#54 Pedro Boucherie Mendes - “Porque gostamos tanto de não gostar de televisão?”

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José Maria Pimentel
Bem-vindos e agora para algo um pouco diferente. Televisão. Ou como dizia o meu avô, televisão. O convidado é o inconfundível Pedro Buxiri Mendes, atualmente diretor de planeamento estratégico da SIC. Para além disso, o Pedro assina uma coluna de opinião no site Vida Extra do Expresso sobre séries de televisão e conduz o programa Irritações da SIC Radical, isto para não falar de outras etapas de um currículo longo ligado quer à televisão quer à imprensa. Conversámos a propósito do seu último livro, chamado Ainda Bem Que Ficou Desse Lado, onde o convidado aborda uma série de aspectos do mundo da televisão, desde a evolução do meio aos bastidores da produção, passando pelo novo mundo dos conteúdos disponíveis on demand. Mas dizer que conversámos sobre televisão é um retrato muito curto da conversa. À boleia da televisão falábamos sobre uma série de temas, até porque o Pedro é mais do que apenas um profissional da televisão. É, tal como eu, um curioso inveterado, e com uma forte varreia para o crítico cultural. Aliás, há muitos anos que se dedica, por exemplo, a analisar e criticar as idiosincrasias da cultura nacional. Já escreveu, aliás, pelo menos um livro sobre isso. Começamos por abordar a má fama que a televisão tem enquanto meio. Todos sabemos que dá um ar ultra sofisticado a pessoa dizer com um ar relativamente indiferente. Não, eu não vejo televisão já. Ora, a nossa relação com este meio, quer queremos, quer não, não é de todo de indiferença. Falamos também do importante papel que tem a televisão, por exemplo, na promoção da tolerância ou na educação cívica. Uma das coisas curiosas que a televisão faz, como nenhum outro meio, e que não é devidamente valorizada, é conseguir criar-nos empatia por pessoas diferentes de nós ao trazer essas mesmas pessoas para a nossa sala e mostrar o que todos temos em comum. A televisão faz isto porque consegue aproximar o que está longe e a proximidade, como se sabe, é o condutor da empatia. Esta conversa levou-nos a falar também do lado da produção, por exemplo, como é que é a vida de um profissional de televisão, ou quais são os desafios para um argumentista em adaptar a narrativa de uma série depois do surgimento de coisas que nos alteram tanto a vida como os telemóveis. E é claro que não resistimos a falar das séries da chamada era de ouro das séries americanas, desde o Breaking Bad ao Sopranos, passando por títulos mais recentes como o Black Mirror. Há boleia disto, falamos sobre o mistério que é esta nossa predileção por ficção, por histórias, o facto de sermos capazes de, no jargão científico, suspender a nossa descrença, isto é, pôr deliberadamente de lado o nosso sentido crítico para podermos relaxar e desfrutar de uma boa história como se ela fosse verdade. A propósito disto, se como eu este mistério vos fascinar, não deixem de ler o artigo do site Psychology Today, cujo link deixo na descrição deste episódio. Mesmo a terminar tivemos ainda tempo para falar sobre a visão do convidado em relação ao que vai ser a televisão daqui a 20 anos, nomeadamente o futuro da chamada televisão de fluxo, que é basicamente a velhinha televisão, ou seja, aquilo que se está a dar se eu for ali à sala e ligar o televisor. E antes de passarmos à conversa, queria deixar-vos um pedido muito rápido. Como calculam, estou sempre à procura de convidados estimulantes para o podcast. Por isso, se souberem de pessoas que por trabalho ou por inclinação tenham um pensamento desenvolvido sobre uma das áreas de que costumo falar no podcast e que sejam boas comunicadoras, por favor partilhem comigo. Se puderem, enviem-me uma prova, entre aspas, do pensamento da pessoa em causa para que eu possa avaliar. A verdade é que ao longo destes 54 episódios do podcast tenho conversado com pessoas com maior notoriedade e outras com menos notoriedade, e é sempre muito bom quando descobre alguém interessante que está mais longe dos holofotos. Alguns temas que gostava de abordar, pela primeira vez ou não no podcast, são por exemplo a psicologia, saúde mental, educação, urbanismo, o humor ou ainda a economia sustentável, só para citar alguns exemplos. Muito obrigado, mas antes de pensar nisso, claro, vou só a esta conversa. Pedro, então bem-vindo ao podcast. Obrigado pelo convite. O teu livro é engraçado porque fala de uma série de... Fala de mais do que aparenta no título, ou até no subtítulo. Obrigado. E acho que há aqui muito pano para a conversa, porque fala pelo menos destas três coisas, do que é fazer televisão, do consumo de televisão e até de uma certa análise sociológica sobre isso, e da maneira como a televisão se tem mudado e está a mudar atualmente. E dessas três coisas dá para falar muito. Por acaso é engraçado, eu vim aqui para pensar numa coisa gira, que não deixa de ser irónico, eu estar a gravar um episódio sobre televisão para o podcast, quando o podcast me tem feito ver muito menos televisão do que vieram. O que é engraçado. Mas pronto, mas eu tenho uma vida inteira a ver televisão que dá para falar sobre isso. E há alguma coisa gira que tu dizes, acho um bocado em jeito de provocação, mas tem... A ideia gira de descascar que é aquela questão da pessoa ter uma... Ter um gosto em dizer que não vê televisão. Uma espécie de gabarulice. E é estranho, tipo, eu... Como têm agora gosto de dizer que ouvem podcasts, não é? Têm? Sim, têm. Boa, ainda bem.
Pedro Boucherie Mendes
É pá, assim, agora ouvem-se menos podcasts e não sei o quê. Ok, porquê? As pessoas dizem isso. Algumas, claro, dizem isso.
José Maria Pimentel
É engraçado, porque eu lembro-me de dizer isso. Quer dizer, eu lembro-me de dizer isso. Eu digo isso não que não veja televisão, porque não é verdade, mas que vejo pouco a televisão, o que já é verdade, e reconheço que aquilo a pessoa sente-se bem a dizer isso, dá uma espécie de ar, sente-se mais sofisticado, como se fosse dizer, não, eu não gosto muito de música pima, não é?
Pedro Boucherie Mendes
Sim. As pessoas têm uma relação com a televisão, como têm com outras constantes da sua vida, porque eu acho que a televisão é uma constante nas nossas vidas, mesmo quem não a tem, quem não tem um aparelho em casa, é rodeado de televisão e de coisas que acontecem na televisão e pessoas da televisão. Nós também dizemos que bebemos socialmente, não é? Sim, bebo um bocado de vinho de vez em quando. Se for numa festa, bebo um gin. Não costumo comer bolos, não. De vez em quando como um bocado, se for os anos de alguém. É muito importante para nós, enquanto pessoas, que é o que somos, seres sociais, e um ser social é alguém que se dá com os outros, obviamente, mas é também alguém que se compara com os outros e que está numa espécie de jogo em relação aos outros. É importante para nós termos uma boa opinião acerca de nós mesmos. Quando eu digo uma boa opinião, mesmo que depois nós cheguemos a casa e olhemos no espelho e achemos que somos a pessoa mais feia da empresa ou o que for, mas quando estamos socialmente convém haver algum otimismo e esse otimismo fazem parte de coisas como adoro viajar, gosto imenso de, sei lá, radiohead ou dependendo do
José Maria Pimentel
contexto,
Pedro Boucherie Mendes
jazz, de séries, de... Pronto, até são as coisas de sushi, não é? Ah, eu não gosto de sushi, mas gosto de ceviche, pronto, essas coisas. Sim, o sushi e as
José Maria Pimentel
viagens estão...
Pedro Boucherie Mendes
Sim, o ceviche, o... Pouco como aquela coisa que nós gostamos também, que as mulheres gostam de homens que as façam rir, que as façam rir e enfim... E a televisão faz parte daquelas coisas que nós não queremos ser apanhados a ver e a dizer que vemos e que gostamos e que aplaudimos. Sendo que muitas vezes quando dizemos, ou somos apanhados a dizê-lo, incluímos um por acaso antes. Olha, por acaso uma tia estava em casa e estava a dar não sei o quê, estava a dar não sei o quê e eu vi e gostei. Nunca tinha visto e por acaso um outro dia, tatati, tatata, nunca tinha visto mas por acaso uma tia foi à casa da minha mãe e a empregada dela estava a ver, ta-ta-ti, ta-ta-ta. Ou então, se eu te disser, olha, este janelho já vi imensa televisão, Vi todo o Madman, todo o Breaking Bad e todo o Vou Meio dos Sopranos. O que é que tem mais valor cultural? Ler todos os livros do Pensar-Lhe-As-Freitas, que é ler, ler livros, ou ver estas três séries que estão entre as melhores do mundo do ponto de vista qualitativo? Eu diria que é ver as séries, não é? Ao que as pessoas provavelmente dirão, ah, mas isso é diferente. Ou seja, sempre que a televisão é boa, para as pessoas, estamos sempre no reino da exceção. Sim. E, mais uma vez, as pessoas não estão a ser falsas. Mas é muito importante para as pessoas, voltando um pouco atrás, Muito importante que essa ideia de que utilizar uma coisa má, manipuladora, com maus figas e más intenções, é muito importante que essa ideia se mantenha na vida das pessoas. Tal como é importante que a ideia de exposição, de concerto de jazz ou de livro, se mantenha no lado das coisas boas da vida. É um pouco como em Portugal, como nós achamos que a nossa comida, o nosso vinho e as nossas praias estão sempre do lado bom. Depois quando nós dizemos que, ah, mas essa praia é um bocado ventosa, ou, ah sim, Mas a partir das 4 da tarde, deixando a vir vento ou o que for, nós encontramos sempre forma de a coisa ser por cima. Agora, porque é que essa ideia se instaurou na cabeça das pessoas? Eu não faço ideia, imagino que haja investigações sobre isso, mas eu não sou da academia, felizmente. Mas eu diria que deve ter qualquer coisa a ver com o poder da televisão sobre as crianças e esse efeito magnético que a televisão tem é uma coisa que nós verificamos muito cedo. Tem a ver com nós, as crianças muito depressa nos trocam pela televisão ou por um ecrã que está a debitar imagens, para ser mais preciso. Depois é curioso que as pessoas orgulham-se do seu filho já saber ligar o tablet e ligar a televisão, no fundo quer dizer que a criança é inteligente e esperta. Infelizmente vai ver televisão, não é? Porque televisão é mau, mas já é bom saber ligar o tablet. Ela agarra no tablet e já sabe ver não sei o que no YouTube. Aí temos orgulho, é uma coisa boa. Mas depois o conteúdo em si já é uma coisa má. Quer dizer, este
José Maria Pimentel
é... Eu acho que esta nossa tendência para achar que a televisão é uma coisa má ou até culpabilizante tem um bocado a ver com aquilo que estávamos a falar em OFF antes de começarmos a gravar, um bocado com aquela, com uma certa cultura de culpa, o OFF-stead, de quem estávamos a falar há bocadinho, uma das dimensões que ele tem é a questão da, acho que ele chama contenção versus indulgência, ou seja, as culturas mais indulgentes são aquelas que estão mais dispostas a... Que toleram mais que as pessoas se divirtam e façam coisas por prazer. Nós toleramos um bocado mal isso, ou seja, o prazer é sempre... Convém estar disfarçado. Sim, essa é um bocado a tradição judaico-occitana, a qual o ocidente está baseado nisso, não é?
Pedro Boucherie Mendes
Os calvinistas levam isso ao máximo, contra a inteligência, os católicos andam ali a meio, a raiz católica é
José Maria Pimentel
muito distante de ali a meio. Mas tem um tipo diferente por acaso? Porque, por exemplo, os Estados Unidos têm uma cultura que é menos contida do que a nossa. Por exemplo, a ostentação, por exemplo, é uma característica. Os brasileiros também, sim. Exatamente, os brasileiros e os americanos ostentam-se sem problemas. Nós, e eu confesso que até gosto disso, temos uma certa aversão
Pedro Boucherie Mendes
à ostentação. Mas no Brasil, ou na Alemanha, ou na Itália, também há esta questão com a televisão, não é exclusivo português. Esta coisa da televisão não sendo uma coisa fixe, aliás, nota que os governos europeus demoraram décadas a liberalizar o meio, porque se achava que a televisão era uma coisa perigosa, era uma coisa... Precisa ter cuidado com isto, isto é perigoso. Assolta. Exatamente. Curiosamente, nós na internet, é uma coisa que eu todos os dias acordo e todos os dias acho bizarro, como é que ninguém quer controlar a internet? Quer dizer, nós sabemos que podemos aceder a pornografia em quase todo o lado, talvez se ficar no Irã ou não, na Coreia do Norte, Não faço ideia, mas as pessoas podem aceder a pornografia livremente e, portanto, isto inclui... Podes aceder muito mais do que pornografia. Mas vamos só dar o exemplo, um miúdo de 7 anos que sabe mexer num tablet pode aceder a pornografia e isso não parece preocupar ninguém. Eu não estou a dizer que deve se preocupar, eu não estou nessa fase de fazer juízos, mas Chacique Radical, que é um canal português, passar uma cena de nu feminino da parte de cima, pode levar uma participação nerd que ia ser demultada por causa disso, antes das 10h30 da noite. Foi uma coisa que era o notícias, que
José Maria Pimentel
há muitos anos agora não é verdade? Sim,
Pedro Boucherie Mendes
depois das 10h30. Portanto, a televisão é regulamentada e há essa atenção ao discurso xenófobo e também há ao palavrão e à nudez masculina ou feminina, mas na internet não há e ninguém quer controlar a internet. E a internet até é muito mais ubíquo do que a televisão, porque se há 10 milhões de telemóveis em Portugal, em princípio se calhar 7 ou 8 milhões são smartphones, portanto há 7 ou 8 milhões de pontos de acesso portáteis a pornografia e a coisas piores e a discursos de ódio e de xenofobia. Isso não parece preocupar ninguém, isso em Portugal. Acho que preocupa, só que é difícil... Nunca ouvi ninguém a dizer, temos que controlar a internet. Ganhei é que o Facebook e o Google pagam os trocos, não é? Mas Nunca ouvi ninguém a querer controlar a internet,
José Maria Pimentel
felizmente, diga-se passagem. Sim, tem muita aversão do público, acho eu também, ou seja, se alguém quisesse controlar... Já aconteceu, houve umas coisas, houve ali uma isolação europeia aqui há pouco tempo, aliás, que até gerou uma onda de indignação depois um bocado exagerada, porque aquilo não... O artigo não sei quantas. Isso, exatamente. Também, mas isso não tem a ver com os discursos de ódio, não sei o que.
Pedro Boucherie Mendes
Isso é a própria produtividade dos direitos do autor. O que eu estou tentando dizer é que, isto é giro, porque eu trabalhava no jornal independente quando começaram a existir canais privados de televisão. E era giro porque os intelectuais escreviam para a Independente, onde era um princípio extremamente pago. Eu sabia, porque depois era editor e sabia quanto é que eles recebiam, recebia mesmo muito dinheiro para escreverem textos contra os canais privados, neste caso a SIC, TV e TV. Sobretudo a SIC, que era o canal mais dinâmico na altura, vamos a falar em 95, 96, 97, na altura que eu estava lá. E eu demorei. Eu, naquela altura, tinha 20 e tal anos e concordava mais ou menos com eles. Também achava-me superior e tal. Televisão privada e tal, ao povo e tal. Eu achava-me superior àquilo. Eu via pouco a televisão e como não ouvia Netflix, pronto, ouvia mais rádio e de facto ouvia mais rádio, ou via mais música ou mais rádio, ou ia mais a concertos ou ia mais ao cinema, porque não havia Netflix, nem cabo. Eu concordava com esses críticos, bem metida, estes caras da CIC são malucos, estes programas não interessam a ninguém, são novelas e não sei o que. E só muitos anos depois, é que comecei a pensar mais no assunto, não sei porque, ou enfim, quer dizer, até sei, mas... E basicamente aqueles intelectuais estavam preocupados, era com o seu próprio lazer, ou seja, eles viam os programas fichos antes de estarem privados, porque a televisão portuguesa era uma televisão tremendamente elitista, a RTP. Os portugueses eram quase analfabetos, ou uma grande porcentagem dos portugueses eram analfabetos. E a nossa televisão era legendada. E cada vez que alguém falava tenuamente em dobrar, No fundo vemos as séries como os Três Duques, ou que napoca, ou o Barco do Amor dobrada, havia sempre uns tipos nos jornais, nunca! Isso corrompe a integridade da obra, não sei o quê. Claro que um tipo que seja minimamente literado quer ver as coisas na original, mas se calhar uma pessoa, um pastor da Beira Alta, ou um padeiro do Alentejo, que não sabia ler, não sabia ler legendas, nunca pôde ver o Barco do Amor. E esta raiva dos intelectuais contra a televisão, quando é que acabou? Quando os canais de cabo começaram a despontar, digamos assim. Ou seja, Os intelectuais passaram outra vez a ter programas fichos para ver e deixaram-se preocupar com a qualidade da televisão. Ou seja, na verdade nunca estiveram preocupados com a qualidade da televisão, estavam sempre preocupados com a qualidade das suas noites em frente ao televisor e que não tinham nada para
José Maria Pimentel
ver. O que não é ilegítimo. É ilegítimo fazer o que o público... Claro que é ilegítimo
Pedro Boucherie Mendes
usar o interesse público, chamar de interesse público para estar a defender
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o seu trabalho. Eu acho
Pedro Boucherie Mendes
muito ilegítimo mesmo. Mas também os nossos intelectuais não são grande coisa, nunca foram, portanto, historicamente nunca foram, não é agora que iam ser. E uma das coisas que mais me perturba nesta questão, nesta discussão ampla sobre a televisão e que faz com que eu goste de trabalhar na televisão, é a sensação de que, bem ou mal, nós contribuímos para que haja pessoas cuja solidão é menor ou é atenuada pelo nosso trabalho. Isto não tem nada de moralista ou de eu achar que nós somos superiores nós da televisão, mas há de facto pessoas para quem a televisão, sobretudo diurna, durante o manhã ou à tarde, e chamam-lhe novelas, chamam-lhe programas de não sei o quê, é importante nas suas vidas. E essas pessoas, algumas tiveram infâncias terríveis, eram pobres, paupérrimas, passaram momentos terríveis, porque Portugal foi uma diretoria até 74, o nosso regime antigo não era propriamente amigo de que as pessoas fossem para a escola ou se instruíssem, não era? E se calhar foram pessoas que foram, sei, vou agora se calhar exagerar, mas se calhar foram vidas pobres no sentido, nunca viajaram, nunca foram a um museu, nunca foram a um teatro, se calhar o marido batia-lhes ou o filho não lhes fala, não os visitar, não os visitar não sei quantos anos. Portanto, qual é o problema dessas pessoas que esto em televisão? A nossa televisão não é perfeita, nenhuma televisão é perfeita, claro. Tem alguns problemas, tem alguns problemas, Mas quem faz esta televisão não tem maus princípios, não são enviados do mal, digamos assim. Até porque faz a televisão para quem a vê, não é? Sim. Ou seja,
José Maria Pimentel
aquilo que é feito, é feito
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porque há quem vê. Quer dizer, nós não somos fabricantes de armas, não é? Eu lembro-me das cassetes, as cassetes de áudio. Eu estava sempre a ler que era proibido gravar os discos. Se tu comprasse um disco em vinil não o podias gravar para uma cassete, era proibido. Não o podias reproduzir. Fazia-me imensa confusão. Então para que é que servem as cassetes? Então as cassetes supostamente serviriam para tu gravares sons da natureza ou a tua voz, não é? A televisão até é um bocadinho menos xínica do que isso, contra a gente saber o que é que vamos gravar. Nós queremos ter público, nós, todos os canais e todos os... E... Mas fazemo-lo seguindo uma lógica que é uma lógica do bem, digamos assim. Claro que uns casos conseguimos mais, outros casos conseguimos menos, etc.
José Maria Pimentel
Mas vocês sentem um bocado essa crítica, não é? Ou seja, sentem que existe muita gente que critica a televisão e os canais, sobretudo os canais generalistas, como estando a prestar um mau serviço. Sim. Eu diria que não há uma única pessoa que fale bem da televisão generalista. Uma única pessoa. Mas há uma diferença entre dizer não gosto e dizer não devia ser assim. Não, todas as pessoas... Porque são dois conceitos diferentes. Todas as pessoas,
Pedro Boucherie Mendes
portanto, a pessoa generalizada obviamente, está cada vez pior. Não sei quem, não sei quem, está cada vez pior. E quase todas, quando vejo no Facebook, é por essas e por outras que eu não vejo televisão. É como se as pessoas, eu fico sempre, agora, fico sempre que as pessoas, pá, tiraram os dias, tiraram a família, olha preciso de 15 dias para refletir e foram para uma montanha, levaram uma tenda, foram ali à Decathlon comprar uma tenda e foram refletir sobre se vão continuar a ver televisão ou não. Porque é esse o tom que as pessoas não acham as palavras, ou seja, as pessoas no fundo levaram um caderninho com as suas notas, suas anotações e tiveram 15 dias ali à luz de um campingás a ver coisas boas da televisão e coisas más e saíram de lá, desceram a montanha e disseram à família, eu nunca mais vou ver televisão. Porquê? Porque está cada vez pior. E é muito importante para as pessoas dizerem isto, que não vêem televisão e que é por essas e por outras que eu não vejo televisão e para mim o super assumo da barbatana é eu já não vejo canais portugueses ou eu não vejo canais portugueses há tipo escolha, 80 anos, 120 anos, 400 anos. Mas depois sempre que acontece qualquer coisa as pessoas sabem e veem. A minha irritação, chamemos-lhe assim, não é tanto que as pessoas não vejam o trabalho que nós fazemos, não é bem isso. É, pá, não queres ver televisão? Eu também não como coratos e não estou sempre a dizer que não gosto de coratos, ou aparecem produtos que eu não... A pessoa está a reagir como se alguém lhe estivesse a tentar
José Maria Pimentel
fingir um produto quando não está, o produto está lá. Isso pode fazer algum sentido quando se fala do serviço público, ou seja, da RTP. Doutor, um exemplo que eu posso
Pedro Boucherie Mendes
dar aqui no podcast, que é, nós costumávamos comprar a gala dos Globos Douro, dos Golden Globes, que é um dos programas americanos, que são umas galas que tem um horário terrível em Portugal, já que começa normalmente a uma da manhã em Portugal. São os americanos, vão dar umas bocas e o prémio vai, para, e pronto, e é o Me Too e é o Trump e não sei o que. E nós comprámos isso para um dos nossos canais e somos sempre gozados. Ah, não sabem traduzir, não sei... Portanto, são pessoas que estão a comentar o direto, a nossa transmissão é alguém a comentar o direto. Bem ou mal, quer dizer, tentar fazer o melhor possível e que às vezes engana, ou pode ser enganada a se pronunciar um nome em inglês imediatamente fechado nas redes sociais. Não sabe, ignorante, não sei o quê. Não há relação, mas nós este ano não comprámos. Primeira crítica, gastávamos todo o dinheiro na Cristina Ferreira, pronto, É logo, o que é mentira, quer dizer... Mas se fosse verdade... Não, não, se fosse verdade também, mas é mentira, porque eu pelo menos continuo a receber o meu salário e os meus colegas também acho que sim, portanto não foi todo o dinheiro para a Cristina Ferreira. E depois, as pessoas queixam-se porque não conseguiram nenhum link pirata para ver. Portanto, as pessoas estão muito prontas para disparar sobre a televisão e sobre as suas opções de programação, como comprar um programa bastante caro para emitir ao meio da manhã, que era o que nós fazíamos, e nós vimos que os resultados da audiência não compensavam, decidimos tomar outras opções. Achávamos
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que os Golden Globes não eram assim tão importantes. Sim, mas é uma decisão
Pedro Boucherie Mendes
de negócio. Claro, isto é uma empresa privada e portanto temos que, nós, as pessoas que decidem, temos que responder as pessoas mais acima, que por sua vez respondem aos acionistas, whatever. Mas não, gastámos o dinheiro todo na Cristina Ferreira por um lado e pelo outro as pessoas não conseguiram um link pirata, coitadas, não puderam ver o jogo de logo em condições.
José Maria Pimentel
Por trás disso também, eu acho que há alguma compreensão em Portugal com o que é gerir uma empresa privada. Isso é evidente. Há sempre uma percepção de que... Isso tem a ver com a televisão. Isso é evidente. Exatamente, vai muito para lá da televisão, de alguma forma devia servir o interesse público mesmo, mostrando nas minhas fotos. Claro que não, não é? Eu... Por isso é que eu à bocado estava a distinguir, porque para mim são duas coisas diferentes, uma coisa é tu fazeres um juízo de facto de dizer olha, a televisão jornalista está pior, e parece-me que está francamente pior, Outra coisa é tu fazeres isso enquanto uma crítica. Mas está pior porque é uma... Está pior porque houve... Está pior por motivos perfeitamente compreensíveis. Tu tiveste um crowding out, à falta de melhor expressão, de pessoas que saíram, que viam televisão e começaram a ver outros meios que estavam disponíveis. Pois, mas é que nós... Sim. Eu noto isso, desculpa só para te dar um exemplo, havia vários, mas eu lembro, por exemplo, eu noto isto de vez em quando quando vejo o telejonal. Tipo, ligo a televisão, está a dar o telejonal, está a dar uma entrevista. E agir como se passa normalmente há algum tempo, entre as vezes que vejo, dá para ir comparando. E às vezes dou por mim, quase a cair nesse coisa de dizer, este tipo está a fazer perguntas ridículas a um convidado qualquer. E depois percebo claro que ele está a fazer este tipo de perguntas, não é? Porque o tipo de audiência mudou, não é? E o tipo de audiência... E um canal que aproveitou isso de uma forma ultra-visionária foi a CMTV que aproveitou claramente essa onda e introduziu uma maneira diferente que quando surgiu muita gente disse isto é um exagero brutal e tem tido, não sei se tu sabes os números melhor do que eu, mas tem tido pelo menos algum sucesso porque aquilo porque se adaptou muito bem às pessoas que sobraram. Pois, esse é a tua conclusão, digamos assim. Deixamos só dizer, em primeiro lugar, que há
Pedro Boucherie Mendes
muito menor assimetria entre quem faz televisão e aquilo que eles vivem. Antigamente, e existem apresentadores de televisão por causa disso, antigamente o espectador era bastante inculto, não culto, não é? Sim. Quer dizer, era por boletineza das coisas. Hoje em dia há muito mais pessoas que vão para a universidade, muito mais pessoas que vierem, aquelas coisas. Antigamente, há 50 anos, 60 anos, pá, que só uma pequena minoria era suficientemente culta para perceber se as perguntas eram bem feitas ou mal feitas. Portanto, em primeiro lugar, é essa a simetria muito menor. Hoje em dia, uma grande parte dos espectadores tem pelo menos tanta cultura, vamos dizer assim, como o tipo que está na televisão a falar. E portanto o nosso sentido crítico coletivo apura-se, não é? A questão é que o erro em televisão é um erro com uma ressonância tremenda. E não é... Quer dizer, os portugueses têm a maneira de dizer qual é, umas generalizações, não é? Mas essa pessoa está imediatamente carimbada para sempre. Se eu disser em televisão que a capital, com o meu ar irritante, que a capital da Suíça é Genebra, pá, as pessoas vão daqui a seis anos, e não se sabe qual é a capital da Suíça, não é? Isto é um lapso perfeitamente compreensível, que se nós tivermos um jantar de amigos eu diga, ah, Genebra, a capital da Cisjordânia. Não, não, Genebra é a Berna. Ah, pois é, tens razão, não sei o quê. Pronto, é um erro que um jantar de amigos, ninguém se vai lembrar daqui a três horas, é um erro que a televisão fica para sempre. Isso é a primeira. Em segundo lugar, quanto mais televisão nós vimos no passado, quanto mais quilómetros tem o nosso motor, mais exigente se torna a nossa satisfação. O espectador de televisão hoje é muitíssimo mais cínico do que o espectador antigamente. Cínico desconfiado... O espectador, uma pessoa que seja minimamente inteligente e que esteja habituada a ver televisão, consegue prever quase tudo o que vai acontecer numa série ou num programa. Consegue perceber que se os jurados estão a fazer bluff, vão passar o garoto ou não vão, consegue perceber o que vai acontecer na série, se ela vai conseguir salvar a velha que está, não sei o que. É muito difícil ser imprevisível na televisão, é uma das razões por que nós gostamos tanto de esporte ou em direto, nós pessoas, é porque de facto não conseguimos ver se o tipo vai marcar o penalti ou não. Isso é uma… é também importante. E portanto há aqui vários planos que se misturam. É tremendamente difícil construir uma narrativa em televisão, seja em que tipo de programa for, para um público que é muito mais esperto porque temos as chamadas boundaries, as regras, as baias da vida real e até da própria legislação. Era muito mais fácil fazer televisão nos anos 40, 50, 60, 70, em que eu pergunto a um músico este projeto está contente e o músico estou muito contente, tenho ótimas canções que fiz com o Zé Tó, com o Tó Zé e com o Tó Manel, são grandes músicos, aliás eu peço uma sala de palmas, estou muito contente, projetos para o futuro, quero fazer um terceiro disco, estou a pensar em fazer um terceiro disco, vou-me refugiar num... Aliás, o meu sogro tem uma capela, vou para lá escrever e compor. Muito bem, estivemos com o Pedro Menos, um músico... Hoje em dia vivemos numa era de engraçadismo, não é? Em que eu tenho que ser engraçado, o convidado tem que ser engraçado, para entreter o espectador aborrecido e cínico e desconfiado que está em casa, no sofá, quando o seu olhar se dirige para o televisor, ele
José Maria Pimentel
está a dizer, vocês estão aí, entretenham-me por favor. Tem mais alternativas também. Sim. Alternativas não têm que ser podcast e séries. Certo, tem o Twitter, tem o que for, mas
Pedro Boucherie Mendes
sim, tem, mas sobretudo a televisão é mais ansiosa, nós somos mais ansiosos porque... E é muito mais rápida, não é? É muito mais rápida e muito mais tensa e uma espécie de alegria on steroids, não é? É preciso estar sempre a estimular, não é?
José Maria Pimentel
Exatamente, exatamente. Sempre
Pedro Boucherie Mendes
a dar palmas e a fazer piadas e há um estúdio, eu acho que sinto no meu livro, que as primeiras temporadas do Seinfeld tinham 10 piadas por episódios, as últimas 20 e tal. O
José Maria Pimentel
Seinfeld é um bom exemplo, que é a minha série de comédia preferida. A minha também.
Pedro Boucherie Mendes
Com o Curb Your Enthusiasm. É
José Maria Pimentel
pá, eu gosto mais do Seinfeld. Eu acho que o Seinfeld ganhava em ter os dois. Em ter o Laird David e o Seinfeld. Eu
Pedro Boucherie Mendes
gosto mais do Curb, sim.
José Maria Pimentel
Eu acho que o Curb... Acho que aquilo anda sempre à volta do mesmo. É ele meio marreta a
Pedro Boucherie Mendes
fazer coisas... Mas a vida anda sempre à volta do mesmo, não é?
José Maria Pimentel
Mais ou menos o Seinfeld... Eles faziam uma coisa que eu acho genial, que é... Aquilo pega em coisas da vida toda a gente sobre as quais os problematizavam e eles tinham a vantagem de ter uma equipa que foi largando escrever para eles iam pegando em bocados aliás as histórias disso não é há muitos episódios daqueles que eles põem naqueles quatro personagens mas que vinham de histórias da vida de mais de 100 pessoas. A maior parte das
Pedro Boucherie Mendes
neodosas são neodosas Larry David. Sim. Mas
José Maria Pimentel
todos os episódios, sei lá, um que é o... Ele tem um casaco de... Como é que se diz? De camurça cujo forro é cor de rosa. Sim. E ele tem que virar ao contrário. Aquilo era a história de já não sei quem que trabalhava com eles. E eles pegam naquilo e põem tudo e dizem, o tens. Olha, pô, usar a tua expressão de há bocado é a vida em estróides, não é? Sim.
Pedro Boucherie Mendes
Mas o Gato de Futebol também faz muito isso. Também faz, exatamente. E há outros comediados que fazem. O... Estamos a mudar um bocadinho, mas o... Não,
José Maria Pimentel
for�a, isso é uma conversa.
Pedro Boucherie Mendes
Sim, eu acho que séries como o Seinfeld ou como o Kirby or Enthusiasm estão ao nível da grande literatura, ou do Miles Davis, ou do John Coltrane, ou do... Acho mesmo.
José Maria Pimentel
Eu também acho, sim. E tem várias camadas, por exemplo, o Seinfeld. Pronto, eu sou menos fã do Curb Your Enthusiasm e nunca soube
Pedro Boucherie Mendes
que havia visto tudo. Mas cá não conhece tão bem, não é? E nunca vi tudo, quer dizer, vi uns episódios e... Mas tecnicamente o Curb Your Enthusiasm, sabes como é que é feito?
José Maria Pimentel
É improvisa.
Pedro Boucherie Mendes
Sim, aquilo basicamente, nós fomos a todos, tu tens o texto e o texto é... Tu estás a fazer um podcast contigo da televisão e vais ter que lhe perguntar com quantas milhas ele foi para a câmara. Imagina! E eu também sei isso. E portanto... Mas não é aproveitar a primeira, que é uma coisa que... Ou seja, os takes eram repetidos até que ele ficava bem, até ficar convincente ou bem. E...
José Maria Pimentel
Mas era um processo orgânico, não é? Não havia um guião.
Pedro Boucherie Mendes
Mas, repito, não era à primeira, não era o que ficasse... Não. E a mulher dele, que faz de mulher dele no... Sim. Nunca sabia, enquanto que eu aqui sabia que tu me ias perguntar, tipo das mulheres, quantas mulheres eu fui para a cama, se ela, a personagem da mulher entrasse aqui, ela não sabia que tu me ias perguntar isso e, portanto, aquele ar de surpresa e meia parva que ela tem na série tem a ver com o facto de os argumentistas lhe ocultarem propositadamente e ela sabia que lhe ocultavam. Mas o processo do Kirby on the 3DS me ada muito com isso. Mas o Seinfeld tem outras coisas, mas que são absolutamente geniais e tem várias camadas como tu estás a dizer. É mais rica porque tem mais personagens. Mas eu não tenho a certeza que hoje
José Maria Pimentel
em dia pudesse ser assim. Eu também não. Mas é engraçado. Não sei se é pela mesma razão. Diz lá.
Pedro Boucherie Mendes
Eles tocam muitos territórios não politicamente
José Maria Pimentel
corretos. Pois, eu ia para aí. Sim.
Pedro Boucherie Mendes
E, sobretudo, eu não sei se os próprios atores conduziriam os personagens daquela direção. Isso é engraçado.
José Maria Pimentel
Mas o que é que seria diferente nesse aspecto? Ah, não sei
Pedro Boucherie Mendes
se a Elaine não queria impor, legitimamente, atenção. Mais questões de assédios e mitos. Ah, e aí sim, claramente. Não sei se o George queria ser tão estranho. Pronto. Acredito que o Seinfeld fosse... O Seinfeld é uma pessoa bastante flat, não é? Sim. É uma pessoa... Aliás, nós vimos nos especiais agora do...
José Maria Pimentel
É o Straight Man, mais ou menos, não é? Naquele... Faz um bocado esse papel. Hum.
Pedro Boucherie Mendes
Eu li uma vez uma entrevista com aquele tipo... Como é que se chama? Do que faz o... O Ursted. Aquilo que... Como é que ele se chama? O que faz
José Maria Pimentel
aquela série? Ah... Tem um apelido diferente, não é? Sim, que faz o Orville também,
Pedro Boucherie Mendes
aquela série. Já vou lembrar do nome dele.
José Maria Pimentel
É o Seth... Seth MacFarlane, que é o que faz o Family Guy também.
Pedro Boucherie Mendes
E ele... Ele me entrevista ótima com ele, de perfil na New York, e ele dizia pá, eu... Desculpa, mas eu nunca fiquei deprimido, nunca tive deprimido, nunca... Não tenho nenhuma neurose, não... Sorry! Eu só gosto... Sou um bocado infantil no meu humor. O humor. E o
José Maria Pimentel
Seinfeld... Seinfeld é assim. É um bocado assim, não é?
Pedro Boucherie Mendes
Que é um bocadinho perturbador para mim, porque eu acho sempre que um gajo tem que ter qualquer coisa, sei lá, que venha cá de dentro. Mas voltando aqui ao Larry David e ao Seinfeld, uma das coisas que eu mais gosto de fazer, talvez até gosto mais de fazer do que de ver televisão ou do que ir ao cinema, é ler sobre, é ler acerca. Ler sobre, ler acerca. Agora estou a escrever um texto sobre o Marés Vivas, sobre a série Marés Vivas. Sim,
José Maria Pimentel
tu estás a escrever sobre várias séries.
Pedro Boucherie Mendes
Sim, agora estou a preparar um texto sobre o Marés Vivas. Pá! Estou maravilhado e a palavra é mesmo essa, que estou ó, não é? Aquela expressão inglesa, A W E. Estou espantado com as coisas que estou a descobrir sobre a série. Claro que é fácil dizer que aquilo são umas tipas giras, com uns fatos bem encarnados, e o tipo que era o justiceiro, o musculado. Mas, por exemplo, descobri que os fatos de banho eram feitos, propositados para cada uma delas, consoante o tamanho do peito delas, o decote, o fato... Portanto, não eram um fato bem igual para todas. Eram desenhados... Isso é uma coisa muito da televisão, o detalhe é uma coisa muito televisiva. Descobri que a série é inspirada num salvamento que foi feito em 1977. Um dos criadores da série salvou os filhos de um executivo de televisão e depois foi visitá-lo à televisão, ao canal do gajo, à produtora do tipo e que nem, nem, nem, depois viu uma série, não sei o que. Depois passaram uns anos e foi feito um filme, pronto, chamado Baywatch, não sei quem mal
José Maria Pimentel
libu.
Pedro Boucherie Mendes
E mais importante do que isso, a série que foi em tempos a série mais vista no planeta, segundo o Guinness, vista por 1.1 bilhões de pessoas, isso dá mais ou menos um sexto à humanidade. É muito difícil arranjar alguém que nunca tenha visto um episódio do Marejo Vivas. Mudou a perceção mundial sobre a segurança nas praias e sobre a profissão. Deixou de ser o velho Chico e o Tim Manel que era banheiro na praia grande, que tinham um barrete e que tinham uma barriga e que toda a gente gostava dele e que os meninos não sei que os lados, para passarem a ser uma profissão de musculados e de musculadas. E se calhar hoje, agora sou eu a falar, se calhar hoje morrem menos pessoas afogadas por causa de uma série de televisão que toda a gente acha que são basicamente umas loiras com um peito grande. Esse
José Maria Pimentel
é um aspecto que é ignorado muitas vezes na televisão. Exatamente.
Pedro Boucherie Mendes
E, portanto, a televisão não é só uma, também tem estas coisas boas. Sim. E
José Maria Pimentel
há um aspecto, quer dizer, analgo a esse que tu também falas, que é aquela questão do... Eu acho que isso vinha no livro, que uma jornalista, já não sei de que país, de leste, que contava... Que os dentes... Exatamente, que a dentição branca de que aparecia na televisão dos... Os filmes americanos foram... É
Pedro Boucherie Mendes
uma jornalista. Há quem diga, e é muito difícil discordar, que foi o advertising, portanto a publicidade dos anúncios, e esta American Way, que as pessoas de leste apanhavam aqui e ali e começaram a querer também e portanto foi relativamente simples derrubar o muro a partir do momento em que este foi derrubado. Porque, embora nós estejamos deste lado, havia coisas que eram atrativas daquele lado, não é? Uma certa sensação de segurança, como é que os portugueses também valorizam. Portanto, não era lógico que toda a gente quisesse só aplicar uns artistas que fazem umas coisas e depois são apanhados pela polícia política. Não é lógico que o povo, digamos assim, quisesse a freedom, a liberdade. E essas jornalistas dizem, jeito de piada, que foi a dentição alinhada e a branca dos americanos que mais contribuiu para se derrubar a cortina de ferro, que era
José Maria Pimentel
como se chamava aquela parte do bloco soviético. Esse é um exemplo engraçado, porque eu retive-o logo porque A dentição é uma ótima proxy para o nível de desenvolvimento de um país, para a prosperidade de um país. Os
Pedro Boucherie Mendes
ingleses não ligam tanto, certo? Não? Não, os ingleses não ligam muito à dentição, aliás, podes ver nas séries inglesas, e até há piadas com isso, os ingleses não ligam muito. Dos atores, curioso. Não, Não é bem uma proxy da qualidade, por exemplo... Não, também é cultural, claro. As venezuelanas são viciadas em pessoas plásticas, como sabes. Mas os dentes nos americanos também não é... Aliás, há uma coisa gira, já que chama conversa, como tu dizes, não é uma entrevista. Sim, sim, for�a. Há uma atriz, acho que ela é canadiana, que faz namorada do Don Draper. Ele até casa com ela. Uma que é bilingue, fala em francês. Não me lembro agora o nome dela. Num Mad Men. Sim. Num Mad Men ele é casado e depois divorcia-se e acaba por casar com uma miúda bonita, uma senhora, uma rapariga, uma mulher bonita. Não, morena e alta. E ela até depois trabalha em publicidade, nas temporadas finais, nas últimas temporadas. E ela tem uma dentição não tratada. E eu obviamente fui ver a net, espera, isto não faz sentido. Claro. Então fiz um, Acho que ela se chama Megan talvez. Fiz um Google por Teeth Megan e ela logo me entrevistem que se recusa a tratar dos dentes porque é autêntico e pá pá pá pá pá pá pá pá pá pá pá pá pá pá pá pá. Que engraçado. Por isso é que eu estou a dizer que eu gosto até mais de ler do que de ver. E essa questão dos dentes é uma questão que depois irrompeu pela televisão americana, não é? E hoje é difícil encontrares um ator americano que não tenha os dentes alinhados. Há uma série de Netflix chamada Amigos da Faculdade, que vai agora na segunda temporada. Se calhar alguém que está a ouvir este podcast já ouviu. E um dos tipos tem os dentes não tão alinhados, e isso é um bocado bizarro.
José Maria Pimentel
É ruído, é ruído
Pedro Boucherie Mendes
visual. Um tipo como eu, atento e um bocado maníaco dos detalhes, em vez de fruir a série, não consigo tirar os olhos dos dentes. E a
José Maria Pimentel
televisão deve ter um bocadinho esse problema, que é, imagina que tu estás com uma borbulha, uma coisa dessas que acontece, não é? Se tu não preserves a maquilhagem naquilo, quem está a ver vai estar a olhar para aquilo. É uma espécie de fuga da normalidade. Mas A questão dos dentes, eu estava a fazer uma coisa errada, porque estava a misturar aqui duas coisas diferentes que ali estavam mais ou menos fundidas na percepção dessas pessoas que viam aquilo do outro lado da cortina de ferro, mas não são a mesma coisa. Uma coisa é dentes bem tratados, outra coisa é dentes esteticamente caustados, não é bem a mesma coisa. Agora, a questão da saúde dentária, eu pelo menos vejo isso como uma boa próxia, porque por exemplo, se tu pensares, em Portugal vê-se muito bem isso, eu lembro que há uns meses estava a mudar de casa, contratei uma empresa de mudanças, e vinha um tipo de empresa de mudanças, ele devia ter pai a minha, não, ele devia ser mais novo do que eu até, Não era mais velho do que eu seguramente, seria provavelmente nos 20 e tinha os dentes todos todos lixados. Provavelmente aquilo tinha drogas à mistura, mas ainda assim aquilo fez muita impressão porque pensei, este gajo não tem dinheiro para tratar os dentes. Porque os dentes é uma coisa que tu vês todos os dias ao espelho. Aquilo todos os dias tu vais confrontado com aquilo. Eu
Pedro Boucherie Mendes
tenho um filho de 19 e outro de 15, todos os filhos de 15, todos os miúdos de 15, incluindo o meu filho, estão com o aparelho hortorónsico, hortoróntico, hortoróntico, foram, tem um aparelho nos dedos, pronto, todos vão alinhar. Sobretudo, transformou-se numa desvantagem cultural, não é? Tu não podes ir a uma entrevista de emprego, ou a entrevista para um MBA com os dedos todos afanados, não é? Não podes. E já se transformou numa... Mas há uma questão curiosa do aspecto físico, que é uma questão das pessoas, que é o tamanho do peito das mulheres está intimamente ligado à credibilidade do personagem. Ou seja... Inversamente ou diretamente? Sim, todos os personagens femininos que se querem credíveis têm o peito pequeno.
José Maria Pimentel
Ou disfarçado. Sim,
Pedro Boucherie Mendes
só se tem um jantar à noite é que tem um bocado de cote. E normalmente quando tu queres um personagem feminino decadente ou amante de alguém, mais caricatural, pões-lhe um peito grande. Depois cá fora, na vida real, há imensas mulheres que aumentam o peito. O que tem esse lado curioso.
José Maria Pimentel
Eu nunca tinha pensado desse ponto de vista.
Pedro Boucherie Mendes
E nós na vida real, sei-se for que o teu filho é uma de agência de hospital, a correr com a criança nos braços, enfim, muito nervoso e tens duas médicas para escolher, uma morena com cabelo um bocadinho acima dos ombros, com peito pequeno, ou uma senhora loira com grande cabelo, uns grandes brincos de plástico e um grande peito e um grande colar. Escolha uma média, que é rápido. Eu diria que a maior parte das pessoas escolherá a morena, porque atribuímos lá-está
José Maria Pimentel
a credibilidade. Isso já foi estudado, de certeza, porque isso tem a ver com heurísticas do nosso inconsciente.
Pedro Boucherie Mendes
É uma questão ovo-galinha, como falávamos há pouco também, de onde é que vem primeiro, se o peito pequeno atribui dar. Eu acho que talvez tenha a ver com as mulheres que com o peito pequeno são tendencialmente mais masculinizáveis
José Maria Pimentel
ao nível visual. Ou dessexualiza
Pedro Boucherie Mendes
pelo menos. Sim, exatamente. Ou tira uma carga, exato, tira-lhes a carga feminina e erótica. Claro que nada disto é importante, estamos apenas a falar. Mas, Por exemplo, a forma como a televisão sempre lidou com a homossexualidade e o cinema, e o cinema também, mas mais a televisão, os homossexuais até começaram a existir na televisão americana acho que em 78, numa comédia chamada Soap, 77, 78, essa comédia deu em Portugal, chamada Soap, S-O-A-P, a gozar com a soap opera, o ator era o Billy
José Maria Pimentel
Crystal
Pedro Boucherie Mendes
E foi um grande sucesso o personagem dele, porque ele era esperto, mas ele assumia o personagem do gay que tinha que fingir que não era gay e tinha que fingir que era um gay divertido para as pessoas saberem que ele era gay. Ou seja, o personagem homossexual na ficção só há muito pouco tempo é que tem, é um tipo normal, é médico e por acaso é homossexual. Não, era sempre, ele é médico mas ele tem um problema, ele é homossexual, não convive bem com isso. Ou então, era o médico divertido, o palhacinho, que falava com voz efeminada. Portanto, ainda hoje diria eu, estou eu a falar, que nos é relativamente difícil receber a informação de que alguém é homossexual e não tem problema com isso. Sim. Porque não é esse que nos chega da ficção. Normalmente é o tipo exteriónico, ou é um tipo que tem problemas com isso e vai para casa e sofre. Mas
José Maria Pimentel
a ficção também já é que fez esse caminho de normalização. Pronto. Aliás, é engraçado que tu falares disso, porque essa é outra das coisas que tu falas também. Tu referes que é a televisão ter tido esse papel de reconhecimento e de normalização da homossexualidade. Quer dizer, como uma coisa que faz parte da realidade e não que está nas margens, que no fundo era por onde estava remetido até aí. E isso é engraçado, porque a televisão... Esse também é outro aspecto que eu acho que não é... Outro aspecto sociológico não é muito valorizado na televisão. A televisão tem um grande papel nisso, tem um grande papel... Provavelmente se não fosse a televisão, muitas pessoas não conviveriam com esse fenómeno. Porque a televisão faz, há uma coisa que está mais do que estudada, a empatia, está intimamente ligada à proximidade. Tu és empático por aquilo que te é próximo. E não és nada empático com aquilo que te está distante. A não ser que sejas budista, se não fores budista, tudo que está longe, por isso é que é aquelas coisas, tipo está sempre a ver isso no Facebook, há aqui um massacre no Iêmen, ninguém diz nada, claro que ninguém diz nada, aquilo está longe, é um facto.
Pedro Boucherie Mendes
Só espetavas um garfo no olho se achasses que, quer dizer, se ficasses com pena toda a gente morre, ou que é
José Maria Pimentel
massacrada, ou não sei o quê. E é assim, o ser humano é assim, funciona dessa forma.
Pedro Boucherie Mendes
A televisão é predadora, não é? Predadora da realidade, do real, não é? Nós estamos aqui sentados numa cadeira, as coisas acontecem, isto é o nosso processo. Ai está na moda adoção por casais homossexuais, metam um casal desses na novela, não sei o que, pronto. Aqui e em todo o lado, em todo o mundo. Ai está na moda mulheres viverem com cavalos, pronto, posso ter a certeza que numa série vai haver uma mulher que vive com um cavalo. Estou a dar um exemplo caricatural de propósito. Não é bem ser progressista ou ser... Não, eu vou agir sobre o social e vou explicar. É... Pá, está tudo a falar disso, vamos também falar e vamos incorporar isso nas nossas ficções porque nós queremos parecer e soar up to date e trendy e modern e frescos. Mas, mas, depois, e isso é um facto, essas coisas são feitas com cuidado, ok? Não são feitas a asterias pancadas. Quando eu digo essas coisas, eu diria que há muitas coisas na televisão. Há uma coisa na televisão, aliás, que eu não sei se falo num livro ou não, porque depois às tantas já estou, que é a questão da sexualidade que a televisão não consegue resolver, ainda. Nem o cinema. Como assim? Que é a questão do amor intenso, do sexo intenso. Não é o amor, a paixão. Nós temos a questão da sida e outras doenças sexualmente transmissíveis, embora a sida seja uma doença que ocupa quase todo o espaço mediático, mas no entanto na televisão e no cinema continua-se a fazer a moça e usar preservativo. É, que
José Maria Pimentel
eu tinha pensado nisso.
Pedro Boucherie Mendes
Porque os argumentistas não conseguem, não se consegue. Sim, não dá jeito nenhum, não é? Pronto, o tipo acha que não dá jeito nenhum, não é? Mas pergunto eu, não deveria a televisão e o cinema arranjar em forma disso dar jeito? Porque, pronto, próxima vez que eu estiver no elevador com uma mulher atraente e ela quiser fazer amor, o meu inconsciente... Não se vai lembrar, claro. Não é?
José Maria Pimentel
Não, é verdade, isso estás a dizer.
Pedro Boucherie Mendes
Nunca tinha pensado nisso por acaso. A televisão só é moralista nos programas com jovens que é, espera, espera, tens um preservativo. Não, mas não precisamos. Não, então não quero." Pronto. E então, normalmente é a miúda. Só a ridículo, claro. Só a ridículo, mas passa a mensagem, não é? Pronto. Mas nós, normalmente entre tal anos, um jovem advogado, com a jovem advogada ruiva ou não sei o quê, à meia-noite estão a fazer um caso, estão a beber um caso de vinho ou de whisky e pronto e fazem logo ali amor, é sempre no armário onde estão as vassouras, não é? Não caem nos armários das empresas portuguesas, acho eu, não é? Mas nas americanas há sempre. E tem a ver com economia narrativa, não é? Portanto, economy, não economia no sentido poupado, mas economia no sentido de ecossistema narrativo. Como é que tu faz isso, não é? Como é que tu fazes? Porque toda a gente sabe que a paixão faz parte da vida, toda a gente sabe que a química sexual faz parte da vida, ou se não sabemos, desejamos saber. Epa, mas as pessoas não andam, julgo eu, ou nem todos, com um preservativo e, sobretudo, aquilo para um bocadinho barato, não é? Espera aí que não consigo arrancar com os dentes aquilo e olha como é que isto se põe e tal.
José Maria Pimentel
Por isso é que eles não põem nas cenas.
Pedro Boucherie Mendes
Pronto, os argumentistas não conseguem. Outra coisa gira da televisão, que agora é muito menos grave, obviamente, infinitamente menos grave, foi... Eu sou de um tempo em que não havia muitos telemóveis nas séries. Os atores, os personagens não tinham telemóvel. Eu ainda sou desse tempo. E portanto, significava que já todos nós tínhamos telemóveis no bolso e fazíamos montes de coisas com os telemóveis e os personagens faziam pouco ainda. Era uma resistência dos argumentistas porque eles estavam viciados em narrativas do tipo deixar recado no gravador de chamadas, esganar, portanto, enforcar a mulher com o fio do telefone da cozinha, que era um fio enorme que dava, era ótimo para matar, não é? E sobretudo, pessoas que fogem e como não têm telefone, não as podes contactar, não é? Agora toda a gente tem telefone, então tem que arranjar. E os regamentistas demoraram dois a três anos a incorporar dramas do tipo aqui não há rede, acabou a bateria, o telefone partiu-se porque o café é em cima, o telefone... Agora o telefone toca quando eu estou escondido atrás do carro e denuncia a minha presença. Portanto, apesar da televisão ser predadora do real, então eu só escolho aquilo que lhe interessa, não é? Quer dizer, comemos as zebras e deixamos os antílopes ou ao contrário. Sim,
José Maria Pimentel
Porque o telemóvel é um empecilho à narrativa, em certo sentido.
Pedro Boucherie Mendes
É, porque é muito melhor deixar no recado, não é? Então, olha, não sei o quê, pip pip, e chegavas a casa e tinha a luzinha a acender, não é? E os desencontros, o telemóvel evita desencontros. Exatamente, exatamente. E portanto isso demorava algum tempo a acontecer. O mesmo é a internet. E agora passamos para umas... A mim faz-me... Eu uso como filtro para saber se é uma boa série ou não, que é o chamado Deus Ex-Máquina, que há sempre um maluquinho que precebe imensos computadores e entra aí na conta do Cristiano Ronaldo e rouba-lhe um milhão. É sempre um gajo carregado a um portátil, consegue entrar em todas as contas, em todo lado, hack. Isso não é verdade, não é assim.
José Maria Pimentel
Sobretudo nunca funciona assim, não é? Não sei, se calhar funciona. Não fazer com aquela rapidez, nunca se engana, nunca tem que carregar o delete.
Pedro Boucherie Mendes
Exatamente, conseguem teclar a uma velocidade incrível, que me deixa sempre deprimido. Exato. Engano-me sempre se tecle mais rápido. E isso não havia, não é? Isso não havia, esses informáticos super hackers. E mesmo agora os gajos resolvem sempre os crimes. Depois criam-se coisas de impressões erradas, por exemplo. É evidente que nem todas as pessoas têm as impressões digitais numa base de dados. Se tu cometeres aqui um crime, se me matares e se forem levantadas as impressões digitais, não há um match em Portugal, porque parece que nunca cometeste nenhum crime. A nossa base de dados de ADN e de impressões digitais, está aí 5 mil pessoas em Lisboa e em Portugal. Mas a televisão dá um pouco a ideia que toda a gente tem as bases de dados algúdos, ou as impressões, ou o ADN algúdos ou as impressões digitais. Portanto, à televisão convém esta liberdade criativa de que... Oh, fingerprints! Oh, tem aqui um cabelo! Isso criou uma coisa do efeito CSI, que eu já escrevi sobre isso, que é... Teve um impacto sério na justiça americana sobre os jurados. Os jurados esperam prova científica por causa do CSI.
José Maria Pimentel
Ah, é? Sim, sim,
Pedro Boucherie Mendes
está a estudar isso. Então e cabelos? Não cortaram cabelos da vida? Eu não vi lá nada. Então se não há cabelos, este cara não é o culpado. Porque todas as pessoas deitam sempre um cabelinho. E ADN, as pessoas acham que o ADN, há ADN em todo lado. O ADN mora para aí 3 semanas a... Não juntas água e está o ADN-do. No CSI demoravam três minutos a descobrir
José Maria Pimentel
o ADN. Eu ia falar de uma coisa que é o... Acho que o termo normal é o suspension of disbelief, não é? Que é tu... É do Coleridge, isso sim. Onde é que suspendes o teu cinismo, não é? E deixas-te levar, não é? Tu entras, tu fazes um pacto. É um pacto, não é? O suspension of disbelief
Pedro Boucherie Mendes
é um pacto. Muito bem, portanto andam em naves e aterram em planetas e matam e convivem. Estes são os bons, estes são os maus. Tu comprometes-te a acreditar naquilo e não te importas que seja tudo mentira. O Guerra dos Tronos é o caso mais evidente. Não te importas nada que haja dragões. E eu também falo disso no livro, que é, mas os dragões têm que se parecer com dragões a sério. Ah, mas não existem dragões. Mas na nossa cabeça existe uma noção do que é um dragão a sério ou um dragão
José Maria Pimentel
brincalhão. Exato, um dragão prosímil,
Pedro Boucherie Mendes
né? Se for um dragão desenho desanimado, então já não vais ver a série, né? Mas aqueles dragões não podem desatar a fazer palavras cruzadas enquanto estão à espera das ordens da outra, porque isso violaria o nosso pacto. O nosso pacto diz que o dragão é mau, cospe fogo, voa e obedece à Daenerys Targaryen, como é que chama? Não lembro o nome dela. Daquela loira. A Emilia Clarke. Esse é o que diz o nosso pacto. Até aí tudo bem, até aí já chegámos. Agora, não nos lixem, não ponham o dragão a fazer sudoku e criar rosas ou gerâneos no jardim.
José Maria Pimentel
Mas é engraçado, não é? Porque no fundo, tu aceitas a farsa, não é? Aceitas a mentira.
Pedro Boucherie Mendes
A diegesis, é assim que se chama.
José Maria Pimentel
Mas tem que ser verosímil. Tem que ser verosímil dentro daquele sistema. Sim, chama-se diegese. Ah, eu não conhecia. Quer dizer, acho que já tinha ouvido a palavra.
Pedro Boucherie Mendes
É o universo criado pelo autor, onde aqueles personagens
José Maria Pimentel
andam de um lado para o outro. E aquilo tem que fazer sentido lá dentro. Sim.
Pedro Boucherie Mendes
E aliás, eu dou um exemplo, por exemplo, no Star Trek é o caminho das estrelas, que é aquela do Spock, aquela
José Maria Pimentel
série que as pessoas conhecem do
Pedro Boucherie Mendes
Spock. Eles teletransportam-se de um lado para o outro, não é? Não sei se sabes que eles querem ir a um planeta, vão a uma sala, aquilo faz... Eu nunca vi Star Trek, por acaso. Mas sabes o que é vagamento?
José Maria Pimentel
Sim, sei o que é. O Mr. Spock, aquele corte de cabelo. Enquanto que na maior parte da ficção científica eles
Pedro Boucherie Mendes
têm pegado uma nave mais pequenina para ir ao planeta, no Star Trek eles vão a um aparelho que se chama teletransporte e ouve-se um efeito sonoro e aparecem umas luzinhas e eles aparecem no planeta do outro lado. Portanto... Damos-lhe mais jeito. Pronto, isso foi inventado precisamente porque dá jeito, porque eles não tinham dinheiro para fazer naves pequeninas que aterravam nos planetas. Mas isso foi tão levado... E é uma série de televisão... Foi tão levado a sério que existem vários livros e vários estudos sobre The Physics of Star Trek e Teleportation e há quem tente a teletransportar porque um dia será possível... Blá blá blá blá blá... Pronto, ele nos leva à televisão e a essas coisas.
José Maria Pimentel
Sim, Isso é estudado na física, embora seja um nível diferente, mais quântico. Olá! Gostam do podcast? Se quiserem contribuir para a continuidade deste projeto e juntarem-se assim à comunidade de mecenas do 45°, podem apoiá-lo através do Patreon desde 2€ por mês. Visitem o site em www.patreon.com, escreve-se P-A-T-R-E-O-N, barra 45°, por extenso e vejam os benefícios associados a cada modalidade de contribuição. Desde já obrigado pelo apoio, mas para já voltamos à conversa. Essa questão da suspensão da descrença É um fenómeno engraçado nós fazermos isso. E se tu pensares, eu no outro dia estava a pensar nisso, que é uma coisa mais ou menos, é quase uma lapa aliçada, mas é de facto interessante. Como é que nós, como é que nós seres humanos temos a capacidade de fazer isso e de nos deixar levar de entrar numa sala de cinema. Tu sabes que aquilo é um filme, sabes que aquilo é tudo mentira e se o filme for um filme tenso tu estás a suar das mãos ou estás com o coração a pau a pitar. É um bocado ridículo, não é? Ninguém
Pedro Boucherie Mendes
sabe, ninguém sabe. Quando digo ninguém sabe, quer dizer, há aquelas questões básicas que ninguém sabe Quem somos, o que estamos aqui a fazer, de onde viemos. Há quem acredite que somos uma criação divina, há quem acha que somos um acaso cósmico, mas não interessa. Mas depois há outras coisas que não se sabem. Por exemplo, não se sabe o que é que é o ser humano dorme. O ser humano dorme aos animais. Não se sabe. Não vale a pena. Ah não, não se sabe. Porque é que sonhamos? Não se sabe, não se faz ideia. Quer dizer, faz algum sentido, não se saiba, mas nós não podemos bater à porta do céu. Oh Deus nosso senhor, desculpe lá, tenho aqui 5 minutos, explique-me só aqui uma série de coisas. Nós podemos sempre dizer que as unhas crescem para nós agarrarmos os objetos, ou não sei o que, ou que são restos das garras e podemos teorizar sobre isso e provavelmente é verdade, ou que o nariz serve para... Não,
José Maria Pimentel
e isso tu consegues fazer uma... Uma regressão, não é? Exatamente, tu consegues fazer uma arqueologia disso. Por
Pedro Boucherie Mendes
exemplo, os frutos, os frutos encarnados, de cor viva, são símbolos de sexualidade das plantas. Uma cereja encarnada a brilhar destina-se a ser vista por um pássaro que a vai debicar e depois vai defecar o caroço longe. O objetivo da árvore é uma espécie, quer a propagação da espécie, e como é que é? As aves comem estrangeiros, os bichos comem estrangeiros e depois vão defecar os caroços longe
José Maria Pimentel
e pronto. E por isso é que a fruta é
Pedro Boucherie Mendes
doce. Doce e luminosa, encarnada e viva. Deus nosso senhor não nos diz isso, mas é uma explicação altamente provável para a natureza ter chegado a isso. E também não sabemos porque é que precisamos de histórias.
José Maria Pimentel
Não, tu eu acho que era isso que eu estava a aluguir. Não se sabe
Pedro Boucherie Mendes
porque é que o ser humano precisa de histórias, mas sabe-se que o ser humano tem a necessidade intensa de ouvir histórias e narrativas. Há quem diga, há quem defenda, que são apenas teorias, que as histórias são exercícios de simulação. Que, vou dar um exemplo estúpido e basicíssimo, muito básico, que é se eu vi num filme em que há uns loirões de bancos que vão assaltar o banco pela porta da frente e depois a cara deles está descoberta e depois eles são apanhados porque alguém fotografou a cara, eu em princípio aprendo que se quiser assaltar um banco tenho que tapar a cara. É um exemplo básico, mas acho que se percebe. É verdade, exato. Claro que uma pessoa pode precipitar e dizer, ah, mas isso é óbvio. Mas a maior parte das coisas não são óbvias. A maior parte das coisas que nós sabemos foram aprendidas ou apreendidas
José Maria Pimentel
através de histórias. E sabemos que retemos muito mais aquilo que é contado
Pedro Boucherie Mendes
através de histórias. Certo. E depois essas histórias são também simuláculos. Ou seja, como é que eu me vou comportar, por exemplo? Um dos espectadores, eu estou a dizer demais as vezes, por exemplo, está-me a irritar, Um dos espectadores primordiais das telenovelas são as raparigas em idade púbrica. Ou seja, hormonalmente estão a se transformar em mulheres e, portanto, a sua natureza, a sua biologia diz-lhes que elas têm que passar a dominar os códigos de romance, de sedução. Algo lhes diz que caberá ao macho seduzi-las, biologicamente, não estou a falar de género, estou a falar biologicamente. E, portanto, que elas têm que se comportar de uma outra forma, nomeadamente maquilhando-se ou vestindo-se mais, como no fundo o pavão e a pavoa, não sei se é pavoa que se chama. E enquanto que a mãe vê a novela para se certificar que o mundo continua com ordem, a avó vê a novela para se certificar que de alguma forma há esperança nas futuras gerações em relação aos velhos, a filha vê para aprender como é que se namora, como é que se reage ao avanço de um homem, como é que... Por isso é que as séries passadas em liceu têm um grande, grande apelo para os jovens, não é? Eles querem, eles ao verem aquilo, estão a aprender e a simular nas suas cabeças como é que se vão comportar.
José Maria Pimentel
Sim, e de forma segura, que é importante, sim. De forma... Por exemplo, dando um exemplo que eu acho que as pessoas vão perceber, e usando a palavra de outra vez
Pedro Boucherie Mendes
de exemplo, as crianças, quando as miudinhas, quando brincam a servir chá e dizem Ah, vou beber um chá comigo! Às vezes um tipo é apanhado nessas... Sabem perfeitamente que estão a servir chá falso, ok? Portanto, distinguem perfeitamente o que é um chá verdadeiro de um chá falso. Portanto, servem um chá imaginário naqueles bolos de plástico, da Barbie ou não sei o que. E tu finges que bebes, faz assim. Mas a criança sabe perfeitamente que está toda uma história e sabe perfeitamente que o raio do chá não existe. Como o Nanu, que não existe. As pessoas sabem que uma história é uma história e que a vida real é a vida real. Mas a verdade é que nós precisamos de histórias e a outra explicação é para, quer dizer, outra teoria, que não escolhe as outras, é que nós fazemos parte de uma mesma coisa. Aliás, há uma teoria interessantíssima que é que nós aprendemos a argumentar, reasoning, argumentar, a defender pontos de vista, não propriamente porque nos favorecem, mas porque nos vão fazer parte do grupo que defende os mesmos pontos de vista que nós. Portanto, eu neste caso pertenço aos Sportingistas, sou do Sporting. Portanto, a partir de um Sportingista espera que eu defenda o meu clube. E portanto, no lance de penalti, digamos assim, a partir de 95% dos Sportingistas vão dizer que é penalti e os Benficuistas se for um penalti contra eles, a partir de 95% dos... E a minha linha de argumentação e dos outros 95% é feita não em torno da ideia de verdade, se é penáltio ou não, mas em torno da ideia de coesão de grupo. No fundo, o cristianismo é uma história com 2000 anos, é uma história, trata-se de uma ficção, quando eu digo ficção é qualquer coisa que foi escrito, ainda que possamos dizer que Deus andou por cá a fazer isto tudo, mas alguém
José Maria Pimentel
teve que escrever. Foi narrado, não é? Independentemente dos eventos que está contado. Sim, mesmo que Jesus tenha
Pedro Boucherie Mendes
nadado na Terra, vamos admitir que sim. Mas os evangelhos não estavam lá, tipo, jornalista ao lado de Jesus enquanto ele era... É uma narrativa, não é? Pronto. E é uma narrativa com uma grande coesão. É a narrativa, supostamente, a narrativa mais successful de sempre. Na bíblia é o livro mais vendido de sempre. Ah, ah, ah, é um livro de ficção. Sim, provavelmente é, mas a Odisseia também, do Homer, também é um livro de ficção e até aí é que o Homer não existiu. Não se sabe quem é, quem foi ou se é que foi. Mas ainda que Deus não exista, ou Cristo sequer nunca tenha existido, é a narrativa mais sucessiva de sempre, cuja bottom line é, acredito eu, que vale a pena... O amor vale a pena, que vale a pena... Nós aqui temos duas pessoas que não se conhecem E que vale a pena tratarmos-nos bem, indeterminadamente nos tratamos mal. E é uma narrativa que faz sentido. Porque se eu tratado bem e tu me tratas bem, em princípio nenhum de nós desaparece. E sobrevivemos. E o nosso objetivo na Terra, acredito eu, na Terra, porque chamamos Terra isto, é sobreviver. Não é ser feliz, ou... Esse é sobreviver. Pronto. Eu evito os outros carros. Quando agora vou para casa de carro, é um bocado chato, tenho que levar o meu carro para a oficina, mas na última análise é para sobreviver. E esta coisa de que o amor vale a pena É uma coisa altruísta, é uma coisa que nos enche o coração e até nos faz deitar uma lágrima, mas tem muito a ver com a nossa sobrevivência, que é a harmonia. Em princípio, é um território mais fértil à sobrevivência do que o antagonismo. Certo, certo. Tu agora desviaste. Nós estamos a falar... Não, mas A televisão propaga este valor. A televisão é boa noite. A televisão nunca diz Olá, boa noite mais ou menos para vocês, está um bocado doente. A televisão é sempre boa noite, bom Natal, bom fim de semana, até amanhã.
José Maria Pimentel
Uma pessoa muda, não é? Tu não queres estar a falar com alguém que tu vais ser... Não,
Pedro Boucherie Mendes
a mensagem da televisão é eminentemente otimista. Mesmo que tenha morrido num acidente de avião o Papa, o Presidente da América, o Presidente Marcelo Rebelo de Souza, não sei o que, o jornalista dirá, boa noite. Apesar de tudo, Boa noite. Há um sociólogo inglês, o Giddens, que tem uma teoria interessante sobre a televisão, que diz que a televisão é um estabilizador de segurança, como a ideia de polícia é também, não é? Tu... É um...
José Maria Pimentel
Uma válvula de segurança. Sim,
Pedro Boucherie Mendes
um estabilizador no sentido da amortecedor do carro. Sim.
José Maria Pimentel
É uma coisa que ampara as flutuações.
Pedro Boucherie Mendes
Sim, exato. Tu chegas... Tu tiveste um dia de merda. A
José Maria Pimentel
televisão continua lá. Não, tu...
Pedro Boucherie Mendes
A televisão é uma coisa muito feminina, não é? Por isso é que eu vou usar mais o exemplo. Como é que é possível nós julgarmos pessoas que têm que se levantar às 4 da manhã para ir lavar não sei quantos pisos de escritórios, que têm um filho preso, que têm os outros dois filhos na escola, que o marido as abandonou, que vivem numa casa miserável, que não têm aquecimento e que depois chegam a casa e querem ver a novela e gostam. Como é que é possível julgar essas pessoas? Mas, no entanto, quando se fala mal da televisão, damos muitas vezes a julgar dessas pessoas. Se calhar aquela hora, a televisão que ela vê, se chamemos novela, se calhar ela vê o Lost, essa senhora, imagino, se quisermos, é aquilo de dar-lhe esperança para amanhã no dia seguinte voltar a repetir o ciclo e repetir o ciclo em nome dos seus filhos terem um futuro melhor, suponho eu, que é essa a nossa motivação. Para quem tem filhos, pelo menos no meu caso tenho filhos, sinto muito isso. Para mim foi muito importante ter filhos por causa disso. Dá muito sentido à vida porque eu posso achar que a minha vida foi uma porcaria, Não acho, mas creio que a vida dos meus filhos seja melhor. E essa hora de novela que ela, que essa pessoa vê, que essa senhora vê, que andou a limpar pisos e pisos de escritórios e depois, se calhar, à tarde foi para o sítio de trabalhar, ganhando mal, devolve a esperança na humanidade. Porque, a partir desse conteúdo mainstream que ela vê, para achar que é, nesse conteúdo mainstream os bons vão ser recompensados e os maus vão ser castigados, porque é essa a ideologia da televisão.
José Maria Pimentel
Ou seja, o universo continua em equilíbrio. Exatamente. A televisão
Pedro Boucherie Mendes
atua como estabilizador e depois ela vai ao domingo à igreja, ou vai a um templo provavelmente, e o padre ou outro tipo que celebra vai dizer também que Jesus salva, Jesus é amor, Jesus é pronto.
José Maria Pimentel
E ao lado, eu não sei se estará relacionado com isso e não sei se será geracional. Eu sinto ainda um bocadinho isso com a televisão, que é, se eu estiver sozinho em casa, imagina que eu estou sozinho em casa a jantar, sabe-me bem ter a televisão ligada mesmo que não a esteja a ver. Como a noção de companhia, sim. Eu acho que está um bocado relacionado com isso, é de género, o mundo lá fora continua a funcionar. É um bocadinho... Eu... Sim, não tenho... Mas pode ter sido por eu ter crescido com a televisão. Pode desaparecer em gerações que não tenham crescido com a televisão dessa forma. Televisão de continuidade. Que não é de continuidade, é outra coisa. Fluxo. Fluxo, exatamente.
Pedro Boucherie Mendes
Sim. Repara, Eu gosto imenso de ver televisão. Para mim trabalhar em televisão é um privilégio porque eu gosto imenso de ver televisão. Imenso, mas já gostava, sempre gostei. Não sei bem porquê. Eu também sempre gostei imenso de ler e enfim. Sou um tipo muito curioso. Eu gosto imenso de ver televisão improvável, por exemplo. Imenso. Programa sobre vasos e plantas. Se eu apanhar um bom programa com um bom apresentador no meu zapping, eu fico a ver. Apesar de não ter
José Maria Pimentel
grande interesse em botânica. O que é que estes tipos estão a dizer?
Pedro Boucherie Mendes
Não só, porque... E a televisão tem um ritmo. Tu sabes, depois começas a compreender que as coisas na televisão se vão despachar rapidamente. Ela vai plantar o cacto nos próximos 3 ou 4 minutos. Não vai estar ali e não vai plantar o cacto no próximo episódio. Vai ser hoje. Ah, hoje vamos aprender a plantar um cacto. E a televisão para todos os efeitos é a forma como nós aprendemos e aprendemos o mundo, não é? Quer dizer, eu mesmo quando fui ao Egito, tenho a sensação de conhecê-la porque aí estás para a frente, não é? As pirâmides e o Stonehampton e essas coisas todas. Desde o Indiana Jones, que já vi no cinema, claro, mas também na televisão, tem imensas séries e imensos comentários, depois do canal Odisseia, história, não sei, vai passar coisas sobre o Egito e o Ramsés e o Faraó e o Caracas. Bem, eu acho que conheço Nova Iorque, estás para a frente por causa da televisão, acho que conheço Los Angeles estás para a frente por causa da televisão, acho que conheço Veneza estás para a frente por causa da televisão, quer dizer, Paris, não é? Nós nos inquéritos que fazemos às vezes as novelas, as coisas que as pessoas dizem é que, óh minha filha, então eu viás quando Portugal vê nas novelas. Portanto, esta coisa de filmar a novela Alegria das Debaixo é um plus para muita gente, que nunca viu, que falando gostam de ver Alegria das Debaixo, como é que é, como é que não é? Não,
José Maria Pimentel
É verdade, sim, sim. Isso é
Pedro Boucherie Mendes
porrado. Claro. Acho que é o que é porrado. Eu lembro perfeitamente quando os nossos meninos eram mais novos e íamos de férias. Alagávamos umas casas e não sei o quê, não alagávamos. Obviamente estávamos o dia todo na praia a fazer aquelas coisas que as pessoas fazem nas férias e com os amigos. Mas a melhor parte do dia aqui entre nós era aquela hora, depois de tomar banho e já assim ainda com a pele quente do sol, em que estávamos ali na frente da televisão a ver naquela altura era o Big Brother da TV. O primeiro, aquela do Zé Maria e do Marco e não sei o quê. Eu gostei genuinamente de ver isso enquanto fazia parte de uma pacote de férias. Não significa isto que estar sem televisão seja mal, mas Eu, ou as pessoas, eu prefiro por exemplo praias com pessoas e com um café perto, onde eu possa ir beber uma Imperial, do que uma praia deserta. Epá, nós fartamos andar, andar, andar, mas não há ninguém, não se vê ninguém. Eu não consigo perceber bem qual é o ponto disso. Sim. Palavra nova, prefiro... Eu
José Maria Pimentel
também, eu não gosto de praias cheias, mas vazias também não me interessa nada.
Pedro Boucherie Mendes
Claro, ou vou fazer qualquer coisa de transgressão, ou levo quatro mulheres comigo e estamos ali a fazer coisas ótimas, mas ou então, não entendo bem... É Uma lógica de ser diferente, acho que foi, não é? Certo. É, um bocadinho. E, portanto, quer dizer, nós passamos férias agora numa casa que alugamos, que só tem TDT, pá, eu dou para mim a ver o RTP memória para mim na TDT, foi uma ótima notícia porque agora tenho mais escolha, mas mas obviamente viamos menos televisão, tínhamos que ir para o café ver o futebol. Mas faz falta, a mim faz-me falta ali
José Maria Pimentel
desligar. Mas essa expressão que tu usaste agora, desligar, isso aliás leva-nos a outra coisa engraçada, que também está relacionada com a forma de como o cérebro funciona. Porque outra coisa que tu fazes é das duas televisões, até lhes chamas a televisão do século XX e é do XXI, eu acho que elas coexistem, não vem bem no século XXI, mas essa que vem do século XX é a televisão que nos faz desligar o cérebro e daí ser relaxante, não é? Estás à frente da televisão e tu não tens que estar a pensar ativamente sobre aquilo, não tens que estar a gastar, não estás em esforço e depois tens a outra televisão que está muito ligada a estas séries não tanto o Seinfeld mas Breaking Bad, Surprises Exige compromisso e exige atenção Exatamente, exige atenção Por exemplo, uma coisa que me faz eu testo-o interrompido a ver uma série desse género Não consigo manter uma conversa Irrita-me porque tenho um compromisso com aquilo e aquilo... Consegues esse compromisso? Sim. A maior parte das pessoas não consegue, não é? Não consegue? Como assim? Por isso é que não as vê até ao fim, não é? Ah! Mas estás a falar dos
Pedro Boucherie Mendes
super... Estou a falar das séries supostamente boas, não é? De qualidade. Uma das razões porque as pessoas adoraram a Casa de Papel, não sei se viste, mas é muito fácil de ver. Pois é, exatamente. Aquilo basicamente sabes, estes são os bons, estes são os maus, os tipos que querem assaltar do banco, esta é a polícia e aquele tipo de barba com uma voz não sei o que, é o mau. Pronto, está tudo, não tens que estar a... O enredo é simples, não É o... E bem feito, não estou
José Maria Pimentel
a criticar. É o man in hold, não é? Naquele... Naquele... Agora,
Pedro Boucherie Mendes
o... Eu acho que o Breaking Bad, que é uma série que eu tenho vindo a mudar a opinião, ou seja, eu considero que é excepcional, mas estava catalogada em excepcional barra não sei o que e agora estou a mudá-la para catalogada barra não sei o que, uma outra coisa. Vamos falar sobre isso se quiseres.
José Maria Pimentel
Sim, sim, força. Tenho curiosidade porque é a minha série. Por exemplo, Sopranos eu nunca consegui, tentei para ir duas ou três vezes ver e não consegui. Não conseguiste arrancar, sim. Não consegui entusiasmar-me com aquilo. Breaking Bad, Se eu tivesse que dizer, acho que é a minha série dramática, não sei qual é a minha classificação exatamente
Pedro Boucherie Mendes
preferida. O Breaking Bad é uma série de desenhos animados, ou seja, é um... É engraçado usar essa expressão, acho que percebo o que queres dizer. Pronto, não há pessoas bonitas, não há décaus bonitos, não há casas bonitas, não há... Essa parte é muito importante na televisão, muito importante, muito, muito, muito importante.
José Maria Pimentel
Mas há muito... Mas há outros artifícios. É engraçado não haver pessoas bonitas,
Pedro Boucherie Mendes
isso é curioso. Pronto, pronto. E quando começas a pensar, aquilo é filmado em Albuquerque, no New Mexico, para razões fiscais.
José Maria Pimentel
Ah é?
Pedro Boucherie Mendes
É. E o Bryan Cranston, o autor principal, é um chato. Primeiro apanha. É mesmo muito chato. Pode ser que é chato no bom sentido, claro, mas se quer trabalhar com ele deve ser inesportável. E ele é que trata toda a roupa dele com os figurinistas, com a utilização do criador, claro. Então ele quase não tem cor, quase não há cor, né? É tudo pastel, neutro, é tudo aquela cor do... Tem
José Maria Pimentel
os sapatos da camurça, né? Sim,
Pedro Boucherie Mendes
daquela cor daqueles amarelos ou aquela cor de deserto, não é? Alguns episódios, nomeadamente aquele, A Mosca, que os gajos estão a fazer dentro da Relote, acho que se chama A Mosca. Há um episódio que é o quinto da primeira temporada, que eles passam o episódio inteiro a fazer cenas de droga dentro da relógio, não é do certo são. São episódios para o papá dinheiro, portanto não são desafios criativos. O Tuca, não sei se te lembras o... Sim, sim,
José Maria Pimentel
um dos maus, não é?
Pedro Boucherie Mendes
Morre logo, porque tinha que ir fazer outra série, portanto eles queriam que ele continuasse. O Jesse sobrevive, porque o Jesse foi bom ator. Exato, sim. Eu acho que o Better Call Saul é superior, mas depois não é superior porque não tem o... Porque eu acho que a mitologia em torno do Breaking Bad, nós não lhe podemos escapar. É como tu creres que Fátima seja um City indiferente. Mesmo que não sejas crente, pá, que ele é Fátima e tem uma carga tão forte que lhe foi dada por outras pessoas que tu não podes dizer que Fátima é igual a Leiria, mesmo que não o acredites. E eu acho que o Breaking Bad já tem uma carga tão forte em cima, tantos prémios, tantos awards, tanto não sei o quê, Tanta pessoa não pode estar errada, tantos fãs não podem estar errados.
José Maria Pimentel
Isso é o que eu penso em relação aos super-anos e nunca consegui ver.
Pedro Boucherie Mendes
Mas tens essa atravessada, não é? Mas depois ele está sempre a fazer coisas bem desanimados. E nota, agora vou dizer baixinho, que passo com a corrente da vida, e nota como o filho dele é absolutamente irrelevante, um filho docente, que tem paralisia cerebral na vida real também, mas tem menos. Ah, curioso. Ele ali teve que andar, aprende a andar de muletas. Ele na vida real não anda de muletas. Ela, a Ana Gunn, a mulher, não sei se sabes, mas ela recebeu ameaças, ela escreveu depois um editorial para o New York Times. Ela a atriz, não a personagem. Sob ameaças porque ela no fundo estava a querer entalar a vida ao alto, não é? E portanto, há pessoas que não distinguem a vida real.
José Maria Pimentel
Sim, depois não falámos disso, é outra coisa.
Pedro Boucherie Mendes
Certo, certo. Mas eu acho, falar baixinho, eu acho que o personagem dela não é muito necessário. Podia ter sido o Jesse a fazer quase tudo, a montar a lavagem automática, o Herman Trout. E, portanto, aquele chapéu ridículo que o gajo usa quando se transforma em Eisenberg, A figurinha do Esposito, como é que ele se chama? O gajo, o dono do... Gustavo. O dono do... É o Gustavo, não é? É o Gustavo. Gustavo Fring, sim. A figurinha dele parece ser animada. Aquilo parece... Aquilo poderia ser uma personagem do Rick and Morty, com aqueles óculos e aquele ar seco.
José Maria Pimentel
E a própria filmagem remete para isso também.
Pedro Boucherie Mendes
E depois aquelas explosões todas, a droga é azul, é tudo muito cartoonish. Pá, tem diálogos absolutamente fabulosos, tem momentos narrativos que tu ficas... E o que faz verdadeiramente diferença no Breaking Bad são os atores. Quando tu desejas, quando um tipo como eu, que tenho 48 anos e que acho que tem imensas qualidades e não sei o que, deseja ver, deseja que surjam cenas com o Gustavo, puro deleito da coisa, significa que o tipo só pode ser um ator, pelo menos no meu entendimento, só pode ser um ator ulterior, superior, whatever. Eu e o meu filho mais novo vimos agora recentemente, outra vez a Breaking Bad, que está na Netflix.
José Maria Pimentel
Sim, eu também recomecei a ver.
Pedro Boucherie Mendes
E nós estamos por nós a falar com a televisão, com o Jesse. Pá, isto só pode... Quer dizer, há aqui qualquer coisa nesta série que... Não quer dizer que nós sejamos especiais, mas é como se não houvesse quarta parede, é como se o Jesse fosse um amigo nosso. E o Breaking Bad, deixa-me só dizer esta frase, que é uma das poucas séries, ou uma das poucas ficções, ou o que chamamos assim, em que tu torces por ele, estás do lado dele, do Walt, a mulher dele não lhe liga, ninguém lhe liga, os alunos gozam com ele e no fim o gajo morre, o gajo é o pior gajo do mundo e estás do lado do Jesse. Isso é muito difícil de um autor conseguir isso.
José Maria Pimentel
É verdade, e reverte completamente, não é? Tu começas do... É Breaking Bad,
Pedro Boucherie Mendes
não é? A série consegue. É mais homogénea do que os Sopranos, que é mais desequilibrado, tem uma ou duas temporadas mais desequilibradas e sobretudo com o Mad Men. Eu acho que o Mad Men é a obra mais superior de todas, por ter o lado visual e plástico e da própria beleza dos atores, de alguns, que eu acho que é
José Maria Pimentel
possível...
Pedro Boucherie Mendes
Se tu consideras um esteto, ou se for sensível à beleza exterior, vamos chamar assim, o Jon Hamm tem muita pinta. E a maneira como eles estão vestidos, os fatos impecáveis, não tem nada a ver com... Exatamente, tu queres ser assim, queres ser assim como ele, e imagino que as mulheres também querem. Aliás, é curioso, eu também já escrevi sobre isso, é curioso que nunca houve me too em relação ao Mad Men, porque tipo, é um mulherengo de primeira apanha, e nunca não há mulheres que dizem parem essa série ou censurem essa série porque tipo é um... Ela
José Maria Pimentel
tem a vantagem de se passar nos anos 60, se houver, não é? Sim, mas mesmo as minhas amigas vamos usar esta
Pedro Boucherie Mendes
expressão um bocado irritante, mas todas embaixadas por ele, pelo personagem, não é? Pá, eu, vamos, tipo é um mulherengo, não... Não faz... Ele é o Jon Hamm, é o... Como é que se chama? O Don't Rapper. Ou seja, a nossa energia, o nosso reasoning baixa drasticamente quando estamos enamorados pelo... Ou seja, pelo que for, nas casas...
José Maria Pimentel
E é uma espécie de vilão, aliás, eles têm todos isso em comum. Ele um bocadinho menos, não é? É um bocado mais... Ou ele o mais de todos, porque ele é essencialmente uma
Pedro Boucherie Mendes
criança grande tipo que foge às suas responsabilidades. Mas
José Maria Pimentel
não está a praticar um... Quer dizer... Pois, pois... A série não se centra num crime praticado enquanto o Madman, o Brady Batson... Ele safa-se, não é? Eu não sei, eu não vi o fim por acaso, eu não acabei de ver. Ele trata mal as pessoas, pode ser inadvertidamente. Como é que acaba? Como é que acaba
Pedro Boucherie Mendes
a série? Não acaba, ele vai para um retiro hippie e acaba. E acaba assim? Está ali a fazer coisas de hippie, a meditar e depois acaba. Eu acho que acaba bem, mas o ponto é, há pessoas que passam pela vida, e este é um personagem que passa pela vida, como não conseguem resolver os seus nós, A maneira como tocam os outros é, essencialmente, uma maneira negativa. Engana mulheres, deixa amigos à espera, falta a reuniões, deixa colegas à espera, não respeita os seus subordinados. Na perfeição, não é? É um pouco... Enfim... Tanto o Tony Soprano como o Waltz preocupavam mais com a família do que o John Draper, por exemplo, com os filhos. Terminar aquilo
José Maria Pimentel
que eu ia dizer há bocadinho. O Breaking Bad é engraçado porque aquilo tem muito bons atores, tem uma maneira de filmar que é característica do... Acho que até são dois realizadores, não é? Sim, vai adiante, sim. Exatamente. Ou dois produtores, pelo menos. Tem uma maneira de filmar que é muito característica e tem a ver com o posicionamento da câmera. Quer dizer, tu sabes... E da luz também. Exatamente, e da luz e das próprias cores. E depois a própria história é ultra original. Que podia ter-lhes corrido mal, mas aquela de uma originalidade... Sim, portanto a
Pedro Boucherie Mendes
história é um químico...
José Maria Pimentel
Só essa premissa, acho eu. E faz droga para sustentar e depois
Pedro Boucherie Mendes
percebe que pode subir na vida materialmente e aos olhos dos outros e de si próprio, sendo um barão da droga.
José Maria Pimentel
E o paralelo, aquela tensão entre a vida real, ou seja, a vida anterior dele, que se vai mantendo, e a vida enquanto barão da droga ou inicialmente enquanto fazedor de... Como é que se chamava aquilo? Meta não sei o que. Exato, meta-butaminas e depois é uma tensão engraçada. Mas em relação aos pranos, se tivesse que palpitar, porquê é que dirias que aquilo não fez clique? Achas que é para já ter alguns anos? Sim. É que conheço pessoas que são vidradas
Pedro Boucherie Mendes
em pranos. A televisão tem um pouco esse problema. Eu agora estou, agora Estamos em janeiro, estou a rever o The Shield, que é uma série da FX, do princípio do século, deste século. Tem 15 anos. Vê-se bem, mas... Notas... RTP memória, não é? Sim, sim, sim. Tem um lado... Mas eu ganhei aversão, alguma aversão, às séries americanas. Aquela cor, aquela saturação de cor, as séries Netflix. Está tendo a haver muita série europeia, o máximo que consigo, e séries antigas também. Estou ansioso que venha a HBO para Portugal para rever os Sopranos, por exemplo, e rever o Oz também. Eu
José Maria Pimentel
acho que as séries, eu tento fazer um bocadinho de esforço também, embora agora tenha visto menos, mas acho que depois que se vires muitas séries americanas, independentemente delas serem boas ou más, depois o valor marginal da série 5 começa a ser muito pequeno. Sem dúvida nenhuma. Em relação ao Seinfeld, estávamos a falar há bocadinho. Há uma coisa que eu notei, sobretudo a rever o Seinfeld, não notei tanto nas primeiras vezes e noto muito noutras séries conhecidas de comédia. O Modern Family, que é uma série ótima também. Eu gosto, sim. O Big Bang Theory, por exemplo, também sofre disso. Eu gosto. Que é... A que sofre mais disso, provavelmente, é o Big Bang Theory, e é por isso que eu gosto menos. Com o passar das temporadas, eles provavelmente, por necessidade, porque vão exaurindo material ou qualquer coisa do género que têm disponível, começam a tornar aquilo cada vez mais inverosímil, cada vez mais exagerado, cada vez mais... Há
Pedro Boucherie Mendes
uma expressão para isso, não é? Que se chama Jump the Shark, saltar de tubarão. É uma expressão que remete para uma série chamada Happy Days, em que os argumentistas puseram o personagem principal a saltar de jet ski por cima de um tubarão, que é quando as séries começam a passar dos carretos e começam a exagerar. A televisão tem um lado, voltando, sentando um bocadinho, tem um lado de pura escravidão, de repetência de pura escravidão. Se um programa é um sucesso, quer dizer, não penses que vais chafar tão facilmente. Ah, estou cansado, pronto, então toma lá um milhão por episódio, Passa-te logo o cansaço, não é? Por exemplo, o Hugh Laurie, que fez o Doctor House, ia enlouquecendo. Ia mesmo enlouquecendo. Embora recentemente tenha lido que ele, afinal, queria fazer mais episódios. O que é que significa ser enlouquecendo? Tu tens que fazer 22 episódios por ano de civil. Se pensares que tens que decorar aquele teixo todo e filmar e vestir roupa e tirar roupa e agora fazes esta cena... Uma série caracteriza-se pelo facto de os seus protagonistas estarem quase sempre em plano. Plano é o que estamos a ver. Portanto, trabalhas das, não sei, 8 da manhã, às 8 da noite, depois é que vai para casa bater texto, decorar o texto
José Maria Pimentel
para amanhã, não é? Portanto... Pois é intenso, sempre com
Pedro Boucherie Mendes
aquelas pessoas... Intenso? É muito intenso. Eu fiz o Idlus e eu não sou uma pessoa paciente, eu não gosto muito de estar ao pé de pessoas, não sou muito... Não sei se é social, não sei como é que se diz… Gregário. Sim. Não sou um people's person, um person people, sei lá. Eu ia enlouquecendo o ídolo, ia enlouquecendo. Pronto, amanhã vamos para Algarve, gravar 12 horas seguidas. Eu ia mesmo enlouquecendo. Sim, imagino. Não sou eu que sou especial, mas estou apenas a... É preciso ter vocação para essas coisas, eu preciso sempre poder escapar, seja meia hora ou uma hora ou o que for. Nós falávamos disso, Porque é que os atores têm trailers e têm aqueles camarins próprios para poderes parecer. Como não são um tipo de drogas e não sei o que, infelizmente pelos vídeos. Eu conto isto, eu conto, fiz 40 anos. Eu gravei das 9 da manhã às 2 da manhã. Todo dia que fiz 40 anos, de idade. No CCB, haver miúdos a cantar. Fato, há tantas. Sempre. Haver miúdos a cantar? Sim, sempre. E almoçar e... Nos Estados Unidos eles fariam isto numa semana. O nosso recorde foi 117 num dia. 117? Sim. Portanto, se ele entra, como é que te chamas? Peraí, temos que mudar a cassete. Que nem era com a cassete, era com discos fechidos. Para a cassete, não sei, vou fumar um cigarro, não sei o quê. Toda aquela rotina. E depois às tantas começas a... Uma espécie de loop de raiva contra tudo. Não é simples, não é simples. E para os técnicos também, para toda a gente. E agora também estive na gravação de um programa da CIC que temos agora a exibir. Obviamente a minha responsabilidade é de trazer as câmaras, não... Vamos, Muda a roupa, põe a roupa, pois está frio, pois não sei o quê. Vamos repetir, não sei o quê. A vida de artista, de artista a isto, não é só coisas boas, não é? Não é só coisas boas. E fazer uma série americana é um... Como os americanos fazem, portanto, é um lugar em que toda a gente espera um episódio todas as semanas, ou... Pá, é uma prisão, para todas as informações é uma prisão. Nem todos os criatores aguentam, por exemplo, na série House, o tipo que fazia de Wilson, tipo do clube dos espertos Mortos, o filme.
José Maria Pimentel
Ah, sim, exatamente.
Pedro Boucherie Mendes
Ele é assumidamente preguiçoso e pediu, aceitou só fazer a série, se lhe dessem poucas cenas. Engraçado. Qual era o personagem dele? Era um colega, não era?
José Maria Pimentel
Era um colega médico. Era um colega médico, sim. Engraçado. Deixa-me tentar terminar aqui coisas que fomos abrindo e não fechámos do que dissemos. Em relação àquilo que estávamos a falar há bocadinho, da suspensão da descrença, o que eu acho engraçado ali, o que eu acho absolutamente fascinante, e lá está, deve ser um bocadinho como o sono e como os sonhos, no outro dia estava a entrevistar um tipo que é neurocientista americano da Fundação Chapal e Moe, estávamos a falar disso e falámos exatamente disso, quer dizer, de não saber. E eu acho que também não se conhece, não se percebe isto bem, que é esta nossa capacidade de fazer essa suspensão da descrença e depois tu sabes que aquilo não é mentira, tu sabes que aquilo não é verdade, mas estás a acreditar e o teu corpo fisionomicamente tu estás a reagir como se aquilo fosse verdade. O teu coração palpita, bate mais rápido, suas das mãos. Quer dizer, tu consegues... Isso é extraordinário porque eu não te consigo fazer. Há bocado estavas a falar da questão de Deus, por exemplo, uma das coisas interessantes desse aspecto, eu já falei disso no podcast, é que se tu não for crente, tu não consegues tornar-te crente. Certo. Não consegues fazer isso. Por propósito, não é? De propósito não consegues. O máximo que tu podes almejar é a descrença estar no teu inconsciente mais ou menos e nunca ter vindo ao consciente. Principalmente a que vê ao consciente, caput, não voltas a acreditar. Mas na ficção é possível fazer isso, isso é extraordinário. Nós hoje em dia vimos isso na televisão, no cinema, nas séries, no teatro. Mas isso existiu desde sempre na humanidade, em uma espécie de prototeatros, no início, alguém representava uma coisa qualquer, ou contava uma história, fazia uma teatrada. Isso é incrível, isso tem muito provavelmente que ver com aquilo que tu falavas, que é essa espécie de simulacro risco zero, uma espécie de simulacro de realidade risco zero. E há outra coisa que eu acho que é o subvalorizado e em certo sentido contra mim o falo porque não vejo, apesar de tudo acho que vejo menos séries do que muitas pessoas da minha geração, aquilo é só entretenimento, tu também aprendes com aquilo, por muito distante que seja a realidade tu estás a aprender, se tu vês uma série sobre, sei lá, sobre assaltos, que parece uma série de assaltos, por exemplo, e o dia que tu for assaltado, ou sobre arte, é logo direto. Imagina uma série que
Pedro Boucherie Mendes
se passa num barro violento. Saberás como reagir.
José Maria Pimentel
Saberás alguma coisa de como reagir. Também hás de aprender muitas coisas enviazadas. Mas há ali um lado de... Por exemplo, uma série como o Mad Men, por exemplo, tem ali coisas que são de ambiente empresarial, umas exageradas, mas outras que respondem à realidade.
Pedro Boucherie Mendes
Como tu disses, tu estás a ver sobre o Marejo Vivas, E uma das coisas que apanhei é que aquilo foi usado, é usado ou foi usado na altura como estratégias de team building. Porque aquilo funcionava, a equipa que estava na praia funcionava. Portanto, aquilo era
José Maria Pimentel
usado
Pedro Boucherie Mendes
como processo de team building. Tentando não me esquecer do que estavas a dizer, eu li agora o Eliette da Dulce Maria Cardoso, há pouco tempo, pá, e aquilo era como se eu estivesse a ler a verdade, ok? Aquilo está tão bem feito, ou escrito, ou pensado, ou engendrado, ou enjorcado, ou não sei o quê, de tal forma, já tão bem, que é como se eu tivesse a ler um relato verdadeiro, muito melhor do que uma reportagem, porque infelizmente no jornalismo português as reportagens têm um... Os tipos têm um bocado a maneira que são escritores, não é? Pelo menos é uma observação que eu faço, não é uma crítica. Eu li a escritora e tu pensas, porra, isto passa-se mesmo, tu consegues ver, que são só letras e pretas em fundo branco, mas tu consegues ver a cara das pessoas de quem ela está a falar e ela até nem escreve muito. Pois certas séries tu sabes que estás a ver com um olho aberto e outro fechado e, portanto, aí não te assustas muito. Tu sabes perfeitamente que numa série americana normal não há jump scares, como dizem os meus filhos agora, que não vais saltar da cadeira. Uma série mais negra, mais não sei o quê, as coisas podem acontecer. Mas, de certa forma, não sei, são raras, para mim, são raras as séries que tu confundes, não digo a realidade, mas que tu ficas a pensar naquilo, como são umas frases que se usam muito, não é? Ah, sim, pois aí… Diria eu, fácilmente, acho que acontece mais no cinema essa espécie de confusão com o real ou com aquilo que é o real.
José Maria Pimentel
Eu acho que estas séries, tipo Breaking Bad, como falávamos há pouco, acho que fazem um bocadinho isso. Eu acho que O que eu ia dizer é que acontece mais nas séries de época.
Pedro Boucherie Mendes
Eu falo do Downton Abbey no meu livro. Também podia falar do The Crown, mas falo do Downton Abbey. Nós tomamos aquilo, tomamos as séries de época, mais face value, por valor facial. Epá, os caras vestiam-se assim, havia estes carros, não sei o que. E o que eu digo no meu livro, só para gozar um bocadinho com o leitor, é que eles têm bastante erros históricos, não é? Claro. E depois eu pergunto no meu livro, no pergunto no livro, se isso é suficiente para considerarmos a série uma má série. E depois respondo, obviamente que não, mas depois provoco e digo, mas então imagina que um dia íamos fazer um exame de admissão à nacionalidade britânica e responderíamos mal porque tínhamos aprendido mal no breaking no Dalton Abbey. Poderíamos culpar o Dalton Abbey ou não? As séries antigas, os Vikings, O tipo de Guerra dos Tronos foi acusado da série ser misógina, não é? Sim. Porque ele sempre violava mulheres. E
José Maria Pimentel
aliás, eles têm uma coisa engraçada. Eles usam, falando sobre trifuges narrativos, eles usam por exemplo cenas de sexo. Sobretudo na primeira temporada usavam muito para transmitir... ...Facto... ...Informação que eles precisavam transmitir, mas que não era especialmente entusiasmante. Eles
Pedro Boucherie Mendes
misturavam as duas coisas. E já levou ao sexo. E o tipo disso, apesar daquilo ser um mundo imaginário, que naquele mundo a violência física sobre as mulheres era uma constante e portanto o gajo não ia nada limitar essas violações e essas agressões sexuais às mulheres, porque naquele mundo existia isso e era assim. Mas depois a internet está cheia de artigos tipo, quando digo internet, a realidade está cheia de artigos tipo, a Idade Média não era nada como nos filmes, o Renascimento não era nada como nos filmes. Uma das coisas boas da televisão é não haver cheiro, porque se não fosse uma... Podemos imaginar qual era o cheiro se fosse uma cena passada na Guerra dos Tronos. As pessoas só tomam banho há relativamente poucas décadas. As pessoas não tomavam banho, quer dizer, perfumavam-se. Não havia casas de banho, não havia canalização. Portanto, podemos imaginar o que é que as pessoas faziam. Tiravam pela janela, não é? A salubridade, a questão da saúde pública, não sei quem é, uma questão recente, pronto. Portanto, ainda bem que não haja ch na televisão. Apesar de nós podemos achar imensamente romântico aqueles vestidos e aquelas coisas, pronto, ainda bem que não há cheiro na televisão. Eu repito a diferente vez que eu digo isto, mas é verdade. um lado de encanto, não é? Há um lado de encanto e tem muito a ver com a forma como nós nos posicionamos em relação às coisas e à vida. Se temos um coração mais aberto ou mais fechado em relação à bondade, em relação à maldade, em relação às crianças. A televisão tem alguns tabus, por exemplo, tem tabus com os animais. Os animais são bastante bem tratados em televisão. Não vejo cães a serem pontapiados, não vejo, não vejo. É uma coisa que horroriza as pessoas hoje em dia, vivemos numa sociedade... Mas foi sempre assim ou isso é uma coisa recente? Não, foi sempre assim. Foi sempre... Quer dizer, os primeiros filmes de cowboy, as primeiras séries são westerns. Aliás, é uma coisa que eu não falo muito no filme, mas venho a escrever um outro livro e posso falar disso. Que esta ideia do western, por exemplo, do filme de cowboy, que o cowboy referia aos valores morais e tal, é uma ideia falsa, é uma ideia da televisão e do cinema. Claro que eles eram todos uns cabrões uns para os outros, não é para essa expressão? Como podemos ver na série Deadwood, que é uma das melhores séries de televisão, da HBO também, é que eles são todos uns sacripantas e uns chacanas e estão constantemente a cuspir para o chão, a beber whisky e a ir às prostitutas, não sei o que. E estão sempre a matar uns aos outros. Essa supostamente era uma ideia mais aproximada do que seria o velho Oeste. Propriamente esta imagem do tipo solitário, exceta, assexuado. Hum, Lucky Luke. Sim, que salvava sempre a donzela e que tinha uma ótima pontaria. Mas mesmo esse, que se bem me lembro, não matava búfalos para comer, não é? Arranjava sempre aquele leste de comer e o gajo não precisava nunca
José Maria Pimentel
de sujeiros, não é? Sim, Juco, sim. Eu tenho a ideia que não aparecia nos livros,
Pedro Boucherie Mendes
não é? Nunca precisava de matar nada para comer. A televisão trata pior as crianças. Há mais crianças mortas na televisão, sobretudo nas séries mais fortes, em algumas séries fortes, uma criança que morre ou aparece morta, ou quem é que matou, etc, do que animais. E são os chamados tabus da televisão, não é? A televisão não tem nenhum problema em violar mulheres, por exemplo. Que é uma coisa que eu, enquanto não percebo bem onde é que... Não percebo bem que se tivesse que inculpar os argumentistas de televisão, de uma forma geral, de alguma coisa menos própria, seria da ligeireza com que se violam mulheres na ficção televisiva. Claro que podemos sempre dizer que isso acontece na vida real, não que as estatísticas, veja, veja. Sim,
José Maria Pimentel
mas a questão dos animais é engraçada. Uma coisa que eu sinto, às vezes em filmes, é um bocado paradoxo e é uma contradição grande, mas lá estar nessa suspensão da descrença faz mais impressão maus-tratos a animais do que maus-tratos a pessoas. Não faz sentido nenhum. É como se um animal desconhecido estivesse mais próximo de ti do que uma pessoa que não te é próxima. Uma das grandes frustrações da
Pedro Boucherie Mendes
minha vida foi não ter recortado um artículo de uma vez, e que não me lembro de nada a não ser disto. Era um filósofo joão-americano que defendia que nós não éramos boas pessoas porque não estávamos nas tintas, porque estavam a ser para morrer pessoas nos filmes e nós íamos para a cama e dormíamos na mesma. Ele defendia que devia haver um fundo moral e nós nos viemos revoltar moralmente contra essa mortandade na ficção, na ficção audiovisual. Nunca recortei esse artigo, já procurei várias vezes. Mas tu concordas? Não, claro que não. Concordas e isto é? Nunca pensei sobre isso. Não me obrigues agora a pensar sobre isso. Não concordas na
José Maria Pimentel
intensidade, imagino, mas concordas na direção do argumento? Ou seja, achas que ele tem alguma... Ah, tem,
Pedro Boucherie Mendes
claro que ele tem, mas depois eu não veria séries do caraças em que o tipo passa com uma pistola, mata não sei quantos e depois... Quer dizer, quer ver séries do caraças, quer continuar a ver séries e filmes, eu pretenciono reformar o mais cedo possível para passar os dias a ver séries e filmes.
José Maria Pimentel
Também podes ver o contrário, há quem diga que as séries, que essa mortandade, essa violência serve justamente de escape, de maneira de canalizar para ali essa espécie de... Não
Pedro Boucherie Mendes
há nenhuma prova, mesmo nos videojogos, que as pessoas desatem a matado. Que supostamente as pessoas distinguem bem o que é ficção da realidade, como a questão do chá das miudinhas,
José Maria Pimentel
das crianças. Mas aqui é mais do que isso, é mais do que distinguir, é canalizares para a ficção essa espécie de necessidade de violência, permite que não apliques na… Sim, por isso não é assim. Mas por exemplo, eu concordaria… não concordaria com ele, mas… Mas é uma questão interessante, não é? Sim, e eu sinto uma coisa idêntica, não é bem de revolta, nada do género, mas por exemplo, eu não acho graça nenhum a filmes de terror. Porque aquilo... Também não. Mas
Pedro Boucherie Mendes
nota que, por exemplo, nas ficções mais opositivas, como são as novelas, mais rudimentares no sentido da sofisticação, normalmente o mau tem uma morte criativa, não é? Explode, cai do comboio...
José Maria Pimentel
Sim, é um clímax, não é? Sim, sim. Não é simplesmente uma morte.
Pedro Boucherie Mendes
Não só ele morre como o Pumba caiu do barco, ou explodiu, ou como o Gus Fringa, aliás. Não vamos dizer muito mais.
José Maria Pimentel
Pois é, exatamente. Essa cena está incrível.
Pedro Boucherie Mendes
Não vamos dizer muito mais para não estragar o barato de quem não viu ainda. Mas a questão da moral na ficção e das mortes é uma questão que se podia... Podíamos estar aqui duas horas a falar sobre isso, não é? Não estaríamos propriamente a falar de televisão, mas talvez até de filosofia, mas é uma questão interessante para falar um dia com um filósofo, ou com um padre, ou com... Tem uma imensa morte na Bíblia, como sabes.
José Maria Pimentel
Mas no Antigo Testamento. E certo, e a
Pedro Boucherie Mendes
questão é, eu acho que quando essa história no livro, os sopranos começam, pronto, há um mafioso que vai ao psiquiatra, os sopranos é uma história de um mafioso que vai ao psiquiatra. Ah porra e tal. E depois no quinto episódio da primeira temporada, portanto o quinto episódio dos sopranos, ele vai ver colégios, universidades com a filha, colleges, dorms.
José Maria Pimentel
Sim, eu isso ainda vi, eu acho que acabei nesse episódio.
Pedro Boucherie Mendes
E, olha, vai ver, afinal ele está além de ser mafioso e vai ao psiquiatra, também vai com a filha a fazer coisas. Isto é, o espectador a pensar com os seus botões. Depois eles vão meter gasolina e ele vê a passar um tipo que está no witness protection. E ele enquanto a filha vê dorms, ele o personagem, o nosso, com quem nos identificamos, mata impiedosamente, sem piedade, o mafioso arrependido. Isto é um choque, porque supostamente os nossos heróis, os nossos protagonistas, protagonistas de quem gostamos, não matam ninguém, não é? Porque são bons, não é? Têm um fundo bom, o limite, por mais mafiosos que sejam, têm um fundo bom. E ali com os superandos começámos a perceber que... E depois o Tony... Inaugurou essa tendência, não é? Farta-se matar, sim, farta-se matar pessoas ao longo da série, ao longo da narrativa e na Guerra dos Tronos, depois de ser levado a um nível superlativo e eu acho que o kick da Guerra dos Tronos é um kick semelhante ao comportamento bárbaro que eu acho que nós vemos em algumas instâncias da nossa sociedade. Eu não sou nenhum santo, mas eu deixei de jogar à bola com amigos há muitos anos, porque assistia a coisas que não estava acreditado. Eu não queria me envolver em pancada, de certeza, sendo um adulto. E vi amigos meus a andar, amigos meus civilizadíssimos, pessoas com quem Eu janto várias vezes por semana, pessoas é quem confiam todos os meus segredos, mas a passarem-se os carretes completamente a andarem à pancada em jogos de futebol. E a Guerra dos Estudos tem um bocadinho esse... É absolutamente bárbaro, aquelas violações, aquelas coisas, aquilo está filmado de uma forma quase von Trier, não é lá von Trier? Sim. Talvez não com tanta... Mas porque ela é uma violência e talvez alguns nós homens, talvez, não sei, obtenhamos algum tipo de satisfação, de excitação sexual com aquelas cenas horrendas. Eu julgo que sim. E pronto, isso faz de nós más pessoas. Se calhar é melhor eu buscar um copo de água, não é?
José Maria Pimentel
Não, pelo contrário. Eu, por acaso, não me identifico muito com isso, mas identifico-me o suficiente, acho eu, para perceber. Ou seja, eu acho que nós temos um lado animal, não é que... Havia uma coisa... Olha, estavas a falar um bocado das Ritz Lectures da BBC, há um bocado ainda... Acho que era o Burton Russell que tinha uma coisa engraçada. Acho que foi ele que fez a primeira e ele dizia uma coisa com... Ele falava disso, desse lado animal do ser humano. Porque foi feito logo depois da 2 Guerra Mundial, tinha esse peso daquilo que tinha acontecido, e do nazismo e do holocausto. E ele dizia, eu próprio tenho isso. E parecia uma coisa engraçadíssima, mas eu tenho isso também. E canalizo esse lado mais animalesco, essa vontade de ação, para ler uns romances policiais, que era uma coisa que eu amei também. Há
Pedro Boucherie Mendes
imensos intelectuais que adoram thrillers e...
José Maria Pimentel
Pronto, mas quer dizer, para ele aquilo chegava para o lado mais animalesco dele. Para outras pessoas é preciso se calhar ver o Game of Thrones ou
Pedro Boucherie Mendes
pior. Repara que nós, pessoas, não temos propriamente uma gramática para definir e para descrever as nossas emoções. Gosto da série, gosto! Adoro, adoro! Sento, vou com a minha mulher, a gente se senta, se apagamos a luz, ligamos os telefones, pá, aquela hora é a nossa. As pessoas têm este tipo de... Então mas porque é que gostas de ganhar outros tontos? Pá, não sei, pá, eu gosto daquilo, pá. As pessoas não têm propriamente um... Eu não gosto muito, ao menos gosto mesmo muito pouco, acho uma seca descomunal, porque aquilo é muito diálogo, não é? As séries, as novelas é que têm muito diálogo. Falam imenso, obviamente não decodo os nomes, já perco-me nos nomes, não é? Mas devo reconhecer e reconheço que tenho que ver, por razões profissionais, e quero ver e devo reconhecer que em cada temporada há sempre uma cena ou outra que vale para a temporada inteira. Como acho que na última ou penúltima temporada aquela batalha...
José Maria Pimentel
Sim, normalmente são cenas mais sangrentas. Sim,
Pedro Boucherie Mendes
mas por exemplo, E reconheço, apesar de não gostar muito da Guerra dos Tronos, repito, reconheço que é estupidamente melhor do que o Vikings, por
José Maria Pimentel
exemplo. Nunca vi, mas não me custou acreditar, sim. Mas o
Pedro Boucherie Mendes
Vikings é uma excelente série. E, mais uma vez, tal como o Breaking Bad, há um lado desenhos animados na Guerra dos Tronos e tem muito a ver com os atores. Aquele ator que fazia de Geoffrey, lembras-me? Não sei se fizes
José Maria Pimentel
na Guerra dos Tronos. Sim, sim, eu gosto muito. Eu gosto, mas eu gosto desse tipo de Sábio Senhor dos Anéis também.
Pedro Boucherie Mendes
O ator que fazia de Geoffrey, o Rei Malzinho. Aquele é um ator, quer dizer, aquilo... Ainda bem que ele vai crescer e vai ter o cabelo de outra forma.
José Maria Pimentel
Provavelmente é o personagem mais detestável da série toda.
Pedro Boucherie Mendes
Sim, talvez a história da televisão. Um dos mais... Se ele entrasse agora nesta sala seria difícil... Se calhar eu e tu diríamos... Ele afinal é um tipo raro. Por mais que nós sejamos pessoas sofisticadas que extinguíamos uma coisa e outra, ele fazia aquilo tão bem, tão bem, tão bem, tão bem que não era tão tanto o texto, mas era o delivery, não é? A forma como ele... Por exemplo, não tenho paciência para o Jon Snow, ou para aquele tipo, o giro do barbinha, mas não tenho paciência nenhuma, mas... Sim,
José Maria Pimentel
mas não há quem diga que ele é muito mau autor. Porque ele não transmite propriamente grande... Sim, ele
Pedro Boucherie Mendes
limita-se a ser giro e até de uma espada, não é? E até de um papel bom. E a falar monocordicamente. Exatamente. Mas não sei se você já viu a série Bodyguard de Vistagrand? Não. É só o Bodyguard, tem outro tipo que estava na Guerra dos Tronos e que já morreu, outro gajo de barba giro, o
José Maria Pimentel
Richard Madden. Sim, sim, sim. É como a primeira ministra. Sim, não é a primeira
Pedro Boucherie Mendes
ministra, mas é a ministra do interior. Ministra, exato, ministra do interior, exatamente, em inglês. Portanto, a Guerra dos Tronos tem um fluxo narrativo descomunal, ninguém apanha bem aquilo, vai estar sempre à espera. Mas, de facto, tem. É obrigatório ver. É um must-see, completamente. Tem que se ver. É um must-see, mas não vejo com o mesmo prazer, mas eu já revi as temporadas e gostei mais de rever, a segunda, a segunda, vizinamento, gostei mais do que do primeiro. Sim.
José Maria Pimentel
E é engraçado, eu não sei como é que tu vês, onde é que tu pões a Guerra dos Tronos aí. Mas
Pedro Boucherie Mendes
Ninguém põe nas melhores de sempre. Como?
José Maria Pimentel
Sim, imagina o final. E o ranking põe nas melhores de sempre. Sim, sim, eu sei. Que é curioso. É.
Pedro Boucherie Mendes
É das mais vistas de sempre. Pois é, pois é. É a primeira global series. É
José Maria Pimentel
um bocadinho como o Senhor dos Anéis também tem um bocadinho isso, não é? Mas eu acho que não tem a ver com o preconceito quanto à fantasia, Mas sim. Pois, não sei, mas também acho que é uma série mais, quer dizer, dizer nicho é um contrassenso. Não é? Não, mas não é, mas é que estás razão. Talvez seja nicho crítico, no sentido em que há muitos que... O que se
Pedro Boucherie Mendes
passa com a Guerra dos Tronos, creio eu, é um pouco como aqueles jantares que tu dás e concluís que convida as pessoas a mais. O facto de não consegues dar atenção a todos, porque aquilo tem demasiadas linhas de história e tu não consegues dar atenção e encorpar aquilo suficientemente bem, acho eu. Depois vês os homens estão sempre vestidos de
José Maria Pimentel
preto e entram de cavalo e têm uma espada e... Ela é precedida por um livro, desde logo tem esse handicap, não é? Portanto, tem que se adaptar ao... É que foi feito para ser um livro com imenso detalhe, um livro isto é. Gordo, sim. Uma saga, sim. Exatamente, uma saga de vários livros, cada um deles cheio de detalhes e eles depois têm que compactar aquilo. Mas o que é engraçado nisso, era isso que eu queria falar, é que tu, eu acho que tu, aquela questão da televisão de fluxo, ou seja, a televisão que te liga, carregas no botão e está a dar, versos, sobretudo este tipo de séries, se calhar o outro extremo, tipo Breaking Bad, que tu vês religiosamente e atento. Quando estava a ler parte do que tu falavas sobre isso, lembrei-me de alguma coisa engraçada. Há um livro muito conhecido do Kahneman que é o... Pensar de vaca. Isso, exatamente.
Pedro Boucherie Mendes
Sim, claro que sim. Eu até cito esse livro, sim.
José Maria Pimentel
Eu lembro-me logo disso, porque tu ligares a televisão e não tens que te preocupar, é um bocadinho o cérebro, é aquele cérebro mais heurístico que não está a pensar em esforço.
Pedro Boucherie Mendes
Sim, mas a questão da escolha é uma questão que me fascina, da escolha. Tem a ver com a televisão, a televisão é escolha, essencialmente. E o que o Kahneman diz, a dar altura nesse livro, o livro é o resumo do trabalho dele, dele e do outro, já morreu, do outro israelita, que já morreu, ele também é israelita, que já morreu. Eu até tenho um livro da forma como eles se conheceram. Ah, é o do Michael? Michael não sei quantas. É que nós somos máquinas biológicas cujo nosso objetivo é sobreviver, thrive, né? Sobreviver é vencer os obstáculos nesse sentido. Até
José Maria Pimentel
é reproduzir-nos, né? Sobreviver é um meio para nos reproduzirmos.
Pedro Boucherie Mendes
Exatamente. Portanto, não é ficar parado aqui à espera que não aconteça nada. Thrive. E como tal, o nosso cérebro está programado para conservar a energia. Ora, decidir pelo caminho mais fácil é conservar a energia. Nós comemos a mais, uma das razões por que se engorda é porque a sensação de saciedade só acontece bastante depois de tu teres... Exato. Come duas bolachas e é suficiente, mas o teu cérebro só quer dizer que estás saciado se comes quatro bolachas porque o teu cérebro não faz ideia que tu vais, que consegues comer seis horas depois, não é?
José Maria Pimentel
Sim, sim. E recebe a informação com delay, não
Pedro Boucherie Mendes
é? Não, dá-te, é a ti, dá a tua consciência. Havia aquela teoria, não sei se já viste falar do bicameralismo. Havia uma teoria que tinha dois cérebros. Um cérebro falava com o outro. Portanto, eu estou a comer e há uma parte do meu cérebro que não faz ideia de quando é que eu vou voltar a comer. Portanto, não me diz que eu estou saciado para eu continuar a comer. E para chegar onde? Que nós fomos feitos para conservar a energia. Mas ao mesmo tempo somos seres muito, muito curiosos. Mas não somos todos curiosos. Portanto, a humanidade não avançou, todos de mão dada. Quer dizer, não fomos todos de mão dada a inventar a máquina a vapor, não é? Não, enquanto nós estávamos a ver televisão na altura, ou a dormir, ou o que for, havia um sacana que estava na oficina dele a experimentar peças e a queimar-se, aquela porquê acho que explodiu várias vezes, do James Watt, não é? Até acho que foi inventado em dois sítios ao mesmo tempo, se bem me lembro. Mas um exemplo mais... Quando estava o Bill Gates lá na garagem a inventar a Microsoft, se calhar estava eu a jogar a bola na rua. Eu e milhões de pessoas, não é? Portanto, nós temos um pouco a ideia de que a humanidade... Falamos sempre no plural, não é? Mas não, Há sempre uns chacanas que vão à frente. Enfim, porque os outros estão a conservar a energia. Ficar em casa a ver televisão é uma forma de conservar a energia, não é? Não te vais aventurar num desconhecido, nem todas as pessoas decidem, apesar da televisão e da nossa deficição celebrar isso, celebrar a exceção, nem todos vestimos um fato e vamos correr à noite para o Rio para fazer a maratona de Berlim este ano. Há muito mais pessoas que juraram fazer a maratona de Berlim este ano e que nunca vão fazer do que vão fazer. Mas ficamos um bocado a ideia que o gajo foi o único gajo que decidiu ir fazer a mandatória de Berlim e o gajo conseguiu. Não, houve muitos gajos que ficaram pelo caminho. E esse livro do Kahneman, o que diz basicamente é que nós quase sempre nos precipitamos nos julgamentos que fazemos sobre as coisas. Tem a ver com essa heurística, tem a ver com a chamada confirmation bias, ou seja, A partir do momento em que nós formulamos uma configuração, o Trump é o sacana, andamos constantemente a procurar coisas que confirmem essa ideia e depois somos muito bons a ignorar sinais contáteis. Se o Trump faz uma coisa boa, nós ou subimos para o ar ou achamos que foi o Obama que começou a fazer, pronto, para dar um exemplo. Os jornalistas portugueses são muito assim, muito, muito assim e não têm essa consciência, o que é irritante. E o jornalista, por definição, tem que estar a ser imuno ou isente desse tipo de julgamentos precipitados. A televisão é uma coisa comercial, não sei se Já estamos na reta final.
José Maria Pimentel
Sim, sim. Não é o segredo é isto. É uma
Pedro Boucherie Mendes
existência comercial. Existe para ganhar dinheiro. Não foi, ah, eu queria contar uma história através da televisão. Não, foi. Epá, eu quero continuar a ganhar a televisão, como é que a gente faz? E houve um que disse, epá, se a gente fizesse umas séries. Tá bem, força nisso. Mas atenção que eu tenho que fazer intervalos na série. Então os episódios das séries foram sendo escritos, tendo em conta arcos de 8 minutos, acho que 6 a 8 minutos, que os levam até o intervalo.
José Maria Pimentel
São chamados cliffhangers. Pronto. E por isso... A partir de um bocadinho com a Netflix. Exatamente.
Pedro Boucherie Mendes
Algumas séries da Netflix, se tu vês 3 ou 4 episódios, não acontece nada. Só dá uma seca, não é? Aqui entre nós e sem ser entre nós. Porque, depois até houve essa expressão que é toda a temporada uma espécie de episódio piloto, porque não há intervalos, não há publicidade e Então o criador pode fazer o que entende. E tu perguntas, ah mas porque é que o Netflix deixou fazer isso ou deixa fazer isso? Achas que eles têm uma ambição criativa? Sim, mas também já sentou numa dinâmica em que o Netflix não quer perder aquele criador. Portanto se o Netflix te convida a ti para fazer uma série, tem que levar com os teus devaneios criativos ou não te vais para a Apple ou para a Amazon ou para o Facebook fazer séries. Vimos agora o Matthew Weiner, que fez o Mad Men, que fez uma série para a Amazon Prime, nos Romanov's. Pá, uma palavra para definir aquilo, que é uma merda, não é? São seis episódios, acho eu. É? Sim, de hora e meia. Tem uma premissa fabulosa para mim, é que todos os episódios alguém é relacionado com o filme da Romanoff, então é sempre um elenco diferente. É porque só que ele não consegue marcar golo, quer dizer, tenta arrematar a baliza e aquilo... Há um, acho que me lembra, há um que eu gostei. Pá, imagina-se a minha excitação quando eu ouvi falar que eu ia fazer a série, fiquei numa excitação, parecia um miúdo que recebeu um presente do pai de Natal, porque quando é que gostaria? Ou só faltou? Enfim, pá, a minha desilusão aqui, aquilo, uma série péssima. E a série que citaste há pouco da Julie Roberts também é péssima, Homecoming. Péssima, péssima. É muito difícil de ver. A ideia é boa, mas é muito, muito difícil
José Maria Pimentel
de ver. Sim, eu tanto essa como a do Bodyguard, entrevi. Ou seja, não estava eu a ver-la e portanto...
Pedro Boucherie Mendes
O Bodyguard também não gostei, mas por outras razões. Nem todas as séries são boas. Agora, uma série para pessoas mais novas é o You, que é agora, enquanto a gente fala, já ouvi-se falar, que é um stalker. É uma série francamente boa. Parece uma série assim juvenil e meia parva, mas é uma série francamente boa, conceitivamente. E
José Maria Pimentel
há outra que não falámos, que só vi dois ou três episódios e não gostei muito e tenho a impressão que também já vi qualquer coisa tua, pouco elogiosa, que é o Black Mirror.
Pedro Boucherie Mendes
Sim, o Black Mirror era uma série do Channel 4.
José Maria Pimentel
Ah, mas ela não deu toda no Channel 4 é isso?
Pedro Boucherie Mendes
Depois a Netflix pegou essa brand e mandou fazer mais episódios e aquilo... Os jornalistas de todo o mundo... Aquilo... Não é verdade, não é verdade. Há uns episódios bons e outros que são péssimos. Este que saiu agora não tem interesse nenhum. Tu escolhes o final.
José Maria Pimentel
Eu vi esse, eu vi esse. Não tem interesse nenhum. E é uma séquia entre outras coisas, não é? Não tem interesse nenhum. Está sempre a mingir
Pedro Boucherie Mendes
no comando. Sim, além disso, mas não tem interesse nenhum. Ah, mas vai mudar o futuro da televisão. Não sei se é o futuro da televisão, duvido, mas não tem intenção nenhuma de pisar. Eu achei um bocadinho
José Maria Pimentel
masturbatório, ou seja, acho que é de ter... Estás a ver aquilo a pensar, que bom que eu sou... Por exemplo, aqueles mais futuristas, que bom que eu sou que estou a ver o degredo em que o mundo se vai tornar. Quando aquilo é uma simplificação do... Sim, E sobretudo... Aquela das redes sociais, há uma que eles têm que... A
Pedro Boucherie Mendes
questão da tecnologia é uma questão que me irrita imenso, porque quando tu tens um cancro e és curado na fundação não sei o quê, por uma máquina não sei o quê, aquilo também é tecnologia, não é? Portanto, ou bem que somos contra a tecnologia toda, que somos luditas, não é? Ou então não podemos... Quer dizer, esta coisa de ah, o Zé Crens, não sei o quê, está bem, mas bom, também há tecnologia fixe, não é? Se calhar há um saco de arrolhas fixe que tira... Quer dizer, também há tecnologia. Não, e
José Maria Pimentel
há um certo apelo, há uma certa atração por coisas que mostrem que a humanidade está perdida, porque de certa forma mostra que nós somos diferentes porque não estamos naquela carruagem. Exatamente, nós sabíamos,
Pedro Boucherie Mendes
sim, sim. Era muito melhor quando viemos na era da pedra lascada. A pedra lascada é tecnologia, mas é tecnologia daquele tempo, mas é tecnologia. Portanto, quando o Leonardo da Vinci fazia os seus próprios pigmentos para fazer os quadros, aquilo é tecnologia. Ele estava a fazer tinta, é tecnologia. Não me irritem com essa questão
José Maria Pimentel
da tecnologia. E a questão é que qualquer mudança tecnológica é um desafio porque vai sempre apanhar espaços… Coisas boas, mas é coisa boa sim. E apanha espaços vazios para os quais nós não estamos... Traz desafios para os quais nós não estamos preparados, portanto cria sempre comportamentos estúpidos.
Pedro Boucherie Mendes
A melhor coisa de destruir um jantar, ou uma coisa que alguém diz que antigamente era bom, era pedir à essa pessoa que escolha uma época, uma história, quando gostaria de viver. Claro. E... Ah, os anos 60, então podes sempre dizer... Pá, mas não tinha sido inventada... Não sei... Vacina, contan... Era sempre um medicamento que ainda não havia e que...
José Maria Pimentel
Bem, a esperança de vida era menor. Basta isso, né? Não é preciso
Pedro Boucherie Mendes
mais... Pá, os anos 60, tinhas uma leucemia e morrias logo. Agora a taxa de sucessão é muito... Ah, está bem, mas isso as pessoas em Portugal dizem logo. Ah, isso é diferente. Não, não é diferente.
José Maria Pimentel
Quer dizer... Sim, eu também
Pedro Boucherie Mendes
não sou nada dessa escola. Tu para ires ao Algarve, passaram o fim de semana, demoravas 8 horas, não é? Pronto. Ah, então não ia ao agarro. Pronto, ok.
José Maria Pimentel
Mas... Sim, claro, é evidente. Eu, meu, disso estou perfeitamente contigo. Pedro, para terminar, se calhar a maneira ideal para terminar é perguntar-te o que é que tu achas... O que é que tu achas que vai ser a televisão daqui a quê? 20 anos. O que é que vai ser? Quem é que vai ver? Outras coisas, ou seja, novas gerações vão continuar a ver, não vão? Vai ser uma coisa que está colada à... Por exemplo, a televisão de fluxo vai continuar
Pedro Boucherie Mendes
a existir? Eu acho que as nossas vidas vão ser muito semelhantes às que temos agora, mais intensas ainda, se é que isso é possível. Portanto, vamos viajar mais, deslocar-nos mais, porque vai ser mais fácil. No limite vai haver mais voos para ir passar o fim de semana a Londres, imagina. Vai haver mais hamburguerias e tapiocarias e coisas novas para experimentar. Vai ser um mundo mais rico, mais afluente, desse ponto de vista. Vai haver mais ecrãs. Se calhar estamos num consultório em média que à espera e tiramos uma coisa do bolso, que é um quadrado, e vemos uma série com os fones especiais quaisquer.
José Maria Pimentel
Mas essa é a parte da escolha, não é? Essa é a parte do... Acho que
Pedro Boucherie Mendes
vai sempre haver televisão de fluxo. Sempre, sempre, sempre, sempre.
José Maria Pimentel
Mesmo para a geração... Mesmo para quem tem 10 anos agora?
Pedro Boucherie Mendes
Sim, sim, sim, sim. Mesmo para quem não nasceu ainda. Acho que vai sempre haver. Porque as pessoas precisam de coisas em comum. Sim. E o...
José Maria Pimentel
A rádio tem essa função, por exemplo. Nós não
Pedro Boucherie Mendes
falámos de uma coisa na televisão que é importantíssima e que também os sociólogos falam. É a televisão que te lembra que está quase o Natal. É a televisão que te lembra do regresso às aulas. É a televisão que te lembra... Claro, que se tu quiseres ser irritante podes sempre dizer Ah, mas eu posso pôr um lembrete no meu telemóvel ou não sei o quê. É a televisão que diz que está a nevar na Serra da Estrela, para que depois tu, quando estás no teu emprego e falas com um colega, dizes, ah já vi que está a nevar na Serra da Estrela, pronto. E
José Maria Pimentel
paradoxalmente, quanto mais individualistas se torna a sociedade, mais precisas de... Claro. Eu não acho o individualismo uma coisa má.
Pedro Boucherie Mendes
Nem eu, nem eu. Mas nós vemos agora alguns programas da SIC que têm tido mais sucesso do que outros programas da SIC no passado e as pessoas estão felizes porque têm um tema com o qual podem falar os casados.
José Maria Pimentel
Aqueles casamentos foi o mesmo.
Pedro Boucherie Mendes
Sim, as pessoas falam disso, as pessoas gostam de falar disso e referem-se àquelas pessoas como se aquelas pessoas fossem verdadeiras ou fossem a sua família. E, portanto, quando a televisão acerta em cheio, há um grande jogo de futebol, que lá na televisão as pessoas partem a perceber o que a gente viu e, portanto, acho que vai ser tudo muito semelhante ao que é agora. A televisão de agora é muito semelhante ao que era antigamente, a não ser que, a não ser que exista uma inovação tecnológica, porque a televisão só muda por causa da tecnologia. Isto é verdadeiramente sempre estúpido. Imagina que alguém inventa uma coisa que tu metes no olho e coiso. Aí sim, a televisão vai se adaptar a esse meter no olho e coiso. Que eu não sei o que é. Mas eu acho
José Maria Pimentel
que essa facilidade é um bocado irresistível. Se hoje tu lhes coisas tu chegares a casa, carregares num botão e tens uma coisa qualquer a dar de fundo. Eu, fazer fotologia é sempre difícil, quanto mais alguém que não é do meio. Mas eu, se tivesse que fazer um palpite, era algo na onda do que aconteceu com a rádio. A rádio tornou-se um bocado isso. A rádio é aquilo que tu tens no carro. Não tens que ter muito trabalho com aquilo, aquilo está a dar. Cria-te essa ligação que tu falavas ao mundo, que é interessante. Tu sabes, pela rádio, tu sabes os temas de atualidade. Sejam eles estúpidos ou relevantes, sabes a época do ano em que estás e a televisão em casa tem um bocado... Mas nota
Pedro Boucherie Mendes
que a maior parte das rádios deixou de ter sinal de horário, não
José Maria Pimentel
é? O que é que é sinal de horário? O noticiário da hora? É o que a gente dizia, pip,
Pedro Boucherie Mendes
pip, pip. São 15 horas.
José Maria Pimentel
Mas isso seria redundante, não é? A televisão ainda não deixou de ter sinal de horário, não é?
Pedro Boucherie Mendes
Ainda começam lá exatamente às 8h as notícias.
José Maria Pimentel
Hum, curioso, não tinha pensado nisso.
Pedro Boucherie Mendes
Se calhar pode vir a deixar. Eu acho que a rádio é muito barata de fazer e, portanto, pode continuar. A televisão não é muito barata de fazer. Os jornais não são muito baratos de fazer. Tens que imprimir aquilo, pagar as pessoas para escrever as notícias e depois imprimir aquilo em papel e levar o Record num caminhão até o Algarve para eu comprar, não é? Pronto, tem um custo,
José Maria Pimentel
não é? Sim, pode não ser impresso, mas mesmo assim, admito que seja... Tá bem, mas estamos a
Pedro Boucherie Mendes
falar do... Pronto, fazeres o jornal só para ser online não dá dinheiro em lado nenhum do mundo, não é só em Portugal. Há para aí 4 exemplos que são exceção e há para aí milhões de jornais. Tem a ver com a estrutura de custos. A questão da rádio é tudo muito romântica. Eu também adoro rádio, trabalhei em rádio, adoro pessoas que trabalham na rádio. O meu filho vai se chamar rádio, com certeza, mas a rádio é muito barata de fazer, por comparação, claro. Pronto.
José Maria Pimentel
Ahn... Mas uma televisão dessas teria que ser especialmente cara?
Pedro Boucherie Mendes
Tu... Tu... Câmeras de televisão, luzes, é tudo muito caro! Ahn... Percebes? É tudo... E... Uma música que passas na... Programas de televisão custam milhões de euros. Uma novela custa milhões de euros. As músicas que passas na rádio... Quer dizer... Né? Enfim, estou a... Apesar de estar a usar um tom caricatural, não estou a caricatar assim
José Maria Pimentel
tanto. Isso não é nada irrelevante, aliás, é uma questão de... E esta conversa que estamos aqui, até podia passar na
Pedro Boucherie Mendes
rádio, hoje à noite, numa rádio qualquer, conversa interessante, isto é que é, a televisão não pesta para nada. Mas esta conversa custou quanto? Não custou nada, não é? Quer dizer, custou muito pouco. Se fosse em televisão, tínhamos aqui pelo menos 4 ou 5 câmaras, um realizador, tu tinhas que comprar as câmaras, pagar as pessoas, que seriam pelo menos 6 ou 7, tinhas de ter microfones, tinhas de ter uma iluminação, os custos disparam. Se me fizesse essa entrevista para um jornal, punhas o teu iPhone a gravar e depois passavas para, não é? Portanto, A televisão é muito, muito, muito cara por comparação de se fazer, mas é mais rica e é mais intensa na vida das pessoas. Eu acredito que vá continuar a haver uma televisão de fluxo, talvez alguns horários tenham menos importância, ou talvez não, vamos ver.
José Maria Pimentel
E te chamaste a atenção aí para uma coisa importante que é, às vezes confunde-se, e eu estava a cair um bocadinho nesse erro e tinha a obrigação de não o fazer, às vezes confunde-se a ver procura por uma coisa e ela ser sustentável em termos de negócio. Que não é a mesma coisa, não é? Os jornais têm a... Isso obviamente procura por jornais, não há dúvida nenhuma, no entanto é muito difícil que eles sejam sustentáveis e a televisão pode cair realmente nisso. Bom, Pedro, vamos terminar? Vamos, e uma das razões, desculpa, só porque há muitos podcasts... Não, à vontade,
Pedro Boucherie Mendes
eu é que tu... Não, não, só uma última coisa, só para ser um bocado irritante, uma das razões porque há muitos podcasts é porque é fácil fazê-los. É obviamente porque há pessoas interessantes a fazê-los.
José Maria Pimentel
É claro que sim, é claro. É fácil, não é?
Pedro Boucherie Mendes
É evidente, sim. É fácil. Mas esta questão dos custos da televisão, que é uma questão que eu nesse caso abordo muito no livro, mas quando eu vim para cá, quando eu vim trabalhar para a televisão, foi uma questão que eu percebi depressa, tenho essa obrigação, com certeza, não sou nenhum eliminado, mas As pessoas diziam-me assim, ah era bom virem cá filmar, ou irem lá filmar. Eu posso entrevistar, eu lembro que dava este exemplo, eu posso pegar no telefone ou no mail e mandar um mail à Alice Fiera e dizer, oh meu nome é Pedro Mendes, sou do Diário Notícias ou do Diário Popular, queríamos fazer-lhe cinco perguntas para um suplemento de verão que estamos a fazer. Então a primeira pergunta é, onde é que passava as férias? A segunda, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não. E pronto, envia-me um mail. Ela diz que se vier, avia aquilo. Respondia. Tchic, tchic, tchic, tchic, tchic. E eu mandava, depois, para a féria. Televisão, tens de mandar lá alguém. São duas pessoas. De fato, ser um jornalista em uma câmara. É atorado barato, não vai ninguém no som. O que é que ele tinha que ser filmado de várias formas, portanto demorava talvez uma hora, e depois com os microfones, não sei o quê. Portanto, estás a pagar a duas pessoas, mais a viagem até a casa dela, imagino que seja em Lisboa, depois a viagem de volta, depois tens de pagar ilha de edição para aquilo montar, tens que montar a peça, quer dizer, o custo não é comparável a mandar um mail e receber um mail. E eu usava isto como justificativa para não ir, às vezes porque não me apetecia ir e às vezes porque era mesmo caro e eu tinha que ter cuidado com a gestão dos recursos. E eu percebia que as pessoas não entendiam bem onde é que eu queria chegar com aquilo.
José Maria Pimentel
Não, é verdade, é. Isso é um ponto interessante. Pois, pois, pois... O que eu dizes, estás-te a pensar. Não,
Pedro Boucherie Mendes
é, e depois há uma coisa que nós temos uma ideia daquilo que queremos fazer e quase nunca a televisão que tu fazes depois corresponde. Tu até podes sonhar com a ideia de adaptar este podcast à televisão e tu até tens boa figura e não sei o quê, mas provavelmente depois ias ver e, ah pá, eu não devia ter ido com esta camisa ou devia ter tratado mais de escudo ou mais não sei o quê. Há uma enorme frustração sempre porque há um... O
José Maria Pimentel
número de variáveis a controlar aumenta exponencialmente. Sim, são imensas. Aliás, uma das coisas que é interessante, que eu digo, que já comentei várias vezes, é que um podcast, ou um programa de rádio, ou seja, algo que não tenha imagem, põe o convidado também muito mais à vontade por causa disso. Sem
Pedro Boucherie Mendes
dúvida, em batalhas de pessoas que estão à vontade de lhe dizer algo.
José Maria Pimentel
Exatamente, sim, sim. Há pessoas para quem, no limite, é indiferente. Mas, para a maior parte das pessoas, isso fará diferença. Sim, sim. Baixas a guarda, não é? Não tens que estar direito
Pedro Boucherie Mendes
e composto. Sim, sim, sim. Estás razão, essa é uma das batalhas da rádio também. A rádio é mais intimista, como se costuma dizer, embora seja uma coisa que eu não gosto muito de usar. Sim, a questão é que não há dúvida que a palavra é rica. E a voz e a forma como nós intuamos certas palavras é rico. A televisão, aquela coisa do McLuhan, o meio quente e frio, o McLuhan era um...
José Maria Pimentel
Não conheço.
Pedro Boucherie Mendes
Masson McLuhan que dizia que o meio é a mensagem. É um canadiano dos anos 60, muito estudado nos mídias, nas faculdades de jornalismo, dizia que o meio é a mensagem. E ele tem alguma razão. O problema da televisão, ou a limitação da televisão, mais do que o cinema, é que te preenche 100% da tua capacidade imaginativa. 100% ou nulo. Eu estou olhado agora para um televisor enquanto falo contigo, onde está a falar o nosso presidente de algumas pessoas atrás. Tanto que Se eu estivesse só a ouvi-lo, as palavras dele teriam outra textura, outra espessura, porque eu era obrigado, o meu cérebro era obrigado a preencher visualmente todo aquele contexto. Claro. E eu a televisão estou a ouvir, essencialmente, porque ele tem imensas rugas e um ar cansado. Nem sequer estou a ouvir bem o que ele está a dizer. E o McLuhan dizia que os meios quentes eram estes meios, era a voz, não é? Rádio e a leitura, onde o teu cérebro é obrigado a... A preencher, a imaginar no fundo. Se tu reparares, não sei se pensaste sobre isto ou se os nossos ouvintes pensavam sobre isto, quanto menos um livro é descritivo de um personagem, João, 25 anos, 1, 80m, que o cabelo começava a ficar branco nas têmporas, tinha uma cicatriz por baixo do olho. Quanto mais é descritivo, menos a tua imaginação entra em ação. Se for só João, tinha 25 anos, era moreno e mais alto que a média, isto abre um conjunto de significados na
José Maria Pimentel
tua... Claro. Há técnicas de escrita que vão muito por aí. Não descrever diretamente e não... Deixares ao
Pedro Boucherie Mendes
cérebro do leitor preencher esses campos visuais, digamos assim. Não é de espantar, aliás, que os cegos, quer dizer, nós temos um bocado a ideia que se fôssemos cegos, dávamos um tiro na cabeça, não é? Os cegos parecem felizes, não é? Portanto, devem conseguir preencher o seu cérebro, enfim, é que não conseguem ver. Claro, a felicidade nem tem a ver
José Maria Pimentel
com isso. Quer dizer, a nossa felicidade tem a ver com as nossas expectativas, não é? Nós achamos que, porra, se eu disser que vais ficar cego, dificilmente acreditas que continuas a ser feliz, não é? Mas a investigação mostra que, por acaso, é concluível. Sim, eu sei, eu sei. Recentras as expectativas. Mas mesmo assim eu não queria ser sério. Eu também não. Mas olha, esse exemplo da voz estava-me a lembrar de uma coisa. Lembro-te-aria de certa altura ver uma coisa ao vivo, que era uma coisa de... Em que cada pessoa contava uma história. E vi uma história de uma pessoa ligada ao humor. Não vou dizer quem é, para não ser deselegante, e eu achei ultra irritante, não achei graça nenhuma aquilo. E depois ouvi aquilo em versão podcast, ou seja, só o som. Não sei porquê deixei-me ouvir e achei muito mais pior. Curioso, não é? É curioso, é uma boa maneira de se imaginar. Porque havia um ruído qualquer da imagem que não estava ali por dentro.
Pedro Boucherie Mendes
Sim, quase que eu adivinho quem seria, mas sim. Sim. Por exemplo, os espranos haviam cuidado em tratar a imagem que não havia, que não tinha havido, que não houvera antes, que não tinha havido nas séries anteriores.
José Maria Pimentel
Ah é? Uma agradação
Pedro Boucherie Mendes
dos negros, por exemplo. Mas tem a ver com a tecnologia. Não tem outros...
José Maria Pimentel
Era tecnologia que não existia antes.
Pedro Boucherie Mendes
Sim, digital nomeadamente. Ou seja, se tu fizesse televisão nos anos 70, os caras mandavam-te dar uma curva, porque ele era gravado em vídeo, tinhas que fazer aquilo, não havia tempo para repetir a cena com menos luz. Aquilo era carregar pela boca, como se costuma dizer. A partir dos pranos, vamos repetir isto um bocado mais escuro. Depois filmavas, depois ias ver, iam todos ver naquela salinha, onde os tipos vêm lá nos monitores, vamos repetir isto mais escuro ainda. Porque ainda tem leitura. Leitura é quando se percebe.
José Maria Pimentel
Quando se percebe o quê? Pode
Pedro Boucherie Mendes
ser uma cena muito escura e percebes o olhar e o nariz e não sei o que, certo? Tem leitura, como nós dizemos. Quando se percebe que é um gajo que está a falar. Só para acabar em grande, o grande problema do cinema português é um problema técnico. Ah, os portugueses não prestam, fazem filmes para cortar os pulsos. É técnico, tu não percebes o que eles dizem. Tu não vês o que está a acontecer.
José Maria Pimentel
É um problema técnico. Mas é verdade. Técnico,
Pedro Boucherie Mendes
não é um problema narrativo.
José Maria Pimentel
É que técnico pode ser... Não há uso suficiente. Técnico no sentido da pessoa, do técnico ou da técnica? Ou
Pedro Boucherie Mendes
os técnicos que captam o som, ou não há aparelhos suficientes, ou não houve dinheiro para máquinas, ou whatever. Não sei agora se é o técnico de som ou se é os microfones que ele usou. Ou os focos, os... Estava a faltar a palavra certa agora, desculpa. A teia de iluminação, a câmera, o aparelho que ele usa para captar, com certeza que o Stanley Kubrick tinha melhores aparelhos do que tinha o Manuel de Oliveira, é fácil perceber isso, não é? E, Portanto, a tradução técnica e visual num filme do Kubrick, se calhar é superior ao do Manuel Oliveira. E a nossa televisão, curiosamente, tecnicamente está mais próxima da Bitola Internacional do que está...
José Maria Pimentel
Sim, compara melhor, é verdade. Tu vês um
Pedro Boucherie Mendes
X-Factor, um Factor X português e tem um valor internacional. Podes achar que os autores são uns imbecis, mas
José Maria Pimentel
ele tem um valor internacional. Sim, não notas a diferença. Sem som, não notarias a diferença. Está bem. Pedro, terminamos?
Pedro Boucherie Mendes
Claro que sim. Obrigado. Obrigado,
José Maria Pimentel
Guilherme. Gostaram deste episódio? Se encontram o valor no 45°, existem várias formas de contribuir para a continuidade deste projeto. Podem avaliá-lo na aplicação que utilizam, seja ela o iTunes, Spotify, Stitcher ou outra, e podem também partilhá-lo com amigos e comentá-lo nas vossas páginas ou redes sociais. Se acharem mesmo que merece e puderem fazê-lo, podem ainda tornar-se mecenas deste podcast através do Patreon ou do Paypal. Com esse apoio estão a contribuir para a viabilidade deste projeto, que passa a ser também um bocadinho vosso. Para além disso, obtêm em troca vários benefícios como, por exemplo, o acesso ao backstage do podcast e também a possibilidade de sugerir perguntas aos convidados. No fim do dia, já se sabe, são os ouvintes que tornam possível um projeto destes. Ouvintes como Gustavo Pimenta, João Vítor Baltazar, Salvador Cunha, Ana Matheus, Nelson Teodoro, Paulo Ferreira, Duarte Dória, João Castanheira, Tiago Leite, Gonçalo Martins, entre outros mecenas, a quem agradeço e cujos nomes podem encontrar na descrição deste episódio. Até à próxima! Ae