#53 João Júlio Cerqueira - Ciência baseada na evidência
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José Maria Pimentel
Bem-vindos. Desta vez falo com o João Júlio Cerqueira, que é médico
e fundador do SciMed, um site que surgiu com o objetivo de
divulgar informação sobre vários temas na área da ciência, sobretudo, mas não
só, na área da saúde. Recomendo fortemente fazerem uma visita ao site,
porque vale mesmo a pena e o João tem sido um verdadeiro
paladino da ciência baseada na evidência. O que não quer dizer, como
ele próprio chama a atenção, que os artigos que escreve não sejam
contestáveis. Podem ser, claro. Mas o mérito deste projeto é justamente forçar
a que o debate decorra como deve ser, isto é, usando a
evidência e não as opiniões. O João aborda no site uma série
de temas que vão das terapias alternativas à nutrição, passando pela proteção
do ambiente e mesmo por outras áreas da ciência, como por exemplo
a energia nuclear. Neste trabalho de esclarecimento o convidado tem muitas vezes
posto em causa, por exemplo, algumas terapias alternativas, que já todos ouvimos
falar, ou algumas das modas, e não são poucas, na área da
nutrição, e ainda algumas medidas ambientalistas, muitas vezes bem intencionadas, mas que
nem sempre têm a validação científica à altura do peso que têm
nos médias ou nas redes sociais, por exemplo. Esta nossa conversa foi
particularmente extensa e por isso vale a pena guiar-vos pelos tópicos que
abordámos. Começámos, claro, por falar do projeto do convidado e, como não
poderia deixar de ser, da primeira área em que o João centrou
agulhas, para a Nintendo. As chamadas pseudociências barra medicinas alternativas, como por
exemplo a homeopatia ou a acupuntura. Ainda na lógica da ciência baseada
na evidência, mas neste caso aplicada ao ambiente, falámos também do caso
do lifosato, o nome de um herbicida de que talvez já tenham
ouvido falar e que tem dado muita polémica ultimamente. Um tema subjacente
a esta parte e sobretudo ao que seguiu na conversa é o
enorme desafio que é para a ciência, enquanto uma das mais importantes
instituições da sociedade, conviver com os enviasamentos cognitivos deste nosso cérebro de
primata. Esta é uma questão com uma série de ramificações, que vão
desde a má relação entre a natureza lenta e parcelar da investigação
científica e a lógica imediatista das notícias, até à base emocional e
enviasada que está subjacente a muitos movimentos ambientalistas cujos defensores caem, por
exemplo, muito facilmente na chamada falácia naturalista, que é achar que determinada
coisa apenas por ser natural será necessariamente boa. Finalmente, conversamos ainda sobre
a energia nuclear e o modo como pode ser parte da solução
para o problema mais importante deste século, as alterações climáticas, e terminámos
regressando ao tema inicial, isto é, as terapias alternativas. A este propósito
falámos do fascinante efeito placebo e também do facto que deve servir
de reflexão para a comunidade médica de que em muitos casos, grande
parte do sucesso destes tratamentos alternativos tem que ver com o facto
de terem quem os pratica uma componente humana de cuidado e de
atenção ao doente que muitas vezes falta na comunidade médica. Antes de
passarmos à conversa, lembro que podem apoiar o podcast desde apenas 2
dólares, ou seja, menos de 2 euros. Visitem o site patreon.com.br e
vejam os benefícios associados a cada modalidade de contribuição. Até à próxima!
Bom, João, bora lá começar então? Vamos lá. Eu vou repetir aquilo
que já disse em off só para ficar dito, que acho que
é completamente merecido. Eu, quando te convidei, já tinha lido alguma coisa
do teu blog e daquilo que é publicado no Facebook, depois, para
preparar a conversa, acabei por ler muito mais e o trabalho que
tu tens feito é notável, não só pelas áreas que abarcas, como
eu dizia há pouco, tu acabas por abordar uma série de temas.
No fundo, eu julgo que tu traz começado pela questão muito ligada
às pessoas a ciências e medicinas alternativas, não é sendo tu médico,
mas depois acabaste por distender à nutrição, que é um tema fascinante,
que já foi tema do podcast, alterações climáticas, energia nuclear, até a
religião que falávamos agora. E todos os artigos são de um grau
de substância, de um grau de desaustividade, que rivalizam com muito do
que é, do melhor que é produzido lá fora e eu tenho
muito o hábito de tentar consultar coisas na fonte original e portanto
muitas vezes ler em inglês ou outras línguas que são poucas que
eu consiga consumir. E neste caso, uma coisa que eu notei engraçada
a ler os artigos é que fica essa necessidade nenhuma de ir
procurar outra informação sobre aquilo. Ou seja, dificilmente eu conseguiria melhor. É
sim, obviamente que isto não é mérito puramente meu, não é?
João Júlio Cerqueira
Ou seja, muitos dos artigos que eu escrevo vou buscar fontes secundárias
que já fizeram um grande trabalho de digerir a fonte primária. Portanto
eu tenho o trabalho um bocadinho facilitado. Obviamente que também tenho que
ter o trabalho de confirmar as fontes primárias para ter a certeza
que o que está a escrever no artigo, que muitas vezes fez
esse trabalho por mim, no fundo, não errou, não exagerou, porque muitas
vezes acontece nas conclusões dos artigos que foram a consultar. Mas, sim,
por isso é que também escrevo um artigo de semana a semana,
aproximadamente, e por exemplo temos o Science Based Medicine que publica praticamente
todos os dias. Eles fazem um trabalho extremamente moratório, também são uma
equipa maior, mas tendem a ter um foco de temas muito mais
específicos, não é? Ou seja, um tema que, por exemplo, falar sobre
o glúten, falam das dietas sem glúten, o aumento do risco de
diabetes, por exemplo, uma coisa muito específica. E se eu algum dia,
eventualmente irei fazer, se não fizerem por mim, falar do glúten, o
que eu faço é correr do princípio ao fim todas as questões
associadas a esse tema. Isso demora muito mais tempo, dá
José Maria Pimentel
Deixa-me levar-nos aqui para a questão das possibilidades de ciências, que era
para onde eu gostava de começar. Homes barra, medicinas alternativas, o que
querermos chamar, isto abarca uma série de coisas, algumas das quais eu
já falei aqui no podcast, como os homeopáticos, com o Carlos Fiolhais,
a questão da acupuntura, que eu me lembro de ter falado com
o Ludovico Kripal, por exemplo, e é um tema muito curioso porque
há aqui uma série de fenómenos que é interessante a pessoa analisar.
Por um lado, porquê é que as pessoas acreditam, porquê é que
as pessoas tendem a acreditar em coisas que não têm uma comprovação
científica, porquê é que isso acontece, seja pelo efeito social que isso
gera, seja por outro tipo de efeitos que estão mesmo associados à
própria, à ação daquele, do suposto tratamento, que tem muitas vezes que
ver com o efeito placebo, mas também há um lado até sociológico
muito curioso à volta disso e figuras. Tu começaste, eu julgo que
tu começaste o blog até por causa do Manuel Pinto Coelho, que
é um médico que tem tornado conhecido por escrever uma série de
coisas sobre isto e é engraçado porque eu lembro-me perfeitamente de o
ter ouvido a primeira vez e na altura ele começou para me
chamar a atenção por dizer algumas coisas que faziam sentido e que
eram, pelo menos, parcialmente verdade e que divergiam, digamos, daquele saber mais
consensual e que muitas vezes ainda continua a ser transmitida, às vezes
por alguma complacência. Por exemplo, o facto de... Depois ele tendia a
exagerar, mas a pessoa ouvia sempre dizer que tínhamos que comer 3
em 3 horas, 4 em 4 horas e o tipo era apologista
do jejum e é evidente que não há mal nenhum no Jun,
ou seja, há um exagero quando se diz que a pessoa tem
que comer 3 em 3 horas e 3 em 4 em 4
horas. Por isso, a esse lado, inicial, eu lembro de me ter
chamado a atenção. Mas depois, há o outro lado. Sim, só tens
razão,
sem dúvida nenhuma.
Exato. E aqui, sem querer, não quero até personalizar a figura dele,
como parece pouco interessante, mas mais no tipo de perfil que eu
acho muito curioso. Porque depois, aquilo para mim era evidente que aquilo
tinha várias falhas, quer dizer, porque eu acho que um tipo se
habituar a topar pessoas que são charlatãs, à falta de melhor definição,
porque há um monte de mecanismos que são comuns, a pessoa tende
a usar. Repara,
João Júlio Cerqueira
Eu compreendo ainda que haja dúvidas com alguns profissionais que andam na
linha. Andam ali na linha. Exageram um bocadinho nas afirmações que fazem,
interpretam de forma abusiva alguns estudos científicos, mas quer dizer, A questão
da água do mar foi das coisas que me levou a dizer
que já chega, isto aqui não pode ser. Achei aquilo tão ridículo,
qualquer pessoa que dissesse uma coisa daquelas vezes, completamente eliminada de qualquer…
enfim, já estamos na área da psiquiatria, não é? Esta é a
minha opinião. Mas não, as pessoas levaram-no a sério, repara, mas levaram-no
a sério. E isto chegou ao ponto de haver um jovem que
foi abrir uma empresa para vender água do mar, aproveitando a onda
disto e chegou a ir ao site, deixar comentários, tentar provar que
aquilo era uma coisa positiva para a saúde. Quer dizer, chegamos a
esse ponto quando o senhor se baseia em estudos de há 100,
150 anos atrás que, no fundo, foi na altura em que inventaram
o soro fisiológico. Pronto, olha, descobriram que o soro fisiológico era bom
para os animais quando eles estavam com hemorragia. Ótimo, e neste momento
utilizamos isso na medicina de forma permanente, todos os dias, às toneladas.
Mas foi apenas isso, ninguém descobriu que a água do mar ajudava
a tratar doenças. Portanto, são estas tripulações completamente absurdas que, nem sequer
é preciso uma formação na área médica, não é? A minha opinião,
quer dizer, não é preciso, é preciso bom senso. Acho isto estranhíssimo.
José Maria Pimentel
Manifesta exageros em alguns casos, simplismos, quer dizer, isso é antítodo do
cientista, isso é que é curioso, ou seja, para mim, quando eu
ouço alguém falar assim, torna-se evidente que aquela pessoa é limitada enquanto
cientista. Lembra-me, por exemplo, aquele tipo do... Eu vou fazendo aqui um
salto um bocadinho grande. Eu não sei se já viste aqueles documentários
da Cientologia.
José Maria Pimentel
Acho que têm em todo o mundo, aliás, não é só na...
Além de pessoas que conseguiram se tornar aceitas pelo IRS, pelo Fisco
como religião, portanto não pagam impostos, que é uma coisa incrível. Mas,
de algumas vezes, concretizando aqui alguns casos de pseudociências ou de medicinas
alternativas, para depois falarmos sobre os fenómenos que são portativos, mas se
calhar fazia algum sentido nós falarmos. Tu já falaste dessa questão da
água do mar, que só para explicar para quem nos está a
ouvir, basicamente tratava-se de invocar uma série de benefícios que, supostamente, a
água do mar tinha, com um cem número de elementos e que
muito superavam a sujedade que, obviamente, a água do mar tem e
outros e as coisas mais, digamos assim, bactérias que possa trazer. O
exemplo da homeopatia é um exemplo interessante porque, primeiro porque, e este
não vale a pena voltarmos a explicar porque eu já falei disto
com o Carlos Filhares, mas a explicação, A própria suposta ciência por
trás do funcionamento não faz qualquer sentido. E a própria, e os
estudos não provam minimamente que aquilo seja eficaz, sendo que, e esta
é uma das coisas que eu acho que é importante dizer, uma
visão conspirativa em relação a esses estudos que provam que não é
eficaz, ou que não provam que seja eficaz, melhor dizendo, não é
uma coisa que faça sentido algum, não é? Porque uma coisa que
acontece em ciência é que a verdade vem sempre ao de cima,
pode demorar e muitas vezes não vem imediatamente, mas virá em certo
ponto ao de cima, porque, quanto mais não seja porque existe concorrência,
alguém irá fazer estudos. Mas eu acho a homeopatia até um estudo
de casa interessantíssimo na
João Júlio Cerqueira
De tudo, não tem hipótese. Então, partindo desse pressuposto, é interessantíssimo avaliar
a evidência producionária da homeopatia. E é interessantíssimo porque, de facto, há
estudos que são positivos para a homeopatia, mostrando a sua suposta eficácia.
Portanto, é interessantíssimo pegar nesses estudos para explicar, no fundo, como é
que funciona a ambicidade de evidência, como é que funciona a estatística,
quais são os viés associados aos estudos realizados, quais são os fatores
confundidos, etc, etc. Ou seja, aquilo é mesmo interessantíssimo, mas a pessoa
tem que partir, obviamente, do pressuposto que aquilo não funciona, porque não
tem maneira absolutamente nenhuma de funcionar. E por isso partir do outro
pressuposto, obviamente, que É possível fazer até revisões sistemáticas de baixa qualidade,
revisões de evidências de baixa qualidade, em que aceitamos todo tipo de
estudos e recentemente o João Bels queixava-se no debate da TSF com
o Miguel Guimarães, o bastionário da Ordem dos Médicos, que a Cochrane,
aquilo era uma conspiração, que a Cochrane eliminava os estudos positivos e
só considerava os estudos negativos sobre determinados temas, etc. Ele não percebe
que os estudos são selecionados de acordo com a qualidade do estudo,
propriamente dito.
João Júlio Cerqueira
Isso aconteceu. Portanto, Até nisso é interessantíssimo usar o caso da homeopatia
para demonstrar o problema de colocar pessoas que apanham um bocadinho de
ciência, mas não muito, a fazer revisões de evidência sobre determinados temas,
que é fácil ser enganados. Por exemplo, temos agora também o caso
do glifosato, ainda não há metanose no glifosato, que está em todo
lado e que diz que aumenta o risco de linfoma no Hodgkin
em 41%.
E o
que aconteceu foi exatamente isso, ou seja, temos uma revisão sistemática que
agrega estudos de baixa qualidade a um estudo de alta qualidade para
atingir a significância estatística. Qualquer pessoa que se tenha dedicado a estudar
o glifosato a fundo, percebe perfeitamente que aquilo não tem ponta para
onde se pega, uma má meta análise por considerar estes estudos caso
controle. Mas, pronto, não sei eventualmente se querias abordar essa área ou
não, mas também fica já aqui, também mais um ponto relativamente ao
problema da necessidade de basear na evidência, das meta-análises, se as coisas
não forem bem feitas.
João Júlio Cerqueira
o seu... Rapaz, estava só a escrever artigos para o blogue, não
precisava fazer mais nada. Quando, pronto, Obviamente que eu não tenho qualquer
ligação com a indústria farmacêutica, com a indústria da agricultura, indústria do
leito, indústria do quer que seja, mas de facto é muito simplista.
Por outro lado, É engraçado, é isto que eu acho extremamente engraçado,
é que essas pessoas são extremamente rápidas a assumir que quem defende
determinados produtos, determinadas terapêuticas, quem encontra as mercedes alternativas está comprado pela
indústria farmacêutica, ou qualquer que seja, mas depois já não tem a
mesma capacidade para assumir que do outro lado também há entreses. Exatamente.
E esse é o problema das construções. E que as pessoas estão
a defender o outro lado, a dizer que o lifusado causa cancro
porque querem banir os transgénicos, porque querem aumentar a margem da agricultura
biológica. Ou que a homeopatia funciona porque querem vender produtos homeopáticos. Ou
que o herbalismo é bom porque a China quer vender as suas
ervas. Ou porque a acupuntura é boa porque há formações porreiras para
vender ao pessoal e criar empregos a quem tira esses cursos. Pá,
isso existe em todo o lado, ninguém trabalha de graça, portanto, obviamente
que há interesses financeiros em todo o lado, e quando os interesses
financeiros são bem identificados, devem ser expostos, ou seja, obviamente que há
pessoas a trabalhar para a indústria farmacêutica, disso não há dúvidas
nenhumas,
para promover os produtos da indústria farmacêutica ou da outra indústria qualquer,
ok? Mas, se acontece para tudo, nós temos que saber a trabalhar
no meio deste ruído. Este também é muitas vezes a grande dificuldade,
não é?
José Maria Pimentel
Sim, sim, exatamente. Eu concordo completamente com o que estás a dizer.
Uma coisa engraçada, destas medicinas alternativas que poderíamos agregar aqui à homeopatia,
à acupuntura, são provavelmente os mais conhecidos, mas há outros sobre os
quais tu também já escreveste e que entram nesta categoria. Há várias
razões, acho eu, pelas quais isto tem algum sucesso. Algumas estão relacionadas
com o upside da coisa, digamos assim, ou seja, como por exemplo,
e tu falas disso, a questão de muitas vezes os homeopatas, por
exemplo, ou quem prescreve homeopáticos ou whatever, terem normalmente consultas que são
ultra-pessoalizadas e portanto têm um grau de atenção à pessoa que a
deixa muito mais confortável e que muitas vezes até tem efeitos positivos
clínicos, diretamente. Mas também há uma espécie de ausência de efeitos negativos,
ou seja, da ausência de downside, se quiseres. Porque normalmente são... Há
pelo menos aqui três coisas, eu estava a pensar nisso e ocorrem
pelo menos três características peculiares deste tipo de tratamento. Por um lado,
eles tendem quase sem exceção, embora às vezes com exceções e quando
não fazem isto são ainda mais perigosos, mas quase sem exceção tendem
a dedicar-se a maleitas relativamente leves e passageiras ao gripe, constipação, umas
dores de dente, umas dores de coluna, umas coisas que não matam,
digamos assim, de vez em quando aventuram-se por outras que matam e
é pior ainda. Mas tendem a não estar focados nisso e portanto
no fundo o downside não é muito grande se aquilo correr mal.
Por outro lado...
João Júlio Cerqueira
Olha, deixa-me só interromper-te. Diz-lhe. Estou neste momento, não vai ser o
próximo artigo que vou publicar, mas estou neste momento exatamente a escrever
sobre essa área, que acho que ainda é uma falha no blog,
que é responder àquela questão das pessoas, mas se o meu filho
tinha um otite e foi ao homeopata e melhorou, porque é que
vocês dizem que aquilo não funciona? E se
o meu filho
tinha um amigo da LIDL e foi ao homeopata? Exatamente sobre esse
tema que eu vou escrever, por exemplo, uma dos argumentos muito usados
é na asma, não é? Ei, o meu filho tinha asma, tinha
uma porrada de crises, não
João Júlio Cerqueira
É regressão para a média, no fundo, não é? Entretém as pessoas
até que o tempo resolva o problema. Mas esse entretenimento muitas vezes
sai caro. Depois, a segunda questão que tu colocaste, que estamos aqui
a falar sobre o porquê das pessoas recorrerem a este tipo de
tratamentos, ninguém sabe muito bem. Há várias teorias colocadas em cima da
mesa. Aliás, eu estava agora a ler uma tese de doutoramento, a
Delga pegado um trecho deste doutoramento, que é extremamente interessante, que aborda
uma série de questões associadas às medicinas alternativas, uma das quais é
exatamente o porquê das pessoas recorrerem.
E
ela tem lá uma série de argumentos.
João Júlio Cerqueira
no fundo. Opa, no fundo temos esta questão da personalização do tratamento,
conforme falamos, mas depois ela cita uma série de estudos que dizem
que, opá, afinal, nas medicinas alternativas, apesar de falarem da questão holística,
apesar de falarem da personalização do tratamento, etc, etc, na realidade é
que a forma de abordar o doente também é extremamente variada. Vai
desde o terapêutica muito técnico até o terapêuta mais, digamos assim, mais,
não é? Aquele mais ligado à pessoa, não é? Mais relacional. Mais
relacional, exatamente. Muito
João Júlio Cerqueira
é? Sim, mas, por exemplo, nós sabemos que há médicos que quando
em consulta se focam muito só na parte técnica, não é? Ou
seja, falam muito da parte técnica, só não tem propriamente, não criam
propriamente uma relação pessoal com a pessoa. E depois há outros médicos,
mais humanistas, digamos assim, que estão mais preocupados em criar esta relação
pessoal do que propriamente em explicar a parte técnica por trás de
todo o processo aos doentes. Mas claro, temos meio termo, não é?
E acho que é onde se encaixa a maior parte das pessoas.
E o que é engraçado é que ela fala que nas medicinas
alternativas também acontece isto, ou seja, também há esta pessoa, o pessoal
mais humanista, mais holístico, mais biopsico-social e há outro pessoal mais técnico.
Portanto, não há propriamente muitas diferenças de intervenção na realidade
José Maria Pimentel
entre
João Júlio Cerqueira
ou dos doentes? Estou a falar dos doentes. Os doentes invaredam, escolhem
recorrer às medicinas alternativas no fundo como uma mensagem anti-sistema. Exatamente. Ela,
isto aqui, ela tem cerca de 200 páginas ou mais até o
seu autoramento, Mas vale muito a pena ler, principalmente esta área relacionada
com estas diferenças ou não diferenças entre as pessoas de alternativas convencionais
e porque é que as pessoas recorrem a estas terapias. Eu ainda
não acabei de ler, sou honesto, mas estou a achar extremamente interessante
e fica também a dica, porque acho que está muito bem feito,
muito bem resumido, apesar de eu honestamente ter algum, no fundo, alguns
anticorpos relativamente à área da sociologia, da ciência que é produzida nessa
área, mas por acaso esta tese, doutoramente, está muito boa. E certamente
que, eventualmente, até a usarei para fazer um artigo futuro sobre isto,
porque está mesmo muito bom. Portanto, fica a dica.
José Maria Pimentel
Bruno, isso é ultra interessante e essa era outra das coisas que
eu queria falar e, aliás, até vou seguir por aí e já
volto à questão do que eu estava a falar há pouco, daquela
questão da ausência de downside em muitos destes tratamentos. Mas a questão
do apelo é muito interessante. E, aliás, eu acho que é interessante
destrinçar isso, quer dizer, fazer uma espécie de taxonomia da coisa e
também há coisas diferentes, ou seja, aquilo que tu desmistificas provavelmente apela
a motivações diferentes da parte das pessoas, ou seja, por exemplo, aquilo
que gera o apelo, sei lá, no regime vegetariano, por exemplo, é
diferente, embora tenha alguma relação com o que gera apelo por homeopáticos
e tratamentos do género, ou seja, o vegetarianismo também.
João Júlio Cerqueira
Tudo isso tem relação, é engraçado, porque... E ela também aborda um
bocadinho essa parte, ou seja, a tal falácia naturalista, que eu também
falo muitas
vezes. Natural é
bom. Exatamente, ou seja, isso é partilhado tanto na área das emissões
alternativas, a tal ligação à natureza, naturalista, no sentido de evitar os
químicos, a história habitual.
João Júlio Cerqueira
é? Sim, exatamente, que é um produto natural, não é? E é,
no fundo, água é natural. É água, sim. Nada a ver as
coisas a isso. E partilho esta parte da falácia naturalista também com
os vegans, os vegetarianos, os vegans mais, por causa da questão da
ética animal, de sermos um com a natureza, de não haver propriamente
uma pirâmide ou uma hierarquia nos ecossistemas em que supostamente o ser
humano está no tombo, mas no fundo partilhamos todo o ecossistema, etc,
etc. E depois também acontece a mesma coisa na agricultura, não é?
A questão da agricultura orgânica, sem pesticidas, sem químicos, etc. Esta história,
no fundo, é transversal a praticamente tudo aquilo que eu falo no
blog. Praticamente tudo. E é um apelo em que todas estas áreas
trabalham. Natural sem químicos. Sim,
José Maria Pimentel
Eu acho que aqui há duas coisas que talvez sejam diferentes, em
maiores sejam relacionadas. Uma é uma espécie de naturalismo romântico, que está
muito associado aos movimentos verdes. Exatamente. E outra é uma espécie de
reação ao grau de... Como é que eu ia dizer... Ao afastamento
que as pessoas sentem naturalmente em relação à ciência, que é uma
coisa que é muito especializada, feita por pessoas que estão há alguns
longes, fazem uns medicamentos ultra complexos, com uma bula, com um monte
de termos que as pessoas não percebem, com ar ultra artificial e
é fácil a pessoa cair numa explicação de alguém que diz, não,
isso é indústria farmacêutica e tal, e é por isso cheio de
meter aí químicos dentro. Toma antes este suplemento ou esta coisa qualquer
natural que faz muito melhor e não tem esses efeitos negativos quando
os medicamentos muitas vezes surgem justamente para concentrar efeitos positivos que existem
na natureza. Sim, que foram descobertos
João Júlio Cerqueira
muitos na natureza e que foram no fundo sintetizados ou até melhorados
em muitos casos e que no fundo estão purificados para ter a
certeza que a pessoa só consome aquele princípio ativo e não consome
outros princípios que eventualmente até podem ser negativos, não é? Nós assistimos
muito a isso na área do herbalismo. Muito felizmente não, mas vamos
assistindo a isso. Muitas vezes, em ciências hepáticas, associadas à toma de
algumas ervas que, pronto, não são purificadas, têm uma série de outras
substâncias, ou muitas vezes até o princípio ativo da própria erva, que
leva ao aparecimento desse tipo de problemas. Mas há esse problema de
comunicação na área da ciência que eu não sei como é que
se resolve honestamente.
Eu
acho que sou um péssimo comunicador de ciência. Toda a gente diz,
é pá, tens de ser mais assim, mais assado, os comunicadores de
ciência são assim assados. Eu acho que não sou comunicador de ciência,
sou o péssimo comunicador de ciência, acho que tenho péssima personalidade para
comunicar a ciência, porque acho que de facto era preciso se calhar
alguém mais humanista fazer o meu papel, alguém mais humanista, mais compreensivo,
que não criasse tanto atrito com algumas pessoas, algumas crenças, que não
reagisse tanto a determinadas acusações, porque eu sei perfeitamente, não há novidade
nenhuma para mim, que determinadas reações que eu tenho, relativamente a algumas
acusações ou alguns argumentos, que afastam as pessoas. Opa, mas há coisas
que não há paciência. Eu sou honesto, não tenho paciência. Não é
possível, há coisas que eu às vezes leio e deixa-me profundamente nervoso,
acho que é quase um insulto pessoal, alguns argumentos estão básicos que
são. Uma vez eu vi, e por acaso também já agora passa
a publicidade ao canal The Center, a entrevista com o Gato Sado,
e ele, o Ricardo, tem uma entrevista com o Gato Sado, até
da área da Psicologia Evolutiva, é uma entrevista que vale a pena
ver, por acaso, é muito giro. E é interessantíssimo porque ele foi
a primeira pessoa que eu vi que conseguiu descrever um bocadinho como
eu me sinto, que é, alguns argumentos são tão desonestos que, apesar
de não serem feitos diretamente para mim, as pessoas estão a falar
comigo, estão a utilizar os argumentos deles, Não me estão a acusar
de nada, não me estou a atacar, mas usam argumentos tão desonestos
que eu sinto como aquilo fosse um ataque pessoal. É difícil eu
fugir a isto, não é? Portanto, realmente, tu já falaste aí de
outros entrevistados teus, que também são comunicadores de ciência e que possivelmente
têm um… certamente que terão uma melhor postura relativamente a estas questões.
João Júlio Cerqueira
grupo, o grupo-alvo no fundo, nunca foi propriamente o crente. Claro. Nunca,
eu acho que não... Já mudei algumas pessoas, às vezes mandam-me algumas
mensagens a dizer que de facto não tinham ponderado aquele assunto ou
então tinham recorrido a fontes que não eram propriamente muito boas e
tinham ficado com a ideia errada de determinados temas, mas crentes, crentes,
é uma possibilidade, acho eu, de mudar de opinião, pelo menos recorrendo
a factos. O
José Maria Pimentel
problema da ciência é que os factos científicos não são bem democráticos,
aquela questão da opinião. Não quer dizer que não sejam questionáveis no
sentido em que nada está escrito na pedra, mas a evidência é
ela mesma e a direção em que ela aponta são o que
são, não é? E é um bocado difícil a pessoa passar por
cima disso. Agora, eu acho que tu falaste aí da psicologia evolutiva,
eu acho que isso está, ajuda a explicar muito aquilo que se
passa neste meio, neste e noutros meios, que é, e que aliás
explica outros fenómenos que não andam muito longe disto em termos de
mecanismo mental, como a questão do populismo, por exemplo. Claro. Que é
o facto de nós, nós temos uma série de heurísticas e uma
série de vieses, como tu falas, que estão muito ligados ao nosso
cérebro inconsciente, não é? E que não são muito úteis, mas estão
muito ligados às emoções e fazem com que a razão seja um
terreno muito pouco natural. O terreno racional é um terreno muito pouco
João Júlio Cerqueira
E agora, no fundo, temos uma sociedade altamente tecnológica, dependente da ciência,
que tenta lutar contra
a
nossa própria biologia, que é a questão das jurísticas, a questão do
tribalismo, todos os dias associados, que nos foram muito úteis no passado,
mas que agora são um empecilho ao nosso desenvolvimento social, e por
isso toda esta discussão. Eu acho que este problema do pensamento anticientífico
sempre existiu, como é óbvio. Nós temos essas descrições desde que há
médico científico, há pessoas a falar contra a ciência.
João Júlio Cerqueira
Não é preciso… Mas eu ainda estou a falar, havia alturas que
eram feitas interpretações observacionais sobre determinados acontecimentos, mas neste caso, ao médico
científico nós conseguimos perceber que aquilo não tem validade, então começa a
haver um discurso anti-ciência, porque as pessoas preferem valorizar as suas jurísticas,
as suas experiências pessoais, os testemunhos de proximidade, etc, etc. Mas, com
as redes sociais, isto explodiu de uma forma incrível, incrível. E eu
tenho, nos últimos dias, tenho pensado que de facto Há uma série
de pessoas, isto é um bocadinho
João Júlio Cerqueira
eu vou dizer, não é? Ou seja, há uma série de pessoas
que faz uma propaganda brutal em determinados temas para criar narrativas para
vender determinadas ideias. E eu digo isto porque o que aconteceu, por
exemplo, recentemente na área do glifosato é uma brutalidade. É, obviamente, que
pode ser coincidência, mas começa a ser demasiadas coincidências. O que é
que eu quero dizer com isto? Em janeiro sai o relatório da
Health Canada a dizer que o glifosato, depois de toda a evidência
avaliada, mesmo avaliando os Monsanto Papers, não causa cancro. Temos 12 relatórios
internacionais, feitos por cientistas diferentes, em países diferentes, ligados a instituições diferentes,
3 das quais ligadas à Organização Mundial de Saúde, 3 das 4,
que dizem que o glifosato não causa cancro. E a narrativa que
há na comunicação social é sempre a Yark digiste, a Yark digiste,
a Yark digiste. Saia o relatório do L.D. Canada, depois de todo
o escândalo à volta da questão do tribunal que condenou a Monsanto,
a Bayer a pagar aqueles milhões de dólares ou Dwayne Johnson. Houve
uma série de notícias sobre essa área, sem o relatório do L
de Canada, zero notícias nessa área. Exceto, obviamente, nos blogs especializados, nas
revistas especializadas, etc, etc. Mas quando sai esta notícia da Health Canada,
a seguir começam a surgir notícias anti-glifosato em enrajada, acabando agora, nesta
última, da metanase 41% de aumento de risco de linfoma não-óptica. Entretanto,
no meio desta narrativa toda, surge também no meio um artigo, num
estudo de 4 anos, a avaliar se os transgénicos com ou sem
glifosato são cancerígenos. No fundo para tentar mais uma vez demonstrar que
o estudo de Seralini, que é muito conhecido na área dos transgénicos,
que supostamente mostrava que os transgénicos com glicosato ou sem glicosato aumentavam
o risco de cancro. Sai este estudo de 4 anos com fundos
da União Europeia que demonstra que não há qualquer aumento de risco
de cancro nos ratinhos contrangénicos com ou sem glicosato e houve zero
notícias sobre esta área. Quando o seu estudo será alívio ele estava
em todo o lado. Portanto, é isto que eu não consigo compreender.
João Júlio Cerqueira
Mas eu não sei se isto é intencional ou não, a realidade
é que depois cria esta narrativa brutal, completamente enviesada, sobre determinados temas
científicos, que não é só na questão do lifosato, como é óbvio.
Por exemplo, E mais uma vez, relativamente à agricultura biológica, sai aquele
estudo a dizer que os alimentos biológicos diminuem o risco de cancro.
Esteve em todo o lado esse estudo, todo o lado, incluindo o
senhor do celeiro, que foi a RTP1, falar sobre esse estudo, não
é? Quer dizer, e as pessoas não vêm aqui, não conseguem identificar
aqui um claro conflito de interesses do senhor do celeiro e falar
do estudo que demonstra que parte dos produtos que ele vende são
positivos para a saúde. Quer dizer, e depois não há ninguém nas
redações ou que leia sobre o tema, que perceba que aquele estudo
é fraco em qualidade, que já havia estudos anteriores de melhor qualidade
que tinham demonstrado que não havia qualquer relação entre o consumo de
alimentos biológicos e a diminuição do risco de cancro. E mais uma
vez queria-se aqui uma narrativa em que o consumidor é levado a
gastar mais dinheiro para consumir um produto mais caro que não traz
qualquer vantagens. Mas isto ainda tem uma história mais perversa por trás.
Há um estudo mais antigo, que eu não sei se foi replicado
ou não, que está a fazer, pelo menos na altura era a
conclusão, está a fazer com que as pessoas com menos capacidade económica
deixem de consumir frutas e legumes por causa dos agrotóxicos. Ou seja,
a narrativa de os pesticidas são maus, os pesticidas causam câncer, consumam
produtos biológicos, etc, etc, está a desviar uma proporção da população para
o consumo da agricultura biológica, a que pode, e está a levar
com que uma determinada franja da população, sem grande capacidade económica, deixe
de consumir alimentos que são perfeitamente saudáveis. Este é o grande problema
aqui. Ou seja, está a ter um efeito perverso relativamente àquilo que
nós temos vindo a dizer às pessoas que é consumir mais frutas
e mais legumes. Isto é um estudo
João Júlio Cerqueira
não sei se eu tinha ido errado, mas para um lado e
para o outro, isto é a parte engraçada. Agora, eu não sei
se este estudo foi replicado, não é um estudo assim de qualidade
por ir além, mas de facto chamam-me a atenção porque eu nunca
tinha pensado neste efeito perverso da contínua narrativa dos pesticidas, pesticidas, pesticidas
nos alimentos. Pois, ainda ontem partilhei um artigo engraçadíssimo, também no grupo
Cymed, em que tinham feito a avaliação dos resíduos de pesticidas, de
glifosato, nos alimentos e todas as avaliações apresentavam resíduos abaixo do limite.
Sendo que o limite estava nos 2mg por kg dia e agora
já é 0.5mg kg dia, já diminuiu 150% o limite estabelecido pelas
entidades reguladoras. Todas as abolições estavam abaixo. E sendo que este limite
estabelecido está abaixo em cerca de 100 vezes as doses em que
nos estudos de animais foram detectadas alterações relacionadas com o consumo do
infusado. Ou seja, nós estamos a consumir doses que estão abaixo de
um limite estabelecido 100 vezes abaixo do limite onde se começa a
haver alterações. E as pessoas continuam preocupadíssimas com os resíduos dos pesticidas
nos alimentos. Isto aqui é extremamente maléfico, esta narrativa, acho que é
mesmo um crime o que está a ser feito.
José Maria Pimentel
Isto é muito complicado, eu na verdade não sei qual é a
solução para isso. Eu acho que a ciência dá-se francamente mal com
notícias, isto é, a ciência é relativamente boa para programas daqueles de
divulgação científica, sei lá, como o Cosmos ou como aqueles programas da
BBC, por exemplo, para notícias que estão dependentes da atualidade, às vezes
convence-me que era melhor não termos notícias sobre temas científicos, porque elas
estão sempre presas, lá está, estão presas. É o que eu cá
dizia, que os medias dão as notícias, mas a definição correta não
é essa, são as notícias diferentes do neutro. As notícias que dizem
isto faz muito bem ou isto faz muito mal. As notícias que
fazem com que as pessoas cliquem. Depois estão presos a estudos isolados.
Quando qualquer pessoa que sabe o mínimo de ciência sabe que a
ciência não se faz por estudos isolados, faz pela acumulação gradual da
informação que vem de uma série de estudos cumulativamente. E depois tens
os estudos mais tapafuros que às vezes até contribuem para descredibilizar a
ciência, porque às vezes são estudos qualquer, ou um estudo ridículo que
alguém numa universidade marginal fez, ou um estudo que até era normal
mas foi veiculado de uma forma simplista e depois as pessoas, sei
lá, partilham no Facebook as coisas que lê tão tarde, são mais
inteligentes, sei lá, para dar um exemplo completamente ridículo.
João Júlio Cerqueira
Na segunda-feira na CIC. Não sei o que é que aquilo vai
dar, para que lado é que aquilo vai dar, não faço ideia.
Eu só fui lá expor a minha opinião sobre o assunto. Mas,
devo falar com a Carla Castelo, e eles de facto relatam o
problema de hoje em dia, com os estrangementos económicos e de facto
nas redações deixou de haver jornalistas especializados em ciência. E ela perguntava
como é que se dava a volta a essa questão. Opa, se
dava a volta a questão, sempre que há uma notícia, numa área
específica, eles deviam ter profissionais de referência, mesmo que não trabalhem na
redação, mas profissionais de referência. E dizem, olha, o que é que
tu achas deste estudo?" O gajo diz, opá, isto aqui contribui um
bocadinho, mas a narrativa continua a ser esta, não veio a alterar
a narrativa, a narrativa é esta. Por exemplo, se vocês quiserem falar
disso, falem, tudo bem, mas apontem que estas limitações existem e que
para já esta ainda é a narrativa da ciência, não alterou nada,
porque depois as pessoas ficam com a ideia que o que é
ciência hoje, amanhã já não é. Isso,
José Maria Pimentel
preocupes, tenho uma coisa ultra interessante que aliás me lembrou de uma
coisa que a Zita Martins, que eu também entrevistei, falou, me contou,
até já depois, eu tenho quase a certeza que isto nem está
na gravação, ela estava-me a contar que o que se passava em
Inglaterra quando ela estava lá a viver e ela foi uma das
pessoas selecionadas, talvez, pela BBC enquanto divulgador de ciência e havia ali
duas coisas muito curiosas que vão muito ao encontro daquilo que estás
a dizer. Em primeiro lugar, eles tinham formação enquanto divulgadores de ciência
e era uma formação ultra exigente. Eles tinham que... Era-lhes ensinado, no
fundo, como ser claros, como reagir às perguntas, uma série de coisas.
E a maneira como aquilo funcionava, que é a maneira, creio eu,
como deve funcionar e que de novo vai ao encontro do que
estávos a dizer, é para cada tópico, para cada tema, num determinado
jornal ou numa determinada televisão, havia no fundo um cientista de referência.
Alguém que Era o mediador e que fazia exatamente esse papel, ou
seja, ela é astrobióloga, por exemplo. Cada vez que havia uma notícia
da astrobiologia, ela era a pessoa que eles contactavam para explicar...
João Júlio Cerqueira
Mas neste momento, todas as... No fundo, as publicações que eu vou
ver nos jornais de referência não têm este cuidado, não há esses
contrariotais que o objetivo é publicar, publicar, publicar, título sensacionalista para garantir
o clique ou a partilha e no fundo a publicidade está a
ganhar e siga o próximo assunto. Não estão... Acho que há cada
vez menos uma preocupação de informar bem
e
mais uma preocupação de ter a garantia que aquela notícia valeu o
tempo investido, não é? E mesmo no jornal de referência como o
The Guardian, que eu deixei de seguir recentemente, por muito pena minha,
isto está a começar a acontecer. O The Guardian para mim era
uma das referências na área da ciência.
Aliás,
eu tenho uma série de artigos publicados, de antes de 2015, a
maioria, para as pessoas, se clicarem no link, obviamente, irem lá e
lerem mais sobre o assunto, porque eles tinham artigos extremamente bem explicados
sobre as extremidades temáticas. Neste momento já não é possível fazer isso
e tem narrativas que já, pronto, é como outro jornal qualquer, no
fundo. Seguem o bandwagon.
João Júlio Cerqueira
é engraçadíssimo isso. Porquê? Eu acho que há uma evolução também nos
céticos. Portanto, acho que há a evolução dos céticos, dos racionalistas, tenderem
a encontrar os erros nas ideologias dos outros, mas têm dificuldade em
encontrar erros nas nossas próprias ideologias, não
é?
Mas depois, chegam a um determinado nível, começamos também a ver os
erros das nossas próprias ideologias. Então, ficamos um bocado no meio, porque
como eu me sinto agora, eu não tenho referências. Ou seja, não
tenho referências nem para um lado nem para o outro. Sinto-me um
bocado isolado, ou seja, não consigo olhar para nenhuma ideologia em que
eu diga não, é aqui, eu sinto-me bem aqui.
João Júlio Cerqueira
civil... Coisas básicas! Aliás, eu nem sequer perco muito tempo a falar
da direita muitas vezes, porque o que eles defendem, ou a narrativa
deles, a ideologia deles, está completamente desmontada já. Quer dizer, a questão
das alterações climáticas, que é muito ligada à área conservadora. Exatamente, era
o que tu ias dizer. Era o que tu ias dizer. Já
é ridículo, já estamos no ponto ridículo, questão do gajo que leva
a bola de neve para a Assembleia de Deus, dizer, olha, então,
so alterações climáticas, como é que está aqui a bola de neve.
Já chegamos a esse ponto da crença religiosa, não é? Mas do
lado, e esta também é a parte interessante, do lado da esquerda,
estamos neste momento a começar a desmontar a ideologia, os erros, mesmo
os erros que apontamos à direita. Não sei se houve um desvio
para a esquerda, se começou a haver um desvio cada vez maior
para a esquerda e começou a existir esta narrativa cada vez mais
desligada da realidade da ciência ou se nós é que estamos cada
vez mais atentos ao que está a
José Maria Pimentel
acontecer. Tem que ver com o facto de em ambos os lados,
embora com diferenças, mas a ciência é um meio, não é um
fim. Ou seja, a ciência é um meio, o teu fim é,
sei lá, promover o ambientalismo, por exemplo, que tem uma série de
méritos, aliás, mas o teu fim é promovê-lo e uma espécie de
lógica naturalista e a ciência é útil se for ao encontro daquilo,
se não for já deixa de ser útil, sei lá, identity politics,
por exemplo, segue um bocado a mesma lógica. Exatamente. E eu acho
que quem se tenta manter fiel ao racionalismo, depois é... Está lixado-se.
Está lixado, não é? Sente-se um bocado em terra de ninguém, não
é? E isto de resto é uma coisa que vem de trás,
não é? O romantismo, por exemplo, foi já na altura uma reação
à ciência, que me parece ter uma série de paralelos que estamos
a viver agora e que deu no que nós sabemos.
João Júlio Cerqueira
Sim, isto é tudo cíclico, não é? Ou seja, tudo o que
nós estamos a falar aqui não é nada novo, vem por vagas,
estamos agora a assistir uma vaga, isto há de acalmar em princípio,
se ainda quer andarmos, e depois haverá outra vaga, já aconteceu a
mesma coisa com as vacinas, não é? Mas, de facto, por exemplo,
na área do ambientalismo, temos os ambientalistas e neste momento já temos
os eco-modernistas, que no fundo são as pessoas que se tentaram distanciar
dos ambientalistas exatamente por perceberem que aquela malta não está muito interessada
na ciência, está interessada na ciência que lhes convém. Então, o que
os eco-modernistas dizem de uma forma muito resumida e muito simplificada é
que pronto, temos que utilizar todas as soluções tecnológicas à nossa disposição
para tentar ajudar o ambiente, preservar o ambiente, combater as alterações climáticas,
nas quais se encaixa, obviamente, obviamente, por todos os estudos e mais
alguns que temos acessos, os transgénicos e pronto, o polémico nuclear, a
energia nuclear, enquanto não houver a fusão nuclear, estamos lixados. Quando houver
fusão nuclear tudo fica resolvido, vai ser tudo muito bonito, energia infinita,
etc, etc, não poluente, mas, pronto, estamos dependentes das tecnologias que temos
ao nosso disponente neste momento. E pronto, temos o nuclear que é
muito atacado e sofre exatamente dos mesmos problemas das outras pseudociências. As
pessoas não compreendem do que estão a falar, nunca investigaram aprofundadamente o
assunto, leem as narrativas que são vendidas nos jornais de referência ou
em blocos ambientalistas, o que for o que for, e ficam com
uma ideia completamente errada do que é nuclear. Aliás, eu me confesso,
quando comecei, ainda na altura que comecei a página, eu achava que,
pá, eram as energias renováveis
João Júlio Cerqueira
Está a falar do que não sabe, como se soubesse. E eu
tive que ser humilde, porque é assim que as coisas funcionam. E
pá, eu tenho aqui gajos, engenheiros, da área, pessoas que já estudaram
o assunto de forma mais aprofundada que eu, a dizer que eu
sou de todas as neiras. Então o que faz sentido é, será
que todos é das neiras? Deixa-me ir investigar de facto um bocadinho
mais a fundo este tema. E conforme fui investigando cada vez mais
percebi que, pá, de facto o nuclear tem muito menos problemas, muito
menos, do que aqueles que são no fundo alavancados pela comunicação social
e tem vantagens enormes que mais nenhuma tecnologia neste momento nos oferece.
E andamos, simplesmente, em
João Júlio Cerqueira
Claro, é assim, quando me chamaram a atenção as autoridades, entre aspas,
por isso entre aspas, quando me chamaram a atenção relativamente àquilo que
eu estava a dizer, obviamente que eu não aceitei aquilo. Sim, sim,
é o valor facial. Ah, pronto, tens razão. Não, obviamente que não.
Mas, pronto, eu estou a mesmo a orientar. Olha, li aquilo, li
além, veja isto, veja aquilo. E eu, de facto, fui ler e
fiquei com uma ideia completamente diferente. E depois fui à literatura primária.
Comecei também a investigar um bocadinho mais nessa área e mudei
José Maria Pimentel
E é muito difícil lidar com isso. Eu acho que é também
um desafio até civilizacional, porque a ciência precisa de uma espécie de...
Precisa estar alicerçada sobre um sistema democrático, ou dá-se melhor se tiver
ali certado sobre uma democracia, mas não é em si mesmo democrática,
e nós temos uma coisa boa que é uma sociedade cada vez
mais plural e que as pessoas têm acesso a alguma educação e
tens redes sociais e umas coisas do género que têm esse efeito
benéfico, mas depois não se dá muito bem com a ciência, não
sei dizer que a ciência não tem que ver com opiniões, deve
poder ser desafiada, mas não tem a ver com opiniões por si
só, não é? E isso é um desafio grande. Deixa-me só dizer
uma coisa em relação ao nuclear que estavas a falar. É um
caso engraçado que eu gravei também com o Luís Silva, que é
professor aqui no técnico, e falámos sobre a questão do nuclear e
ele disse umas coisas engraçadas. Disse que, e nós falámos a propósito
da fusão nuclear e não da cisão, que é sobretudo sobre aquilo
que tem escrito. No fundo a cisão é um método antigo e
é um método que tem essa má imprensa por conta dos desastres
que nós conhecemos, como Chernobyl, Fukushima e há outros também conhecidos que
agora não me ocorrem.
Sim, sim, foi na América. Na
América, não é nos Estados Unidos, exatamente. Mas nós ali até estávamos
a falar da fusão, não é? Que é a eterna
José Maria Pimentel
E ele dizia umas coisas engraçadas. Dizia, por exemplo, que politicamente era
muito difícil vender porque as pessoas ouviam a palavra nuclear e associavam
à cisão nuclear. E dizia outra coisa interessante, na prática, essa achei
muito interessante, aliás foi das coisas mais relevantes que provavelmente eu já
gravei aqui para o podcast, ele dizia que a ciência por trás
da fusão nuclear está ao nosso alcance mais cedo ou mais tarde.
Ele dizia, não tenho a mínima dúvida em relação a isso, não
quero estar a citar, parafraseá-lo incorretamente, mas na melhor das hipóteses dizia
que tinha muito poucas dúvidas em relação a isso. O que ele
dizia é que o desafio era sobretudo de engenharia, ou seja, era
sobretudo de tornar eficiente e conseguires converter aquela energia que era gerada,
a energia utilizável, em doses razoáveis. E que isso tinha muito que
ver com uma questão de investimento, quer dizer, no fundo era uma
questão de priorizar aquilo e é muito desconcertante tu pensares que isso
não é priorizado quando isso resolveria uma série de problemas,
José Maria Pimentel
Não, é extraordinário e sobretudo é por os ovos não ser estirrados,
não é? Porque o ambientalismo vive muito de coisas mais ou menos
simbólicas, até muitas de se chamar de virtue signaling, não é? Que
é tu, me sabes, até separar o lixo e não sei o
que. Quando na verdade, do ponto de vista científico, ou seja, racionalista,
há muitas razões para ser otimista nesses campos que resolveriam grande parte
do problema e no entanto não tem havido muita investigação aí, o
que é curioso.
João Júlio Cerqueira
Opa, e pegando aí no virtue signaling que falaste e pegando na
questão dos ambientalistas, eu às vezes penso também, não é, que eles
exageram os problemas claramente para manter a sua relevância.
Isso, exatamente.
Ou seja, por exemplo, aquele estudo recente que também deves ter ouvido
falar, relativamente a uns 17 pessoas a aparecer, 17 pessoas a aparecer,
tudo lá, também passou na The Guardian, isso também apareceu na The
Guardian. The Guardian, Quercos, Zero, pronto, tudo o que era agência metalista,
meu Deus, o mundo está a acabar. Qual é a realidade quando
vamos ver a revisão? A revisão é uma revisão extremamente limitada, que
estudou apenas um pequeno número de insetos, num pequeno número de zonas
geográficas, principalmente na Europa e na América do Norte, ou seja, nos
países mais desenvolvidos, também havia alguns pontos de estudo em zonas mais
tropicais. Mas, foi mais nestes países desenvolvidos e que chegou à conclusão
que havia o desaparecimento de alguns insetos. No entanto, isso não significa
que os insetos na globalidade das estrelas desapareceram. Pode haver desaparecimento de
uns, pode haver no fundo um aumento de outros que vão ocupar
aquele habitat, e depois para além de haver esta extrapolação abusiva e
desta histeria coletiva, para além disso, obviamente, obviamente que o problema eram
os pesticidas. Obviamente que é, tinham que ser. Quando na realidade,
se formos
ler o estudo, o que é que acontece? O grande problema, os
pesticidas também são levantados como problema, obviamente que é, mas o grande
problema é a perda de habitat, perda de habitat, seja pela agricultura
biológica, pela agricultura convencional, não propriamente pelos pés-tecidos, mas pela perda de
habitat, sendo que a agricultura convencional intensiva é a que nos dá
mais garantias de preservação de ecossistemas, não é a agricultura biológica.
João Júlio Cerqueira
um paradoxo engraçado. Exatamente. E também se levanta a questão das alterações
climáticas. Ou seja, o facto de termos alterações climáticas, aumenta a temperatura,
etc. Também pode ter uma influência relativamente à quantidade de insetos existentes
em determinados habitados estudados. É engraçadíssimo, se está de fora, mais uma
vez, o estado de fora olhar para dentro e ver o que
é que está a acontecer. Um só leu o estudo e depois
vai ver toda a histeria coletiva e toda a narrativa completamente desligada
da capacidade, digamos, da capacidade preditiva da informação que aquele estudo nos
transmite. E para quê é que eu vou fazer? Vou-me rir, tenho
que-me rir. Claro que eu não consigo dar resposta a todas estas
questões que vão surgindo. Eu todos os dias, como eu disse, eu
escrevo um artigo mais ou menos uma por semana, mas eu todos
os dias, sempre que ligo o telemóvel, a televisão, ou o que
quer que seja. Eu vejo um assunto que está claramente a ser
retirado do contexto, uma narrativa que não tem nada a ver com
a realidade. O que é que eu faço relativamente a isto? Ou
seja, sendo-me extremamente impotente, a minha vontade é dizer, olha, eu agora
vou deixar de trabalhar 40 horas por semana, não é, e vou
me dedicar só a desfazer mitos. Só que o problema é que
não há capital
José Maria Pimentel
é, não é? E a realidade é ultra complexa. Pois. E só
voltando àquilo que estavas a dizer há pouco da questão do ambientalismo.
De novo voltamos àquilo que falávamos há bocadinhos, quer dizer, o fim
não é aquele, não é? O fim dos movimentos ambientalistas, e na
sua maioria são bem intencionados, mas é um fim de... São muito
motivados por, em alguns casos, uma espécie de empatia com a natureza
e com o planeta, uma aversão à industrialização, uma aversão às grandes
empresas, uma aversão à complexidade do mundo, quer dizer, há um monte
de coisas que não são propriamente, que só circunstancialmente é que estão
associadas à evidência científica e depois acabam
João Júlio Cerqueira
por ter... Mas isso É estranhíssimo porque essas pessoas que demonizam a
indústria, que demonizam a tecnologia, que querem uma ligação maior à natureza,
depois são hipócritas do sociante para utilizar um smartphone de última geração,
para ter uma casa com materiais de acabamento de última geração, para
usarem ar-condicionado, para andarem de carro, etc. Ou seja, o mesmo andar
de comboio, o mesmo andar de comboio, dizer, ah não, eu não
tenho carro, ando de comboio. Ó jovem, o comboio não é, não
surgiu do nada. Essa é a questão. E
José Maria Pimentel
a falar do último, do Enlightenment No, porque o Iluminismo agora não
tem grande nome. E eu comecei a ler aquilo e até o
tinha interrompido porque achei que era um bocadinho mais do mesmo em
relação ao livro dele anterior, que eu não tinha lido mas tinha
apanhado uma série de referências, que era o Better Angels of Our
Nature, não sei como é que está traduzido em português, deve ser
o melhor, não sei se está literal, mas não sei se é
os melhores anjos da nossa natureza ou uma coisa qualquer do gênero.
Eu depois ponho na descrição do podcast. Mas o livro é muito
mais do que isso e é uma explicação de, é uma espécie
de manifesto anti-anticientismo, ou manifesto racionalista e mostra que para tu resolveres
uma série de problemas, como por exemplo as alterações climáticas, que é
um problema real, tu deves concentrar-te naquilo que terá maiores benefícios.
João Júlio Cerqueira
Nas soluções tecnológicas existentes, exatamente. Mas também tenho de ser completamente honesto.
Eu estou numa posição que questiono mesmo os racionalistas. Eu sou obrigado
a questionar mesmo as pessoas que supostamente estão do meu lado. E
mesmo o Steven Pinker falha relativamente à questão das alterações climáticas. Acho
que ele pinta, ele usa uma série de argumentos, mas pinta a
coisa demasiado cor de rosa para vender a tal narrativa positivista. Sim,
ele depois, mais tarde, lançou um artigo, acho que foi publicado no
Quilete, se não me engano, a defender-se relativamente às acusações que tinha
recebido. E mesmo, e nesse artigo ele diz que selecionou aqueles tópicos
para falar exatamente para, no fundo, não dar um lado tão negro.
Ou seja, ele próprio assume isso. Portanto, é preciso ter cuidado. Eu
sou fã do Steven Pinker, já vi bastantes palestras dele, super interessante,
adoro. Mas também é preciso ter cuidado porque, mais uma vez, todos
têm viéses.
João Júlio Cerqueira
Isso não há dúvida. E só quem está de fora consegue ver.
E também as pessoas que nos querem bem, que eu tenho certeza
que o Steven Pika nos quer bem, não querem ganhar ninguém, mas
também sofre desses viés e o livro também tem algumas limitações. Por
exemplo, também já agora, eu não sei se tens acompanhado a polêmica
do Gottschalk da Cochrane. Não, não, não, mas podes explicar. Opa, é
muito difícil explicar neste tempo, mas, pronto, o que acontece é que
há a Nordic Cochrane, que é uma entidade independente da Cochrane. A
Cochrane é uma entidade que faz revisões sistemáticas, consideradas revisões sistemáticas de
mais alta qualidade na área da medicina, portanto tem uma ótima reputação.
Então, recentemente, o Sr. Gótze, que é um senhor extremamente bem conceituado,
que fez algumas revisões paradigmáticas na área da saúde, por exemplo, no
caso da mamografia, do rastreio mamográfico nas mulheres, a revisão dele concluiu
que não havia vantagem de fazer mamografia de rastreio, porque é uma
coisa que, obviamente, causa bastante polémica, também foi sujeita a umas críticas
na altura, mas eu apoio a posição dele, mas o senhor começou
a ter uma narrativa anti-indústria bastante exagerada, ou seja, começou de facto
a derivar da área racionalista, esta é a minha opinião, para uma
narrativa anti-indústria e ele depois foi afastado da Cochrane, ou seja, foi
demitido da Cochrane. Isso é que criou a grande polémica. Porque ele
atacou... Ele já tinha uma narrativa anti-psiquiatria, anti-depressivos, que não estava muito
bem fundamentada, de acordo com a evidência que nós tínhamos disponível, ele
tinha uma narrativa que já não estava fundamentada na ciência. Mas pronto,
ia fazendo alguns estudos interessantes, principalmente relativamente à aediação suicida, ao aumento
do risco de suicídio com a toma de antidepressivos e pronto, as
opiniões dele tinham uma relativamente boa fundamentação nessa área específica. Noutras áreas
não, noutras áreas dos antidepressivos. Mas depois saiu esta Cochrane sobre a
vacina do HPV, das vantagens da vacinação do HPV na prevenção de
lesões para cancerígenas e do cancro e ele juntamente com a Nordic
Cochrane, os seus colegas Nordic Cochrane atacaram ferozmente esta revisão. E o
que se foi verificar
é
João Júlio Cerqueira
Ou seja, isto criou muita polémica agora na área da medicina, no
fundo, na nossa comunidade médica. Há muita gente a acompanhar este caso
porque, pô, a Cochrane é uma instituição de referência. Então, é extremamente
engraçado, porque eu não me manifestei na altura em que isto começou
a acontecer, não me manifestei porque achava que havia pouca informação, quem
falava mais era quem estava ligado ao Gottschee, no fundo dizendo que
ele tinha sido injustamente afastado, incluindo o facto de que quando foi
afastado uma série de outros quadros superiores da Cochrane também saíram em
solidariedade com o Gottsch, então criou ainda mais confusão, mas depois com
o aparecendo mais informação começou-se a perceber que de facto ele não
tinha razão. E porquê é que eu estou alertado para isto? Porque
eu chamei recentemente a atenção para esta questão num fórum de médicos.
Então verifica-se que é muito difícil também para algumas pessoas questionarem os
questionadores. Ou seja, o Gottschalk supostamente estava do lado da ciência, do
lado da racionalidade, denunciava a indústria farmacêutica, opá, tudo bem, mas temos
que tratar as pessoas porque elas são. Elas também têm viés. Todos
têm viés. Até Weinstein tinha viés. Portanto, não há papas. Não há
autoridades inquestionáveis na ciência. Isso não existe. E eu questionei o Gottschalk
E outro colega não gostou muito. Mas é engraçado, e depois comecei
a ler e já havia uma série de céticos a questionar o
Gottschalk já há bastante tempo e só fiquei mais sensibilizado para essa
questão recentemente. Portanto, É preciso ter muito cuidado, ou seja, é muito
fácil derivar para narrativas ideológicas por mais puristas que nós sejamos. Eu
tenho que estar sempre também atento aos meus viéses e eu também
os tenho. Por exemplo, eu agora estou extremamente interessado, porque é uma
área que eu não tinha muito contacto, na questão da ideologia de
género, e toda a questão à volta disso. E já comecei também
a perceber que eu estou a ficar um bocadinho enviesado relativamente às
fontes que estou a ler, não é?
João Júlio Cerqueira
do joio. Mas, porquê que eu estou a dizer isto? Porque é
importante o contacto mesmo com as pessoas com as quais discordamos e
é importante o contacto com estas agências ambientalistas com as quais discordamos
muitas vezes, é importante o contacto com a indústria farmacêutica ou com
a indústria dos agrotóxicos, etc, porque se ignorarmos um lado da questão
é muito fácil cairmos numa narrativa que está longe da verdade. Porque
eu nunca, no fundo, tornamos tão enviesados como aqueles que estamos acusados
de serem enviesados. Eu nunca na vida, exceto recentemente, tinha visto canais
conservadores. Por exemplo, cá em Portugal isso aí não é muito notório,
mas por exemplo na América é extremamente notório, questão do Fox News,
etc. E eu nunca tinha visto canais conservadores, não sou uma pessoa
conservadora, não me arrebejo naquela ideologia, mas acho que me fez bem
entrar em contato com alguns argumentos daquele lado para tentar compreender aquele
lado. Muitas vezes eles estão errados. A maior parte das vezes, na
minha opinião. Mas é interessante porque nem sempre estão errados. E acho
que é uma falha das pessoas hoje em dia tentarem desligar
José Maria Pimentel
o lado com o qual não concordam. Exatamente. Até porque há uma
coisa que é a verdade em política, eu fiz uma série há
pouco tempo sobre exatamente orientações políticas e a verdade em todas as
questões que sejam muito complexas que é o facto de não existirem
verdades absolutas ou verdades globais ou verdades totais como queiramos definir. Existem
sobretudo verdades parciais, que podem ser verdades parciais que até estão muito
próximas de serem totais, mas raramente são e, por exemplo, o conservadorismo
é um bom exemplo disso, não é? Eu também não tenho... Quero
dizer, sobretudo que o conservadorismo americano é uma coisa que me revejo
bastante pouco, mas... É muito específico, exatamente. Há uma série de argumentos
que é muito interessante a pessoa ter contato. Aliás, há um tipo
que é o Jonathan Haidt, que é um psicólogo social que me...
Eu já tinha curiosidade com o nome dele e depois recomendar-me exatamente
por esta série, Política, e é um tipo ultra interessante e ele
conta exatamente... É uma experiência análoga à tua, por acaso. Ele diz
que ele é um tipo que cresceu numa família liberal, no sentido
deles, portanto, numa família de esquerda, da esquerda americana, progressista, e ele
diz que pai até aos 30 e tal anos nunca tinha entrado
em contacto de uma forma substancial com a ideologia conservadora. Ele diz,
nunca, não sabia, quer dizer, tinha umas caricaturas e tal, obviamente havia
presidentes conservadores, republicanos, mas ele nunca tinha percebido aquilo a fundo. E
quando foi estudar aquilo a fundo, não mudou provavelmente de opinião, ou
seja, julgo que não terá deixado de ser um tipo de esquerda
americana, mas tornou-se muito mais consistente porque percebeu que havia ali uma
série de verdades que ele tomava por absolutas do lado dele e
que eram só parciais, quer dizer, havia ali
João Júlio Cerqueira
Não, eu estava a dizer até abrir o discurso ou tentar despolarizar
a sociedade, não é? Porque neste momento temos uma sociedade extremamente polarizada
também se calhar graças às redes sociais, o que a comunicação social
não vai fazer. Mas é mais fácil despolarizar, se tivermos abertura para
o que os outros estão a dizer e ler de forma, no
fundo, emocional, sem emoção, sem tentar restringir as nossas crenças, a nossa
ideologia, tentar perceber porque é que eles pensam assim. E até é
interessante. Se calhar estou a passar pelo processo aí do colega, que
também nunca tinha entrado em conta e nunca tinha interessado muito por
aquilo.
José Maria Pimentel
Tens para ocurar o nome dele no YouTube, que vale a pena.
Se ainda estiveres aí uns 10 minutos, queria voltar à história das
especializações, que foi para onde nós começámos, e fechar esse assunto, até
porque para quem nos está a ouvir, se calhar houve ali, como
nós estamos, quer dizer, eu relativamente e tu muito dentro do assunto,
tomamos coisas por dados adquiridos. Se calhar a maneira mais fácil de
voltar a isso é pedir-te que resumas aquilo que, de acordo com
a evidência que nós temos à data, serão as razões para, tanto
a homeopatia, como a acupuntura, como outros exemplos, muitas vezes resultarem. Creio
que parte tem a ver com parte, eu já falei que é
aquela questão da relação médico-doente, ou seja, nós temos alguém que mostra
sensibilidade, mostra empatia e que nos dá atenção. Há outro lado relacionado,
que está um bocadinho relacionado com isto, que é a questão do
efeito placebo, a pessoa acreditar que... E o efeito placebo, aliás, era
uma coisa que seria giro nós até termos falado, porque é fascinante,
quer dizer, tem uma potência. Leste o artigo. Lê, lê, lê. Tem
uma potência.
João Júlio Cerqueira
jargão. Depois também há aqui uma coisa extremamente interessante. Às vezes os
médicos até explicam, Só que, vou citar de cor, não tenho certeza
se são estes números, mas o
doente
quando sai do consultório só leva 7% da informação. Ok? Portanto, eu
posso estar ali 5 minutos a explicar ao doente, só vai levar
7% e depois pode dar a impressão que o médico não explicou
nada. Exatamente. Quando na realidade ele até explicou. Mas temos essa questão
e depois isso não leva apenas já à desumanização da relação, mas
também leva a outro problema que é o burnout do médico. E
quando o médico está em burnout, ele próprio torna-se desumanizado, ou seja,
tem muito mais dificuldade em ter empatia com o doente. O médico
se está completamente desgastado, saturado, deprimido por vezes e
tem
muita dificuldade em ir de encontro às necessidades emocionais do doente. Temos
essa questão. Depois, obviamente que as terapias alternativas, a questão de estarem
uma hora, uma hora e meia, duas horas com o doente, explicarem
tudo, explicarem qual é a teoria que muitas vezes está por trás
da terapia alternativa que eles estão a promover. No fundo, trabalhar a
relação médico-doente, eles ganham muito com isso, não é? E no fundo
é a grande arma terapêutica que eles têm. Sendo que, a seguir,
claro, entra o ritual terapêutico. O ritual terapêutico existe também na medicina,
existe em todo lado. Quando eu prescrevo um medicamento ao doente, é
um ritual terapêutico. O doente sabe que vai levantar aquele medicamento à
farmácia, vai tomar o medicamento e eu, como disse ao doente, que
o medicamento lhe vai fazer bem, ele acreditou em mim que lhe
vai fazer bem, toma o medicamento etc etc e sente-se melhor. No
caso da acupuntura, o ritual terapêutico é tal história, é deitar o
doente, é pôr as musiquinhas, é pôr os incensos, é colocar as
agulhas, é o doido ficar ali deitado com as musiquinhas, os incensos
e as agulhas putadas, no fundo ativar o chi ou desbloquear os
meridianos imaginários e pronto, é o ritual terapêutico, isso tem também algum
impacto na melhoria subjetiva das queixas. Esta é a parte importante, ok?
Isto é importante na melhoria subjetiva. O que é que quer isto
dizer? Que quando nós avaliamos os soft endpoints, de uma forma, peço
desculpa ao inglesismo, mas é coisas que são medidas com escalas, por
exemplo, a dor, a qualidade de vida, a satisfação do doente com
o tratamento, sei lá, coisas que não são ardent points. O que
é um ardent point? A pessoa morreu, a pessoa tem menos ataques
cardíacos, A pessoa tem menos câncer, ou seja, são
João Júlio Cerqueira
Ou seja, há melhorias nestas habilitações subjetivas, sem dúvida nenhuma.
Por isso é que
as pessoas vão, têm uma dor lombar e dizem, ah pá, eu
estava com uma dor de 8 e saí do lago eu tenho
uma dor de 4 ou 3 ou 2, então já não me
dói nada. Isto existe, isto acontece porque de facto a questão psicológica
é importante. Existe um estudo interessantíssimo que eu cito muitas vezes, que
é um estudo feito na área da acupuntura, em que tinha 4
grupos, um grupo de controlo, um grupo que fazia a medicação para
asma, o que fazia uma bomba, mas que não tinha nada lá
dentro, uma bomba que fazia de conta que tinha um medicamento para
asma mas não tinha nada lá dentro, e o que fazia a
acupuntura. O que é que acontece? Depois de fazerem os tratamentos, todos
os grupos melhoraram, exceto o grupo de controlo, na avaliação subjetiva, não
é? Quando perguntaram-lhe, oh, é para você estar melhor? Estou muito melhor,
muito melhor, já respiro melhor, etc, etc. Todos melhoraram, exceto o grupo
de controlo, aqueles que não lhe fizeram nada. Mas depois, quando fomos
avaliar objetivamente a função pulmonar, recorrendo à aspirometria, o que percebemos é
que de todos os grupos apenas um melhorou, que foi o que
tinha o medicamento. O grupo da acupuntura continuava a ter a asma
descontrolada, o grupo que tinha a bomba placebo continuava a ter a
asma descontrolada e apenas o que tinha a bomba com o princípio
ativo tinha melhorado. Ou seja, todos sentiam melhor, mas na realidade apenas
um tinha de facto melhorado. Isto aí é extremamente problemático. Porquê? Vamos
supor que temos uma doença reumatológica importante, que a pessoa acredita piamente
que a homeopatia, coputura, o que for, osteopatia, lhe resultar, resolver o
problema. Ela até pode andar mais ou menos bem controlado das dores,
pode sentir uma melhoria subjetiva das dores associadas à doença reumatológica, mas
não significa que a inflamação, a inflamação que está a destruição das
articulações provocadas por esta doença autoimune, reumatológica, esteja controlada e não esteja
acontecendo. Este é o grande problema. E a dia estes tratamentos podem
ser eficazes e podem evitar a deformação das articulações daquela pessoa que
acreditou que estava melhor, que lhe disseram que estava melhor, que estava
controlado e que ele se sentia melhor, mas que na realidade não
estava porque quando fomos avaliar objetivamente, recorrendo a radiografias ou recorrendo a
PCRs, ou seja, a segmentação, o que for, a informação estava lá
na mesma, não é?
João Júlio Cerqueira
não tem problema. Se ele se sentia bem, tinha uma melhoria subjetiva
do problema, está tudo bem. Claro, ia lhe fazer pior. Não ia
dizer, oh senhor, para deixar de fazer, oh senhor, oh senhora, pronto,
está tudo bem, ok. Mas é preciso ter esta noção, não é?
Eu sei que para aquele caso concreto, que não tem problema nenhum,
aquela melhoria subjetiva pode ser uma mais-valia para o doente. Mas, em
casos graves, o doente da próxima vez, em vez de me bater
à minha porta, vai bater à porta do terapeuta alternativo.
José Maria Pimentel
é? O que é ingrato aí é que as terapias alternativas ou
que não produzem resultados objetivos muitas vezes até podem ser melhores e
são sobretudo melhores do que nada no caso de a pessoa, ah,
não ter um problema objetivo para tratar, ou seja, ter apenas uma
coisa que lhe está a dar uma sensação subjetiva, ter ali alguma
coisa, mas na verdade não existir, ou ter alguma coisa que se
vai resolver, por exemplo, por si própria. Nesse caso, até é melhor
isso do que não ter nada, ou seja, é melhor o efeito
placebo funcionar ou outro efeito qualquer psicológico já funcionar naquele caso. E
é uma coisa um bocadinho ingrata, não é? Porque parece que... Aliás,
isto está provado em outras áreas, como no desporto, por exemplo, que
o excesso de... Tu seres impremiável a um efeito placebo ou teres
um excesso de ceticismo pode ser pior para ti. Por exemplo, no
João Júlio Cerqueira
caso do desporto, há um estudo interessantíssimo que diz que se nós
ouvirmos música da qual gostamos, o nosso rendimento é superior. Ou seja,
não alterou nada. Simplesmente temos ali a música que gostamos, se calhar
temos a tal sensação subjetiva de sofrimento, de dor, de desgaste, de
desconforto, é mais tolerável quando ouvimos uma música que nos é agradável,
não
é?
Obviamente que há essa vantagem, ou seja, o organismo não mudou, o
gajo não está com mais força, o gajo não está com mais
agilidade, pá, simplesmente temos ali um fator que ajuda se calhar a
lidar um bocadinho com estes desconfortos subjétivos, em termos psicológicos. E
João Júlio Cerqueira
geralmente. Agora, na consulta médica, também é possível obter exatamente os mesmos
benefícios subjetivos, obtidos numa consulta de terapia alternativa. Esta é a grande
questão também. Ou seja, eu também falo nisso no artigo, não é?
Para obter um efeito placebo, não é preciso um objeto placebo. O
grande truque do efeito placebo está na relação, na confiança em determinados
rituais terapêuticos que é possível obter numa consulta médica. Não é preciso
as agulhas, não é preciso um medicamento homeopático, não é preciso, no
fundo, também falando aqui um bocadinho da quiropraxia, de colocar as sublochações
articulais no sítio, ok? E no fundo nesse artigo do efeito placebo
é isso que eu pretendo transmitir. E nós médicos também temos a
responsabilidade ou o dever de conseguir utilizar este efeito placebo para benefício
do doente. Ok? Portanto, a utilização do efeito placebo não é exclusiva
das terapias alternativas. Nós podemos utilizar o efeito placebo e melhor, que
é associar um efeito de facto, ou um tratamento que de facto
tem um princípio ativo que sabemos funciona. Se nós conseguimos aliar as
duas coisas, conseguimos obviamente muito melhores resultados do que o efeito placebo
isolado, que é aquilo que os terapeutas alternativos vendem habitualmente.
José Maria Pimentel
Claro. E há um lado, acho que há uma crítica que deve
ser feita também à prática médica que acho que explica também o
surgimento desse tipo de alternativas que é exatamente, muitas vezes, bem, por
um lado, ela própria muitas vezes dá tratamentos que são errados, ou
seja, muitas vezes, e às vezes até nem é mal intencionado, mas
muitas vezes os médicos prescrevem coisas que vão contra a evidência científica
e muitas vezes não dão aquilo que falavas há bocadinho, essa relação
de intimidade, empática, de preocupação que potencia esse efeito placebo que depois
vai ocorrer do outro lado, depois da concorrência isso existe. Exatamente, claro
que sim. Depois, também
João Júlio Cerqueira
é preciso ver esta questão, estamos a falar, dependemos de uma pequena
parte, depois temos a tal história que falamos no início da questão
naturalista e há uma preferência pelos tratamentos alternativos porque são naturais, a
questão da revolta anti-sistema e eles preferem recorrer aos tratamentos alternativos porque
querem, no fundo, revoltar-se contra o sistema instituído, serem anti-ciência, etc. Portanto,
Temos todos esses fatores a jogar, no fundo, a favor das terapias
alternativas.
João Júlio Cerqueira
mais impossível é. O que é engraçado, e é pena, é pena
as pessoas não terem a disponibilidade para fazer isto, mas era engraçadíssimo
conseguir que as pessoas colaborassem para desmontar estes testemunhos. Porque quando as
pessoas se começam a abrir, Eles têm uma história e uma narrativa
montada, que é toda certinha, não é? Eu fui e fiz e
tal, e aquilo correu bem e me senti muito melhor. Mas quando
começamos a explorar a narrativa, é um bocadinho como há as profecias
da religião, não é? Quando começamos a fazer perguntas, toda a narrativa
se desfaz. Porquê? O que acontece muitas vezes é que há uma
narrativa montada a posteriori, ou seja, o que o Duende não está
a dizer que aconteceu, não foi exatamente aquilo que aconteceu. Eu estava
muito mal e tinha os problemas e fui ao médico e ele
fez uma série de exames e disse que aquilo não era nada
e não sei o quê e depois disse que afinal era não
sei o quê e fui ao gajo e fez e aconteceu e
eu fiquei a 100% e nunca mais precisei de ir aos médicos.
Quando começamos a desmontar isto, nada daquilo é real e é extremamente
interessante. É pena de facto não haver quem se dedique a fazer
isto. Porquê? Obviamente que as pessoas também são extremamente pouco colaborantes para
perceberem os seus próprios viés, não é? Mas, era mais uma forma
de demonstrar que a pessoa tem uma profunda necessidade de acreditar. É
aí que bate a coisa. Não é propriamente na eficácia do tratamento
que fez, mas é mais a profunda necessidade de acreditar que o
que foi a fazer de facto resultou e que foi aquilo que
tratou o problema. Quando na realidade aquilo não reage a absolutamente nada.
Exatamente. E como
João Júlio Cerqueira
se fosse a coisa mais incrível do mundo e não sei o
que
mais. E
quando nós vamos ler aquela história toda, está cheia de incongruências para
quem é médico, para quem percebe minimamente a ciência, o que é
que é feito, etc, etc, na área de medicina, então percebemos logo
uma série de incongruências associadas àquele discurso, que seria extremamente
fácil
de desmontar. Mas claro, depois as pessoas não são colaborantes. Quando nós
começamos a falar dessas incongruências, dizemos, mas porquê é que é aquilo,
se haste isso, etc, etc, a pessoa automaticamente retrai-se, Entra na tal
história da dissonância cognitiva. Há uma frase extremamente interessante, não é de
uma pessoa famosa, mas é de uma pessoa que fez um TED
que eu vi e que acho extremamente interessante, que é, A realidade
que nós vivemos, no fundo, é uma alucinação. A minha realidade é
uma alucinação. A tua realidade é uma alucinação. Só é de facto
realidade quando a minha alucinação é a tua alucinação, são coincidentes. Esta
é a beleza do médico científico, ou seja, todos olham para aquilo
e todos têm que chegar à mesma conclusão. E se não houvesse
ciência, se não houvesse ciência, se só me terminar o tema, também
é uma crítica que fazemos muitas vezes à religião, Se voltássemos todos
ao zero, as religiões possivelmente iam ser todas diferentes, mas a ciência
teria
José Maria Pimentel
O que eu disse, é a dificuldade de depois operacionalizar, não é?
Porque lá está, como tu dizias, nenhum de nós é perfeito nisso
e depois o nosso cérebro está feito para funcionar no modo... Há
aquele livro do Kahneman, do sistema 1 e sistema 2, Já não
sei qual é que é o um e qual é que é
o dois, mas o nosso cérebro está feito para funcionar no meio
automático, não é aquele exemplo que tu falavas há pouco da questão
da... Seja em questões de ambientalismo, seja em questões políticas, por exemplo,
a pessoa estar constantemente a questionar os seus pressupostos é ultra cansativo.
É muito mais... É genuinamente ultra cansativo. Bom, João, só para terminar
e antes de avançarmos para o livro, só um último remate que
eu achava importante dar aqui em relação às especialistas de ciências, que
é a um comentário que tu fazes, julga-te aliás mais do que
uma vez nos textos e que eu achei ultra interessante e que
para mim fechou definitivamente a questão destes tratamentos alternativos, porque eu confesso
que mesmo eu próprio tenho muita dificuldade às vezes em lidar com
exatamente com estes testemunhos, quer dizer, alguém que te é próximo ou
que tu conheces e tu dizes, olha eu só tinha um colega
que dizia, eu tinha já não sei o que era, meningite, qualquer
coisa, quando era musica, depois tomei o homeopático e aquilo resolveu-se. E
alguém dizer-te isso é muito difícil a pessoa contrariar, quer dizer, é
preciso ser muito frio ou muito cínico para a pessoa não ser
sensível àquilo. E há um argumento que tu invocas que eu achei
que resolve absolutamente isto, que é o facto de que basta a
pessoa ter algum conhecimento da história, para perceber que o grosso da
história da humanidade se passou com uma série de tratamentos que se
veio a provar não fazerem sentido nenhum, serem na melhor das hipóteses
inóculos e na pior das hipóteses e na maioria dos casos altamente
prejudiciais como
João Júlio Cerqueira
sangria. Caso da sangria, exatamente. Que matou muita gente e que durante
séculos e que viviam por milénios viviam pela
lógica
de que se a pessoa fez sangria e melhorou, foi graças à
sangria, se a pessoa fez sangria e morreu, é porque tinha que
morrer,
é uma forma
de a salvar. Ou seja, era esta a lógica. E agora um
bocadinho se calhar isto se aplica à especiociência. O gajo vai lá
e toma um medicamento homeopático e melhorou, é porque o medicamento homeopático
acupuntura ou osteopatia funciona. E se não melhora, opá, é porque a
coisa afinal era mais grave, o medicamento não estava bem orientado, etc.
Ou seja, nunca questionam a ineficácia do tratamento, o que é extremamente
frustrante. Outro argumento que eu uso relativamente a isso é, se tu
achas que a homeopatia funciona, para a próxima experimenta a urinoterapia porque
não falam de testemunhos a dizer que aquilo é do melhor que
há. Cura cancos, HIV, diabetes, etc.
João Júlio Cerqueira
vantagem. E também é uma terapia milenar e ao contrário da homeopatia
só tem 200 anos, portanto se quisermos usar esse argumento também dá.
Ou seja,
é uma falácia da antiguidade. Mas é engraçado porque o que eu
quero alertar é, nós temos que colocar a linha em algum lado,
ou não há linha. Se não há linha tudo funciona. E um
gajo pode dizer que andava a beber urina, ou andava a beber
água de esgoto, o que for, e melhorou à conta daquilo. Opa,
é tão válido como dizer que melhorou com a homeopatia. Ou então,
temos de traçar uma linha e dizer o que é que funciona
e o que é que não funciona. Opa, e a linha é
traçada de acordo com o método científico, é o único instrumento que
nós temos para traçar linhas. E quando traçamos linha, obviamente que tudo
que é medicina alternativa está do outro lado da linha, porque a
própria definição de medicina alternativa é aquilo que não funciona, não provou
que funcione, ou então funciona mas causa mais danos do que propriamente
benefício ao
João Júlio Cerqueira
Quando nós vamos à filosofia das medicinas alternativas, todas elas estão completamente
desligadas da realidade. A filosofia, É preciso perceber isso. Por exemplo, a
osteopatia, a história de que se mexer na coluna consigo tratar problemas
intestinais, coisas do gênero. Mas, por exemplo, na prática, a osteopatia, mesmo
a quiropraxia, em algumas das suas, dos seus componentes, quando tratam problemas
musculoscoeléticos, opá, eu não ponho de parte que aquilo eventualmente pode ter
algum benefício. Não coloco de parte que pode ter algum benefício relativamente
a algumas patologias específicas.
João Júlio Cerqueira
questão das contraturas, ou habitualmente, sei lá, tendinites ou capsoítes adesivos, o
que for, poderá eventualmente ter algum benefício. Não está aprovado, como é
óbvio, mas não o descarto. Assim, como habrá certamente ervas utilizadas na
mecentracional chinesa, alguma delas já ter algum princípio ativo, que eventualmente no
futuro irá ser isolado e que vamos descobrir que aquilo é positivo
para a saúde. Já aconteceu com o medicamento para o tratamento da
malária, que os terapeutas de mecentro tracional chinesa gostam de evocar como
sendo a demonstração que a mecentro tracional chinesa resulta, mas que na
realidade não tem nada a ver com uma vitória da medicina tradicional
chinesa. Aquilo foi a vitória da farmacognosia que identificou aquela molécula como
sendo eficaz para a malária, isolou a molécula, purificou a molécula, fizeram
estudos clínicos para demonstrar que aquela molécula era eficaz e obviamente entrou
no mercado como outro medicamento qualquer. Não é uma vitória de um
centro tradicional chinesa, é uma vitória de um médico científico, obviamente, mas
eles gostam de alertar para isso. Agora, claro que nessas ervas todas,
que eles usam milhares, certamente que iremos encontrar outras que funcionam, mas
não funcionam se o princípio ativo for purificado, isolado, estudado e a
sua eficácia for demonstrada e não porque já se utilizava há milhares
de anos para,
sei lá, para
dizer nas doenças, não é?
João Júlio Cerqueira
Sim, mas depois é esta narrativa a posteriori, não é? Epá, mas
nós, os chineses, já utilizámos essa erva há milhares de anos. Pois
utilizavam, pá, mas a realidade é que utilizavam-na para dezenas de doenças,
na maioria dos quais não tinha qualquer efeito, e por acaso, por
acaso, no meio de tantas milhares de combinações, tinham esta molécula que
funcionava de facto para o tratamento daquela patologia, que a ciência identificou,
isolou, purificou e comercializou.
João Júlio Cerqueira
E há a falácia da novidade também,
não
é? Exato, exato. Que os médicos, enquanto, também é engraçado, enquanto os
terapeutas alternativos sofrem muito da falácia da antiguidade, os médicos sofrem muito
da falácia da novidade. Nós médicos temos de ter algum cuidado, infelizmente
acontece com frequência, quando sai um fármaco num bom mercado, é nos
sempre vendido como sendo muito melhor do que todas as soluções existentes.
O problema
é que passado alguns anos, chegas à conclusão que não é bem
assim, a eficácia é mais ou menos semelhante e às vezes até
pior, porque tem mais efeitos secundários,
pior
para a saúde do doente, etc, etc. E é preciso ter muito
cuidado, muito cuidado com a utilização abusiva dos sinais fármacos. Eu, quando
fazia centro de saúde, era extremamente também cético na introdução dos sinais
fármacos, excepto em casos específicos, não é? Obviamente. Mas nós também sofremos
dessas falácias, não é? Portanto, não é preciso alertar para isso. Está
bem.
José Maria Pimentel
Exatamente, sim, sim, eu tenho exatamente a mesma impressão, que é uma
das exceções a essa regra. Há outros casos. Ok João, gostei imenso
da nossa conversa, muito obrigado por teres vindo ao podcast. Gostaram deste
episódio? Se encontram o valor no 45°, existem várias formas de contribuir
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Para além disso, obtêm em troca vários benefícios como, por exemplo, o
acesso ao backstage do podcast e também a possibilidade de sugerir perguntas
aos convidados. No fim do dia, já se sabe, são os ouvintes
que tornam possível um projeto destes. Ouvintes como Gustavo Pimenta, João Vítor
Baltazar, Salvador Cunha, Ana Mateus, Nelson Teodoro, Paulo Ferreira, Duarte Dória, Gonçalo
Martins, entre outros mecenas, a quem agradeço e cujos nomes podem encontrar
na descrição deste episódio. Até à próxima!