#47 Ricardo Marvão - Empreendedorismo, inovação, futuro do ensino

Click on a part of the transcription, to jump to its video, and get an anchor to it in the address bar

José Maria Pimentel
Bem-vindos. Neste episódio, eu converso com o Ricardo Marvão, que é co-fundador e responsável pela área de educação na Beta-i. A Beta-i é uma associação sem fins lucrativos que tem como missão intervir junto das startups e empresas para promover a inovação e o empreendedorismo. Para além disso, o Ricardo é fundador e diretor-geral do polo português da Singularity University, que resulta de uma parceria entre a BTI, a Câmara de Cascais e a Nova SBE. A Singularity University é uma comunidade global criada em Silicon Valley em 2008 e que é descrita como tendo o objetivo de educar, inspirar e capacitar líderes que apliquem tecnologia com potencial futuro. Durante a nossa conversa, que foi gravada ainda no ano passado, abordámos uma série de temas diferentes relacionados com o empreendedorismo. Mas como tinha gravado não há muito tempo com o Afonso Suessa sobre o mesmo assunto, tentei abordar outros aspectos deste fenómeno. Por exemplo, como o convidado tem estado muito ligado à própria promoção e à divulgação do empreendedorismo em Portugal, aproveitei para tentar perceber o modo como ele vê as várias dimensões do papel social do empreendedorismo e também as críticas que lhe são feitas. Fiz-lhe algumas perguntas difíceis das quais, por sinal, ele saiu muito bem. E falámos também sobre algumas áreas em que o Ricardo tem atuado, desde o investimento em startups à promoção da inovação, passando ainda por exemplos de novos métodos de ensino, uma área a que o convidado se tem dedicado mais recentemente. Conversámos ainda sobre o futuro da economia portuguesa, por exemplo, em que setores devemos investir e também sobre o caso extraordinário de Israel, que é o país do mundo com o maior número de startups. E finalmente, tentei ainda explorar o método do Ricardo para identificar projetos com potencial no âmbito da Beta-E. Como sempre, deixo nas notas do episódio links com mais informação sobre tópicos que abordámos. Podem encontrá-las em 45graus.parafuso.net. Não deixem-se, sobretudo, ler o artigo sobre a Ecole 42, a escola de código sem professores, que o convidado refere durante a conversa. Só para recapitular agora em onde, estavas a explicar que grande parte da inovação na educação está vindo não do setor educação tradicional, mas sim de inovadores fora daquele setor que
Ricardo Marvão
depois acabam por passar por ali, não é? Sim, é porque por causa desta área que eu montei, a área de educação dentro da BTI, ao longo dos últimos dois anos tenho visto muitos projetos e Estava a dizer que realmente ao longo de então, especialmente o último ano, vi muitos projetos, viajei muito, vi muitos projetos, tanto nos Estados Unidos, como pela Europa afora, Ásia, e é engraçado como é que nos últimos, pá, dois, três anos, têm havido muitos novos projetos, especialmente nesta área de new learning novas formas de aprendizagem, em que realmente a grande inovação tem vindo não da área de players de educação, mas sim da área de players de inovação. Tipicamente são players que começam muito na área de empreendedorismo, que focam muito nas startups e que daí, devido às startups terem, tipicamente como cliente, as corporates, derivam para o lado da corporate e começam a inovar do lado da corporate e devido a toda a aprendizagem que têm com as corporates e toda a aprendizagem que têm em relação a metodologias de trabalho começam a perceber que se calhar há outras coisas onde podem tocar e aí à frente aparece educação e tem sido muito interessante muitos destes projetos começam com ah, acabei de ser pai Ou seja, estes inovadores são pais e de repente dizem Epá, o meu filho tem que ter uma coisa diferente. Não pode ser a escola de memorizar e de receber informação e de one-sided tem que ser diferente. E começam a pensar e muitos deles tomam uma iniciativa de primeiro começaram a fazer projetos mais pequenos com crianças, se calhar depois inovam para a área dos estudantes universitários E muitos deles até entram diretamente na área de executivos, que é uma área mais fácil, mas que também é uma área que... De todas as áreas, na realidade, a área dos kids, das crianças, é aquela que tem tido mais experiência. E a área das universidades é que tem tido menos experiência, ou seja, menos
Ricardo Marvão
coisas novas a acontecer.
José Maria Pimentel
Mas achas que é por ser mais difícil fazê-lo ou por esses players não terem... Por essas empresas, no fundo, esses inovadores não terem querido entrar nessa área?
Ricardo Marvão
Não sei, eu acho que vai acontecer, mesmo as universidades estão a começar a perceber que têm que mudar a sua forma de ensinar e vai acontecer. Mais tarde ou mais cedo, há várias universidades até já a começar a pensar no assunto, umas se calhar estão mais avançadas do que outras, mas nota-se mesmo nas universidades que há qualquer coisa que está a acontecer
Ricardo Marvão
na nossa área e ou a gente se mexe ou então vamos ficar os dinossauros. Sim. É engraçado porque dizias que isso até tem tido mais peso nas crianças e por
José Maria Pimentel
acaso há uma série de projetos até em Portugal de inovação nessa área. Sim. De escolas com novos métodos e que se focam numa maneira de ensinar um bocadinho diferente. Eu acho, não sei qual a tua impressão em relação a isso. O que eu acho do nosso sistema de ensino, isto é, a transversal, mas que começa na infância, é que há um grande foco no rigor e isso serve-nos bem, normalmente, quando vamos para fora. Não é por acaso que os portugueses... Há aquela coisa que se diz sempre que os portugueses são bem vistos, mas acho que isso é de facto verdade. Quer dizer, qualquer um de nós tem essa impressão na chamada anecdotal evidence que a pessoa vai recolhendo da experiência que tem no estrangeiro, das pessoas com quem fala, os professores são de facto bem vistos e nós temos um ensino rigoroso que nos dá essa, no fundo, essa bagagem que nos ajuda. Mas depois em termos de soft skills, por exemplo, em termos de capacidade de falarmos em público, capacidade de discutir um assunto em grupo, por exemplo, e chegar a uma conclusão de, no fundo, ser assertivo e pensar... Aquilo lá que estavas a falar há bocado ainda é óbvio, quer dizer, resolver problemas abertos, aí eu acho que nós ficamos um bocado à quem e isso depois não é tão óbvio no início mas acaba por nos penalizar um bocado. Sim, há muita coisa a dizer nesse ponto. Eu acho
Ricardo Marvão
que cada vez mais tem-se visto projetos a focar ou muito na área da criatividade ou muito na área tecnológica ou até outras áreas, mas é muito interessante quando se começa a mostrar as áreas, porque é que uma pessoa que está a aprender robótica e coding e digital media e 3d printing e outra coisa, não junta também a criatividade e o desporto e a dança e a arte e o teatro e improvisação dentro dessa aprendizagem. Ou seja, a mistura de todas estas áreas é que faz com que seja possível depois até criar dentro de escolas no futuro aprendizagem por projeto onde o conteúdo é dado não uma matéria e outra matéria e outra matéria, mas é um projeto de, por exemplo, 10 semanas, um sprint de 10 semanas, onde o conteúdo tem dentro do projeto português, matemática, biologia, tudo demonstrado com um grupo e o exame não é um exame, é um pitch quase sobre como é que aquele projeto chegou onde chegou e como é que os alunos conseguiram fazer o projeto. E estou a dar um exemplo mas há N
Ricardo Marvão
formas de pensar nisto, mas é um tema muito interessante. Mas aí estás a falar a nível universitário ou pós-universitário, não é? Ou não,
Ricardo Marvão
estou a falar a nível de escolas
José Maria Pimentel
públicas, ensino básico, secundário. Eu estou a pensar como é que se conseguiria compatibilizar isso com o nível de uniformização que é necessário no sistema de ensino, para ser comparável, e
Ricardo Marvão
por outro lado... É, é verdade, mas nós temos estado a ver muitos exemplos disto porque, quer tu queiras, quer não, estavas a falar há pouco de... Tem havido imensos tipos de desenho de novas aprendizagens com as crianças. E há imensas escolas novas e... Só que, se tu fores analisar concretamente, e isto sendo straightforward, isso tipicamente é para os pais que conseguem pagar. Porque os 99% estão na escola básica
José Maria Pimentel
pública, o ensino
Ricardo Marvão
público e o secundário. E, portanto, como é que tu consegues ir a esses 99%? E, portanto, tens que encontrar métodos que consigam integrar. É verdade que há um conjunto de regras e o Ministério da Educação tem regras e os sindicatos têm regras, os professores têm regras, mas será que é possível... Há duas formas de... Eu vejo duas formas... Ou três formas. Uma é não fazes nada e pronto, vamos ficar assim para sempre. Ou daqui a 100 anos talvez haja alguma mudança. Duas, vais contra o sistema e barras contra uma parede a cada dia. Porque é o Ministério da Educação, porque é o sindicato, porque é isto, porque é aquilo. Ou então, três, que é aquilo que eu acho que faz sentido, é analisas todas as regras e percebes quais é que são aquelas que não dá mesmo para mudar, quais é que são as regras que são flexíveis o suficiente para... Se calhar, ok, há uma regra de dar este conteúdo, mas será que eu posso dar de uma forma diferente, dando o mesmo conteúdo mas de uma forma diferente? Será que o exame também pode ser dado de uma forma diferente? Será que se a criança tiver esse conteúdo avança para o próximo ano? Tens que perceber o que é que consegues mexer dentro daquilo que é possível. E aí começas a integrar e depois há outra coisa que é tu deves trabalhar com quem realmente quer inovar, ou seja, não vale a pena, se estás a começar, não vale a pena fazer... Não, agora vamos mudar o sistema para toda a gente. Não, se calhar vamos... É trabalhar com uma primeira escola que tenha professores que realmente queiram tentar uma coisa diferente e que não se importam e que se calhar há uma cidade, há uma câmara municipal que está disposta a apoiar um projeto e que chama as várias escolas e que há uma que diz, eu estava à espera de vocês há anos, eu quero inovar e pronto, e é logo um ponto de partida para dizer aquela escola quer inovar, eu tenho um projeto que até pode ajudar, vamos tentar fazer aqui um piloto e depois começar a trabalhar nisso até encontrar uma forma de ter um formato que funcione, suficientemente testado para testar, ok, agora será que há uma
Ricardo Marvão
segunda escola, uma terceira escola, uma décima escola que quer tentar este tipo de projeto. Há exemplos que tenhas apanhado recentemente relacionados com isto? Nós vimos dois projetos engraçados, que é
Ricardo Marvão
a transformação de escolas públicas com novas formas de aprendizagem, também com... Mas cá? Não, cá não vi. Vi uma nos Estados Unidos e uma na Dinamarca. Não quer dizer que não haja mais e certamente há mais, mas esses dois achei muito interessante. Principalmente porque a forma como os professores se transformaram em tão pouco tempo do ensino público normal para perceberem que o método até era capaz de... E tem sempre... Tudo tem erros e tudo tem coisas que não vão correr tão bem. Mas foi engraçado falar com alguns professores e perceber que havia ali uma vontade mesmo de mudança.
José Maria Pimentel
Pois, por acaso é engraçado isso, porque se a pessoa pensar o sistema de ensino, tanto quanto nós sabemos, e acho que isto é o tipo de coisa para a qual não existe provavelmente dados duros, digamos assim, mas que é fácil saber que é verdade, há uma enorme insatisfação, por exemplo, entre os professores, em parte relacionado obviamente com a precariedade laboral, mas não só, com o próprio enfilecinamento das aulas. E há uma insatisfação também entre os alunos. No outro dia apanhei um... Não sei se apanhaste isso, já... Tenho ideia que era da OCDE, mas não tenho a certeza, que era um inquérito ao ensino. E nós até qualificávamos bem algumas coisas mas éramos dos piores em termos da satisfação dos miúdos com a escola, que é um bocadinho familiar realmente, quer dizer, é aquela coisa quase um mal necessário, não é? Uma espécie de dor, vamos lá passar este calvário juntos porque isto é alguma coisa necessária mas que é dolorosa. Obviamente que a escola implica-se, quer dizer, a aprendizagem, sobretudo em determinadas idades, implica-se sempre a pessoa ser capaz de adiar o prazer, digamos assim, ou seja, estudar tem sempre um lado que é desagradável, mas não tem que ser completamente desagradável. E esse tipo de projeto é engraçado porque tu podes conseguir, por um lado, dar aos professores uma situação em que eles podem projetar e podem ganhar um propósito que não tinha até aí, porque estava num sistema completamente standardizado, a dar um livro que tinha sido escrito por outra pessoa qualquer e aos miúdos tornar a escola muito mais interessante do que era até aqui. Aquilo que estávamos a falar há bocadinho dos exames cá em Portugal, no outro dia falava com um amigo que tem os filhos numa dessas escolas que tem mudado um bocadinho a alternativa e ele dizia que era completamente diferente do que tinha passado com ele, os miúdos adoravam aqui. Imensas.
Ricardo Marvão
Claro, o parque, o beira-aul, sei
José Maria Pimentel
lá, são imensas. Era uma dessas que tu falaste. Agora, claro, é aquilo que tu dizias à pouco, isto é para uma porcentagem pequena, isto nunca pode ser a solução geral, mas pode haver aí uma maneira dentro do ensino público conseguir fazer isso e conseguir até criar sistemas diferentes, escolas diferentes, não é? E depois de um bocado concorrer umas com as outras e perceber o que é que resulta melhor num caso e noutro. Os exemplos que falavas há pouco relacionados com o ensino universitário, existe algum desses que tinha ficado na retina? Desculpa, não é com o ensino universitário, das empresas, aquela questão
Ricardo Marvão
da formação de executivos e coisas desse género. Sim, tem havido vários que entraram nisso porque é mais fácil, não é? Tipicamente quando tu olhas para crianças começas logo isto, em termos de pedagógica, em termos de idade e estamos aqui a trabalhar...
José Maria Pimentel
E o opressionado mente não tem nada a ver, claro.
Ricardo Marvão
Sim, e depois estamos a trabalhar numa idade muito tenra, estamos a formar a mente, não é como o executivo que já viu tudo e mais alguma coisa e que já tem outra forma de pensar, portanto, há muitas empresas na área de inovação que fazem muito a área desse para Executive Education e isso eu diria que é a maior parte. Poucos são aqueles que entram na área dos estudantes universitários, mas há alguns e nós também trouxemos um projeto muito engraçado que já vai para o terceiro ano agora que é a Innovation Academy, que trabalha muito com estudantes universitários. Nós fizemos 270 alunos no primeiro ano, 500 agora e o objectivo é fazer 1000 no próximo. E aí eu chamo-lhe um acelerador de mindset, de mente. É quase... Nós damos um problema impossível ao estudante universitário. Que é... Tem uma ideia hoje, daqui a três semanas essa ideia tem que ter mil clientes e a maior parte deles olham para nós e dizem mas vocês estão loucos ou o quê? E nós dizemos ok, nós vamos ajudar, vamos te dar cinco pessoas para trabalhar contigo mas, há três mas, tu não conheces as pessoas, todas as pessoas são de nacionalidades diferentes da tua e todas as pessoas são de backgrounds diferentes do teu. E portanto, a malta vem a andar toda astalada durante os primeiros 2, 3 dias porque em termos de cultura, de linguagem, de forma de liderar, é tudo diferente. Tu tens o americano que diz, bora lá, temos três semanas, vamos começar. Tens o asiático que, ok, eu ouvi o que vocês disseram, eu vou para casa agora ou amanhã dou-vos a minha resposta. E o americano passa-se e diz, mas tu estás louco? Disseram-me três semanas, temos que ir já, já, já. E o europeu que começa, malta, vamos encontrar aqui um consenso para a malta trabalhar em conjunto e não seguir. Depois tens o africano que já está a fazer não sei o quê, já tem metade das coisas feitas e ninguém sabe o que é que ele está a fazer. Cada um tem a sua forma diferente de trabalhar. Mas é muito interessante porque passado dois, três dias nós entramos com os nossos mentores e dizemos, malta, isto agora tem que correr melhor. Quer haver um líder até ao final do dia, quer haver tasks definidas até ao final do dia e quer haver um protótipo feito até sexta-feira. E portanto, não quero saber como é que vocês arranjam a maneira de fazer isto, mas agora vocês têm que arranjar uma solução. E o que é certo é que eles... De repente há ali um clique e eles percebem que é tipo... Nós temos muito pouco tempo e ou a gente se entra diretamente no jogo ou então isto não vai resultar. E é interessante é ver a perceção deles no final. A perceção deles é... Isto é muito, muito duro, mas não é impossível. A próxima vez que o chefe vier com o task impossível, a tarefa impossível e lhes disser eu quero isto feito daqui a uma semana se não estás na rua, eles analisam aquilo como isto vai ser muito duro, mas a gente vai conseguir porque eu já vi o impossível e é possível, e mesmo as equipas com quem eles vão estar a trabalhar que pensam, não, isto é impossível eles, apesar de... Como fizeram esta aprendizagem passam a passar este mindset também para todos os outros ou seja, os 500 que fazem a aprendizagem, depois aquilo faz o propels, não é? Para milhares de outras pessoas com quem eles vão ter contacto, seja colaboradores amigos deles ou quando eu quero montar o meu próprio projeto, eu já não tenho o medo que tinha anteriormente, Tenho medo de falhar, tenho medo de que isto é impossível. Não, o máximo que pode acontecer é isto, dar imenso trabalho. Mas vamos tentar. E é esse mindset que é muito interessante. E é essa forma de pensar que nós queríamos muito introduzir cá em Portugal. E uma das formas de o fazer foi... Eu arranjei um sponsor que pagasse bolsas para estudantes portugueses, com 10 universidades portuguesas e que tivesse a oportunidade de trazer muitos estudantes portugueses para dentro deste programa. Ou seja, no primeiro ano fizemos 75. De todos, 75 eram portugueses. Este ano, de todos os 500, 100 eram portugueses. Ok.
José Maria Pimentel
Bolsas para participarem no programa.
Ricardo Marvão
A forma como a gente o faz é o sponsor paga 4 bolsas em 5 e a universidade tem que bancar a 5 bolsa. Mas tem que bancar, se não bancar ninguém vem. E portanto é uma forma de... Ok, vocês pagam 20%, a gente paga os 80% mas toda a gente participa e toda a gente participa também financeiramente. E, portanto,
Ricardo Marvão
toda a gente está empenhada em que resulte. É isso. E depois as universidades estão empenhadas,
Ricardo Marvão
arranjam os melhores alunos, querem também que o melhor aluno da Universidade X mostre que, ah, nós tivemos o melhor aluno que apresentou durante o verão o melhor projeto na Innovation Academy. E isso tem sido muito interessante ver a dinâmica. No primeiro ano foi mais soft, no segundo ano muito mais uma competição agradável entre as universidades portuguesas, porque tens que ver que Os projetos também são com... Os portugueses estão enfiados em grupos diferentes.
Ricardo Marvão
Pois, porque nenhum fica contra o português. É, e portanto, como tens essa dinâmica,
Ricardo Marvão
também é muito interessante ver que, se calhar, alguns deles nunca tiveram a oportunidade de sair a Portugal. E a primeira abordagem é que eles estão com várias nacionalidades, com diferentes línguas... Diferentes culturas, não é? Diferentes culturas e diferentes formas de trabalhar. E isso eles voltam para a universidade no ano seguinte e já trazem outra forma de pensar. E no fundo dá-lhes um...
José Maria Pimentel
Eu acho que a universidade é sempre um período em que tu estás por um lado num local privilegiado para aprender e com tempo para o fazer, mas às vezes falta a experiência prática, e prática não tem que ser de uma empresa, prática da vida que depois virá depois disso, e muitas vezes a pessoa pensa, se eu soubesse isto quando estava na universidade, tinha aproveitado muito melhor aquele tempo para aprender uma coisa qualquer e no fundo essa experiência permite-lhes ter essa espécie de simulacro de realidade e ainda por cima de realidade internacional. É engraçado o que vocês fazem de propósito para que eles se lixem, não é? Basicamente. Não é? Vocês querem mesmo que a coisa corra mal no início?
Ricardo Marvão
O objetivo é ser duro, não é? Ser impossível, não é? Mas tipo... Também, o meu pai sempre me diz, tipo, se não tiver... Se não for difícil, não tem piada nenhuma. E aqui é a mesma coisa. O objetivo é que eles percebam que aquilo que parece impossível é muito duro, mas é possível. Mas também tens de dar alguma ajuda, mas tens de dar dificuldade suficiente para eles verem que isto não é fácil. E tens de ver que estas três semanas em que eles estão a trabalhar É full time. Nós só damos duas horas de conteúdo no início, das 10h ao meio dia e o resto é sempre a trabalhar, inclusive a fins de semana. Não há pausas, não há nada. Não há vou para a casa dos pais, nada, zero. Não há namoradas, não há... Por acaso há sempre uns casais que se formam, mas isto é tão intenso que é normal. E nós temos tipo, temos tido sorte, temos tipo 60, 40 em termos de rapazes e raparigas. Mais rapazes do que raparigas, mas estamos a melhorar. E pronto, e tem sido muito interessante ver e agora acho que este ano, com mil, já vai ser um desafio ainda maior.
José Maria Pimentel
Sim, é verdade, é verdade. É engraçado porque eu estava... Quando estava a falar com o Afonso Eça, que estava a traduzir ainda em off, nós estávamos a falar a propósito do ensino e sobretudo o ensino universitário. Há uma tendência que se nota, que eu tenho notado e ele confirmou que tem notado também, e que é um bocadinho... Eu acho que está enquadrada na mesma macro-tendência do que isto, mas de certa forma é quase o oposto, que é, por um lado, tu queres que a universidade abra o máximo de horizontes possível, ou seja, torne-te mais flexível, no fundo, mais capaz de funcionar em ambientes completamente diferentes e em, quer dizer, resolver problemas que exigem maneiras de pensar completamente diferentes. Portanto, à partir da universidade deve tentar fazer isso, mas depois ao mesmo tempo tu tens de ir nos últimos anos. E isto não é independente, no fundo, de uma cultura de trabalho na qual eu acho que o empreendedorismo se enquadra, mas que aqui tem um efeito diferente que é de a pessoa ir para a universidade com o objetivo de trazer lá uma espécie de crachá, uma espécie de diploma relacionado com eu sei fazer x, eu sei fazer y, que é exatamente o contrário, que é um sistema fechado. Eu sei de finanças empresariais, ou eu sei de engenharia de sistemas, ou eu sei de outra coisa qualquer que no fundo me dá uma espécie de crash-hack que eu depois posso apresentar a outra empresa ou a outra organização que me vai contratar versus quase a incerteza que está associada a ser a sua traão ao teu próprio caminho quer dizer que no fundo é um bocado... Acho eu o que vocês tentam fazer com esse tipo de iniciativa e no fundo acabam por ser coisas um bocadinho... Se calhar são complementares, mas em certo sentido são um bocado antagónicas, não é? Então, pensa assim. Um,
Ricardo Marvão
o que seria se o mercado de trabalho não te exigisse esse tipo de crash-hall? Dois, Se tu pensares que o que tu estás a ter na universidade é conteúdo e, portanto, podes ir buscar esse conteúdo em qualquer lado, até no YouTube, e podes comprar um livro e ler e tens esse conteúdo e demonstras que sabes esse conteúdo e, portanto, porquê é que tu irás estar numa universidade? Qual é que é o objetivo? No outro dia estava a falar com o Daniel Traça, o dinheiro nova, e ele estava a dizer o porquê de criar um campus universitário, o porquê de criar um espaço físico, sendo que esse conteúdo está tão disponível. Mas, na realidade, é muito estares num espaço seguro para poder trocar ideias, estar num espaço onde tu sabes que vais trocar ideias com os teus peers e que esses peers te vão puxar para novas formas de pensar e isso também e interação entre os estudantes e os professores, a parte humana, que tu não consegues ter do livro e que não consegues ter do YouTube. E, portanto, é verdade que a Universidade... E algumas escolas que estão a tentar fazer de formas, formatos diferentes, já te vou contar um muito interessante. Mas tem sido muito interessante ver que as unidades estão a olhar muito para isso, estão a tentar criar espaços onde não há um interesse tão grande para que as pessoas estejam na sala de aula e que participem diretamente na sala de aula, mas que estejam a participar entre eles e que haja uma interação forte entre eles e, portanto, o campus tem que ser um espaço onde as pessoas venham por causa disso e não porque o professor X marca falta se ele não estiver na aula. O que não faz sentido nenhum hoje em dia. Nós estivemos numa escola que é a 42 E a 42 foi criada pelos grandes franceses que depois se juntaram com o Xavier Nile, que é um grande empreendedor francês que investiu na escola e basicamente a escola é uma escola de código, mas é uma escola que acima... Código de computadores. Sim. E acima do código é uma escola que é o... É o Ensinar a Aprender. Como é que funciona? Eles basicamente têm um staff pequeniníssimo. Eles têm dois campos, um em Paris e um em Fremont, nos Estados Unidos, na Califórnia. E têm tipo mil alunos e são para aí seis ou sete staff. That's it. Não há mais nada. Porquê? Porque não há professores, porque não há grades, porque não há exames e porque tudo é feito com um exame de admissão, que é muito simples, eles chamam-no de apicina que é basicamente um mês inteiro em que tu tens todos os dias às 8 da manhã, tens um novo desafio e tens até à meia-noite para resolver e fazes como tu quiseres. Queres trabalhar com o teu peer ao lado, com o companheiro, queres arranjar um grupo, queres... Tu decides como é que vais resolver o... Mas tens até à meia-noite para resolver. E o objectivo é passares desafio em desafio, todos os dias, durante um mês inteiro, inclusive a fins de semana. Se chegares até ao final e cumprires todos os desafios, entras na escola. A escola é grátis, durante um ano tens formação grátis e és tu que decides a partir daí o que é que tu queres aprender. E depois vais aprender com os teus peers. O objetivo é não ter os mentores ali a ajudar... Não, o objetivo é dar-te liberdade total para tu pensares o que é que queres e descobrir como é que o podes fazer. Não consegues sozinho? Fala com o teu colega do lado. Não consegues com o colega do lado? Fala com os outros. Não consegues com os outros? Procura na net. Não consegues na net, arranja a escola toda. O que for o objetivo é que não pares de tentar encontrar como é que se chega à solução. E tem sido muito interessante ver a evolução da escola e, por exemplo, quando nós estivemos lá, foram os próprios alunos que nos apresentaram à escola. Não havia staff a dizer, bom, agora vamos mostrar onde é que estão os alunos. Não, foram os alunos que nos receberam. Os alunos é que mostraram como é que aquilo funcionava, mostraram-nos, está aqui o programa educativo, está aqui o que é que a gente aprende. Então, mas e como é que vocês evoluem? E eles próprios explicam. Então, mas como é que é a parte pedagógica? E eles próprios explicam. Mas se eles aprendem
José Maria Pimentel
sozinhos, de certa forma, é isso? Sozinhos com os outros todos? De forma... Sim. Mas não...
Ricardo Marvão
É peer learning. Sim. E tem sido muito interessante ver a evolução, foi considerada a melhor escola de coding do mundo o ano passado e tanto é que só há dois campos, Mas agora tem sido muito interessante ver como é que há imensos países que querem replicar e neste momento já há 10 países que replicaram exatamente o mesmo estilo de escola. Basicamente focam-se em falar com eles e replicam exatamente o mesmo modelo. Isso é engraçado e eles não saem de lá com nota? Não, saem com uma... O objetivo é sempre essas pessoas vão de ir trabalhar para alguém ou vão criar as suas próprias empresas. Mas são tantas, neste momento há tanta necessidade de pessoas nesta área que eles facilmente encontram imensas empresas que querem é que eles façam um estágio na sua empresa e que depois prosseguam na...
José Maria Pimentel
Então, mas deixa-me ser um bocadinho cínico. Certo. Qual é o... Qual é o... O entrave à complacência, neste caso, ou à preguiça, quer dizer, Não tendo notas e não tendo exames depois, tem aquele no fundo é-se um grande desafio de admissão, mas depois não tem. O que é que ali funciona, como entrava... Eles basicamente não cruzaram
Ricardo Marvão
os braços e dormiram e é cesta, não é? Assim, como não tem um custo, significa que tu tens de trabalhar para conseguir que o teu posto se continue. Tipicamente eles só vão
Ricardo Marvão
dizer que todos os alunos que passam na piscina, que é muito duro, eles não têm problemas com ninguém, tipicamente. Porque percebem logo à partida que é muito duro entrar e, portanto, o esforço todo que fizeram no início tem que ser um esforço contínuo e agora é uma forma de eu aprender o que eu realmente quero. Tive aqui um esforço enorme a conseguir entrar, Finalmente percebi durante este mês uma forma de conseguir encontrar soluções de outra forma que não aquela de chamar o professor e agora tenho a oportunidade aqui fantástica de ir aprender o que eu quero e focar-me naquilo que eu quero aprender E o que não é nada fácil, tipo, não há escolas que tipicamente façam isso, tipo, eu posso estar numa universidade e dizer assim, eu quero aprender sobre botânica e física quântica e, sei
Ricardo Marvão
lá... Sim, ciúmes. Genética.
Ricardo Marvão
Sim. Mas quero aprender tudo agora nos próximos três meses. Até se calhar a forma de dar isso é dada em três sítios diferentes da cidade. Ali não, ali é a possibilidade de eu poder decidir o que é
José Maria Pimentel
que me interessa. Sim, isso é muito giro. O único... Quer dizer, não diga inconveniente, mas se calhar a limitação desse modelo noutras áreas é que... Isso é muito bom para a criatividade, mas no fundo está a se eliminar o mecanismo de mediação, que é o professor que eu acho que em Portugal tem tipicamente um papel exagerado historicamente mas que não acho que tenha um papel desnecessário. É
Ricardo Marvão
verdade. O modelo não é para tudo. O objetivo é tentar um novo modelo. Não estou a dizer que é
José Maria Pimentel
o modelo perfeito. Claro, claro, exatamente, sim, sim, de
Ricardo Marvão
acordo. Agora, acho muito interessante ver pessoas que estejam suficientemente tentadas a ver outros modelos.
José Maria Pimentel
Sim, sim, exatamente. É um risco, não é? Uma espécie de... Sim. Eu, por acaso, esse... Como é que se chama a escola? 42. 42. Depois eu acrescento nos links do podcast. Tem muita piada isso, por acaso, esse modelo. Mas isso, olha, isso até vai um bocadinho ao encontro, eu puxo um bocado a brasa à minha sardinha, daquilo que eu estava a dizer há pouco e que tu discordaste, eu acho giro, é que acabaste a ter piada, explorarmos isso um bocadinho mais, Aquela questão das skills, ou seja, da pessoa ter... Trazer uma espécie de crachá da universidade. Aquilo que tu dizias da conversa com o Daniel Traci, que eu concordo completamente, que a universidade deve ser um espaço de... Onde a pessoa possa pensar em segurança, e lá está a falhar em segurança até. E isto sem lirismos, não é? Não é uma coisa poética, idealista, mas é de facto o espaço onde a pessoa deve. Sobretudo, aprender a pensar. E o problema, para mim, do enfoque nesta questão das skills e de tu teres uma coisa, das pessoas escolherem por exemplo, ter uma profecia que é cada vez maior por cadeiras, que tenham associada uma coisa palpável em termos de de aquilo que aquilo te dá de capacidade, daquilo que te ensina e que tu depois podes lá estar a apresentar a uma empresa como Crashá, é que isso... Obviamente que isso é necessário em certo sentido, da mesma forma que estes mecanismos de mediação dos professores, por exemplo, são necessárias, mas é limitativo da criatividade e é limitativo daquilo que a universidade... Do propósito que a universidade tem, que é um propósito que tu tens. Não digo que tenhas uma vez na vida, mas felizmente cada vez mais não tens, mas daquela forma pura, provavelmente tens uma vez na vida, que é a possibilidade de estar a aprender, sobretudo a pensar e não a fazer aquilo que depois farás quando provavelmente fores trabalhar que é ter... Que ser pragmático e fazeres uma coisa que é um meio para atingir um fim qualquer, que estás a... É-te pedido que faças qualquer coisa e tu tens que resolver aquele problema, enquanto na faculdade podes ter uma perspetiva um bocadinho mais, se quiseres, diletante, em certo sentido, mas que é o local para ter e eu acho que esse projeto, por exemplo, vai um bocadinho ao encontro disso.
Ricardo Marvão
Tu acreditas mesmo nisso? Acreditas que é só na universidade que tens esse tempo e esse espaço.
José Maria Pimentel
Eu acho que cada vez mais não é, mas é
Ricardo Marvão
o estado mais puro disso. Sim, mas tipo, será que não caminhamos para um caminho em que é um lifelong learning e tu tens que ter exigido devido a tudo aquilo que te passa à volta? Tipo, nós vivemos numa cidade que cada vez caminha mais rápido vivemos numa cidade que cada vez tem mais informação, numa cidade que cada vez tem mais tecnologia que nos ajuda e desajuda em imensas coisas no nosso dia a dia Claro,
José Maria Pimentel
cada vez mais complexa, não é? Cada vez mais... No bom e no mau sentido.
Ricardo Marvão
Sim, e cada vez tem mais interações a nível nacional, internacional, há imensas coisas que nos afetam que nem sequer estão à nossa volta. Por vezes são coisas que estão completamente até noutro país que nos afetam diretamente. E chega um ponto em que, seja tu estares como manager de uma empresa, ou líder da empresa, ou mesmo colaborador dentro da empresa, tu queres continuar a aprender. E esse estado, é verdade que não pode ser tão puro, porque não tens tanto tempo. Sim, claro, e tens outros compromissos. Eu hoje de manhã estava a falar com um belga que veio visitar a BTI e ele estava a dizer, estava a lhe explicar o que é que a gente estava a fazer e ele estava a me dizer, ah, é fantástico vocês terem tempo para vocês realmente verem as próximas coisas que vocês realmente querem fazer. E eu disse-lhe, não, é ao contrário tem a ver é tu quereres ou não estar sempre a avançar, seja com a tua organização, seja contigo pessoalmente E se tu quiseres, tu tens que fazer esse esforço para arranjar esse tempo. É mandatory. Não há aquela coisa de... Ah, não, agora vocês já são grandes e têm tempo para pensar. Não. É uma necessidade, não só porque Isso atrai outro tipo de pessoas. A BTI tem muitas pessoas, por exemplo, que vêm por causa do propósito e por causa dos projetos em que estão envolvidos e porque sentem que estão a fazer a diferença. Ou seja, trabalham em coisas que tipicamente não teriam a possibilidade porque sabem que estão a fazer coisas na crista da onda. E trabalham nisso porque nós puxamos para que isso seja, dando liberdade total e dando também a noção de que isto pode falhar e nós estamos ok com isso. E se for ao charco, paciência, resolve-se. Agora, não vamos é... Isto tem um risco muito grande, e portanto não sabemos bem, e portanto vamos esperar, ou se calhar mais tarde vamos tentar. Não! Se faz sentido. Se no mercado nós lemos que a próxima coisa que é preciso evoluir, a próxima coisa que é preciso trabalhar é x ou y ou z, vamos agarrar isso. E se calhar vamos tirar recursos de uma coisa que já está ok no mercado e que a gente não precisa dispor a mais e nem precisamos de ajudar porque há outros players que já estão a fazer bem e vamos pôr esses recursos na próxima coisa. Só assim é que tu consegues também trazer as pessoas que... Imagina, há muitas pessoas que vêm até connosco que estão naquela fase de transição de trabalho tipo estão 10, 15 anos num trabalho e chegaram àquele ponto em que querem fazer uma coisa diferente. Durante um, dois anos, o que eu quero agora é focar-me numa coisa que acredito mesmo e quero muito trabalhar com novas pessoas que acreditem comigo, que puxem para a frente e que não estejam com medo. E que não haja aquele entrave de ah não, mas e o budget? Ah não, mas e se pôr o ano? Ah não, mas agora não sabemos bem se podemos fazer? Ah, a estratégia da empresa mudou? Não! Vamos trabalhar em coisas que realmente façam a diferença. Eu se calhar até posso estar a ganhar muito menos do que ganhava no meu anterior trabalho. Mas eu estou ok com isso. Eu percebo que aquilo que eu ganho por estar a trabalhar numa coisa destas é muito mais valioso do que o dinheiro que eu ia ganhar na outra empresa. Porque estou nessa fase. E nós temos muitas pessoas que passam pela Beta-I exatamente nessa fase, que é uma fase muito interessante porque é uma fase em que as pessoas já vêm e já têm a experiência suficiente para nós não termos que ensinar tudo. Já vêm e é quase tipo na semana seguinte já estão a bombar porque percebem exatamente onde é que é preciso chegar. Claro que há sempre ajustes, mas é muito mais fácil. E tem sido muito interessante também enriquecer a organização com esse tipo de pessoas. Porque essas pessoas depois trazem a network deles, trazem a experiência toda que veio por vezes de organizações sem fins lucrativos, por vezes de grandes corporates, por vezes de setor público, por vezes de organizações de startups ou de PMEs muito interessantes, mas que por algum motivo disseram ok, that's it, agora eu vou para o próximo projeto. E essa noção de ter tempo para fazer as coisas, e é a mesma coisa na universidade, ter tempo para... Se calhar eu preciso me desafiar, mesmo no meu próprio emprego e mesmo na minha própria liderança, o que tiver a fazer, e eu digo isto não é um luxo, isto é mandatório. E só com um tipo de pensamento assim é que eu vou continuar a crescer como ser humano para a minha organização também, pessoalmente, e acho que a esse tempo estamos a chegar exatamente a esse ponto. Claro, eu concordo completamente contigo, Alésio. Eu
José Maria Pimentel
acho que isso só pode ser visto como um luxo no curto prazo absolutamente imediato. Por basta tu pensares a médio e longo prazo, percebes que aquilo não é um luxo, é uma necessidade. Quer dizer, uma pessoa... Tu informar-te sobre... Tu, agora estou a dizer, no teu caso isto faz mesmo parte da teua trabalho, quer dizer, mas uma pessoa que não faça parte deste ecossistema de inovação e empreendedorismo, informar-te sobre novas indústrias, novas tecnologias, novas maneiras de trabalhar, por exemplo, ou o que seja, isso só é um luxo se a pessoa olhar, pensar no horizonte do dia a seguir, porque se pensar no horizonte de 10 a 20 anos é uma necessidade. Obviamente, não é? É essencial para a pessoa...
Ricardo Marvão
Mas como é que tu incutes esse tipo de mentalidade nas pessoas? As pessoas que, se calhar, há 20 anos trabalham da mesma forma. E mesmo nas universidades, imagina... Descendo aqui um bocadinho... Vamos aqui um bocadinho deeper. Imagina professores nas universidades e professores que estão há 30 anos a dar as mesmas matérias e que até se calhar são professores catedráticos, que é tipicamente muito difícil de despedir, não dá?
Ricardo Marvão
Não estou a ver. Sim, é virtualmente impossível. Como é que tu fazes?
Ricardo Marvão
Deixas as pessoas chegar a um ponto em que, olha, um dia eles vão se reformar, ou um dia onde falecer, ou outra coisa qualquer? E é a forma de limpar um bocado o sistema? Ou pensas, será que ainda há a possibilidade de mudar a mente destas pessoas para outra coisa? Será que vale a pena tentar? Tipo, há aqui um... Não é só nas grandes empresas que há este tipo de coisa, as universidades estão cheias disto, as entidades públicas estão cheias disto, mesmo organizações que estão a evoluir muito, e dentro da BTI é a mesma coisa, a pessoa constantemente tem que estar sempre à procura de como é que se evolui para as pessoas pensarem e mudarem o shift. Se calhar não é até aqui que vamos chegar, até a um certo ponto, não, é dez vezes mais acima. E, portanto, mesmo dentro da nossa organização, se calhar as pessoas que estão a pensar que vamos chegar a um determinado ponto e agora a nossa ambição é dez vezes isso, há algumas pessoas que dizem, não, mas aí é demasiado para mim e eu para isso não estou para ir virado, quero outra coisa. E é preciso perceber, numa entidade privada é mais fácil, numa entidade pública é mais difícil. Mas como é que se criam sistemas para, mesmo que não seja possível tirar essa pessoa, renovar essa pessoa? Porque essa pessoa, tipo, pode ser renovada, pode ser alterada, fazer um shift de mindset. A pessoa pode não acreditar à primeira vez, pode não acreditar à segunda, mas se a pessoa não... Isso é um long-term commitment, e a pessoa vai ficar ali, se calhar, ainda mais 10 anos, então mais vale, mais vale
José Maria Pimentel
fazer o esforço, mais vale puxar por essa pessoa. Se Se conseguir dar-lhe alguma coisa que a motive e que ela sinta propósito, isso é, na maioria dos casos, isso é conseguível. Deixa-me perguntar-te uma coisa interessante a propósito da... Nós ainda não falámos muito em empreendedorismo, estamos um bocado tangencialmente sempre a esse tema. Houve uma coisa engraçada que eu falei com o Afonso e que era, acho que era interessante ter a tua perspectiva, até porque acho que não há uma, provavelmente não há uma solução perfeita para isso, que tem que ver com a altura certa para uma pessoa ou se quisermos, para isto aqui é mais de um ponto de vista social, mas se calhar, qual é a altura certa que nós devemos incentivar as pessoas a lançarem-se, por exemplo, num projeto próprio? E isso é uma coisa que tem estado muito em vogue nos últimos 6, 7, 8 anos, e as próprias universidades estão a investir muito nisso, o que ele dizia, e eu acho que é um ponto interessante, é que não se deve fazer, provavelmente, a altura certa não é quando as pessoas estão a sair da universidade, porque elas ainda não têm uma série de... Não têm uma aprendizagem que venha qualquer um de nós nas primeiras experiências profissionais que nós temos. Saber estar em reuniões, saber falar, saber apresentar, quer dizer, no fundo, ganhar hábitos de trabalho, uma série de coisas. E depois em conversa com outro amigo meu, ele dizia, levantava outro ponto que eu achei interessante, que é mais focado, se calhar, no contrário disso, que é o teu custo de oportunidade. Ou seja, se tu esperares muito tempo, o custo de oportunidade de tu te lançares num risco desses também vai aumentando, porque depois já... Se calhar já tens filhos, já estás casado e, portanto, começas a ter... Socialmente, se calhar, também não é desejável encorajar as pessoas a fazê-lo mais tarde, porque haverá menos pessoas dispostas a tomar esse risco. Qual é a tua visão em relação a isso?
Ricardo Marvão
Sim, há várias perspetivas e também podes incluir a perspetiva de a maior parte das pessoas quando quer arriscar não arrisca perto das pessoas que conhece. Ou seja, imagina, as pessoas vão para fora é muito mais fácil eu atirar-me a um projeto empreendedor fora do sítio onde tipicamente tenho pessoas que conheço, porque não me sinto tão... O
José Maria Pimentel
estigma de falhar é muito menor, não é?
Ricardo Marvão
É isso mesmo. Mas há aqui um ponto importante, e eu acho que Tem havido muita conversa sobre startups nos últimos anos. Nós começámos em 2000 ideias quando não se falava muito do assunto. Mas acho que é muito importante dizer que também isto não é para toda a gente. Porque... Montar o seu próprio projeto... Por senão não havia grandes empresas. Por senão não havia empresas com 20 mil pessoas, 30 mil pessoas, não havia.
José Maria Pimentel
Sim, nem acho que do ponto de vista econômico ou social fosse desejável.
Ricardo Marvão
Certo, mas se nós incentivarmos sempre os jovens e agora as pessoas que estão... Há muitas... E nós temos isso muito, temos tipo dois tipos grandes de empreendedores que vêm à BTI um é o jovem, acaba de sair da universidade, 21, 22, 23, cheio de energia, vão mudar o mundo e o segundo é aquelas pessoas com 10, 15 anos de experiência corporate, que conhecem muito bem o mercado, conhecem bem a concorrência, um dia viram uma lacuna no mercado, começam a pensar numa ideia e um dia acordam e dizem ou é hoje ou é nunca. E eu sempre quis fazer o meu próprio projeto, eu sempre quis ter a minha própria startup ou negócio e têm alguma solidez financeira que conseguiram nos últimos anos e sentem que se eu não fizer isto agora eu vou me arrepender para o resto da minha vida eu vou chegar aos 60 anos e vou pensar porquê que eu não fiz aquilo? Nem que seja tentar, nem que seja tipo um, dois anos, vou experimentar. Se falhar, olha, paciência, mas pelo menos tentei. Mas isto não é para toda a gente Eu acho que é muito importante pensar na lógica, exatamente como a montagem numa startup. O tentar perceber se a pessoa é empreendedora ou não, ou tentar fazer um projeto, é da mesma forma. Ou seja, eu vou testar primeiro se isto é para mim ou não. Se calhar não é para mim. E faço uma coisa de uma semana, um mês, máximo. Já dá perfeitamente para ver. Basta isso para perceber se... Se na primeira semana eu perceber Epá, isto afinal dá imenso trabalho. O quê? Mas eu agora tenho que fazer tudo. Então, mas eu estava habituado a alguém que tratava das outras coisas todas. Eu tenho que ser o financeiro e tenho que ser o que trata do produto e depois ainda tenho que ser o admin e depois ainda tenho que ir tratar das folhas para dentro da impressora e depois ainda tenho que ir contratar e ser o HR e não sei o quê, ou seja, dentro de uma pequenina startup a pessoa faz tudo, não é? E não
José Maria Pimentel
há mal nenhum e não quer fazer
Ricardo Marvão
isso. E tem que estar ok com isso e tem que perceber que isso não é uma coisa que vai durar um ou dois dias,
Ricardo Marvão
se calhar vai durar anos. Pois, se sabes que o problema, se calhar, há um risco em nós
José Maria Pimentel
estimularmos se calhar demasiado este tipo de iniciativas. Antigamente, claramente, estávamos muito à cair do ponto de equilíbrio. Hoje em dia, eu pergunto-me se nós estaremos além do ponto de equilíbrio ao estimular, no fundo ao criar uma moda em torno do empreendedorismo, a pessoa lançar a sua própria iniciativa, que depois faz. É um bocado como aqueles cursos que se tornam moda e depois têm pessoas que não acham graça nenhuma aquilo no fundo. Tu chamar as pessoas que vão, levianamente, mas legitimamente, tentar esse caminho e que depois descobrem que... O que me vais responder é que descobrem rapidamente. Pois
Ricardo Marvão
assim, mas eu acho
Ricardo Marvão
que há outra componente aqui importante que é o crescimento do ecossistema em Portugal. Ou seja, se tu olhares para uma Berlim ou uma Paris ou uma Londres, eles todos já passaram por isto. A mesma coisa que está a acontecer em Lisboa. E nós há... Berlim, há 10 anos atrás, era aquilo que Lisboa está a passar agora, ou há 8 anos atrás. E, portanto, está numa fase em que nós estamos a passar uma fase interessante do ecossistema de empreendedorismo em Portugal, que é a fase em que tu tens as primeiras IPOs, os primeiros exits e começas a ver que, isto afinal, até dá dinheiro. E alguns destes empreendedores que agora passam a fazer as IPOs e exits, em princípio vai começar a haver algum give back. Como é que alguns destes empreendedores começam a dar de volta ao ecossistema que os ajudou no início e que conseguem, se calhar, criar um fundo pequeno de Pre-Seed para investir em startups ou criam uma escola para developers ou arranjam um espaço e oferecem às startups para poderem trabalhar e é uma forma de give back para o ecossistema. Esta fase do ecossistema que estamos a passar agora é uma fase muito interessante mas se nós olharmos para aquilo que aconteceu em Brelim, estava a acontecer exatamente a mesma coisa. A febre de startups nos estudantes universitários era exatamente a mesma coisa e a febre de concursos de startups era exatamente a mesma coisa. Porquê? Porque tu começas a ver, de repente, há X unicórnios que aparecem e há X número de startups que levantam 10 milhões de euros, 20 milhões de euros, 30 milhões de euros. Aquilo está consequentemente nos mídia todos os dias há qualquer coisa que está a acontecer. Como é óbvio é como quase ser tipo de repente aparece uma música qualquer que fica na
Ricardo Marvão
moda. Aqui também fica na moda. E isso afeta os estudantes universitários, afeta o público em geral, afeta tudo. Claro, mas sabes que há outro risco, se calhar a palavra certa,
José Maria Pimentel
que existe em Portugal, e eu arriscaria a dizer que não existia na Alemanha, embora esteja a falar de cora, mandar isto para o ar, que é o facto de... Nós temos uma... Nós enquanto país temos uma espécie de escassez de sucessos. Ou seja, temos uma... Temos. Temos... Descobrimentos. Como? Tivemos os descobrimentos. Justamente, ou seja, temos sempre... Porque não faltam
Ricardo Marvão
sucessos. Não, não.
José Maria Pimentel
Como o nosso sucesso é os descobrimentos, estamos sempre projetados. Na escola isso é nos incutido e, portanto, temos sempre... Estamos numa espécie de privação de sucesso permanente. Uma espécie de grandeza. O que significa que, cada vez que há algo... O fenómeno mais fácil é o da seleção nacional, é sempre que Portugal se porta bem numa competição qualquer internacional, isso gera um furor e o empreendedorismo, a iniciativa, as startups, toda esta onda tem criado um bocadinho esse fenómeno que eu tenho algum receio de que politicamente, no dia, e isso é inevitável que aconteça, e comece a haver empresas que correm mal, isso é inevitável... E
Ricardo Marvão
há imensas que correm mal, João. Não, não, mas eu digo... Hoje
José Maria Pimentel
em dia. Há imensas pequenas que correm mal, mas quando aquelas que surgem nas notícias, ou seja, aquelas que já entraram em fase da IPO's e FX's, começarem a correr mal, haja uma espécie de retrocesso porque foram colocadas no fundo demasiadas fichas neste projeto. Não sei se me entende.
Ricardo Marvão
Então e se fizesse uma análise com as empresas que hoje em dia conheces tão bem e que estão todas a sair em bolsa? Estão todas a? Desculpa? A sair de bolsa. Claro, claro. E que têm graves problemas e que há 20 anos toda a gente dizia isto vai ser uma empresa gigante e hoje em dia estão com graves problemas ou estão a ser compradas ou adquiridas por grupos estrangeiros. Não é
José Maria Pimentel
a mesma coisa? Não, é. A diferença é que o país não se projetou aí da mesma forma... O país projeta-se
Ricardo Marvão
imenso com... Se eu tiver uma galp que de repente é comprada, o que é que achas que vai acontecer? Nós não... Eu acho que se nós projetarmos apenas o prisma nas startups, Sim, claro, vai chegar a um ponto em que vamos ver que, olha, isto há algumas coisas que vão falhar, mas... E o quê? Isso significa que a venda das nossas empresas todas a grupos estrangeiros, desde a Fosun e a Vintch e não sei quantas outras que vieram e compraram as nossas maiores empresas, isso também não é uma derrota para o país? Claro, claro.
José Maria Pimentel
Mas atenção, uma coisa não invalida a outra e o que eu quero dizer com isto não é uma crítica ao fenómeno, é um medo que eu tenho de que se esteja a investir agora com um excesso de entusiasmo irrealista e que depois, à mínima contrariedade, haja uma espécie de recuo até político. Ou seja, tu tiveste um... Tu tens hoje em dia um apoio
Ricardo Marvão
à inovação que é... Olha, se calhar, os poucos consensos de Estado que existem. Sim, mas ainda é muito pequeno. Há muito apoio político de mídia e de visibilidade, mas não
Ricardo Marvão
há grande apoio em termos financeiros. Tu vais ver as contas do orçamento do Estado e não é assim por ir além. E, portanto, acho que ainda se pode fazer muita coisa sobre isso. Acho que o Estado também quer que haja mais iniciativas privadas a puxarem por esse caminho. Acho que ainda há muito trabalho que pode ser feito nisso e especialmente eu acho que há uma coisa que... E aí sim eu acho que é um problema de Portugal, que é... Nós não somos um país muito focado. Tu vais ver muitos dos países que conseguiram entrar em algumas áreas específicas e que hoje em dia são líderes nessas áreas e eles, tipo, têm uma estratégia a longo prazo. Olha, nós vamos focar em duas, três áreas no máximo e durante os próximos 30 anos é isto que vamos fazer. E vamos ser líderes. E isso não acontece em Portugal. Porquê? Porque, sei lá, parece que todos os dias há uma nova estratégia para o país. E todos os dias há um novo foco. E pronto, e depois chega um dia em que não há aquilo que podia ser. Passaram uns 25 anos... Isso concordo, concordo completamente. E outras 5 ou 6 estratégias... Exatamente. E cada uma tinha lados opostos ou direções opostas e pronto, e ficamos aqui. E se calhar há alguém que há de aparecer e que diz, bom, agora a nossa estratégia é a 25 anos fazer X, e pode ser que consiga,
Ricardo Marvão
mas eu acho que estamos naquela fase que precisamos mesmo disso. Eu concordo completamente, sim. Nós temos um grave problema de estratégia a longo prazo. E depois
José Maria Pimentel
também... É zigzaguiento, não
Ricardo Marvão
é? Eu acho que também temos outro problema, que é muito comum em muitos países, que é o português. Um português e um estrangeiro têm exatamente o mesmo projeto. O português apresenta o projeto e a primeira coisa que lhe dizem é ah, este deve ter um padrinho, este deve ter um compadre ou qualquer no projeto, deve haver aqui uma marocha qualquer. O estrangeiro apresenta exatamente o mesmo projeto e é apresentado ao Primeiro-Ministro. E, portanto, há uma forma dos portugueses analisarem os seus conterrâneos que parece que validam muito mais um estrangeiro só porque é estrangeiro e tem uma percepção muito positiva do estrangeiro versus o português que deve haver aqui igual a coisa. E acho que como país nós devíamos evoluir muito nessa forma de ver os nossos conterrâneos, porque só nos está a fazer sofrer um bocado, mesmo a nível internacional. Tanto é que nós quando vamos para fora, e isso tu deves ver com amigos teus que estejam a trabalhar fora, eu também tive 10 anos fora, vemos muito que os portugueses são mega e que têm formas de trabalhar e que conseguem de uma forma espetacular fora. Chegam cá e de repente muda outra vez o mindset. Eles até veem, tipo, parece que passas a fronteira e o mindset muda. Entram de novo na fronteira e ficam com o Biteset outra vez. Parece que há ali um clique, é tipo, passas na fronteira e há alguém que clica no botão. Olha, vamos
José Maria Pimentel
mudar aqui o Biteset. E... Era aquilo que está um bocado relacionado com aquilo que falavas há pouco da apetência pelo risco aumentar quanto mais longe estás do teu ambiente natural
Ricardo Marvão
original. Mas como é que tu consegues trazer também, não só há 4K portugueses ótimos em Portugal que fazem coisas espetaculares e também há uns que estão fora e que estão a fazer coisas espetaculares, mas como é que tu consegues trazer também esses e introduzi-los de novo num contexto em que façam eles pensar que Portugal está diferente e Portugal quer ser diferente. Ou pelo menos que haja um pensamento para aí virado, que é, não, nós até agora fizemos isto desta maneira. A partir de hoje, para a frente, queremos analisar o nosso país de uma nova forma e acredito muito que ter áreas de conhecimento específicas, que não sejam muitas, que sejam duas, três, quais é que são essas áreas? Ter um trabalho específico, a fundo, que diga estas são as três áreas que Portugal pode ser líder no mundo. Concordo, sim. E que possas trazer as melhores pessoas para cá, sejam
Ricardo Marvão
elas portuguesas, estrangeiras, o que for. E tens um projeto a longo prazo e focado em áreas específicas. Isso. De maneira que daqui a 25 anos, ou daqui a 15 ou
Ricardo Marvão
o que for, as pessoas vão dizer não, Portugal é mega nesta área e é lá, é para lá que eu quero ir estudar, é para lá que eu quero ir trabalhar, é para lá que eu quero ir viver, é para lá que eu quero x, y, z, que não seja tipo, ah agora eu vou para lá porque tenho benefícios fiscais. Ah, eu vou para lá porque há sol e estou farto de Paris ou de Londres ou de... O sítio que tem frio. E que seja outra forma de convencer
José Maria Pimentel
as pessoas. Sim, e sobretudo sustentável, porque nenhuma dessas, mesmo o turismo... Obviamente que há um nível basal de turismo que provavelmente subiu, faça o que faça o que é antigamente, mas também há um lado conjuntural. Claro. E não é dificilmente a outra, não sei que sejas uma ilha tipo Seychelles, dificilmente o teu modelo de desenvolvimento em quatro países pode ser só o turismo. E há vários países que... Quer dizer, normalmente os países de sucesso, quer dizer, se falarmos de um caso tipo Estados Unidos, que é um país tão grande que tem muitas realidades diferentes, não é assim. Mas países mais pequenos normalmente têm determinadas áreas nas quais se especializam. Até a Alemanha, que é um país maior do que nós. Tu... Obviamente que isto é difícil de definir ex-ante, mas a tua perspetiva, quer dizer, da tua experiência em termos de áreas nas quais nós, enquanto país, nos devíamos focar,
Ricardo Marvão
quais é que seriam? Pergunta fácil. Não é uma pergunta fácil porque depende muito... As áreas a definir, tu podes dizer ou vamos ver os nossos recursos ou vamos ver quais é que são as áreas de futuro podes dizer, ok, temos estes recursos mas as novas áreas de futuro são outras e portanto... Convém cruzar as duas coisas, não é? Convém, mas também podes pensar, tipo, ok, há áreas de futuro mais, tipo, verticais e se calhar vamos apostar numa área da saúde, dentro da saúde alguma coisa, ou se calhar vamos apostar em alguma coisa na área de Biologia, ou o que for. Podes apostar nos recursos, ah, temos minerais, ou temos recursos humanos, ou temos, o que for. Ou então até podes pensar quais é que são as áreas que estão na merda, digamos assim, não sei se pode dizer.
José Maria Pimentel
Podes dizer sim, se não é da RTP. Mas que estão na merda
Ricardo Marvão
no mundo. Por exemplo, imagina a área de governance, ou seja, como é que podes criar novas áreas de liderança, seja para governos, para entidades locais, municípios, o cidadão, como é que aumentas a participação do cidadão? Porque nós neste momento, se tu fores a ver, nós temos, estamos a caminhar para um mundo em que poucos vão comandar as decisões de muitos e, portanto, ou nós conseguimos alterar um pouco isso rapidamente ou então isto vai ficar ainda pior e portanto, será que é possível criar novas formas de... Ou pensar em novas formas de governança e criar institutos e trazer as melhores pessoas e começar a pensar quais é que são esses novos métodos e prototipá-los e pilotá-los com os nossos cidadãos e dizer Portugal está a pilotar novas formas de governança e por isso as nossas eleições, a forma como a gente incentiva o cidadão a participar na vida ativa da cidade ou do país mudou e agora fazemos... Temos este caso e este caso e este caso ou então não, isso é um tema. Outro tema, por exemplo, podemos pensar o futuro do trabalho O futuro do trabalho é um tema que afeta toda a gente, seja qual for a área E o futuro do trabalho tem imensas dinâmicas, não só na forma como tu vais educar as pessoas, mas também a forma como tu vais trabalhar e a forma como tu vais contratar, a forma como tu vais fazer crescer a tua organização, até a forma como tu vais criar políticas públicas de crescimento do país. E, portanto, também podemos analisar, ok, em termos de futuro do trabalho, como é que podemos analisar isso? Depois, o outro tema que eu gosto muito e que acho que podia ser muito interessante é o tema que nós começámos aqui o podcast, que é estas novas formas de aprendizagem. Será que Portugal pode criar aqui um conjunto de pilotos que sinta... Porque estamos agora nesta fase, nos últimos cinco anos é que... Isso parece em cogumelos, está em todo lado estas imensas novas formas de aprendizagem. Seja para as crianças, estamos a trabalhar algumas nos estudantes universitários, nos executivos já há imensas coisas e acho que por aí não vamos lá, mas nos mais jovens e é aí que realmente podemos fazer a mudança imagina o que é um empreendedor que consiga olhar para... E já tínhamos falado disto... Consiga olhar para o risco como uma coisa positiva, consiga olhar para o falhanço como uma aprendizagem e não algo que não deve tocar e fica com esse estigma. E, portanto, se calhar também é uma área que podemos trabalhar e é uma área que também é horizontal em... Toca em imensas áreas. Portanto, estou-te aqui a dar três exemplos. Acho que há imensos, acho que tem que ser feito um estudo, não pode ser de um podcast que saia as ideias para o país. Mas são ideias.
José Maria Pimentel
Não, eu sei que era giro ter a tua visão porque claramente já pensaste sobre este tema muito e tens alguma experiência em áreas de inovação. Os exemplos que tu deres são exemplos engraçados, no sentido de exemplos interessantes. A única reserva que me ocorre, por acaso é quase transversal a eles todos, é como é que tu conseguirias, enquanto país, escalar isso enquanto modelo de desenvolvimento, não é? Quer dizer, tu tens... Por exemplo, os países nórdicos são modelos de governação, por exemplo, na maior parte das coisas. Sim. Servem de exemplo, não é? Agora... Sim, mas imagina... Se aquilo lhes vale...
Ricardo Marvão
Tu estás a dizer isso, mas imagina, começa com uma atitude muito simples que é ok, nós não temos nada, países nórdicos, há 50 anos atrás, nós não temos nada, os nossos cursos não são assim tantos e portanto, a única coisa que a gente tem são pessoas. O que é que a gente vai fazer? Ok, vamos pagar às pessoas para se educarem. Tu vais à escola e eles pagam-te para tu ires estudar. Não é tipo a educação é grátis. É, eu pago-te para tu ires estudar. A maneira é que a gente tenha as pessoas mais educadas possíveis e vamos usar as mentes de todas estas pessoas para avançar o país. Política pública de governança do país, pronto. E é uma atitude de vamos pilotar isto e ver o que é que isto dá. Hoje em dia, 50 anos depois, vê-se a diferença que acontece.
José Maria Pimentel
Claro, investimento em
Ricardo Marvão
educação, no fundo, no ensino. E nas pessoas, e não é uma coisa que foi só, ah, não, vamos voltar aqui algumas coisas, não, foi para o país todo, ou alguns
José Maria Pimentel
países. Eu digo isto porque isso... Tu falavas dessas ramificações horizontais e a educação, o ensino tem imensas e que claramente há muito de bom que pode vir daí, mas enquanto estratégia, como é que eu ia dizer, enquanto aposta do país, aquilo que para mim faria sentido e complementa isso, e que acho que está relacionado com o que estavas a dizer há pouco, é apostar em determinados setores, especificamente, houve aquela história há 20 anos, do Michael Porter, dos colésteres e não sei o quê, que foi completamente à vida, entretanto, como é hábito dessas coisas. Mas foi um projeto que ainda hoje em dia se fala dele. Pois fala, mas teve poucos... Que eu saiba teve poucas consequências. Mas, por exemplo,
Ricardo Marvão
isso é um ponto de partida. Isso é até uma forma de pensar no assunto, ok, tirar as aprendizagens boas disso, porque é que se fala ainda hoje em dia? Houve algumas coisas boas que saíram dali. E porquê que não correu bem? Por X e por Y e a gente pode replicar isso de uma ou outra forma. Hoje em dia há tecnologias que ajudam, há formas de pensar também que ajudam, há uma ligação muito mais forte com outros países e a gente tem as dinâmicas muito mais entendidas sobre como é que estas coisas podem realmente funcionar para o nosso país
José Maria Pimentel
eu acho que é de tentar. Sim. E de pensar de uma forma... O que falta aí muito é pensar de uma forma consequente, ou seja, ter um... Se quiseres dizer, um projeto a nível nacional que não só é sustentado no tempo, como tem um fim definido. Não é uma coisa só... Que bom que era nós termos aqui o Web Summit, por exemplo. Mas, claro que é bom, tem um lado que é bom em si mesmo, mas também outro lado que convém que seja um meio para atingir algo mais, convém que tenhas um objectivo a qualquer longo prazo. E, por exemplo, nós em Portugal temos... É engraçado que temos conseguido, e tu estás ligado a isso também, temos conseguido atrair algumas empresas estrangeiras até startups para cá. Temos, por exemplo, tu falavas de novas formas de trabalho, no outro dia estava a ouvir um podcast da BBC sobre trabalho remoto. Eu tenho um amigo que trabalha remotamente, ou seja, para uma empresa que não é portuguesa, então ele pode trabalhar de onde quiser e há muita gente estrangeira a vir para Portugal trabalhar remotamente para outros países. Normalmente lá está na área da programação informática. Só para teres
Ricardo Marvão
ideia, houve um estudo que saiu, acho que foi a semana passada, que dizia que hoje em dia 20% do trabalho é feito remotamente e que até 2021 vai ser 40%. Ou seja, daqui a três anos vamos ter 40%, vamos ter... Vindo para 40%, o que é uma enormidade. A forma de trabalhar é completamente diferente e Há um livro muito interessante chamado ReWork exatamente sobre esse tema. E... Não,
José Maria Pimentel
é giro, é giro. Embora também acho que tenha algumas desvantagens porque nós para todos os efeitos somos feitos para a interação. Ou seja, eu vejo muito mais isso como um complemento do que provavelmente como um substituto
Ricardo Marvão
do trabalho. Também, mas vais fazer o quê? Vais dizer que não? Não,
Ricardo Marvão
não, pelo contrário. É a mesma coisa que dizer, olha, vem a inteligência artificial. Não, não, ao contrário,
Ricardo Marvão
ao contrário. Não, não, eu digo é que... Não vem...
Ricardo Marvão
Ainda não é inteligência artificial, ainda está só no termo, ainda não existe mesmo inteligência artificial. Será que vai chegar um dia? Não sei, não sei, não me quer meter nisso. Não? Acho que vai chegar e cada vez mais rápido. Não é isso que eu digo,
José Maria Pimentel
o que eu digo é que vejo o paradigma futuro como uma combinação das duas coisas e não como um exclusivo de trabalho remoto, a não ser em determinadas áreas. Mas aquilo que eu tinha que perguntar, que acho que é um tema interessante, é que nós temos tido, lá está, temos alterado algumas empresas, temos também capacidades cada vez maiores de, lá está, organizamos coisas como o Web Summit, por exemplo, agora trouxemos a Singularity University, que é um projeto por trás do qual tu estiveste. E agora, sobretudo quando nós falamos de tecnologias de ponta, que normalmente são as mais ligadas à inovação, até por serem as mais escaláveis, por usar um elicismo, há desafios para um país que está geograficamente periférico, aqui periférico apenas no sentido de estar numa ponta da Europa e que é um país que não tem uma escala como, por exemplo, até países menos desenvolvidos como o Brasil, por exemplo, que tem uma escala gigantesca e que lhe permite ter um mercado grande. Existem desafios para um país como o nosso tentar que tenha a ambição de ser um país que cativa empresas desse género, que cativa a inovação e no qual a inovação ocorre. Claramente não é impossível, temos vários casos que isso tem acontecido. Agora, olhando para a frente, imaginando esse fenómeno expandir-se,
Ricardo Marvão
há desafios grandes, não é? Sim, mas, tipo, tu tens vários exemplos desde Israel à
José Maria Pimentel
Dinamarca à História... Pois, eu ia dar o exemplo de Israel, que é muito giro. Tipo,
Ricardo Marvão
há imensos países pequenos que conseguiram se desenvolver em áreas específicas. Em áreas específicas, exatamente. E que hoje em dia são líderes. E não é porque és pequeno e porque estás
Ricardo Marvão
numa situação geográfica diferente ao... Bem, é Israel então.
Ricardo Marvão
Sim, os vizinhos não são os melhores, mas ok, mas eles, por exemplo, aqui está, o
José Maria Pimentel
IOSMA, a
Ricardo Marvão
política de investimento que eles fizeram em 93 ou 94, ainda é a mesma. É grandes fundos públicos, que depois são fundos de fundos e que dão uma percentagem grande a alguém que queira criar um fundo para poder investir, seja em startups ou outras coisas. E o que eles fazem depois é... Nós não cobramos juros se quando houver um éxito a tecnologia e as pessoas ficarem em Israel. Mas se alguém quiser tirar, aí vamos cobrar os anos todos de juros e não vão ser pequenos. Por isso é que os Estados Unidos hoje em dia investem imenso e compram muitas startups em Israel e de repente aparece a sede do Facebook em Israel, a sede da Google em Israel, a sede do Netflix em Israel. Porque é um país pequeno, porque é que eles vão montar lá estas sedes todas, estes escritórios com não sei quantas pessoas. Por um motivo simples, é que se eu tirar de lá as pessoas, vou pagar tanto que já nem vale a pena fazer a compra. Claro. Não vale a pena. Mas eu quero aquela tecnologia. Então, o governo cria sistemas que façam com que não seja possível e, portanto, ok, isto vai fazer com que eu invista no país. Invista e tenha as melhores marcas lá. E também, os melhores fundos vão para lá. Eu conheço imensos americanos e israelitas e a minha mulher é as dia e Eu vou todos os anos a Israel e é muito interessante que a forma como eles abordam o tema não mudou desde essa altura. Estamos em 2018, ou seja, há mais de 20 anos que a política é exatamente a mesma. E eles têm um chief scientist que é independente do resto dos ministérios. É, é curioso. E que tem a estratégia científica para o país. Isso parece ser um modelo muito
Ricardo Marvão
curioso, por acaso. É, e
Ricardo Marvão
é um modelo que... Faz algum sentido, por acaso. Sim, porque senão, tipo, mudou o governo, agora vamos mudar a estratégia.
José Maria Pimentel
Não? Nós temos claramente um problema é significativo. Eu acho que politicamente não há noção... Ou por outra, é claro que há noção, mas não há noção generalizada de que a instabilidade governativa e a instabilidade política, independentemente da instabilidade governativa, implica a destruição de valor. Ou seja, a política pela qual tu substituis à anterior tem que ser muito melhor para compensar aquela mudança, porque a mera mudança implica destruir valor. E esses casos, o caso da História também é um caso engraçado, o caso de Israel, eu até tinha a falar disso há bocado, é um caso muito engraçado, eles têm lá, são dois casos de enfoque numa estratégia particular. Não é nós vamos fazer de tudo, é nós vamos ter um determinado tipo de... Por exemplo, Israel, eles têm... Acho que são o país com mais startups per capita, não é? Uma coisa assim do género, mas... Depois, por exemplo, eles até se queixam de terem alguma dificuldade em escalar as empresas, em ter empresas de grande dimensão. Mas o que não é necessariamente mau.
Ricardo Marvão
É, isso é um problema grande porque eles não têm muitas empresas que depois fazem um IPO, apesar de, a maior parte, tipo, acho que é o segundo país, logo a seguir os Estados Unidos, que tem mais startups no Nasdaq e que fizeram IPO's, mas uma das estratégias das startups e até de alguns fundos em Israel é a de não vender, mesmo que seja uma soma enorme, vão vender e tentar ir à IPO e eles estão a tentar mudar isso porque aquilo que tem vindo a acontecer é o valor diminuir, passa para os Estados Unidos, porque são feitas muitas exit, então se seguires, há imensas newsletters sobre IPOs e exits e se tu fores a ver todas as semanas há exits em Israel.
Ricardo Marvão
Todas as semanas. O que é que chamas? Desculpa só para esclarecer isto. O que é que chamas exit? O exit é a venda da empresa. É a venda... O Facebook comprar um WhatsApp...
José Maria Pimentel
Diretamente a outra empresa? Verso o
Ricardo Marvão
IPO que é... Sim, o Facebook compra um WhatsApp é um exit. E o IPO é vender a oferta pública. É isso. Em bolsa. Portanto, e em Israel tem acontecido, tipo,
Ricardo Marvão
todas as semanas há exits, uns mais pequenos, outros maiores. E não há tantos IPOs, o que é normal, mas em Israel é surpreendente o número de exits e, portanto, como é surpreendente o número de exits, eles... Se calhar há aqui uma porcentagem que até podia ir até um bocadinho mais além e criava valor e ficava em Israel diretamente e mesmo o comando dessa empresa ficava
Ricardo Marvão
em Israel.
José Maria Pimentel
Exatamente, exatamente. Por acaso é engraçado porque há um livro, pelo menos um livro sobre isso, que é o Setup Nation, que fala exatamente sobre isso e é uma das causas que eles dão para esse clima de inovação e de iniciativa que existe lá. A tropa. Um deles é a tropa e outro vai muito ao encontro daquilo que tu falavas há pouco, o facto da pessoa quando está no seu meio original ter muitos entraves a tomar riscos, que é a imigração. Se tens muita imigração e portanto pessoas que não estão no seu habitat e que... Bom, isto estou a dizer agora, mas imagino que seja... Essa pelo menos parte da razão não tem os constrangimentos que tinham e ao mesmo tempo também tem uma certa necessidade de arriscar, não é?
Ricardo Marvão
E começas de novo e o país é tudo... Pois é, que a
José Maria Pimentel
imigração é boa para... Há uma correlação entre a imigração e o grau de inovação numa sociedade, não é? Tens de dizer isso ao Trump. Pois, exatamente, claro. Mas é verdade. Ele ainda não percebeu. Aliás, nos Estados Unidos, é uma ótima quantidade de malta da ascendência indiana, por exemplo, ligada a muitas
Ricardo Marvão
empresas. Chinesa.
José Maria Pimentel
E agora mais chinesa, não sei. É engraçado. Falando no caso português, tu estavas a falar há bocado das empresas, no fundo das startups, que agora já estão em fase de IPO ou de exit, para usar os termos que estavam a usar há pouco. Essas em Portugal, achas que existe já o apoio certo? Da mesma forma que existe algum apoio quando as empresas... No fundo, ao lançamento das empresas, achas que existe o apoio certo para quando elas já estão nessa fase mais madura? Eu
Ricardo Marvão
acho que não existem os dois, para ser muito sincero. Acho que... Acho que a maior parte das startups que realmente sabem o que estão a fazer, vão buscar o dinheiro, agora começam a ter algum apoio suplementar por parte dos novos fundos mais pre-seed, ou seja, é o primeiro investimento, foram criados muitos novos fundos em Portugal no último ano, 40 ou 50 novos fundos, ou seja, agora é a melhor altura. E isto é tipo notícia para todas as pessoas que quiserem fazer uma startup. Se quiserem montar agora uma startup e a ideia for boa e tiverem à procura de dinheiro, agora é a melhor altura. Porque a maior parte destes fundos precisam de gastar o seu dinheiro nos primeiros dois, três anos para depois terem um retorno a dez anos, por exemplo. E, portanto, ou tu investes na maior parte do dinheiro logo à cabeça e sabes que esse dinheiro para fazer crescer a empresa demora, porque a empresa até chegar a um ponto em que pode dar um retorno precisa desse tempo para crescer. Se tu fores investido um bocadinho aqui todos os anos e chega ao final é tipo... Não tiveste grande coisa. E, portanto, a maior parte destes
Ricardo Marvão
fundos vai investir... Ou seja, tu investes no início para depois ter um... Investes muito no início para depois ter um retorno no final. E portanto,
Ricardo Marvão
como os fundos foram lançados agora, muito durante este ano e um bocadinho no final do ano passado, mas especialmente durante este ano, há tipo 30, 40, 50 fundos, pai, novos. Praticamente todos eles naquela franja do Pre-Seed, ou seja, são os fundos que vão investir 50 mil, 100 mil, 250 até, vá, no máximo, meio milhão. Não vão investir mais do que isso. Sim, mas no início. Mas é o primeiro dinheiro que tu precisas para arrancar. E portanto, neste momento, há muito dinheiro desse disponível. O que significa que, se alguém tiver a ouvir, tiver a pensar em montar uma startup e até acha que sabe o que é que está a fazer é a melhor altura para fazer isso agora. Boa,
José Maria Pimentel
ainda bem que te perguntei, senão não tivesse tido tempo. Mas isto, como interrompeu, são fundos de capital público ou de capital privado? É as duas coisas. É
Ricardo Marvão
capital... Porque há uma coisa que é o IFD, que tem esta nova lógica de investimento público, que investe nestes fundos com investimento privado. Ou seja, estes fundos tipicamente são feitos de... Não é sempre assim, mas vamos dizer 50-50 fundos privados com fundos públicos e têm uma soma suficientemente interessante para poderem fazer vários investimentos e portanto a maior parte destes fundos vão fazer 30, 40, 50 investimentos. Portanto, é nesta altura que todos eles estão à procura de onde é que eu vou investir. Estamos naquela lógica de... Que é ao contrário, é tipo, ah, não sei onde encontrar um investidor. Não, agora é tipo, todos os investidores estão à procura das melhores ideias, que tenham alguma tração e que tenham uma boa equipa e que se perceba que há ali qualquer coisa que pode ser muito interessante
José Maria Pimentel
para o futuro. Não, isso é muito interessante, eu não fazia ideia disso. Mas ias dizer qualquer coisa e eu cortei-te
Ricardo Marvão
o... Sim, mas A segunda que ia dizer, que já não me lembro o que ia dizer... Desculpa, sim. Era quem realmente está naquela fase que sabe exatamente o que é que quer fazer e tem boa cabeça para esta coisa das startups vai levantar o dinheiro fora, vai levantar tipicamente em Londres. Isso, tipo 90% da malta vai fazer isso. Levantam em Londres, é rápido, é muito fácil, trazem as condições para Portugal e dizem, eu tenho um lead investor que tem aqui já 400k ou 300k que vai investir na minha startup. Alguém aqui quer investir, quer juntar-se, ou seja, diminui-se o risco, debilize o risco e ao mesmo tempo, como já tens o Lead Investor, é muito mais simples os próximos entrarem. E como já vem de Inglaterra, cá está outra vez a história do estrangeiro, é mais fácil convencer. Tem o selo, exato. É um selo de... Olha a confiança. Exatamente. E portanto, tu chegas àquele ponto em que tens vários que querem entrar e a forma da startup poder, digamos, perceber logo à partida quem é que realmente vai arriscar e quem é que não vai, é dizer daqui a duas semanas a gente fecha a ronda. Portanto, têm duas semanas para avançar. E depois aí vais ver quem é que realmente quer investir e quem é que é só de boca. Porque duas semanas passa muito rápido. Claro, claro. Sim, sim. E tens que analisar o negócio e tens que ver e tens que preparar as papeladas todas para fazer a coisa avançar. Isso
José Maria Pimentel
é muito interessante, isso é muito giro. Eu vou... Estamos aqui a chegar à hora e meia, acho que vou acabar e é só fazer uma pergunta e depois... Tu mandaste ontem por mail o... Eu depois corto isto. Tu Mandaste ontem por mail o... Era um documentário, não era? Era. Ah, pronto. Eu depois
Ricardo Marvão
passo-te a... Waiting for Superman.
José Maria Pimentel
Passo-te a bola para sugerires ou depois ponho nas referências lá na descrição, mas deve ser mais piada quando é o convidado a dizer, até porque depois podes explicar porque é que estás a sugerir. Vou-te deixar ir. Antes disso queria só fazer-te uma pergunta, que acho interessante tendo em conta sobretudo que este tipo de... O ecossistema, o meio ligado ao aprendizismo e à inovação, acaba por ser um meio, como todos no fundo, por conviver um bocadinho dentro de si mesmo e uma das coisas que este podcast tem é eu tocar numa série de temas, o que significa que quem nos vai ouvir são pessoas, parte, são pessoas que se interessam pelo tema, provavelmente até mais do que eu, ou que estão mais metidas no tema do que eu, e outras que têm uma espécie de contacto distante com esta realidade. E é engraçado, eu acho que era uma oportunidade engraçada para discutir uma coisa que eu já vi muitas vezes manifestada e acho que há muita gente que tem essa visão que é de que aquele hype em torno do empreendedorismo, nós falávamos no início, leva a que muitas pessoas, e acho que isso também tem que ver com tudo aquilo que é, como é que eu ia dizer, tudo aquilo que se torna no movimento gera as suas caricaturas, é quase inevitável. E, se calhar, o ditado mais perto disto é o ser mais papista que o Papa. E nós tivemos algumas caricaturas do empreendedorismo que geram às vezes nas pessoas a sensação de uma espécie de elitismo da parte dos empreendedores. Até um ouvinte do podcast com que eu estava a falar sobre isto, do empreendedorismo e que em vez de ter esta conversa até tinha sugerido essa pergunta que é como é que tu vês essa crítica que muitas vezes é feita de uma espécie de elitismo no sentido de eu, eu, tu, uma pessoa qualquer, que cria a própria empresa, estou aqui a fazer um projeto qualquer que é inovador, estou a fazer uma coisa que, por cima, está na moda, é mais ou menos cool, e portanto, isto no fundo, e quase implicitamente, parece que me torna melhor do que uma pessoa que muitas vezes não tem a possibilidade de o fazer e tem uma vida muito difícil e tem que... No fundo tem o mesmo mérito ou até mais, só que não tem, se calhar, o mesmo glamour que hoje em dia está associado a esse tipo de projeto. Ok,
Ricardo Marvão
ok. Então vou te dar uma resposta que acho que serve. Quando a BTI começou, a primeira coisa que nós quisemos fazer e estávamos em 2010 e estávamos no meio da crise foi inspirar as pessoas e inspirar a olharem para o empreendedorismo como uma forma de sair da crise e a maior parte das pessoas olha para o empreendedorismo como isto é um bicho de sete cabeças ou é uma coisa... É rocket science. É tipo, vamos fazer aqui um foguetão e ir para a lua. E o que nós começámos por fazer foi uma coisa chamada os Betatox que era onde nós convidávamos dois empreendedores a virem falar sobre a sua história. Não sobre o seu negócio, mas como é que eles tinham começado. E explicar as coisas boas e as coisas más. Como é que eles tinham avançado nos desafios que tinham encontrado ao longo do caminho. E muitos deles diziam, tipo, eu era como vocês, tipo, eu não percebi nada de negócios, eu tinha, era uma ideia, acreditava muito nela, pensei que havia um mercado para isso, acreditei muito, fiz imensas jazneiras, tive um co-founder que era um idiota, fiz imensas coisas erradas em relação ao investimento, mas consegui emendar e percebi aos poucos como avançar. E depois de muitas histórias destas as pessoas começaram a vir-te a connosco e as pessoas começavam a vir-te a connosco a dizer eu tenho uma ideia, não sei como fazer, mas tenho uma ideia. E muitas delas passavam pelos programas que nós começámos a montar muito na área de pré-aceleração, exatamente para validar, um, se és empreendedor ou não, se queres mesmo fazer este tipo de vida ou não durante um sistema. Dois, se realmente a tua ideia tem mercado e é válida ou não, ir para fora, perguntar, ver, perceber o que é que é concorrência, perceber se há um mercado suficientemente grande cá ou fora para que o negócio possa crescer. Será que é esta mesma ideia ou é um bocadinho ao lado? Um bocadinho parecido mas um bocadinho ao lado. De maneira a validar ao máximo para no dia em que estivesse mesmo a fazer tipo o leap of faith, não é? O tipo de dar o salto no escuro, tu tenhas o máximo de informação possível para isso. E portanto, a forma como tu analisas o empreendedor tem que ser da forma mais pura possível, que é qualquer pessoa pode fazê-lo e pode começar. Não tem que ser a pessoa que é elitista e que só tem aquele dinheiro. Se a pessoa tiver uma ideia e que acredita muito e que sente que consegue ser resiliente o suficiente para avançar com a sua ideia, e eu conheço muitas pessoas que são super resilientes, mas a ideia não estava ali. Ou porque a ideia foi muito cedo, ou porque a ideia foi muito tarde, ou porque a ideia não tinha mercado, acontece. E não é porque as pessoas não são boas, é muitas vezes porque outra conjetura qualquer ou se calhar o mercado não estava para ir virado. Claro, o mais normal até
Ricardo Marvão
é isso acontecer do que eu contei. A minha área,
Ricardo Marvão
eu sou da aeroespacial e eu lembro de quando... Só para te dar aqui um exemplo à parte. Em 2007, estávamos ainda... Estávamos num bom momento, não havia ainda a crise e surgiram nos Estados Unidos umas coisas chamadas os VLJs, que eram os Very Light Jets que eram uns aviões que... Eles diziam isto vai completamente mudar a mobilidade das pessoas porque basicamente chegou ao ponto em que o preço de andar nesses aviões era igual ao de andar de carro. Imagina o que era tu poderes ter um aviãozinho pequenino que transportava duas pessoas e que te levava, tinhas o condutor e a outra pessoa que queria ir de Lisboa ao Porto e custava a mesma coisa de que se eu fosse de carro. Então, ok, para isso vou de avião. Quer dizer, é mais fácil. E começaram a construir imenso destes aviões e chegou a um ponto em que caiu a crise de 2008. E o negócio foi completamente por água abaixo porque estava sustentado sobre a conjetura de que isto vai continuar a servir e as pessoas estão ok para pagar este premium para este negócio começar a crescer e depois o custo do transporte aí sim vai diminuir o suficiente para ser o valor do transporte de carro. Claro, estava ali naquele ponto e aquilo caiu logo por terra. Por vezes aqui, nós quando estávamos na crise, apesar de ter sido péssimo para Portugal, eu acho que foi a melhor coisa na área de empreendedorismo, porque fez as pessoas agarrar-se a outras coisas. As pessoas queriam, mesmo nós, que estávamos no início da BTI, nós vimos pessoas que estavam desesperadas por... Ou tinham medo de fazer algo mais na hora no trabalho e iam ser despedidas, ou então estavam a tentar encontrar emprego há um ano, dois anos, e não conseguiam, e estavam desesperadas e queriam tentar outra coisa. E, portanto, isto foi uma forma também das pessoas se agarrarem a outra coisa e ganharem esperança. É verdade que hoje em dia estamos numa fase completamente diferente, o ecossistema está completamente diferente, o emprego está completamente diferente, estávamos a 18% de desemprego e agora estamos a 6%
José Maria Pimentel
ou 7%.
Ricardo Marvão
Portanto, é completamente diferente, A economia está de uma forma completamente diferente. Na altura tínhamos o IMF e a Comissão Europeia cá todas as semanas. Não controlávamos o país, agora já controlamos. Muita coisa mudou. E em muito pouco tempo, em 5, 6 anos muita coisa mudou. Foi muito rápido. Mas no que toca à parte do empreendedorismo, agora há mais desafios que é... Não é só... Não há só lugar para o empreendedor. Há muitos lugares para estas startups, por exemplo, que hoje em dia estão a crescer muito, estão a contratar 50 pessoas por semana. Ou seja, há muitos empregos a serem tomados que antes não havia esses empregos e, portanto, o engenheiro que saía do técnico se canar aí dizia assim, eu vou é montar a minha própria coisa porque não há nada! Hoje em dia, aquilo que se vê, e aí tem um poder super interessante, é a parte seguinte que é... O bom do give back de um unicórnio, por exemplo, não é só o empreendedor que está lá em cima e que depois vai investir, é também a quantidade de novos engenheiros, novos managers, novos gestores, o que for, que vão passar por uma empresa que está em alto crescimento. Uma empresa que contrata 50 pessoas por semana tem que estar em alto crescimento. E que vê investimentos grandes a surgirem todos os dias e que chegam a um ponto em que é tanta experiência que eu passei em tão pouco tempo que um dia essas pessoas vão querer sair e vão querer montar a sua própria coisa. Porquê? Porque passaram por essa experiência e perceberam o que é difícil de montar e como é que se cresce rapidamente e trazem esses learnings que era uma coisa que não existia. Há uns anos atrás, por exemplo, nós tínhamos vários empreendedores quererem montar as suas startups e quererem aumentar muito, quererem aumentar muito a crescer e a única forma de conseguirem ir buscar talento que os ajudasse a crescer... Como é que eu cresço das 50 para as 150 pessoas? Não há em Portugal, eu tenho que ir fora. Então, iam contratar o gajo nos Estados Unidos que trazia exatamente essa... E nos Estados Unidos há muito isso nos Estados Unidos tu chegas lá e dizes eu quero aquela pessoa que me faz crescer das 50 às 150 depois há outra pessoa que quer das 150 às 500, depois há a pessoa das 500 às 5.000 e isso está no resume, é tipo no CV da pessoa está lá a minha experiência é exatamente esta e portanto chegas lá e é tipo, é só escolher eu quero um destes, um daqueles daqui a dois anos e um daqui a três anos e pronto, aqui não há e portanto, aquilo que há agora é estas grandes startups a crescerem muito e que vão trazer milhares, milhares de novos empreendedores porque trazem essa segurança de terem essa experiência numa grande empresa e terem passado por ela e que querem todos eles, todos eles são amigos encontram-se uns com os outros ah, um daquela startup, outro daquela startup, outro daquela startup, que eram managers nas empresas, que viram crescer a equipa das 5 pessoas para as 500, e que de repente sabem o que é crescer em 2 anos de 50 para 500 pessoas. E, portanto, trazem essa experiência e vão querer montar as suas próprias coisas. Aí é que está também a boa da adívida deste meio das startups. Sim,
José Maria Pimentel
concordo. E, sobretudo, se a pessoa pensar a prazo, quer dizer, os efeitos, o efeito multiplicador que isso gera, não só o efeito imediato. Falavas do emprego que já é criado. Uma das críticas que se faziam no início era que a vaga de empreendedorismo tinha criado muito pouco emprego. E era verdade, no início, mas aquilo depois é compounding, não é? Ou seja, as empresas vão crescendo, criam mais pessoas, criam mais inovação e é por aí que se gera o crescimento da economia, até à praza, independentemente da dimensão do efeito contemporâneo, que hoje em dia já não é pequeno, mas sobretudo à praza, até por isso que estavas a falar, não é? Por esse crescimento que havia. Há um livro, eu não sei se tu apanhaste, chamada Falácia do Empreendedorismo, que era do José Soeira e do Adriano Campos. Ele levantava algumas coisas que fazem sentido, sobretudo em relação àquilo que eu dizia da caricatura. Houve algumas caricaturas do empreendedorismo e houve algum discurso até que no fundo era aquilo que estavas a dizer há pouco, mas na sua versão má, que não é dizer, tu tens aqui uma oportunidade para, no fundo, decidires a tua própria vida, que é claramente uma coisa boa, era uma coisa que não havia antes naquela dimensão e teve um efeito benéfico, era aquela coisa de dizer se tu estás desempregado a culpa é tua. Quase uma espécie de culpabilização da pessoa por estar desempregado que era obviamente um exagero. Agora, claramente houve ali um ganho grande. Quer dizer, eu não tenho dúvidas em achar que isto foi uma coisa positiva e não foi uma coisa negativa para o país, independentemente dos exageros que acontecem sempre. Eu ia-te pedir agora o documentário, mas não resisto a fazeres outra pergunta porque, ao contrário, disseste uma coisa que me lembrou disso. Por causa da questão das ideias, eu acho que o grande dilema da pessoa que avalia projetos ou que avalia motores de negócio ou o que seja, imagino eu, é a grande dificuldade em tu ires àquilo que interessa, porque há alguma coisa que é necessária, mas que não é suficiente, que é uma boa ideia. A boa ideia é necessária, claramente, mas mais importante do que uma boa ideia é ter a capacidade de a executar. Tu, que acho que já estiveste nesse papel, como é que... Tu tens alguma heurística, alguma maneira de, no fundo, tentar avaliar aquela pessoa que está a propor a ideia, independentemente da razoabilidade da ideia, independentemente dos números fazerem sentido ou não, os números vão dar sempre lucro, não é? Aquilo, quão comprovável
Ricardo Marvão
é que aquilo é de resultar? Sim, quer dizer, qualquer ideia, se a ideia soar logo boa e tu vires, já tens falado com muita gente, por exemplo, nós vemos para aí 5 mil startups por ano. Ou seja, passa muita coisa por nós. Portanto, tu ouves uma ideia e é tipo, olha lá vai a centésima ideia disso. Pronto, ok, whatever. Outra coisa é, tipo, aquilo que vem com uma ideia que tipo, hum, interessante. Tenho falado com algumas corporates que me dizem isto, tenho falado com alguns investidores que me dizem isto não há ninguém neste mercado, nesta área. De repente aparece aqui uma... Depois a outra coisa são as pessoas e como estavas a dizer, para mim é tipo 5% a ideia, 95% é a discussão. Exatamente. E portanto, tu tens que acreditar muito nas pessoas. A ideia é tão inicial e mesmo que tu tivesse já alguma tração e tivesses conseguido, se calhar, até vender um bocadinho do teu produto, ainda é tão, tão, tão no início que a tua métrica ainda não é suficiente. E portanto, tu tens que acreditar muito na pessoa. E eu, por acaso, tenho tido sorte, eu até acho que tenho sido muito sorte, de conseguir avaliar as pessoas. Até quando de contrato, dentro da BTI, mesmo no passado, muito rapidamente consigo ler as pessoas e consigo perceber se aquela pessoa faz sentido ou não, seja para investimentos, seja para perceber se aquela pessoa vai longe ou não porque está a pensar bem, porque está a fazer o bom raciocínio, porque está a se juntar com as pessoas certas e que não está a fazer erros estúpidos, porque uma coisa é arriscar, outra coisa é arriscar, arriscar estupidamente. Claro, sim. Ser inconsciente. Portanto, é preciso ler alguns sinais e por vezes a pessoa tem, assim, alguma conversa, assim, ao final do dia, um bocadinho mais a fundo, percebe um bocadinho melhor a pessoa que está por trás daquela ideia, mesmo o lado pessoal, mesmo o lado de onde é que eu venho, qual é a minha história e isso credibiliza muito. Ok, eu já tinha um bom feeling sobre esta pessoa, agora ainda tenho melhor.
José Maria Pimentel
É engraçado porque o que estás a dizer está muito em linha com a impressão que eu tinha, é quase uma arte, quase uma espécie de feeling lá está que a pessoa vai ganhando provavelmente com a experiência, não é? Com a experiência vais se tornando cada vez mais eficaz a fazer esse tipo de deslogamento? Esta
Ricardo Marvão
fase é muito interessante porque é a fase em que tu tens um contacto muito humano. É uma fase, tipo, quando tu estás, imagina, és um investidor de Series A ou Series B a única coisa que tu vês é números. Exato. É tipo, eles estão a fatorar exatamente, têm as métricas certas e aquilo é tipo, sim ou não? Já está.
José Maria Pimentel
Sim, não tem nada a ver com o início, não é? É quase,
Ricardo Marvão
tipo, 95% é, mostra-me as tuas métricas e depois dá-me lá uma entrevista com o founder só para perceber que não é um idiota. Exato. That's it! E, portanto, a tua forma de interação com aquela pessoa é mínima versus ao início, quando a coisa não existe, nem sabes se aquilo vai dar, mas acreditas ou não na pessoa. Até o investidor que acredita, o risco é muito maior no início. Tudo bem que o montante é mais pequeno, mas o risco é gigante. Aquilo pode ser 50 mil euros para a ardeira. Daqui a um mês. E são dois co-founders, dão-se muito bem. No dia seguinte, chateiam-se e... Epá, vai para a merda, não sei o quê, não quero saber, não sei o quê... Bum! E acabou. E pronto. E ficaste tardeiro.
José Maria Pimentel
E isso não é tão incomum quanto isso, não
Ricardo Marvão
é? Não, acontece imenso. E é tipo... E 90... Das 100% dos startups que a gente vê, tipo, 99% vai ao charco. Tipo, é normal. É normal. Nesta fase, nesta fase
José Maria Pimentel
específica. Sim, na fase mais iniciada. Por isso é
Ricardo Marvão
que é interessante, quando tu precisas, e isso foi uma das razões porque a gente criou o nosso fundo, foi que nós estávamos a ver muitos, muitos empreendedores que passavam pelos nossos programas e nós não tínhamos um fundo e chegava um ponto em que nós passávamos três meses com eles, todos os dias, percebíamos bem e alguns deles a gente dizia, apá, estes gajos têm umas ideias brutais e estão a pensar bem, mas por uma razão ou outra não conseguiam fechar o investimento. E chegavam a aquele ponto em que, apá, não consigo, não consigo, não consigo e chega um dia em que é preciso pagar as contas da casa e se calhar já tem família e já tem outras coisas e pronto, olha, não consegui, se calhar sou eu que não estou feito para isto e agora tive que aceitar o trabalho numa consultora ou numa grande empresa porque tinha que pagar as minhas contas. E nós pensámos, o que é que seria se nós conseguíssemos ter um fundo que ajudasse exatamente naquele ponto? Que desse os primeiros 50 mil euros à aquela startup, o suficiente para ele passar aquele nível de que ok, é credível, recebeu este financiamento, consegue ir buscar um segundo porque este primeiro já investiu e daqui pode saltar para uma outra coisa, se tu acreditas mesmo no founder, tipo, o teu caminho já está feito quase. Depois é ajudá-lo a abrir portas, ajudá-lo a perceber um bocadinho melhor olha, o teu business model é interessante mas olha lá para um bocadinho mais para a direita ou olha lá um bocadinho mais para a esquerda. Olha, e já falaste com este, já falaste com aquele e depois fazer o networking certo, dizer-lhe olha, tu devias ir e apresentar isto a estas pessoas. Portanto, nós estivemos ontem com três startups mais avançadas e conseguimos trazer o CFO da Galp. Ele não estava a olhar nada para isto, mas era tipo bom, deixam-me ver o que é que há. E das três, ele adorou as três. E ele estava tipo ai, isso é bem interessante. Ficou uma hora e meia a falar com eles, uma hora e meia, o ESF ou da Galp. Arranjar tempo destas pessoas para ouvir, até pode não dar em nada, mas é de certeza absoluta que ele chega ao final do dia e vai falar com o amigo, ou com o colega, ou com o familiar, vai dizer tipo com uma startup, não há dúvida que esta coisa do empreenderismo não é só bullshit, que algumas coisas estão a criar valor. E até nós estamos a ver valor, nós Galp, estamos a ver valor em algumas destas tecnologias e se calhar até ou vamos investir ou se calhar vamos fazer uma parceria ou usar alguma desta tecnologia internamente ou depois nossos colaboradores, depois nossos parceiros, depois nossos revendedores, o que for. E portanto, começa a mudar o mindset de percepção de valor exatamente para a área do empreendedorismo e exatamente para afinal disto até há aqui alguma coisa de jeito.
José Maria Pimentel
Sim, sim, exatamente. E tu estás a dizer, esse pode não resultar, um pode não resultar, mas em 100 vários vão resultar de certeza. Certo. Aquela vez individual pode não resultar, mas se fizeres isso várias vezes claramente vai haver ali um ganho. Bom, Ricardo, agora sim,
Ricardo Marvão
documentário. Documentário. Recomendo muito o Waiting for Superman, que é um documentário que foi feito nos Estados Unidos sobre a educação nos Estados Unidos e, não estragando um bocado, mas eles depois caminham sobre o problema todo que existe na educação dos juizes públicos nos Estados Unidos e como é que estão a tentar resolver uma parte desse problema, sendo que o problema é tão gigantesco que eles ainda estão a tentar encontrar a solução certa. Mas dá para ver essencialmente que, um, não é só em Portugal que há problemas disfuncionais na área do ensino
José Maria Pimentel
e de educação.
Ricardo Marvão
E dois, que há sítios onde é muito pior.
José Maria Pimentel
Eles têm um problema grande no secundário, não
Ricardo Marvão
é? No secundário, no high school, aquilo é um problema gravíssimo e que está a transformar uma geração de americanos que não olham às ciências, que não olham a temas que os possam cativar mais do lado científico e que provavelmente vamos ter um... E é por isso que eu também acho que mais todo ou mais cedo os Estados Unidos vão ter que ir buscar mais gente fora, mais gente que traz o normal exatamente nessa área. E depois também a criatividade, tipo, está muito puxado para os temas que toda a gente acha mais fáceis. E portanto chega um ponto em que há excesso de pessoas nessa área e não há tanto nas outras. Claro, pois. É um problema familiar realmente esse. Olha,
José Maria Pimentel
Ricardo, muito obrigado por teres vindo. Obrigado. Foi ótimo. Gostaram deste episódio? Se encontram o valor no 45°, existem várias formas de contribuir para a continuidade deste projeto. Podem avaliá-lo na aplicação que utilizam, seja ela o iTunes, Spotify, Stitcher ou outra, e podem também partilhá-lo com amigos e comentá-lo nas vossas páginas ou redes sociais. Se acharem mesmo que merece e puderem fazê-lo, podem ainda tornar-se mecenas deste podcast através do Patreon ou do Paypal. Com esse apoio estão a contribuir para a viabilidade deste projeto, que passa a ser também um bocadinho vosso. Para além disso, obtém em troca vários benefícios como, por exemplo, o acesso ao backstage do podcast e também a possibilidade de sugerir perguntas aos convidados. No fim do dia, já se sabe, são os ouvintes que tornam possível um projeto destes. Ouvintes como Gustavo Pimenta, João Vítor Baltazar, Salvador Cunha, Ana Mateus, Ricardo Santos, Nelson Teodoro, Paulo Ferreira e Eduardo de Dória, entre outros mecenas, a quem agradeço e cujos nomes podem encontrar na descrição deste episódio. Até à próxima! Legendas pela comunidade Amara.org