soluções de curto prazo. O que é curioso no caso português é que tu continuas, e que é o único na Europa, é que tu continuas a ter os dois partidos de sempre com resultados eleitorais mais ou menos estáveis. Isso é que não tem mudado, que é incrível. Por enquanto. Não, pode ser, ou seja, pode ser por enquanto, mas a verdade é que... Ainda não mudou. Passámos a crise, passámos tudo e o PS voltou a ganhar e o PSD, com todas as dificuldades que tem tido, lá continua no... Não sei quanto é que está agora, nos 27
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ou 25. Sim, mas continua com o resultado relativamente tradicional. Não desce abaixo dos 25. Exatamente. Pois, em Portugal eu acho que a máxima expressão desta turbulência que existe no sistema político ocidental é de facto a abstenção e ela é muito preocupante porque atinge níveis que, enfim, de alguma forma desqualificam as eleições, não é? Não vou dizer que as invalidam, não vou chegar a esse ponto, mas pelo menos que as desqualificam certamente. E realmente, como estávamos a conversar há pouco, não havendo um desinteresse das pessoas pela política, elas estão obviamente disponíveis, por isso é que o adico, acho que é um pensamento à procura de um pensador, não é? Portanto, quando isso lá chegar, talvez tenhamos que olhar para as coisas de outra forma. Agora, o sistema político, na minha perspectiva, está completamente descredibilizado, isso está, e em fase de cadência. Voltando
José Maria Pimentel
é que estamos a falar há bocadinho das diferenças de personalidade das pessoas e a relação com a política e depois tem outras manifestações engraçadas que parecem muito prosaicas mas eu acho que dão imensa informação. Por exemplo, quase até ao nível absurdo, tu consegues perceber em Portugal, sobretudo entre políticos, se eles são de esquerda ou direita, ou até consegues ir quase ao nível do partido pela maneira como se veste.
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Eu às vezes a televisão, ou a televisão, ou a interação com vídeo qualquer, neste caso até era no YouTube. Só para ver o tipo de expressão corporal e de expressão facial que as pessoas empregam ao falar, e o tipo de postura, de gesticulação, de pausas, e se calhar conseguem, pelo menos, o nível, as probabilidades com que a... O nível de respostas certas é tão elevado, não é total, mas é tão elevado que realmente dá a pensar. Há uma... Há um bocado, estávamos a falar de umas experiências de encontros, não é? De parelhas. Há umas experiências muito antigas na psicologia de família que são muito interessantes que se colocam uma série de pessoas desconhecidas numa mesma sala e pedem-se para elas emparelharem umas com as outras, sem falar, sem palavras. E depois a seguir, e há sempre algumas que não conseguem encontrar par, claro, mas há muitos pares correspondidos, não é? Portanto, que são escolhas recíprocas, escolhas mútuas. Mas é que é a andarem pela sala e... A andarem só, sem falar. Só olharem-se umas às outras
José Maria Pimentel
e
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depois escolherem-se. E é curioso que depois quando vamos fazer o levantamento das histórias de vida destas pessoas, elas são altamente complementares, ainda sem ressonâncias magnéticas. Portanto, Imagina, encontra, vou dar um exemplo concreto, encontra-se uma porcentagem elevadíssima de raparigas que são o elemento mais novo na fratria que vão escolher rapazes que são o elemento mais velho com a irmã mais nova. Portanto, elas escolhem um... Sem falar! Sim, sim, sim. Isto não é... Lá está isto. Há uns anos era visto como um fenómeno paranormal. Hoje em dia sabemos, lá está, porque o cérebro é o tal fóssil-vivo e nós temos competências e capacidades que não utilizamos de uma forma consciente, mas que estamos a utilizar quando estamos em interação. E são muito rápidas, sobretudo. São rapidíssimas, são de eficiência máxima, disparam à cabeça sempre, são muito mais rápidas do que qualquer racionalização, de qualquer mecanismo mais sofisticado. E é interessante como é que nós fizemos essas coisas. Portanto, é verdade, pela maneira de vestir nós conseguimos quase perceber
José Maria Pimentel
as coisas. Isso é incrível. De esquerda à direita. Ao absurdo até. Eu acho que é um nível absurdo. É verdade.
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E também há uma série de outros preconceitos, de estereótipos. Mas também até só pela linguagem, praticamente pela linguagem verbal e pela postura corporal se consegue fazer essa... Não verbal, perdão, e pela postura corporal se consegue fazer esse diagnóstico. Mas esse exercício que tu fazias era com políticos portugueses ou...? Com políticos portugueses e estrangeiros, porque às vezes as pessoas estão mais familiarizadas com os políticos portugueses, então enviasa muito nas aulas.
José Maria Pimentel
E quais eram as diferenças? Ou seja, quais são... O que é que um político...
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Maior contenção física.
José Maria Pimentel
Com menos gestos. Muito menos gesto,
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muito maior contenção física, muito menor expressividade do olhar, portanto menos gesticulação, por aí fora. Ao fim e ao cabo é uma maior rigidez física e corporal comparado com a expressividade. Agora lembrado de uma outra coisa muito engraçada, sabes que na China, estou até também a falar com um colega estrangeiro, na China eles fazem muita identificação facial, como nós usamos agora nos telefones, etc. Em câmeras de videovigilância. Houve muitas pessoas que começaram a tentar contornar com a câmara de videovigilância. A câmara de videovigilância, sei lá, embora a identificação facial já esteja bastante avançada, com chapéus e adereços, etc. E então agora há uma outra tecnologia que identifica as pessoas pela forma de andarem. A forma de caminhar, cada um de caminhar, é absolutamente singular, é única.
José Maria Pimentel
Sim, é verdade. E, aliás,
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todos nós já tivemos a experiência de ver alguém ao longe que nos é conhecido e não se vê bem ainda porque está muito longe, ou porque nós precisamos de ir ao oftalmologista, talvez. Mas pela maneira de andar sabemos quem é. Até de costas, ou assim, em viestos, os laitos, tu consegues identificar quando conheces bem a pessoa. De facto a maneira de caminhar, isto é um exemplo, mas
José Maria Pimentel
a maneira
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de caminhar é completamente única, a ponto de ser agora usada como tecnologia alternativa à identificação facial. E porquê? E se nós nos estivemos a pensar porquê que será que a maneira de andar é completamente singular em cada ser humano? É como a impressão digital, a impressão digital nós sabemos que é única para cada um, mas pelos vistos a maneira de andar também. Bom, isso é curioso porque efetivamente e porque mais que nos custa aceitar isso, corpo e mente são um só. A expressão física, a expressão paraverbal, não verbal, é tão reveladora nas nossas crenças e sentimentos como as nossas expressões
José Maria Pimentel
verbales. Primeiro percebemos o mundo através do corpo. Claro. E depois, aliás, é uma das coisas curiosas, por exemplo, das limitações da inteligência artificial, que não tem um corpo nessa
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limitação. Exatamente.
José Maria Pimentel
E depois nós temos terminais nervosos e até neurónios espalhados pelo corpo. O que significa que lá está. O nosso andar... Eu estou a pensar, por exemplo, tu estavas a falar um bocado do gesticular, estava a me lembrar do Marcelo Rebelo de Sousa, louco, é uma... Ele não dirá que é uma pessoa de direita, mas pelo menos começou num partido conectado com a direita. E não corresponde minimamente a esse... É exatamente o contrário, um tipo que gesticula imenso, expressivo, até o andar dele... É engraçado agora que falaste disso, o andar dele é assim meio um gingar, não é? O Obama por exemplo também tinha isso, o Obama tinha aquela coisa... Lembras-te dele a subir para o avião? Lembro. Ele subia sempre assim com uns saltinhos, a saltar para o avião. Lembro, lembro. Quer dizer, que é uma coisa que jamais um, o, sei lá, o Mitromni, por exemplo, que foi o deputado dele, jamais faria aquilo, não é? E a pé de pé a subir o avião.
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Mas é interessante esta coisa da maneira de andar, efetivamente, nós somos corpo e a maneira como nós nos expressamos é também a maneira como pensamos, claro, até nesse nível tão básico,
José Maria Pimentel
um bocado melhor. E o falar, por exemplo, outra coisa que eu apanhei é a questão lexical, que é de haver, constante as nossas características de personalidade, nós darmos preferência a também a outro tipo de palavras. Por exemplo, imagino uma pessoa, agora estou a conjeturar, mas imagino uma pessoa mais expansiva, tenderá a usar adjetivos mais fortes, por exemplo. Claro. Isso também é estudado nesta área? Também,
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mas eu por acaso não estou muito familiarizada com esses estudos. Também, Nomeadamente pessoas que utilizam mais imagens, adjetivos ou imagens, metáforas associadas a sensações, cores, coisas sensoriais, cheiros, etc. E outras que são mais abstratas. Isso também existe. Mas eu não, como eu te digo, não estou tão à vontade com esse tema. Outro que me
José Maria Pimentel
estava a lembrar agora é a questão do, por exemplo, tu vais a casa de alguém e também consegues perceber logo... Fogo. Não é? Se a casa está arrumada, se a pessoa é arrumada ou desarrumada.
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Claro, e tantas coisas. Há uma
José Maria Pimentel
série de coisas que tu consegues, há uma série de detalhes que
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tu consegues perceber. A casa também é altamente reveladora, claro. Aliás, as técnicas da psicologia infantil que se utilizam na avaliação, na intervenção em crianças pequenas ou relativamente pequenas, as técnicas do desenho, de desenhar o corpo humano, desenhar a árvore, desenhar a casa, são ao fim e ao cabo, claro, vias de acesso, vias verdes de acesso ao inconsciente, ao pré-consciente da criança e que são reveladoras disso mesmo, não é? A forma como a pessoa, como a criança, o miúdo, desenha uma casa, ou desenha o corpo, não é? Diferente de lado, com mais promenor,
José Maria Pimentel
com menos promenor, mais investido. Havia um estético, agora lembraste-me de uma coisa, quando era miúdo havia um teste relacionado com isso, que a pessoa tinha que fazer uma árvore, um solo, não era? Sim,
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sim, é o desenho da árvore, é o desenho clássico do acesso da psicologia,
José Maria Pimentel
da avaliação da psicologia infantil. E tem que saber ler? Já não me lembro. Ah, bem, são muitas coisas. Tem que ver com o tamanho da copa e com o nascido... A copa,
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os remos, se tem frutos, se não tem, raízes... É engraçado. É verdade.
José Maria Pimentel
Não tem piada isso. Olá! Gostam do podcast? Se quiserem contribuir para a continuidade deste projeto e juntarem-se assim à comunidade de mecenas do 45° podem apoiá-lo através do Patreon desde 2€ por mês. Visitem o site em www.patreon.com, escreve-se P-A-T-R-E-O-N, barra 45° por extenso e vejam os benefícios associados a cada modalidade de contribuição. Desde já obrigado pelo apoio, mas para já voltamos à conversa. Agora não resisto a fazer-te uma pergunta, meia provocatória por causa da questão da maneira de vestir. Tu que passaste pelo bloco, porquê é que eles não podiam usar a gravata?
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Eu por mim podia usar a gravata à vontade.
José Maria Pimentel
Mas é verdade, não é? Eu, por mim, podia
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usar a gravata à vontade.
José Maria Pimentel
O simbolismo que isso tem é curioso, não é?
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É verdade. É o simbolismo, a gravata, mas é engraçado que uma coisa que eu fui descobrindo, mais ou menos, assim, progressivamente em alguma esquerda, é que são muito libertários para os outros, não é? São muito liberais e muito permissivos, tolerantes para os outros e que depois internamente, até nessas questões da maneira de vestir, etc, são muito mais conservadores. É como se fosse o Bombaro Pirómano, não é? Sim. Ou o Bem Prego Afra e Tomás. Como se fosse uma formação reativa, não é?
José Maria Pimentel
Isso tem muita piada. Eu já tinha ouvido algumas coisas, não relacionadas com isto da roupa, mas de no fundo, de novo, isto está muito ligado à realidade americana, mas os chamados liberal, muitas vezes a ver aquelas pessoas que têm uma empatia projetada para fora e depois não a projetam no próprio ensaio familiar.
Joana Amaral Dias Psicologia Política: personalidade, emoção, moral e cognição
Exatamente. Isso é um paradoxo
José Maria Pimentel
muito curioso, não é? O que é que tu vês por trás disso? Não,
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vejo isso, é um mecanismo psicológico que é até bastante comum. É um mecanismo de defesa, se calhar, assim, entre os 10 mais básicos que nós todos usamos e que todos devemos usar, só que lá está. Como sempre, a saúde mental define-se, e a saúde mental também, política, define-se por isso. Quando as coisas acontecem muitas vezes ou demasiadas vezes e de uma forma muito aumentada, deixam de ser normais e passam a ser patológicas. E, portanto, esse mecanismo de defesa é relativamente banal. Quando ele é usado de uma forma muito vincada, passa a ser perigoso. E eu acho que isso acontece na política de uma forma geral, não é? Por exemplo, a segurança. A segurança é um elemento essencial nas sociedades humanas e nas comunidades humanas, quando ela é levada ao extremo, deixa de ser segurança e passa a ser uma prisão ou passa a ser um mecanismo de controle.
José Maria Pimentel
E uma paranoia, não é? Claro, uma paranoia. Da parte de quem está a ver isso, não é? Deixamos agora falar, eu tinha-te falado há bocado, ou tínhamos falado já antes disso, daquele livro do Jonathan Haidt relacionado com os valores. O livro foi-me sugerido, eu acho que, quer dizer, eu já me tinha cruzado com o nome dele, mas a propósito de outro livro, não deste, e o livro tem muita piada, acho que vai ao encontro do teu em muitos aspectos, ou seja, cruzou-nos muito na questão daquilo que nós falámos do início, do inconsciente decidir antes de nós. Acho que ele usa uma analogia, não é aquela do repórter, é o que se alveja é o elefante, que não é o cavaleiro, é o elefanteiro, a pessoa que vai em cima do elefante. Não sei como é que se chama. Não sei. Deve ter um nome. Não será piloto, não é? Pois. É a pessoa que vai em cima do... Condutor. Do elefante. Do condutor, não é? Do elefante decidir para onde se vai. E ele chega a 5 barra 6, porque depois há um... Que acho que ainda está em fase de progresso. Aquilo que ele chama de valores fundamentais, não é? Que é uma coisa que está relacionada com a personalidade que nós falámos há pouco, mas não é bem, e tu falas aliás nisso no livro. Não é bem. Em certo sentido tem mais que ver com uma espécie de desejo, não é? Projeção. Projeção para a frente. Há dois que eu acho que estão muito relacionados com aquilo que nós falávamos. Há um que ele chama care harm, portanto, ter cuidado por alguém versus agredir alguém, a esquerda tem muito que ver com isso. Outro relacionado com justiça, barra batota, e este aqui é se calhar um valor quase comum, é comum à esquerda e à direita e é muito... Na economia, por exemplo, é o principal ponto até de decisão por duas interpretações diferentes. Sim. E depois há outros... Depois há o... Aquilo que é potencial, que é o sexto, que está mais relacionado com a questão da liberdade ou opressão, eu identifico muito com esse. Mas depois há três valores ali no meio que são muito visíveis na realidade americana, do Partido Republicano e dos conservadores. Em Portugal acho que estão mais, não estão tanto à tona, ou seja, eles existem claramente, antes de estarmos a gravar falávamos dos saudosistas do sauelazarismo, portanto claramente existe, mas não tem a expressão política que tem lá. Um deles tem que ver com a noção do grupo e da lealdade versus traição e está muito ligado ao patriotismo, não é, Vi? Eu lembro daquela... Há muitos saudosos do Estado Novo que acusavam, por exemplo, o Mário Soares de ter andado a pisar a bandeira. Havia uma série de histórias e o Manoel Alegre também tinha... Recordo-me bem disso. Também era uma das pessoas... Ou seja, ele existe mas não tem a expressão que tem noutros lados. Outro está relacionado com autoridade e a Antídese será a subversão. Esse em Portugal acho que é um bocadinho mais de peso, mas é mais subjacente. Há uma noção, desde logo o papel da igreja, o maior conforto com situações hierárquicas, até muitas vezes na empresa e no próprio Estado. E outro, este sim, eu acho que em Portugal tem muito menos pressão política, que é aquilo que se chama santidade versus degradação, que tem muito a ver com aquelas noções religiosas do corpo enquanto local santo, da virgindade, da ausência de pureza, uma série de coisas. Mas eu gostava de saber a tua opinião em relação a isso, porque a noção que eu tenho é, por exemplo, este último, não está claramente adormecido, mas acho que é pouco visível. De vez em quando, quer dizer, o aborto e tal, de vez em quando ressurge, mas tem pouca manifestação política, os outros dois têm um bocadinho mais, mas apesar de tudo
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acho que não têm tanta como na realidade americana. Eu acho que o primeiro tem sobretudo a ver com o facto de Portugal, por via quer da globalização, quer da entrada para a União Europeia, ter tido alguma dissolução, como todos os países do espaço europeu, alguma dissolução do conceito de Estado-nação. E, portanto, nós perdemos alguma coisa em nacionalismo, em patriotismo, eu considero-me bastante patriótica, pouco nacionalista no sentido...
José Maria Pimentel
Sim, aquela distinção. Sim, e
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acho que é uma distinção importante, eu realmente amo o meu país, mas não considero que sejamos melhores ou que tenhamos por isso o dinheiro do direito de oprimir o outro ou outra coisa qualquer. Mas portanto, acho que isso de facto está muito ligado e porque em Portugal, como noutros países europeus, mas em Portugal isso é visível, um conceito de Estado-nação e essa necessidade, que também é quase uma necessidade básica do ser humano de pertencer e de ter um grupo de inserção passou a ser substituída pelo futebol. E portanto a noção... Isto não é uma brincadeira, estou a dizer, isto eu não acho que isto seja... Acho que isto é mesmo assim. Há um sentimento... Portanto as pessoas quando se espantam muito como é que os programas de futebol têm tanto prime time e ocupam tanto espaço televisivo, informativo e social e na arena pública, a mim não me admira nada, porque ser do Porto, do Sporting e do Benfica, e de outros clubes também, mas deste sobretudo, passou a ser quase um substituto, um derivado. Pobre, com certeza, um substituto bastante pouco nutritivo, mas é um substituto do sentimento de pretensão.
José Maria Pimentel
E da guerra, não é?
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Claro, de uma forma organizada de poder fazer competição, de ter a diversidade, mas ao mesmo tempo de ter também uma cor, uma bandeira, um símbolo, uma música, uma claque. É verdade. Até por, em Portugal em particular, até por um determinado eixo, um veio histórico que se prende com os nacionalismos do século XX, e com o Estado Novo em particular, passou a ser muito mal quisto entre as elites bem-pensantes, entre a tal fina flor da sociedade portuguesa, porque a ideia de ser patriótico, tirando se calhar uma franja do Partido Comunista e uma franja muito particular de algumas pessoas à direita, passou a ser mal visto. A pessoa dizer eu amo o meu país, por exemplo, como eu disse há pouco, é alguma coisa para a esquerda absolutamente impensável. Quase uma brejeira isso, digamos, se me permites. Portanto, eu acho que o primeiro tem a ver com isso. E, efetivamente, se tu aplicares esse sentimento e essa descrição ao Sporting, ao Porto e ao Benfica, elas dizem sim. Existem de sobremaneira.
José Maria Pimentel
Deixa-me só interromper, então, antes de teres a segunda coisa, porque não só o autor do livro dá esse mesmo exemplo, ou seja, o exemplo dos desportos e nós projetarmos esse lado grupal, e na nossa realidade, quer dizer, basta ver, quando estavas a falar, lembra-me logo disso. Inicialmente foi engraçado porque começaste a dizer isso e pensei, será assim tão forte? E depois lembro-me de uma coisa evidente, para onde é que convergem aquele pessoal de extrema direita skinheads? Para onde é que eles convergem? Para as clacos do... Aliás, eu não sei se já te aconteceu isto, mas das coisas mais desconcertantes, das experiências mais desconcertantes que eu já tive foi ver ali em Tilheiras, ao pé do estádio do Sporting, uma vez aquela malta a passar a caminho do estádio e tu dá a ideia que... Percebes-te
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se calhar de outra forma.
José Maria Pimentel
Mas é aquilo é...
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Mas nós sabemos que lá está.
José Maria Pimentel
Parece que estás num outro país, é uma coisa
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desconcertante. Sim, mas não estás, estás em Tileiras. Estás em Tileiras,
José Maria Pimentel
ainda por cima.
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E é interessante porque também pelo avanço galopante que está a tida na nossa ciência, nós sabemos que existe mesmo uma parte do funcionamento do cérebro que é absolutamente tribal, este sentimento de pertença tribal, e que ele tem que encontrar resposta. Lá está, é o tal pensamento à procura de um pensador, ele tem que encontrar um sítio de pertença. E o futebol proporciona isso. As classes, os clubes de futebol efetivamente permitem esse pasto. Permitem conter, se calhar. Permitem conter e organizar. Ou
José Maria Pimentel
então alimentam, que a pessoa depois nunca sabe. Alimentam,
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Eu acho que tem que ser sempre assim, para conter a precisa alimentar. Isso é como um útero. Um útero só contém quando alimenta, quando a placenta funciona bem. E acho que aqui é exatamente a mesma coisa.
José Maria Pimentel
Eu cortei-te o raciocínio há bocado, desculpa, que tu ias falar de uma
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segunda... E eu ia falar da outra parte, da última, agora a do meio não me lembro, mas já me recordarás. A última, a parte mais puritana, porque eu acho que ela foi muito organizada, sobretudo nos países mediterrânicos, no Norte da Europa de outra maneira, mas em toda a Europa, mas nos países mediterrânicos, sobretudo pela Igreja Católica Apostólica Romana, ela foi organizada de uma determinada forma, de uma forma até bastante socializante, digamos assim, e que permitiu integrar esses aspectos de uma forma harmónica. Lá está, só surgem em casos de retura, como é o aborto, como tu falaste, a interrupção voluntária da gravidez, e pouco mais, mas eles estão muito... Eu acho que aí também o Partido Comunista tem uma lição a dar-nos, porque quem ouviu isto pensou que eu moro em Porto Inglês, não é verdade? Tem uma lição a dar-nos, porque como tu sabes nunca afrontaram a igreja e sempre tiveram uma relação até bastante pacífica.
José Maria Pimentel
Foi para evitar os erros do Estado Novo da Primeira República, não é? Sim,
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também foi para evitar os erros da Primeira República e também numa leitura que lá está que eles fazem uma organização e uma contenção desses elementos e se calhar até conseguem permitir a progressão de outros. Sim,
José Maria Pimentel
sim. E a Igreja Católica e o Partido Comunista não são organizações assim tão diferentes. Não, muitas coisas, claro. Tem muitas pontos comuns. Tem uma lógica que...
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Qual é a organização que não tem pontos comuns, não é? Eu ia agora para apontar uma experiência pessoal que eu fiquei impressionadíssima. A minha filha fez agora três anos e eu a levei pela primeira vez ao cinema a semana passada. Já falta de ver filmes, claro, mas o cinema é uma outra experiência. E como eu sou cinéfila, estava morta de poder levar, estava desejosa de levar ao cinema e levai. E passa a publicidade no cinema, era o cinema nós, e portanto tem aquela coisa para desligar os telemóveis, eles aproveitam e metem a cena da nós. Quando é uma suspente, passado uns dias eu estou ali a passar pelo Campo Grande e passamos pelo edifício da nós, e ela só pelo símbolo, porque ela claramente não sabe ler, não sabe ler, não tem três anos, tem uma noção ainda muito desmaiada do alfabeto, identificou o símbolo e fala-me do cinema e do filme, e aquilo é do filme e do cinema e não sei quê. O poder dos símbolos, eu fiquei impressionadíssima, foi uma vez, ela viu aquele anúncio, uma vez, uma vez na vida e identificou automaticamente. Portanto, todos estes aspectos tribais que estávamos a falar há bocado, realmente é uma força imensa sobre a mente, é que nós às vezes, lá está, às vezes um bocadinho, como viajamos todos os dois palmos acima da terra nos nossos quotidianos, nossas profissões liberais, etc., esquecemos que essa influência primitiva se faz sentir diariamente.
José Maria Pimentel
Sim, e o futebol é um bom exemplo disso. Eu, quer dizer, eu... Portanto, todas
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as organizações têm esses símbolos, só para dizer, só para voltar, os símbolos, as músicas, os rituais. Não é só o Partido Comunista e a Igreja Católica, todas as organizações de sucesso, seja o Sporting, o Benfica, todas as organizações de sucesso têm esses elementos.
José Maria Pimentel
Sim, todas as organizações de grupos grandes precisam de um fator agregador e muitas vezes isso deve ligar muito ao nosso inconsciente, não é questão do símbolo comum. Depois há um exemplo giro que é o de... Existe, por exemplo, todas as culturas históricas tiveram templos ou espécies de templos. Era muito comum haver o hábito de andar... Que ainda hoje se vê nas peregrinações, de andarem em círculo à volta do... E aquilo une. Com certeza. Para mim, que não sou muito dado a esse tipo de fenómenos, só me torna-se ainda mais fascinante, porque acabo por ver um bocadinho de fora. Não sou completamente imune, que ninguém é, mas fazem-me ser um bocadinho de... Para mim, são um bocadinho estranhos, num certo sentido. Só para dizer qual era o outro, só para ver o do meio, era a questão da autoridade versus subversão. Portanto, a questão da autoridade, das tradições, que acho que em Portugal tem um bocadinho mais... Esse já tem um peso um bocadinho mais explícito, embora acho que
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não é tão visível. Mas subversão aí é o quê? Subversão é em relação à
José Maria Pimentel
autoridade, ou seja, em relação a... Pode ser ao Estado, pode ser em relação à Igreja, pode ser em relação à família, pode ser em relação ao teu chefe no trabalho, pode ser em relação a uma série de coisas, não é? A direita tende a ser mais... Tende a ter uma melhor relação com... Por exemplo, o exemplo típico, o PC, por exemplo, é um partido diferente nesse aspecto, mas o Bloco, para votar o Bloco, tinha aquela... E continua a ter, sabe o erro? Aquela aversão a ter um líder, não é? Primeiro não tinha um líder, depois teve dois, mas não se chama líder, chama-se porta-voz, sabe o erro? Não, chama-se coordenador. Coordenador, pronto, já foi para o eufemismo. É um eufemismo. Havia o exemplo daquelas manifestações do Wall Street, dos protestos, eles eram tão, tão, tão, tão de esquerda neste aspecto que não se conseguiu organizar, porque não conseguiu chegar a uma... Não conseguiu admitir a necessidade de ter alguém que liderasse aquilo, que alguém que fosse o porta-voz. Mas
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eu acho que isso não é só de esquerda a direita, isso também é um fenómeno relativamente novo e eu acho que tem a ver um pouco com uma certa atomização e fragmentação das sociedades contemporâneas. Porque se olhas para os coletos amarelos e os nomes que vão surgindo, que também não têm provavelmente uma estrutura hierárquica e de liderança tão definida. Os
José Maria Pimentel
de extrema direita não tinham? Porque havia os de
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esquerda e os de direita. Os coletes amarelos não tinham nenhuma liderança assumida. Pois, pode estar relacionado
José Maria Pimentel
com isso também.
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Pois, eu acho que tem uma parte disso. Não só, mas tem uma parte disso. Não sei, eu acho que Portugal, ali na Seixa, é um país bastante conservador e que tem integrado as suas... Eu acho que o melhor, aquilo que é mais característico ou mais paradigmático, e sempre mais paradigmático, é a lei das cotas, das mulheres. Foi que eu falei
José Maria Pimentel
com a Isabela Moreira sobre isso. Porque... Grande conversa sobre esse tema. Porque
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é incrível que nós estamos tão atrasados, nós conseguimos fazer sempre uma introdução, temos feito sempre uma introdução espécie teórica dos assuntos, E depois há um imenso Portugal que está completamente arredado destas evoluções. Eles nunca entraram em conflito até hoje, nunca houve esse conflito, mas efetivamente se tu olhares para a lei das cotas, para a lei da paridade e a comparar-se com os números de violência doméstica, por exemplo, com o país real que mete Espanha num chinelo, num mau sentido. E até o Brasil, nós temos proporcionalmente mais homicídios do que o Brasil. Do que o Brasil? Do que o Brasil, Zé Maria. Isso é incrível. O que é incrível, é muito mais que a Espanha, porque pegaram o Brasil e a Espanha por motivos óbvios, um país onde se calhar não tem uma cultura assim tão diferente, nós diríamos assim, a olho nu, não tem uma cultura assim tão diferente. Sim, e o Brasil é um país com muito mais violência do que Portugal. Claro, daí eu ia buscar o Brasil.
José Maria Pimentel
Portugal é um dos países mais seguros do mundo.
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Mas são latinos, não é? Já não estou a comparar com outro tipo de culturas. Mas para dizer, nós fazemos uma introdução teórica dos temas, legal, mas depois o país real é outro completamente diferente. E efetivamente nunca chegaram, não sei como. Mas
José Maria Pimentel
não terem chocado não sei se é bom. Pois, também não sei. Pode ser um sinal de debilidade e não um sinal de vitalidade. A verdade é que esse
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outro país existe e está lá.
José Maria Pimentel
É verdade, sim. E isso nota-se em muitas coisas, quer dizer, Ou seja, por exemplo, nós estávamos a falar da questão de haver ou não haver uma espécie de vontade de afervilhar por um político mais... Mais... Digamos de protesto, ou mais radical. Eu não sei se há ou não, admitindo que há, eu não sei se é bom não se notar. É agradável no curto prazo, mas não é um sinal de vitalidade, não é? Pois não é, não. É um sinal de debilidade cívica, num certo sentido. E isso é uma coisa um bocadinho estranha. Vou fazer uma curva para voltar atrás. Nós já chegámos a falar de uma coisa gira a propósito disto que é, nós começámos logo a falar da personalidade, falámos dos valores e tinha piada também ter um bocadinho a noção do que é que surge, como é que eu ia dizer, o que é que leva a isto? Ou seja, o que é que, por exemplo, o que é que determina a nossa personalidade? Eu estava convencido até há pouco tempo, já tinha apanhado coisas em relação ao papel do Gênesis, que é curioso, o Gênesis, acho que o consenso está cerca de metade, o que pode ser visto como muito ou como pouco, não é? Claro. Por um lado tem um papel gigante, por outro lado que sobra um 50%, não é? E os outros 50%, eu estava convencido, quer dizer, em certo sentido continuo a ser parte convencido, sobretudo em Portugal, que a família, por exemplo, tinha um papel grande e depois encontrei algumas explicações dizendo que mais do que a família era o meio em que tu vivias, ou seja, os teus pares. Estás a crescer, tens os amigos na escola, as pessoas com quem discutes e são, no fundo, são aquelas as pessoas com quem tu tens que dar, que te dar, as pessoas que tens que agradar, por um lado, mas por outro lado, que queres persuadir, e que é muito por aí que a nossa visão política, que a nossa personalidade no geral, não só virada para a política, é definida. Mas por outro lado, custa-me acreditar que num caso como Portugal a família não tenha um... Que somos mais coletivistas, não é? Que a família não tenha um peso grande.
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Não, tem. E repara, nós não conseguimos efetivamente determinar qual é que é essa porcentagem, não é? Nature versus nurture. Será um debate provavelmente que ainda vai atravessar muitas décadas do século XXI. Eu admito o 50-50, parece-me razoável. Sucede que há que acrescentar que nós hoje em dia sabemos que o próprio... Sabemos que afinal Lámarque também tinha razão, não é? O Darwin tinha razão, mas o Lámarque também... Tinha um bocadinho. Também tinha um bocadinho de razão porque o nosso dia-a-dia também altera, a nossa prática, o nosso estilo de vida também altera os próprios genes. E portanto, no final, os genes que eu vou transmitir à geração seguinte, eles não estão intactos, eles não estão puros como eu os recebi, eu modifiquei-os
José Maria Pimentel
com a minha vida. Eu falei, por acaso, desculpa interromper-te, falei com a Maria do Carmo Fonseca exatamente sobre isso e foi giro. Eu acho que isso ainda não está completamente comprovado, a questão da epigenética influenciar o... Há
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partes que estão comprovadas! Há partes que estão comprovadas! Acho que não está comprovado exatamente como é que acontece, mas há muitos indícios que isso acontece de facto. Acontece, por exemplo, o caso dos cânceres. Está comprovado que acontece o fumador alterar determinadas determinadas componentes que depois as transmite dessa maneira à geração seguinte. Sim, da epigenética. Da epigenética, portanto não se sabe exatamente como é que acontece, muito menos se consegue controlar o processo. Sim. Era bom, pelo menos já é alguma parte... Até porque é difícil medir, não é? Pois, é muito complexo, são variáveis de facto extremamente opacas, mas o Lamarck tinha um bocadinho de razão. Portanto, é 50%, 50% sendo que uma vez mais, tal como o corpo mente, as sinergias e as interações entre estes fatores são também elas de uma complexidade brutal e, portanto, a divisão vale o que vale. Agora, nós também sabemos que o primeiro ano de vida de um ser humano é absolutamente determinante no impacto que o software vai ter no hardware. O primeiro contacto do ser humano com o exterior, um primeiro ano de vida. Já estou a dizer primeiro ano de vida, mas na verdade hoje em dia até na linha da frente sabemos que a vida intrauterina e portanto o desenvolvimento fetal tem uma importância ridiculamente enorme, gigante. Enorme, gigante. Portanto, vamos dizer assim, os dois primeiros anos de vida, contando o primeiro ano, praticamente um ano de desenvolvimento fetal, são cruciais para a formação da personalidade. Portanto, a ligação do bebê aos pais e a forma como são geridas as primeiras experiências, nomeadamente do eixo poder versus vulnerabilidade, porque há bocado estava-te a dizer e é verdade, nós não podemos falar de psicologia nem de política sem falar de poder. A experiência de poder barra impotência,
José Maria Pimentel
posso ou não posso,
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sou capaz ou não sou capaz, é possivelmente a primeira experiência do ser humano e que é mediada, claro, por quem cuida do bebê, quem cuida dessas experiências. E daí, aliás, uma grande parte da psicologia política e de alguns avanços até mais interessantes da psicologia política bebem daí, no sentido de nós sermos capazes de desenvolver mais um poder para ou um poder sobre o outro, um poder que interessa. Nessas primeiras experiências, como elas são geridas por quem toma conta do bebê, mais um poder sobre, ou seja, um poder de controlar, de ter autoridade, de dominar o outro, ou um poder de transformar essas experiências em coisas se calhar mais produtivas, mais sofisticadas, para aí fora. E, portanto, aquilo que nós sabemos é que essa, efetivamente, depois todos os outros fatores interferem, a escola, a família, os meios industriais, culturais de massas, não é? O cinema, a televisão, a internet, etc. Mas que esse primeiro ano de vida, lá está, não fatal, para já não contar o outro, é ouro. E por isso, aliás, uma das minhas batalhas políticas tem sido, embora aconteça em várias áreas, mas nesta é especialmente gritante porque há um gap enorme entre aquilo que é a evidência científica, aquilo que é já o conhecimento acumulado da comunidade científica, barra aquilo que são as práticas políticas, porque se a área que é desconsiderada na política é a parte da psicologia, da política da criança e do adolescente, sobretudo da criança. Ou seja, nós temos uma sociedade que está absolutamente orientada para desconsiderar a primeira infância. Na primeira infância o que é que o mercado laboral e as práticas parentais familiares vão ditar? É que aos seis meses as crianças são colocadas na creche. Isso é absolutamente contrário àquilo tudo nós sabemos da psicologia do desenvolvimento infantil e da neurociência que precisam, que os bebés precisam, sobretudo até aos dois primeiros anos de vida, mas idealmente até aos três, sobretudo de meios familiares e não de socialização alargada, com muitas variantes que podem
José Maria Pimentel
vir daí. Mas
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daqui, para te dizer, que daqui nasce possivelmente a maior divisão de todas, o que Eu acho que é até mais interessante do que a esquerda ou a direita, até porque também existiam regimes totalitários de esquerda, com certeza, convém sempre lembrar isso, que é o poder sobre ou o poder para. O poder, eu quero ter poder, porquê é que as pessoas querem ir para a política? Porquê é que as pessoas querem ter poder? Poder, manifesto, poder temos todos. Porquê querem ter poder, manifesto? Para quê? Acho que essa é a principal pergunta que se deve fazer a alguém que adera a uma jota. Porquê que quero fazer política? Já houve um processo de recrutamento e isolação.
José Maria Pimentel
Estás a assumir que a pessoa ia saber responder conscientemente a isso. Não quero,
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mas nós em psicologias temos várias formas de testar e de fazer estas vias de ver, estes bypass ao inconsciente. A avaliação psicológica é uma área da psicologia muito avançada, também porque bebeu dos orçamentos militares e, portanto, teve muito dinheiro para se desenvolver rapidamente e, portanto, os testes psicológicos são muito desenvolvidos. Sim, isso é um aspecto engraçado. É, nós tínhamos muito dinheiro da parte militar e, portanto, desenvolveu-se muito rápido. A avaliação psicológica hoje em dia está mais avançada, muito mais do que, por exemplo, a parte de intervenção clínica. Tecnicamente, justamente por isso, porque o dinheiro que jorrou para a avaliação psicológica era muito, era e é muito, sempre naquele mito de construir o super soldado, a avaliação psicológica recebeu de facto orçamentos muito
José Maria Pimentel
churudos. Não tem só a ver com isso, o exército é um campo muito interessante porque eles não se podem dar ao luxo de andar a empatar. É uma coisa tão importante que eles não se podem dar ao luxo e daí é que eles investiram na parte psicológica.
Joana Amaral Dias Psicologia Política: personalidade, emoção, moral e cognição
E também tem outra parte, que é que tu tens muitos sujeitos experimentais disponíveis.
José Maria Pimentel
Sim, exato. E isso é muito
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importante para quem trabalha na minha área, porque um dos problemas sempre é tu ter sujeitos experimentais disponíveis, baixa mortalidade experimental, ou seja, os sujeitos que queres fazer um pré-teste e um pós-teste, que é uma coisa básica de investigação. Eles estão lá, não se forem embora, não desistiram. Podem
José Maria Pimentel
ter morrido, coitados. Sim, mas tens
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muitos disponíveis e depois até algumas experiências que estão no limite da ética. Sim. Bom, E depois já entram muitas teorias da conspiração, mas algumas que não são, que roçam ali uma determinada fronteira da ética e que no exercito se fazem. E portanto, de facto, a avaliação psicológica evoluiu muito aí, mas estava-te a dizer que se calhar era muito interessante que nas Jotas se perguntasse ali na soleira da porta, olha o senhor ou a senhora quer vir para a política, porquê? Qual é a sua motivação? Vamos lá ver. Porquê quer exercer o poder? O que é que imagina? Porque isso é, eu acho que isso é a grande distinção da personalidade na forma, depois que no exercício da política. A pessoa quer um poder para transformar a sociedade, lá está, para que ela seja melhor, ou quer um poder para dominar a sociedade. Isso é essencial. A experiência do sadismo, elementos sádicos todos temos, Mas a experiência do sadismo ou a experiência da transformação, elas são brutalmente presentes na política e tu também as observas, se começares a usar essa lente, vais ver que as encontras mais vezes que aquelas que estavam à espera. Mais vezes que aquela está à minha espera.
José Maria Pimentel
Todos os políticos dizem que há um poder para, no sentido dos portugueses, de melhor nível, eu acho que o poder sobre está lá sempre um bocadinho. E não acho mal que esteja lá, se for uma dose pequena, acho um fator motivacional que não é ilegítimo. Se for uma dose grande e surpreender a outra, não é como se vê muitas vezes, passa a ser um fim em si mesmo.
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Havia aquela coisa do Maquiavel, de ser, e para o poder, para ser amado ou odiado, que eu acho que é uma formulação mais pobre, Acho que esta é mais rica, até porque eu diria que ser amado ou odiado fazem as duas partes do poder sobre. Exatamente. São coisas muito egoicas e fazem as duas partes do poder sobre. O poder para, e para que a outra pessoa se possa transformar e a comunidade se possa transformar, é muito... Não está presente nessa dicotomia introduzida por Maquiavel.
José Maria Pimentel
E outro aspecto que eu imagino também seja muito estudado é o que é que... Que tipo de pessoa é que se predispõe a ter um cargo político de topo? Porque se o primeiro-ministro ou um presidente dependendo do regime, aquele exercício do poder, e daí eu achar que o poder sobre tem de ter sempre algum peso ali, tem que dar um retorno por si só grande, não é? Porque é uma vida horrível sobre vários aspectos, não é? Quer dizer, dormes pouco, estás sempre sob stress. Não se deseja a ninguém. Não se deseja a ninguém e no entanto há pessoas, há muita gente que quer... É a pulsão do poder.
Joana Amaral Dias Psicologia Política: personalidade, emoção, moral e cognição
É, não é? É mesmo essa a pulsão do poder. Eu acho que aí realmente, talvez, muitas vezes essa vertigem... Eu concordo contigo. Ambos são sempre presentes. As doses é que podem ser variáveis, as percentagens é que são variáveis. Agora, quando esse poder sobre o outro está muito presente, ou seja, ele faz parte dessa vertigem de aceitar esse cargo, não é? E facilmente se cai nesse vórtice. Eu acho que o melhor exemplo da atualidade do poder para mim é
José Maria Pimentel
o Mujica. Sim, é o exemplo extremo da abnegação. O Mujica era o presidente do Uruguai. Do Uruguai. Eu no
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livro até dou o exemplo do Gandhi, mas se agora revesse o livro, se tivesse outra edição do livro punha o Mujica como um exemplo mais atual. Então há-de ter esse poder da transformação do outro, não é? Quase
José Maria Pimentel
que... Eu gosto, quer dizer, acho uma figura admirável...
Joana Amaral Dias Psicologia Política: personalidade, emoção, moral e cognição
Eu também acho admirável.
José Maria Pimentel
Mas não acho realista, não é? Ou seja, não pode ser um modelo, não é? Tu nunca vais conseguir
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ter... Pronto, é um extremo, é um extremo. Aquele grau de abnegação, não é? Claro, claro. Mas é interessante, não é? Na verdade ele chegou ao lugar do poder. Porque não estou a falar de um... É quase um milagre, nessas péssimas. Não estou a falar de um wannabe, não
José Maria Pimentel
é? Mas tinha muito pouco a pouco a pegar o poder, se há algum
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erro. Pois, mas esteve lá.
José Maria Pimentel
Esteve lá, mas depois saiu assim... Interessante, não
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é? Esse é um exemplo extremo, de facto, do poder para e eu acho que ele de alguma forma conseguiu e consegue de facto também ter esse lado que o poder para tem muitas vezes que é inspiracional e motivacional.
José Maria Pimentel
Mas não falta, agora estou um bocadinho a advogado do diabo, não é necessário um bocadinho do impulso do poder sobre. Eu acho que sim. Para ter fazeres e teres o... Precisas um bocadinho mais de dopamina, da
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tal dopamina que estávamos a falar há bocado em off. Exatamente. Faltam um bocadinho às vezes ao poder para, precisas um bocadinho mais de energia e de proatividade. Acho que sim, lá está a questão das
José Maria Pimentel
doses. Claro, claro, claro. Sim, é o locus de controle.
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Mas se avaliando essa motivação básica, lá está, ou a preponderância, a maior preponderância de uma ou de outra, nas Jotas, à entrada ali, não é? Na
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fronteira, Estavam a garantir serviço público. São a péssima via de seleção, infelizmente. É verdade. O problema é que eu
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não sei qual é a alternativa. Pois também, não sei muito bem. Não tens nada, não é? Também não sei muito bem, mas sei que nós em termos de formação cívica e de participação cidadã, somos um desastre, não é? De certa maneira.
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Sim, somos do... Não sei se éramos o país com menos participação política da União Europeia, mas não somos, somos o penúltimo. É uma coisa mesmo que está muito em baixo.
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Curiosamente, acho que isso se prende com a nossa falta de formação desportiva. Acho que isto pode agora parecer assim uma coisa, ter a ver uma coisa com a outra.
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Depois parece, mas está a me parecer interessante. Sim, porque eu acho que,
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em termos escolares, até acompanhando com a Espanha, que nós estamos aqui ao lado, é um país que eu frequento bastante também, não só nos estamos ao lado, como eu conheço relativamente bem. Porque, como tu sabes, o desporto escolar em Portugal é um parente paupérrimo,
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não é? Exatamente, sim. Há muitos anos que penso nisso e acho que é extremamente exagerido, é um desperdício de tempo. Eu se
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fosse ministra da Educação, coisa que nunca vou ser, nem quero
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ser. E do desporto. Nem
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quero ser. O pior desporto, a revolução número um que eu fazia era pôr o desporto como a disciplina rei nas escolas. Por várias razões, lá está, Porque nós também somos a forma como andamos e portanto nós somos corvo. E porque para além de... Nós sabemos hoje em dia, já agora permite-me acrescentar, que o desenvolvimento... Sabes que o cérebro é o órgão... O único órgão que nós temos que é uma célula mandra, não é? É plástica, é o único que cresce
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depois de ser cortado. Acho que o fígado também cresce.
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Tem qualquer coisa, mas não com a mesma capacidade plástica de aprender novas funções, etc, complexas como a do cérebro. E a principal veia para aprender para o cérebro se desenvolver é a atividade física. Nós sabemos hoje que a maneira mais rápida do cérebro desenvolver novas sinapses e formar até novos neurónios não é ler livros, não é jogar xadrez e não é ouvir ópera, é mesmo fazer desporto, fazer atividade física.
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E previna o declínio do cérebro com a idade, por exemplo. Exatamente.
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E portanto, para as criancinhas aprenderem, a melhor coisa que elas têm a fazer é desporto. Em Portugal nós chegámos ao cúmulo, agora isso penso que foi alterado, mas chegámos ao cúmulo inclusivamente de educação física, não contar para a nota. Quer dizer, eu lembro e tu também te lembras de andar à escola e ver aqueles meninos e falar que notas é que tiveste, mas educação física, educação tecnológica não contam. Exato, sim, sim. Tipo que eram aquelas notas que, vai, se era para que não tinhas jeito, eram
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uns burros. Eu não acho que por acaso aí descorteia. Eu não acho que precise ter nota. Pois! Se tu tiveres... Uma coisa que para mim é absolutamente absurda era nós termos... Andarmos a experimentar um desporto aqui e um desporto ali. Era uma estupidez, não é? Tu saias de lá sem saber fazer nada. E nunca estavas numa situação de... Estavas numa situação de competição. De rutina. De rutina em que te estavas a tentar superar. E isso é prémio bastante. Nem acho que precisasse ter notas, porque também é difícil dar notas. Acho que o score, o ganhar da outra escola, não ganhar.
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Há muitos modelos. Os Estados Unidos têm um modelo muito interessante, do desporto escolar e do desporto universitário, não é? Que depois com acesso às bolsas, etc. Que eu acho que é um modelo interessante. Espanha tem outro, aliás, basta comparar os resultados.
José Maria Pimentel
Como é que ela se espanha? Eu não conheço para agora.
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Tem algumas coisas parecidas com o modelo americano e se tu reparares os resultados deles... São ótimos, sim. Anatomicamente, etc. Não somos assim, se calhar tão diferentes.
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Não, quem sabe as variáveis
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também têm muita importância na formação atlética. E isto que tu estás a dizer da nota e de termos algum desenvolvimento num só desporto, tem muita importância, porque a outra forma que nós sabemos que se formam novos neurónios, outro modo que se formam novos neurónios, é pela rotina, pela repetição, que é outra coisa um pouco
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contra-intuitiva.
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Mas essa rotina é necessária justamente para isso que tu estavas a dizer, a superação, o aperfeiçoamento e é assim que se desenvolvem novos neurônios também. Portanto, a introdução do desporto escolar à séria, não como uma brincadeira, mas como a atividade rei, ou uma das atividades rei da escola, era fundamental, não só, agora ligando ao nosso aspecto da psicologia política, não só para a aprendizagem, para o ensino de uma forma geral, nomeadamente para o desenvolvimento de competências de atenção e percepção na escola, para aí fora, como também para o desenvolvimento de outras coisas, como disciplina, humildade, espírito de equipa, resistência e tolerância à frustração... Essas coisas todas que se aprendem facilmente, e na pele, não é? Entra pelos poros no desporto e dificilmente noutras disciplinas e que são essenciais para a formação cívica.
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Concordo completamente. Não é? Sim, exatamente. Portanto,
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eu acho que as duas coisas estão relacionadas, já tanto em desta conversa também algumas pessoas dizem assim, ah, desculpa, como é que é a formação cívica? Depende do desporto, eu acho que sim, largamente depende do desporto e acho que um dos problemas do nosso sistema escolar e depois da nossa atitude como comunidade e como sociedade tem a ver com isso, tem a ver com a nossa falta de formação
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atlética. É muito engraçado isso que estás a dizer, porque quando começaste a falar disso não estava a perceber onde é que querias chegar e por acaso faz todo sentido. Não digo que o desporto por si só seja a panaceia. Não, não é por si só, claro que não. Mas há claramente uma série de coisas que o desporto na escola pode potenciar, que não existem noutras áreas da escola, até porque nas outras digamos que tu... Por exemplo, uma coisa que é engraçada no desporto é que o desporto tem muito objetivo. Exato. Quem é que é o tipo mais rápido do mundo? Ora vai. É o Bolt, não sei se ainda é, mas era. É o
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Pompom Queixo-Queixo. Exatamente.
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Quem é que é o aluno mais inteligente das coisas? É o que tem melhor nota? Ah pá, se calhar não, porque a professora gosta dele. Se calhar não, ele estudou mais. Estás a perceber? E essa ambiguidade e nós somos muito dados, nós culturalmente somos muito dados a desculpas, não é? A desculpabilizar-nos.
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E sabes que o desporto também tem outra coisa, ele também esbate as diferenças socioculturais. Exato. Porque há muitos meninos que chegam a casa e que têm desplicações de matemática. Diferente, claro que essa batota, entre aspas, também pode existir, mas é diferente. Ali o esforço de cada um, efetivamente, o mérito de cada um, o desporto é sempre para a arena, por excelência do mérito individual, não é? E da capacidade, do talento, do dom de cada um. E por isso acho que isso, nesse aspecto, também é muito relevante. E acho que sim, nós temos um déficit esportivo brutal em Portugal e eu acho que ele está relacionado com um déficit comunitário maior. Sim, há um lado comunitário, ou seja, há
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um lado de grupo, mas também há um lado individual de resiliência, de blocos de controle, por exemplo.
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Quando falam, por exemplo, em Espanha eles vão muito mais para a rua. A primeira coisa que me ocorre quando eu ouço dizer isso, essa conversa que eu te estava a dizer até começou assim, dizem-se que vão muito mais para a rua, eles refilam muito mais, manifestam-se e têm muito mais, vibram, são muito mais vibrantes e muito mais vitalistas na política. Eu penso sempre, epá, no básquete em Espanha, a importância que tem, não é? O básquete ou outra atividade qualquer, não é? E a forma como eles rapidamente e prematuramente nas suas vidas têm esta coisa de se ter que se organizar e ter que competir e ter que competir de uma forma leal, não é? Uns com os outros... Competir e cooperar. Cooperar, exatamente. O desporto tem sempre esses dois lados, que tal como os irmãos, não é? Há sempre o lado de solidariedade e competição.
José Maria Pimentel
Deixa-me pegar nisto, agora lembrando de fazer uma provocação engraçada outra, que é como estudando isto, estudando esta... E agora leva-nos até um bocadinho de volta à questão da personalidade e dos valores conflituantes, das diferenças que existem entre as pessoas. Tu, como pessoa de esquerda, estudando isto e percebendo, vai dizer, percebendo as visões diferentes que existem face à tua, que no fundo é aquilo que nos acontece olhar para isto, tu lembras-te de olhar para determinadas coisas que a direita costuma defender, por exemplo, e pensar, estes tipos... Muitas
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vezes, muitas vezes. Aliás, eu acho que um dos meus problemas no meu percurso político, agora olhando para mim, tem a ver com isso. Porque eu acho que nunca consegui, também por personalidade, mas também por formação, por hostes do ofício, ser tão convicta de algumas coisas. De algumas coisas sou muito convicta, às vezes as pessoas até me dão esse feedback, mas de outras... Por exemplo, eu não consigo olhar para um líder do meu partido, não é? Estou a pensar, por exemplo, nos tempos áureos do Francisco Colossã. Houve uma altura que o Francisco Louçã era quase o Deus da esquerda. Eu lembro de falar com alguns colegas e de facto, mesmo quando o Francisco Louçã errava, as pessoas tendiam, que é uma coisa que aliás a psicologia também está no meu livro, tendiam logo a desvalorizar ou a esquecer, ou a enquadrar, dar uma explicação. E eu realmente sempre tive mais dificuldades nesse tipo de coisas, ou reconheço muitas políticas de direita como sendo válidas e até se calhar melhores. E isso às vezes até acabou por me dar uma visão não de real político, mas mais pragmática da política do que tão idealista, não é? Sim. Olha, vou-te dar um exemplo concreto. Quando foi das presidenciais de 2006, uma das razões pelas quais eu aceitei ser mandatária para a juventude do Soares, não foi propriamente porque eu achasse que o Soares ia ser o presidente, prefeito, para a esquerda, mas era uma questão quase às vezes pragmática, não é? Que é, bom, ou é isto ou há um candidato de União à esquerda ou é que a vaca silva. Ou seja, há uma relativização de algumas posturas e de algumas ideias.
José Maria Pimentel
Um termo transgente, não é?
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Exatamente, e isso, e à medida que quanto mais sub-psicologia política, mais acho assim, sem dúvida alguma.
José Maria Pimentel
O que eu vejo, há um lado... Quer dizer, eu não gosto muita palavra meritocracia, mas há um lado da meritocracia da direita que eu partilho, embora eu ache que a meritocracia tenha muitas limitações, eu acho que é... Isso é outra conversa, mas pronto, esse é um lado interessante. Depois há outros lados que eu só que não partilho tanto, mas acho que são importantes e existirem no espaço público. Há um lado de... Há um lado evidente do respeito pelas tradições e até da questão da segurança.
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Pois, eu ia estar no exemplo desses.
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Se quiseres, eu intervaio depois já a digo o resto.
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Não, vou-te dizer, eu lembro-me de ter esta conversa já há muitos anos, quando introduzi esse elemento, eu acho que nessa altura ainda estava no bloco de esquerda, e que era muito mal vista essa minha posição, que eu sempre disse que achava muito bem e acho muito bem que se defendam as minorias, os direitos das minorias, por exemplo, dos homossexuais, o casamento dos homossexuais, etc, mas que a esquerda tinha falhado completamente em olhar para a família comum, para a estrutura familiar, para a constelação familiar mais básica e dar-lhe resposta. A constituição familiar mais básica e mais comum e nem é pai, mãe, filhos e que a esquerda nunca tinha feito uma política de família que respondesse às necessidades básicas dessas pessoas. E as práticas básicas dessas pessoas. E isto era muito mal visto. Cada vez que eu dizia uma coisa destas, parecia que era uma gaja do CDS, o que é ridículo, porque é só uma coisa e eu não tenho que excluir a outra. E realmente há um momento a partir da qual na inserção do grupo que isto é suporting ao Benfica. E realmente se tu introduz o elemento das políticas de família para a constelação familiar tradicional, já és do CDS. Pronto. E essa discussão tive-a tantas vezes. É o fenómeno grupal e a questão do conformismo. Exatamente, que é incrível, estas experiências fundacionais da psicologia experimental ainda hoje me surpreendem, porque realmente as pessoas são, têm um conformismo à autoridade e à norma. E
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ao comportamento que vês à tua volta. Não é muito difícil... Ao
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comum que é...
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É outra coisa que a pessoa vê olhando, não é? Tu vivendo, vês esse fenómeno acontecer várias vezes e muitas vezes vê-lo acontecer contigo mesmo, não é? E por isso é que é bom a pessoa estar alerta para isso. Há outro aspecto em que eu acho que é importante haver alguma defesa desses valores, que tem que estar relacionado com a questão do desporto. Eu nem me identifico muito com isso, não sei, eu sou muito liberal em termos de... De costumes, não sei, da liberdade individual, ou seja, para mim a pessoa deve ter... É muito difícil até filosoficamente defender restrições à liberdade individual da pessoa fazer o que quer. Agora, dito isto, é preciso que haja alguém que publicamente defenda a necessidade das pessoas serem... Como é que vai dizer? Fomentar a responsabilidade individual, não é? Tu seres responsável pelas tuas ações, conseguires trabalhar bem dentro de um grupo, tudo coisas que estão sempre relacionadas com o desporto, que falávamos há pouco, e que estão muito, a direita tradicional olha para a esquerda e vê, estes gajos só se preocupam com os direitos, não é? Pois. No fundo, a vontade de dar aquela analogia da escola e das disciplinas é de desculpar a má nota, em vez de dizer, tu tens é que esforçar para ter melhor nota. É
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uma questão de autoridade, olha, e está a outra divergência que eu muitas vezes tenho com pessoas de esquerda. Eu, quando dizem, acho que, por exemplo, a liderança do bloco também é outro caso. Que é, ah, porque não é preciso hierarquias e não é preciso a autoridade. Epá, isso não existe. Experimenta lá ter um filho, criar um filho sem autoridade. É o que toda a gente diz. Quando vem a coisa que, opá, a séria só podes não ter filhos, porque eu me assusto com isso, que a hierarquia, que horror, vá de retro-satanás, nunca criou, nem sequer nunca criou, com um cão, quanto
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mais um filho. Claro, exato, exato. Bem, então um cão, um cão ainda mais, não
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é? Portanto, nós fizemos da autoridade e da hierarquia, claro, lá está, tem que ser, ela tem que ser em doses justas, tem que ser em doses parecimuniosas e equilibradas e harmoniosas e concordantes com o contexto e com as questões, mas tem que existir. Até porque é uma questão até de curto e longo prazo, ou seja, a autoridade,
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por exemplo, com um filho isso é muito visível, é mais empaticamente, pode ser, ou com o cão, para dar o exemplo da Ocão, empaticamente, o cão até é o exemplo mais puro nesse sentido. O melhor é fazer festas ao cão e estás ali contente, mas o melhor para ti e para o cão, no sentido dele ter uma existência bem enquadrada no sistema em que tu queres que ele viva, é existir alguma autoridade sobre aquele animal, não é? Regras. É tu conseguires impor-lhe disciplina, lá está, com o teu peso em medida, mas em certo sentido uma coisa que tu podes achar que estás a fazer para bem o daquele cão ou do teu filho, não querendo comprar necessariamente filhos com cães, pode, paradoxalmente, é pior para eles, é uma coisa engraçada.
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Pois, depois se calhar é aquela questão de educas o cão, por exemplo, a não roer os teus sapatos, bates-lhe ou não bates, depois
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já entramos na... Aí há várias colas. Claro,
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claro. Mas é isso. Mas a autoridade à esquerda às vezes faz uma rejeição, claramente por um viés da personalidade dos seus autores, ou daquilo dos rebanhos que querem regimentar. Porque aqui também há que haver uma distinção.
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Há esse lado tático. Há esse
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lado muito taticista, muitas vezes na política, Porque é evidente que muitas vezes os líderes políticos podem não ter essa personalidade, por exemplo, podem não ter problemas com a autoridade, vamos dizer assim, um líder de um partido de extrema esquerda, por exemplo, pode não ter problemas ele próprio com a autoridade, mas perceber, e há grandes intuitivos na política, perceber que há um imenso exército de almas solitárias com problemas de autoridade, dispostas a aderir a qualquer ideia contra a autoridade e que rejeitante da autoridade, e que estão disponíveis e desejosas disso e portanto podem ser um exército facilmente recrutável. Portanto, isto para te dizer que... E
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isso não é legítimo, não é?
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Não é legítimo, não. São táticas, claro. Sim, sim. É uma questão de posicies, não é? Eu, por exemplo, acho que isso é um bom exemplo mais de um poder sobre. Eu acho mais interessante do que trabalhar, pegar... Eu sei muito bem que existe aí uma imensa exército de pessoas que odeiam a autoridade por, sei lá, lá está pela sua história de vida, porque tiveram relações com os pais não sei o quê, porque na escola foram vítimas de bullying, porque não interessa, por milhares de razões. Eu acho muito mais interessante do que regimentá-las para serem o tal rebanho acéfalo de se oporem sim estmaticamente a tudo o que a polícia faz ou outra coisa qualquer, acho mais interessante ajudá-las a superar esse problema e ajudá-las e elas próprias um dia a virem ser uma autoridade equilibrada quando tiverem um cão ou uma criança. Exato.
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Até do ponto de vista da psicologia e do desenvolvimento, provavelmente é porque conviveram com má autoridade.
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Claro, há uma autoridade
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disfuncional, ou ausente, ou intermitente. A autoridade é má. Ou
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excessiva, muitas vezes até nem excessiva, muitas vezes até a maior parte das pessoas que têm problemas com a autoridade é porque era uma autoridade inconsistente, ou era demasiado exigente, ou era ausente.
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Exato, pois oscilava entre uma coisa e outra. Exatamente, e
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sabe-se que o pior ainda é oscilar. O pior é não haver consistência.
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Exato, é verdade. Bom, antes de passarmos ao livro, queria acabar com uma pergunta que acho que... Para a qual deve ser uma resposta engraçada. Qual é, na realidade portuguesa, quais são as personagens mais interessantes de analisar sobre este ponto de vista? As personagens políticas. Já falámos de algumas, já falámos do Cavaco, ou se é outra pessoa que eu pelo menos acho muito interessante sobre este ponto de vista.
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Uma das coisas que me sempre fez confusão, e que aliás eu tenho até uma história pessoal e relativamente longa, sempre fez confusão foi uma época adorável do socratismo, em que havia uma adolação, sobretudo no primeiro mandato de Sócrates, uma adolação a Sócrates tomando como o grande obreiro do país. E eu sempre achei que havia ali um lavo muito negro e que devia ser a cal que lavo. Pronto, e portanto, acho que sempre achei esta perplexidade que algumas pessoas têm com o Bruno de Carvalho e com o José Sócrates, não é? De dizer, ai, descobri que são pessoas que têm uma personalidade muito complexa. Aliás, vou até uma vez brincar e dizer que todas as pessoas que votaram em Bruno de Carvalho e em José Sócrates têm que admitir definitivamente que não têm jeito para
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avaliar seres humanos. Acaso não é mal visto isso?
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Portanto, todos os esportinguistas socratistas, todos os esportinguistas votaram Bruno Carvalho,
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mas Bruno Carvalho
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teve uma altura, teve uma votação da Coreia do
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Norte.
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Esse cruzamento, essa parte tangencial desses dois conjuntos, essas pessoas têm que admitir de uma vez por todas, nunca vão, nunca trabalhem em recrutamento e seleção, por favor, porque não são palhadas para isso, não têm esse profil. Portanto, isto para ti, Zé, para mim, também como clínica, algumas personalidades são relativamente transparentes e por isso são desinteressantes. Pois. Porque alguns tipos de caráter são muito óbvios. Como aquele filme do homens que matam cabra só pelo olhar e há pessoas que é só pelo olhar, com esse olhar clírico tu vês perfeitamente que tipos de características é que são e por isso não se tornam muito fascinantes, não se tornam muito misteriosas. Há outras que eu acho que são um pouco mais erdilosas, mais complexas e que despertariam mais interesse sim. O Rui Rio acho uma personagem bastante opaca, acho que tem coisas... Não é muito, pronto, eu sei que isto não é muito atraente, porque o Rui Rio não é uma personagem muito magnética, mas clinicamente acharia interessante, sim. Eu também acho um bocado interessante, Por
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exemplo, ele é um tipo de que agora parece estar na ala esquerda do PSD, na tradição social-democrata, do ponto de vista dele, e ele, enquanto presidente da Câmara do Porto, era odiado pela esquerda, das figuras, por causa da versão dele à cultura ou da suposta versão dele à
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cultura. Puxo da pistola. Como? Puxo da pistola. Cada vez que me falam de cultura, ele
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conhece a frase. Cada vez que me falam de cultura, puxo da pistola. Mas por outro lado, Eu acho que aquele lado norte-ano genuíno, eu acho um bálsamo na política lisboeta. Esse é um lado que eu acho interessante.
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Sim, ele tem ali um lado um pouco que não se percebe muito bem onde é que ele está, onde é que ele se posiciona e como é que se posiciona, que eu acho interessante.
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Sim, está bem. Então vá, vamos terminar. Vais recomendar um filme, não é?
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Olha, vou recomendar um filme para quem gosta de psicologia e de política, ou seja, para quem gosta de psicologia e política. Ou seja, para mim também. E para quem gosta já agora de cinema, porque é um filme, para mim, o melhor filme do ano passado, sem dúvida alguma, que é o First Reform do Paul Schrader. Eu não conheço. É um filme genial, com um ator que também é interessante, que é o Ethan Hawke, que é o protagonista, o papel principal, e contracena com a Amanda Seyfried, E é uma história lindíssima e ele consegue, o Paul Schrader, a chegar ao final da sua carreira. Eu acho isto só por si lindo porque ele é um homem de 70 e tal anos, o Paul Schrader faz o melhor filme da sua vida, limpinho, sem espinhas. Portanto, tipo... Os realizadores têm uma longevidade grande, é como os escritores. Mas muitos realizadores às vezes vêm numa fase descendente, não é? Faz-me lembrar um pouco Os dois grandes cowboys em duelo neste momento na política americana também têm os dois mais de 70 anos. Mas isto não acontece muitas vezes e eu acho fixe.
José Maria Pimentel
Pois tem, sim. Estavas a falar da Nancy Pelosi e do Trump.
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Eu acho isto fixe porque... E do outro de
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esquerda, não te esqueças. Ah, do Bernie Sanders, depois, depois. Não, mas é que são três então. Pronto, são
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três na verdade. Eu por acaso estava a pensar no Sanders, no Bernie Sanders, e tu tens razão, falta a Nancy Pelosi. E até é
José Maria Pimentel
mais velha, eu acho.
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Eles devem todos ter nascido na década de 40, penso eu. Eu penso a mais ou menos na década de 40 todos. Mas eu acho isso muito bonito porque esta deificação da juventude, epá, chega. Mas voltando ao que nos interessa, ao ponto principal, que aliás não está desligado no filme, o filme do ponto de vista da história é repreensível, mas também do ponto de vista plástico, portanto de uma obra exclusivamente cinematográfica, também é de um rigor magnífico. Ora bem, apoia uma questão muito importante o filme que é fundamental para a psicologia política que é, nós quando estamos na política estamos a olhar primeiro para as ideias ou para as pessoas? O que é que nos interessa realmente na política?
José Maria Pimentel
Verdade, não falámos disso, por acaso, desprendo. Faz-me lembrar
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muito um quadro, há um quadro lindíssimo do Rembrandt, que é a Anatomia do Dr. Pulp, sabes qual é que é? Que eles estão... Está
José Maria Pimentel
no livro, não é?
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Exatamente, está no livro, que é quando começam... Quando há o advento das primeiras autópsias, as pessoas estão muito tempo a olhar para o livro, em vez de olharem para o sujeito que estão a dissecar, que estão a operar, já em rigor mortis, mas que estão a operar. Eu acho que isto é um dos dramas, um dos problemas da política e que o Paul Schrader, neste filme do First Reformed, apanha essa essência, faz uma cativação desse aroma espetacular. E realmente foi um filme que passou discretamente pela passadeira vermelha o ano passado, mas olha que eu vou todas as sextas-feiras ao cinema, religiosamente, à sala de cinema e ainda papo mais uns filmes em casa e ainda me está na retina, portanto recomendo a quem gosta destes temas, vivamente. Boa,
José Maria Pimentel
não, para mim é giro até porque eu não conhecia o filme, assim já fica na retina. É brilhante. Boas, já apanhei aqui. Está bem. Joana, obrigado por teres vindo. Obrigada eu, foi um gosto. Gostaram deste episódio? Se encontram o valor no 45° existem várias formas de contribuir para a continuidade deste projeto. Podem avaliá-lo na aplicação que utilizam, seja ela o iTunes, Spotify, Stitcher ou outra, e podem também partilhá-lo com amigos e comentá-lo nas vossas páginas ou redes sociais. Se acharem mesmo que merece e puderem fazê-lo, podem ainda tornar-se mecenas deste podcast através do Patreon ou do Paypal. Com esse apoio estão a contribuir para a viabilidade deste projeto, que passa a ser também um bocadinho vosso. Para além disso, obtêm em troca vários benefícios como, por exemplo, o acesso ao backstage do podcast e também a possibilidade de sugerir perguntas aos convidados. No fim do dia, já se sabe, são os ouvintes que tornam possível um projeto destes. Ouvintes como Gustavo Pimenta, João Vítor Baltazar, Salvador Cunha, Ana Matheus, Nelson Teodoro, Paulo Ferreira, Duarte Dória, João Castanheira, Tiago Leite, Gonçalo Martins, entre outros mecenas, a quem agradeço e cujos nomes podem encontrar na descrição deste episódio. Até à próxima!