#49 Mª Carmo Fonseca -

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José Maria Pimentel
Bem vindos ao 45°. Peço um pouco de paciência desta vez porque a introdução vai ser um bocadinho mais longa que o normal. Antes de mais tenho a grande satisfação de vos dar uma novidade que tem estado em preparação ao longo dos últimos meses, uma que talvez já tenha adivinhado pela nova capa que vos apareceu no caso de estarem a ouvir o podcast através de uma aplicação. É que a partir de hoje o 45° passa a integrar o leque de podcast do público, o que me deixa muito satisfeito. E, pergunto a vocês, o que muda no podcast para além da capa. Na essência nada porque a produção do podcast continua a ser completamente independente. Na prática esta parceria resulta do casamento entre a vontade do público de juntar o 45° à oferta de podcast do jornal e o meu entendimento de que aquela é de facto uma casa em que faz todo o sentido 45° entrar, não só pelo estatuto editorial do jornal com o qual me identifico, como também pelo facto de ter por trás uma equipa que tem apostado, e quer fazê-lo cada vez mais, no desenvolvimento do mundo dos podcasts. Já agora uma palavra rápida sobre a nova capa, que é específica para as aplicações, a capa original mantém-se no site do podcast, e foi, na minha opinião, um belo trabalho da equipa do público. Já agora explico a ideia. Como se percebe, o fundo é o célebre homem de Vitrúvio, da da Vinci, que não só é uma ótima imagem por si só, como no caso do 45° remete para o espírito do Renascimento, aquela enorme curiosidade estendida a todas as áreas de conhecimento que eu tento, modestamente, cultivar também aqui no podcast. Passando então à conversa de hoje, a convidada é Maria do Carmo Fonseca, presidente do Instituto de Medicina Molecular e professora catedrática na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, onde lidera um laboratório com o seu nome, que desenvolve trabalho de investigação na área da medicina molecular e da genética. É, creio que sem grande exagero, facilmente a pessoa que mais percebe desta área em Portugal, tanto é que em 2010 viu o seu trabalho ser reconhecido com a atribuição do prémio Pessoa. Posso aliás dizer, sem correr grande risco de exagerar, que este foi um dos episódios mais densos e mais ricos de informação que tenho gravado. Foi uma verdadeira aula interativa sobre genética e biologia molecular. Já agora uma nota rápida à navegação. Como é típico, quando trago um tema científico ao podcast, no início da conversa tento sobretudo compreender a teoria, isto é, os conceitos-chave, para depois, aí sim, poder abordar as aplicações, neste caso concreto, por exemplo, a edição genética ou a cura do envelhecimento. É claro que este último é o lado mais chitante do tema, mas o primeiro é, naturalmente, essencial para perceber do que estamos a falar. Em relação aos tópicos que abordámos, a convidada é uma pessoa verdadeiramente apaixonada pela área em que trabalho, como vão perceber, e por isso explicou tantas, mas tantas coisas relevantes que eu até tenho medo de ser amassador ao elenca-las. Mas vou arriscar. Começamos por preparar o terreno de jogo, ainda antes de falar da genética, Falando sobre questões como a origem da vida e a evolução da vida na Terra. A propósito, aliás, o lagarto de que eu falo, como conseguindo alternar entre reprodução sexuada e assexuada, é na verdade o dragão de Komodo. Pode encontrar um artigo sobre isso na descrição do episódio. E onde é que eu ia? Ah, E falámos, claro, dos temas mais diretamente relacionados com a área de investigação da convidada, o DNA, o RNA, as mitocôndrias, a epigenética e até questões mais práticas como a utilidade de fazermos um teste ao nosso genoma. Se estiverem curiosos como eu já vão ouvir a resposta. E não podíamos deixar de falar também sobre o tema mais quente da atualidade nesta área, a edição genética, e, em particular, o método que veio revolucionar esta área, o CRISPR. Daqui a conversa levou-nos para outros temas fascinantes para o futuro, como o aumento da longevidade, a medicina regenerativa, a própria inteligência artificial e até a biologia sintética. Esta então é uma área ultra futurista. Apesar desta enorme lista de temas que abordámos, houve um tema importante mas que no entusiasmo da conversa me esqueci de referir, embora fosse um tema que me ocupava muito a cabeça visto estar prestes a ser pai. Se calhar até adivinham. Era a questão de saber se vale ou não vale a pena preservar as células staminais do cordão umbilical do bebê no momento do quarto. Como o assunto me era importante, fiz a pergunta mais tarde por e-mail à convidada e como imagino que não seja o único a ter em algum momento que tomar essa decisão e com permissão da convidada, obviamente, cito a resposta que me deu. A resposta da convidada é que, e cito, não tenho qualquer dúvida, não vale a pena congelar as células do cordão umbilical. A probabilidade de ser necessário e útil é muito baixa. Até agora houve apenas alguns casos em que as células congeladas foram utilizadas para transplante de crianças que tiveram leucemia e a verdade é que existem quase sempre alternativas, como por exemplo o transplante de adores compatíveis. Espero que vos seja útil se alguma vez estiverem nesta situação e tenham que tomar essa decisão difícil que ainda por diante não diz respeito só a nós. Antes de passarmos então à conversa, queria só explicar rapidamente alguns conceitos base da genética para evitar que a conversa se torne difícil de seguir. E na verdade não é difícil de explicar, porque grande parte da conversa girou em torno de um processo muito específico que é o elemento principal do que podemos chamar o sistema operativo da vida. E é um processo que se pode explicar em traços gerais contando uma história. Uma história que começa no DNA, o entre aspas livro de instruções da vida, e termina na formação das proteínas, o material da vida, para manter a mesma analogia. O local onde decorre esta história é a célula, a unidade básica, não só da nossa, claro, mas de toda a vida que existe na Terra. A ação central começa no núcleo dessa célula, onde se encontra armazenado o nosso genoma, ou seja, o conjunto total de moléculas de DNA que guardam o dito livro de instruções para desenvolver e manter o nosso corpo. Para terem uma ideia, nós, seres humanos, temos no núcleo de cada célula mais de 3 mil milhões de pares de bases de DNA, ou seja, o equivalente a quase metade do número de pessoas que existem no planeta Terra. Aquilo a que atribuímos a palavra gene corresponde essencialmente a uma secção do DNA que pela ordenação dos seus elementos constitui uma das instruções que serão utilizadas no final deste processo para produzir proteínas, como já vamos ver. Já as porções do DNA que não contêm essas instruções são os chamados intrões. Os passos seguintes deste processo são essencialmente assegurados por outra molécula menos conhecida e que a convidada tem investigado muito, o RNA, uma molécula que tem uma série de funções cruciais. A primeira ocorre ainda no núcleo e consiste basicamente em fazer uma cópia das instruções contidas no DNA, organizá-las e decidir que partes utilizar no passo seguinte. Nesse passo seguinte, as instruções são transportadas para uma zona fora do núcleo da célula, o chamado citoplasma, onde o processo é terminado com a utilização dessas instruções para produzir proteínas, o dito, entre aspas, material da vida, uma designação que faz todo sentido porque, por exemplo, todos os tecidos do nosso corpo são feitos de proteínas. E pronto, estão explicados os básicos, sem mais demoras vamos então à conversa com Maria do Carmo Fonseca.
José Maria Pimentel
Carmo, muito bem-vinda ao podcast.
Mª Carmo Fonseca
Muito obrigado, muito obrigado pelo convite.
José Maria Pimentel
Este é um tema muito interessante porque não acontece com todos os temas das ciências. Para mim, há muitos temas que são interessantes pela parte teórica, digamos assim, ou seja, pelo que está por trás dele, para a parte mais que a pessoa aprenderia na faculdade, mas junto a isso vai ser ultra interessante do ponto de vista prático. Hoje em dia tem uma série de aplicações.
Mª Carmo Fonseca
Eu espero que seja suficientemente interessante para não ser uma aula.
José Maria Pimentel
Não, é fácil. Esse texto não é difícil por causa do CRISPR, que ainda um bocadinho estávamos a falar, e de uma série de coisas que têm uma aplicação brutal. Bom, como eu tinha dito há bocadinho, eu achava a piada a começar pela questão do surgimento da vida. No fundo, é o que está na raiz disto tudo, nada disto é explicável, ou para outra, pode ser explicável sem explicar o surgimento da vida, mas nada disto, quer dizer, uma tautologia, mas obviamente dependeu do surgimento da vida, foi uma coisa que eu falei com as Itamar Tins, do ponto de vista da astrobiologia e obviamente que tem muita piada perceber do ponto de vista da biologia molecular, neste caso mais especificamente da medicina molecular, mas obviamente que tudo começou ali. Quais podem ser as respostas para este puzzle? Porque, no fundo, ninguém sabe. Nós sabemos que, daquilo que nós sabemos, a Terra é o único país onde surgiu vida. Quer dizer, o único país, o único planeta. Não será o único planeta, é o único que
Mª Carmo Fonseca
nós temos provas de que tenha surgido. Exatamente. Mesmo
José Maria Pimentel
noutros planetas do sistema solar não temos nenhuma prova contundente, como Marte por exemplo, que tenha havido vida ao nível dos organismos unicelulares, embora tenhamos suspeitas. E é o mistério. É o mistério. Suspeitas. E é realmente...