#46 Manuel Monteiro - “Andamos a tratar mal a Língua Portuguesa?”
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José Maria Pimentel
Bem-vindos! Neste episódio eu converso com Manuel Monteiro. Não, não é esse
Manuel Monteiro. Não se trata de mais uma conversa sobre política. Este
Manuel Monteiro é não o antigo líder do PP, mas sim escritor
e revisor linguístico, se tem tornado conhecido de há uns anos para
cá enquanto um dos maiores paladinos da língua portuguesa da atualidade. Tem
obra publicada na área da literatura e da não-ficção e o seu
livro mais recente, por um oralíngua, contra a linguagem que por aí
circula, foi um moto para a conversa. O Manuel é, como vão
ver, de uma erudição no que toca a língua que nos faz
logo sentir-nos ignorantes. Faz questão, por exemplo, de continuar a usar palavras
que foram caindo em desuso ou de usar a pronúncia original para
palavras cuja pronúncia o uso corrente detropou, o que leva a que
pareça um ouvinte incauto, ser ele quem está a falar mal. O
que fiz nesta conversa foi então usar a fórmula habitual do 45°,
isto é, inundei o convidado com toda a minha curiosidade e o
tema propício para isso, e o Manuel, generoso e paciente, foi desvelando
todo o seu arsenal de conhecimento linguístico. Durante a conversa tentei fazer
um pouco de advogado do diabo, extremando aqui e ali a minha
posição natural. Isto porque, no fundo, não estamos muito distantes. Eu, enquanto
alguém que tem algum prazer estético no uso da língua, mas que
tenta também ser pragmático, tenho uma relação ambivalente com a posição da
oposição inabalável aos transgeirismos, aos corruptelas ou aos legais comuns. E foi
um bocado esse o contraponto que tentei dar. Durante a discussão, que
foi bem animada, discorremos então sobre vários temas, desde a origem, etimologia
e evolução da língua portuguesa, até à nossa predilecção nacional pela importação
de palavras estrangeiras, passando ainda pelo inevitável acordo ortográfico. No final da
conversa, como vão ver, tive uma surpresa inesperada — cá vai um
plionagemzinho só para ser rebelde — e acabámos por terminar de uma
maneira engraçada. Só ouvindo. Uma última palavra para os mecenas do podcast.
Este início de ano tem sido verdadeiramente extraordinário a este nível pela
quantidade de pessoas que se têm tornado apoiantes do 45°. Queria por
isso aproveitar para agradecer em especial a quem contribuiu neste último mês.
E queria aproveitar também para deixar duas perguntas para quem ainda não
é, mas já considerou se tornar mecenas do podcast. Primeiro, que benefícios
adicionais gostariam de ver adicionados às várias camadas de contribuição que existem
atualmente no Patreon? Em segundo lugar, pelo contrário, que benefícios existentes atualmente
acham, na verdade, pouco apelativos? Não hesite em contactar-me através do email,
das redes sociais ou do website do podcast 45graus.parafuso.net. E pronto, vamos
à conversa. Uma última nota rápida em relação à qualidade de som.
Como não gravamos no estúdio, nota-se a espaços algum ruído, mas o
que não compromete. Vamos lá. Então vá, bem-vindo ao podcast. Vamos falar
a propósito do teu livro, por amor à língua, mas não só.
Tudo o que venho na propósito disso. A propósito, vai-me corrigindo à
vontade, se eu disser alguma patacoada, vai-me diz-me. Do teu livro, tem
uma coisa que é particularmente interessante e que até acho que não
se está completamente... Está espelhado no título, mas não está espelhado na
maneira como a capa está construída. Porque a capa está construída de
uma maneira muito em linha com aquilo que era o teu trabalho
anterior, que era muito de identificar como, no fundo, não escrever mal
ou não falar mal. E o livro é mais do que isso.
O livro é sobre não escrever mal, mas também
Manuel Monteiro
sobre como escrever bem. Este livro, apesar da CAPA poder indiciar que
é uma continuidade do livro anterior, este livro não é apenas um
livro, o livro anterior é um livro da ASE com R50, o
livro anterior deu-me 10 anos de investigação e trabalho. Este livro é
um livro que trata de muitos assuntos da língua. Trata de etimologia,
trata de análise literária, trata de, por exemplo, como as palavras que
mais circulam na imprensa muitas vezes escondem a ideologia sem o parecer,
de como a escolha das palavras que se utilizam nunca é neutra.
Trata de muitos assuntos, da parcimonienade, da ativação, e noto, por exemplo,
que da parte de algumas análises que eu vi ao livro é
muito centrada ainda na estrutura dos erros que as pessoas estão a
ver ainda quais são os erros mais comuns, mas acho que o
livro é muito mais do que isso. Tem, por exemplo, 70 páginas
que dediquem ao acordo autográfico.
Manuel Monteiro
depois das histórias da revisão ainda tem uma parte sobre notas etimológicas
que mais não é do que tentar cativar as pessoas. Porque eu
acho que as gramáticas, os livros sobre língua, são apresentados de uma
forma que tornam a língua um assunto chato, barbativo, que é uma
palavra que eu gosto. Voltando a uma coisa que cito no livro,
que é o Beshara, O importante não é saber as nomenclaturas, o
importante é saber qual é a utilidade dos conceitos gramaticais no dia-a-dia.
É muito importante mostrar com exemplos. Por exemplo, eu lembro de um
título de uma notícia que li, que era Presidente Kovács Itzvai ser
bolador. Presidente Kovács Itzvai ser bolador. O título não tinha nenhuma vírgula.
Aquilo foi algo que eu estranhei porque sei que os presidentes não
ganham bola de ouro e fui ler a notícia. Era uma entrevista
do jornal Record, quem quiser procurar ainda estará aí. E no notício
depois percebi que houve alguém que disse Presidente, o Valdecite vai ser
voador, ou seja, o Presidente é o vocativo. Exatamente. Isto é logo
um exemplo pelo qual percebemos a importância do vocativo. É muito importante
ter sempre, para o lado da nomenclatura, além da nomenclatura, ter este
lado prático de explicar a utilidade de como na comunicação, como escrever,
por exemplo, abraço amigo, se for sem vírgula, ainda à propósito do
vocativo, se for sem vírgula é o tipo de abraço, está a
qualificar o abraço, se for abraço vírgula amigo, amigo passa a ser
o vocativo, passa a ser o interlocutor. É muito importante, seria muito
importante que os livros sobre língua reinventassem a sua forma de... Descrita,
vou dar um exemplo, as figuras de estilo, eu tenho inúmeros livros
de língua, sabes, tenho inúmeros livros de língua e reparo-me sempre que
as figuras de estilo, numa vintena de livros, os exemplos apresentados para
cada figura de estilo são sempre os mesmos. Não é estranho que
perante uma figura de estilo haja sempre o mesmo exemplo, ou é
um exemplo de Camões, ou um exemplo dessa, ou um exemplo de
Fernando Pessoa, e é sempre o mesmo exemplo. Se me perguntares porquê
que isto acontece, a melhor resposta é porque não há da parte
de quem escreve segurança suficiente quanto ao conceito que permita depois dar
outros exemplos ilustrativos. E aquele exemplo seguro da... Há muitas fotocópias de
fotocópias, basta que alguém se dê ao trabalho de pegar em dicionários
e ver as definições. As definições dos dicionários, e aqui não vou,
apesar de eu poder fazer, poderia dizer-te quais, mas há muitos dicionários,
comparas com edições mais antigas e tu ves que as definições têm
sequências de vocabulários que são quase, quase, quase iguais. O que estou
a dizer é que há muita cópia de cópia de cópia de
cópia com subtilezas... Com subtilezas, este modo que o caso não surge
absolutamente descancarado. Mas há pouca originalidade. E há um modo muito seleno,
muito cinzento de apresentar as coisas.
José Maria Pimentel
Mas nós também temos uma especificidade à língua portuguesa, que é, e
que torna-se um bocadinho cinzento e entediante e isto leva-nos até à
questão do acordo que é o facto de nós termos uma língua
que é regulada de cima fomos andando de acordo em acordo e
no fundo o que tu tens agora é mesmo as pessoas como
tu que se opõe ao acordo, e eu identifico-me não em medida
completa, mas em grande medida com isso, essas pessoas, no fundo, estão
a defender o acordo anterior a este. É sempre um acordo, enquanto
que o modelo, por exemplo, anglo-saxónico é um modelo muito mais de
bases, é um modelo de uma espécie de consenso. Quer dizer que
é um consenso social, parece uma utopia, é um bocado utópico, obviamente
não é um consenso social como uma coisa que emerge assim por
artes mágicas, mas é um consenso entre as pessoas, entre os linguistas,
entre os filólogos, entre os revisores, entre as pessoas que no fundo
trabalham a língua, que se desenvolve e que explica por exemplo porque
é que o inglês dos Estados Unidos e o inglês do Reino
Unido se desenvolveram tão paralelamente, naquanto que os Estados Unidos são independentes
desde o final do século XVIII, e no entanto, embora tenham diferenças,
também muitas parecenças e eu acho que isso, pelo menos a minha
intuição, é que isso tem alguma relação, não é? Relação com a
parte de...
Relação com o
facto de ser tão pouco apelativo para a pessoa comum expusar a
língua, porque nós estamos habituados a que a língua nos seja dada
como uma espécie de regra que nós temos que cumprir e que
foi... Que é determinado por outros, de uma maneira que nos parece,
até porque lá está a etimologia, muitas vezes não é explicada, que
nos parece um bocadinho discricionária e que nós temos que cumprir, se
não cumprimos está errado. E muitas vezes, e há... E há eu
por acaso, embora eu acho que faças tu e não só um
trabalho muito meritório na questão dos erros, eu acho que o enfoque
nos erros por si só, embora perceba obviamente que tu tentas chamar
justamente a etimologia, mas a questão dos erros também vai muito nessa
linha que é de o que tu estás a dizer está errado,
tem cuidado não fales assim, porque não é assim que se diz.
A etimologia que tem imensa graça, aliás, uma vez estava a ouvir
uma apresentação de um tipo que não tinha nada a ver com
isto, rigorosamente nada a ver com isto, tinha a ver com uma
coisa na ordem da sociologia e até do comportamento organizacional e uma
coisa que ele dizia, que achei muita graça, era... Ele disse isto
à audiência se vocês só tiverem que comprar um livro, comprem um
dicionário etimológico e eu por cá retentei e não consegui porque acho
que só há um em português, só uma série de volume Ah,
consegues no
Manuel Monteiro
existem os conceitos. E o Frey diz, isso é um argumento falacioso.
É a mesma coisa, eu percebo isso, mas eu acho que hoje
vivemos tempos em que o problema é exatamente o contrário. E é
exatamente o contrário, porquê? Porque nunca tiveste como hoje uma velocidade, uma...
Para já há novidade dos sinais digitais. E os sinais digitais e
os sinais de grande consumo, como o da parte editora. Tudo o
que as pessoas dizem, ou seja, tens uma palavra que tem determinado
significado, tem uma determinada etimologia, tem uma determinada utilização pelos escreventos e
falantes ao longo da história tem uma determinada... Uma coisa que os
dicionários antigos tinham as abonações literárias, como grandes autores utilizaram a palavra
e que hoje não se vê nos dicionários que vão saindo que
Manuel Monteiro
e que tens por exemplo em dicionários em inglês tens por exemplo,
um dicionário até digital em inglês, o The Free Dictionary, escreves lá
a palavra blue, tens 23 ou mais palavras, a palavra utilizada por
autores clássicos ou semiclássicos, que é uma coisa muito boa, que é
uma marca d'água dos dicionários. Os dicionários hoje têm menos
qualidade.
Porquê? Porque, primeiro, tem... Como podes aferir a qualidade de um dicionário?
Pela quantidade de verbetes, pela quantidade de significados, pelas considerações etimológicas, também
por, por exemplo, aquele que para mim continua a ser o grande
cenário de referência é o grande cenário da língua portuguesa do J.
Pedro Machado, também da coordenação do J. Pedro Machado, por mesmo do
etimológico, que tem uma coisa que hoje parece caricata, que é atenção
que para esta palavra isto é um galicismo, é uma palavra que
vem do francês ou é um englicismo para esta palavra nós temos
na língua portuguesa uma sinonimia rica e depois faz o inventário. Hoje
os dicionários não têm isso e pior do que isso, muitas vezes
remetem à palavra morfologicamente portuguesa para a palavra inglesa, ou para a
palavra francesa. Tu dás um exemplo do stress. O stress é um
deles. Por exemplo há dicionários que têm mousse, mousse em português escreve-se
com o sinal ler-se e é mousse. E depois há uma série
de coisas como tu escreves ou dizes cupom ou camião e só
para tentarmos dar aqui uma certa lógica cupom e camião é pela
mesma lógica que na adaptação nós devemos ter Everdown, Biberão... A
tua grande é que
estás a tentar chegar-se. Sim. É pela mesma razão, para dar um
exemplo mais estranho, se tens dossier e atelier com e com acento
circunflexo, senão terias de ler o dossier, terias de ler atelier e
o R ainda precisaria de um E. Da mesma forma deves escrever,
se escreves atelier e dossier em português, da mesma forma escreverás palmier,
morfologicamente,
com é,
com a sentença que você é, ou soumier, para te dar ainda
outro exemplo. Pode
Manuel Monteiro
os dicionários incorporaram muitas palavras estrangeiras, de comparação com o diálogo de
dicionário de língua portuguesa, que nós somos um povo que é uma
coisa rara, que não tem ideia de morfologia na cabeça. A ideia
de distinguir uma palavra estrangeira de uma palavra portuguesa, como é que
moça poderia escrever com ó? Olhas para aquilo, se tivesse uma ideia
do que é a tua língua e lees moça, não lees moça.
O que eu acho é, ainda outro aspecto muito importante que é
a significação imprópria. Não é por as pessoas, os falantes e os
escreventes, começarem a dizer uma palavra com determinado significado, que ao fim
de dois meses passa a estar num dicionário digital. A rapidez da
incorporação... As pessoas começaram a dizer brutal com sentido maravilhoso. Essa era
uma das estratégias. Rapidamente. Foi incorporado nos dicionários digitais. E depois isto
é um
José Maria Pimentel
Mas, bom, então, mas espera aí, então vamos, há aqui vários casos
e vamos, se calhar, agir a dissecar alguns. Já agora uma coisa
que eu te queria perguntar, és a pessoa certa para fazer esta
pergunta, eu, a certa altura, recebi queixas tanto do meu pai como
da minha mãe a alturas separadas por causa de uma coisa que
eu dizia numa das conversas que gravei com o Luís Cabral, economista,
e ele usava uma expressão que é aderência à realidade. Sim, à
adesão. Eu acho que a expressão está correta, porque é uma metáfora.
Tu estás a fazer uma metáfora com um pneu ou alguma coisa
do género. Eu
percebo. Não é
aquela questão da adesão e aderência. O que é que tu
Manuel Monteiro
chegar. Acho mais legítimo o retrato do país, no sentido de, vamos
fazer o diagnóstico económico, social, cultural, acho mais legítimo porque permite, é
como a palavra diagnóstico, o diagnóstico é um conceito da medicina mas
depois há uma extensão de sentido. O meu diagnóstico é que aquela
rotulação não dura muito tempo. Aliás, o meu prognóstico, perdão,
é que
aquela rotulação não dura muito tempo. O meu diagnóstico sobre a economia
portuguesa é que há falta de investimento ou excesso de investimento. O
que estou a dizer é que tem de surgir aos ouvidos e
aos olhos de quem ouve e de quem lê perfeitamente nítido se
é uma metáfora ou se é por desconhecimento. E no caso da
desoída, como é um erro tão tão tão tão tão tão frequente,
Acho que não se... Vou dar exemplos de outras palavras que os
sinais já não distinguem. Isto é a propósito da língua enquanto o
organismo vive. É uma frase feita que tem de ser vista de
dois lados. Há um lado em que esse organismo vive é mau
e é mau em que? Quatro exemplos, tens preeminente e proeminente Os
cioneiros já não distinguem E olha que dei-me ao trabalho de ver
todos os cioneiros modernos Preeminente e proeminente Proeminente sempre foi para as
alianças físicas Preeminente sempre foi para ideias e figuras Curioso, olha eu
não sabia disso por exemplo Tu vais a um cioneiro atual, já
não distingue As pessoas são preeminentes E as ideias
Manuel Monteiro
mas como os teoreis não distinguem? Outra, a rotura com o e
a rotura com o. Se deve ser utilizada para canos, rotura com
o e antes do acordo com o P é uma rotura que
não é estritamente física, uma rotura ideológica, uma rotura entre pessoas. Isto
para dizer o quê? Ou ainda, mais uma, já achavam assim, volátil
e volúvel, volátil e volúvel, também nos cenários aparecem diferenciadamente, mas volúvel
é de
pessoas,
volátil, os mercados são volátiles, por exemplo, que têm a característica da
volatilidade, As pessoas são volúveis, têm a característica da volubilidade. Isto para
dizer o quê? À luz desse argumento da língua é um organismo
vivo. Nós perdemos palavras. Muito pouca gente hoje utiliza volúvel, muito pouca
gente utiliza permanente, muito pouca gente utiliza estada. Concordo,
Manuel Monteiro
Se me falares que há uma série de neologismos bem formados à
luz da língua portuguesa e que são necessários para realidades novas que
vão surgindo, eu sou totalmente favorável a isso. O problema é que
a maior parte das pessoas que a pergua, que a língua é
viva, depois as consequências que tira daí, é que devemos incorporar tudo
o que as pessoas passam a dizer. Rapidamente sabes, agora em dois
meses, batata passava. As pessoas, havia uma moda, uma coisa viral, batata,
passava. Eu queria dizer uma coisa fixe, barilo, pronto. Calma! Temos de
ir com mais calma, temos de ver etimologia, não podemos deitar um
caudal literário milenar fora, porque há uma moda de dois meses. Repara
que acabaste de dar
José Maria Pimentel
Talvez, faz sentido, porque essa é uma palavra que tem que ter
entrado na altura em que os anglicismos estavam mais fortes, que claramente
não é a altura atual. Até já não seria muito naquela altura
em 86, talvez. Mas... Bom, só para fazer aqui um ponto de
situação em relação àquilo que estavas a dizer, atenção que no debate
da defesa da língua versus permissividade em relação... Permissividade é negativo, mas
inovação na língua se quiseres, eu faço à média, estou claramente mais
para o teu lado, mas acho que não estou num ponto tão
extremo como o teu, o que torna interessante ter uma conversa em
relação a isso, sobretudo porque eu acho que isto se torna mais
interessante se for um debate. Eu acho que o teu receio, no
fundo, e de quem está em essa posição e que eu partilho
lá, está parcialmente, é de que nós estejamos a perder palavras e,
sobretudo, palavras que são cambiantes ou matizes até de conceitos diferentes, e
estamos a incorporar ao mesmo tempo palavras vindas de fora. No fundo
há uma espécie de encolhimento do património original da língua ao mesmo
tempo que se vai buscar sem grande discernimento coisas que estão fora.
É um bocado isto, não é?
Manuel Monteiro
Mas é verdade, perante... Quem estuda... É engraçado de ler livros da
altura do Estado Novo em que já diziam o mesmo. Há autores
em que eu tinha o livro de 1938 que dizem exatamente o
mesmo que eu. Perante esta palavra, a realidade mantém-se. Perante esta adaptação
de funções, tem um que até critica, é a tapa, e diz
inúmeras palavras para a tapa. A jornada trouxe. Tem uma série de
palavras, quando a palavra etapa, hoje é difícil encontrar isso, quantas palavras
deixavas de utilizar em nome da etapa? Foi, mas os problemas mantém-se.
E o problema mantém-se. E hoje em dia, eu acho que, Desculpa
uma expressão forte, mas só o segmento da LEC não vê uma
coisa. Eu tenho 40 anos, leio jornais regularmente, eu tive 14. Já
não vou falar do mundo dos livros, falem só do mundo dos
jornais. A quantidade de erros que hoje há é uma coisa que
não via Antigamente. Além dos erros, o esmero na linguagem, tu sentires
que a pessoa que está a escrever do outro lado procura... Isto
é um lugar comum, mas há ali uma relação íntima com a
linguagem, há ali um prazer estético. A pessoa escreve como se estivesse
a fazer humor com as palavras. Isso é uma coisa que cada
vez tens menos. Cada vez tens menos. O vocabulário é cada vez
mais curto. O vocabulário que se utiliza no jornalismo... Há uma tendência
para os estereótipos, para utilizar sempre as mesmas palavras acopladas.
José Maria Pimentel
Sim, sim, tu falas disso, os mesmos verbos com os mesmos adverbios,
mesmos pares verba-adverbio e adjetivo-substantivo. Sim, eu acho que... Quer dizer, eu
acho que sim. Aquilo que... Acho que é relativamente inevitável que isso
aconteça, se calhar o efeito colateral de uma coisa boa, no fundo
a democratização da própria imprensa e do acesso à escolaridade, e uma
série de coisas que no fundo provavelmente faltava-nos uma espécie de reluto
de bem escrever, que hoje não existe muito, e existe tanto no
mundo francês como no mundo anglo-saxónico isso existe, ou seja, é essa
espécie de... No fundo tens vários tratos de maneira de escrever e
a minha crítica não iria tanto no sentido de se descrever mal
nos jornais é óbvio que... Bem, há uma grande diferença entre erros
carasso e erros de... De pormenores que aproveitou-a para ti por iminência,
por iminência será
Manuel Monteiro
Não, e não é só isso. E eu sei que muitas vezes
o revisor não tem responsabilidade do erro, que é uma coisa que
eu explico no livro, por uma série de fatores, porque... Por vezes
ele não vê as últimas provas, porque por vezes há desastres tecnológicos,
porque por vezes há autores que não deixam mexer nos livros. Não
foi a 7C. Lobantunes. Os livros de Lobantunes estão cheios de erros.
Mas me
perguntas
assim, erros? Eu não estou a falar de erros, é muito complexo.
Ele escreve Milú com o acento no U, escreve Zezinho com o
acento no N, escreve Rebeliço com o U. Rebeliço no sentido de...
Perdão, ele escreve rebeliço com o rebeliço no sentido da agitação, é
com o. Houve uma entrevista de um revisor de Lobantunes que dizia
que a única coisa que fazia era cotejar o manuscrito com o
datilo escrito. Isso não é rever. Manuscrito é o que é escrito
à mão. É também... Olha, outra palavra que
parece...
Outra coisa... Nem tudo é manuscrito, nem tudo é escrito à mão.
A parte das coisas, são datiloscritos. Mas o que estava a dizer
é... Por exemplo, é um autor que tem criatividade, mas não tem
o mínimo cuidado com a gramática e com a ortografia. Isso é
mau. Como é que um trator, por exemplo, vai ver rebeliço com
o, rebeliço com o, corresponde àquilo que tem a forma de rebolo.
Se o trator for traduzir, ou tem um conhecimento de fundo da
nossa língua, aquilo que tem a forma de rebolo, não é? Houve
um grande rebeliço, que é o que ele quer dizer nos livros.
Uma grande agitação, um tropelo. Quando o Lobo Antunes escreve com... Hum...
E como há muitas pessoas que entendem que os grandes autores, ou
aqueles considerados grandes autores, são exemplos da ortografia, são exemplos da gramática,
e são exemplos da boa escrita, em outras dimensões que há, muitas
dimensões além da gramática e da ortografia.
José Maria Pimentel
Há uma continuidade, pois. É verdade que há uma continuidade, mas também...
REBOLÍCIO passa num corretor, mas não é aquilo que o Gualtaro quis
dizer. Mas, oh Manel, já agora deixa-me só... Não em defesa do
Lobo Antunes, nem ninguém em particular, mas vou voltando àquilo que eu
estava a dizer há bocadinho, o português... Português é basicamente uma corrupção
do latim. No fundo é latim corrompido, e se calhar vou dizer
aqui algo mais no meio, porque não é uma coisa que eu
minimamente tenha estudado a fundo, mas o português desenvolve-se de uma maneira
mais ou menos orgânica e só é tornado língua oficial muito mais
tarde já o reino de Portugal está mais do que fundado e
depois há um trabalho que, do que umas das figuras depurou, até
o próprio Camões, de melhoria do português e de composição do português
porque no fundo, como aquilo vinha das bases, faltava-lhe uma série de
palavras para conceitos mais requintados e ele vai seguir a mesma matriz
de que organicamente se tinha feito a corrupteira do latim, a adaptação
do latim, ou o que quer que fosse que se tenha misturado
com o latim, para ir buscar palavras que não tinham passado esse
processo, e ele artificialmente vai buscar uma série de palavras, agora não
ocorre nenhum exemplo, mas há uma série de palavras conhecidas que resultam
disso, e ele vai artificialmente fazer esse processo de conversão etimológica, mas
de uma forma artificial. Sim, mas aquilo que estás a falar é
José Maria Pimentel
Claro, Mas espera, desculpa, só para determinar o que eu quero dizer.
Ou seja, tu tiveste ali... Tu tiveste uma coisa que começa como
uma corrupção do latim Sim. E que depois se transforma em canon
e no fundo é a maneira certa de corromper o latim, se
quiseres. Então vamos corromper... A partir de agora, palavras incorporadas ao latim
são corrompidas desta forma. Tem que passar por este molde. Tem que
passar por este molde, que é o molde de corrupção do latim
e que tem alguma aderência ou adesão à etimologia original, mas há
muitos cuja etimologia se estragou pelo caminho. Tu dizes, há uma pena
que se tenha estragado, mas também faz parte da língua. Quer dizer,
nós temos palavras, por exemplo, obcecado e obsessão, por exemplo, que são
palavras meio um bocadinho irritantes porque se escrevem de maneira diferente, uma
vez que fui investigar isso, elas têm uma etimologia diferente.
Manuel Monteiro
pequenas modulações de significados, há até, eu não concordo com isso, mas
há até quem defende que na língua nunca há um sinónimo perfeito.
Eu acho que pode haver, por exemplo, professor ou docente, ou aluno,
ou discidente. Eu acho que isso é um lirismo. Mas é verdade
que tu, perante cada palavra, tu tens, vou dar um exemplo e
faço-te esta pergunta. Por exemplo, palavras como patego, fuleiro, saloio, por vezes,
se calhar é uma coisa muito... Super relativamente individual. Cada indivíduo tem
a sua... A sua preferência, não é? Sim, e a sua forma
de interpretar o que é um bateu, o que é um saloio,
o que
Manuel Monteiro
Mas há palavras que... A palavra, além da sua forma visual, é
também a sua sonoridade, é também a forma como foi utilizada ao
longo da história, é também a forma como foi utilizada não apenas
pelos escritores, mas pelo povo. E a palavra, muitas vezes, nós que
estamos cá em Portugal, nós que nascemos cá, conseguimos sentir modulações de
significado que são dificilmente transmissíveis a outras. E isso às vezes não
é sinonímia. Quem consulta um dicionário de sinónimos diz, pronto, isto quer
dizer o mesmo que isto diz. Não é exatamente assim. E não
é só pela etimologia. É pela utilização ao longo do tempo. Exatamente,
claro.
José Maria Pimentel
E é isso mesmo, concordo completamente com o que estás a dizer.
Ou seja, a vida da língua surge muito por aí, pelos significados
que vão sendo dados, e eles, quer queiramos, quer não, eles vão
sempre distanciando a etimologia original, quanto mais não seja por motivos idiosincráticos,
não é isso que está a vos dizer? Quanto mais não seja
porque nós próprios... Sim. Tipo assim, uma palavra qualquer que a pessoa
goste. Há palavras de que eu gosto e há palavras, tu de
certeza tens uma série de palavras preferidas e inevitavelmente vais estendendo um
bocadinho o significado daquilo gostas tanto da palavra que queres utilizar percebe
se estás a perceber o que eu quero dizer?
Manuel Monteiro
Percebo, percebo, percebo, percebo de modo que caiba, percebo o que me
faz confusão na etimologia é quando tu tens um étimo e o
contrário e tens exatamente o significado contrário. Ok. Sei que há casos
muito difíceis de... Por exemplo, o bestial é muito difícil hoje ser
utilizado e o isopor ainda mais difícil, formidável. Por mais que pareça
que é consultar formidável mesmo em dicionários digitais, mesmo em dicionários que
saíram em 2018, e consultar as primeiras acessões, formidável aqui em Fundo
de Terror, e continua a ser nos dicionários atuais. Curioso. Como a
palavra... Percalço. Tu vês o verbo percalçar, percalçar é obter uma vantagem,
maximizar um lucro. Curioso.
Um percalço
é um lucro, uma vantagem. A de parecer-te-á nos dicionários atuais como
a última exceção, porque toda a gente diz incidente desagradável. Sim, sim.
Mas depois o verbo percalçar, depois tem de haver uma coerência na
definição de palavras, O verbo percalçar não tem o significado. Pois,
pois.
Negativo, só tem o significado de maximizar. Que
José Maria Pimentel
giro, não sabia dessa por acaso. A questão do brutal, tu falavas
há pouco que eu sou da geração do brutal, ou seja, para
mim, brutal já tem um significado, obviamente conheço o significado original, como
é lógico, que apesar de tudo mantém, mas tem muito o significado
de bom lá está do bestial, do formidável
Manuel Monteiro
E depois ainda para mais, quando etimologicamente é um absurdo. Pois, só
tem por perceber. Isto só... Nós não podemos ter uma... Não podemos
ter... De mesmo forma, não podemos ter fórmulas ortográficas todos os dias.
Isto é uma ideia muito breve e passo-te a palavra. Uma das
razões pelas quais sou contra o acordo ortográfico é que A ortografia
e a pronúncia situam-se em planos distintos. Basta ir a Portugal que
tem 10, 11 milhões de pessoas. Se fores ao Brasil tens mais
de 200 milhões. Só em Portugal tu tens comunidades que pronunciam como,
tens comunidades que pronunciam como. Tens comunidades que pronunciam falamos, que fecham
sempre a vogal e
nunca dizem
falamos e também no Alentejo. Tens no Algarve pessoas que dizem peixe,
leite, home, ou seja, a ortografia sempre foi uma. É una. Porque
a Ortografia serve para comunicar. Comunicar significa tornar comum. A ortografia é
comum, apesar da flutuação de pronúncia. O princípio do acordo, de as
palavras serem escritas ao sabor da corrente, e digo ao sabor da
corrente da pronúncia, digo ao sabor da corrente porque a pronúncia é
algo que vai mudando, além de ser variável de espaço para espaço,
é variável também de época para época. O Ciberduvidas, que é uma
excelente ferramenta, tem uma resposta que é Verdictus, quevesse com C ou
sem C. E depois há o problema de, hoje em dia, quando
tens uma palavra de dupla grafia, que é uma coisa que a
maior parte das pessoas não sabe, tens de distinguir se é dupla
grafia por flutuação de pronúncia dentro do território português, e um acordo
que veio para simplificar, ou se é dupla pronúncia por flutuação de
pronúncia entre Portugal e o Brasil. De forma racista, todos os outros
países não foram tidos em conta. Quando se fala é Brasil-Portugal. Quem
lê o Acordo Autográfico e todas as referências que lá estão é
Brasil-Portugal. Até no títulos de jornais, títulos de obras existe Brasil-Portugal. Não
existem mais países de língua portuguesa. Quando se fala de pronúncia, fala-se
de pronúncia de Portugal e do Brasil. Os outros não contam. Isso
é um aspecto que também deveríamos ter em consideração. Mas no Parabéns,
dupla grafia, temos de distinguir a dupla grafia à luz de se
a flotação de pronúncia entre Portugal e o Brasil. Por exemplo, o
Brasil pronuncia decepção, nós pronunciamos decepção. Então é dupla pronúncia à luz
de Brasil e Portugal, mas como em Portugal não escrevemos, não pronunciamos,
em Portugal tendencialmente não devemos escrever, mas ao mesmo tempo não está
mal à luz do acordo, considerando a flutuação de pronúncia. Pois tens
de distinguir as palavras dupla pronúncia por flutuação de pronúncia dentro do
território português. Isto é uma salgalhada total. E a prova é só
uma. Foi um inventário que eu fiz, de ir a dicionários e
prontuários e ver como eles registam. Perdeu o C, perdeu o P.
E os dicionários e os prontuários com o novo acordo não se
entendem. E nunca se entenderão quanto às palavras que no futuro surgirem,
palavras adaptadas do inglês, pronunciam-se com C ou pronunciam-se sempre. É porque
elas vão aparecer no dicionário antes de sequer poder
ver
como é que as pessoas as pronunciam. A pronúncia passa a ser...
A ortografia vai a reboque da pronúncia. Isto é um princípio perigosíssimo.
É perigosíssimo tu teres, como tens hoje, a facultatividade no acento do
pretérito perfeito. Quer isto dizer, tu podes escrever conquistamos ou conquistámos, com
ou sem acento. Tu podes escrever sonhamos ou sonhámos com ou sem
acento. Eu vi uma vez o Sérgio Conceição com um título cá
em baixo que dizia não conquistamos nada. Depois é que percebi que
aquilo era um órgão acordizado que tinha seguido um canal de televisão
que tinha aplicado a facultatividade de tirar o assento e a noticiar
que não conquistamos nada. Há alguém que me explique qual é a
vantagem de podermos eliminar o assento no pretérito perfeito. Eu
José Maria Pimentel
também acho que não há nenhuma. Deixa-me fazer-te uma provocação, por fazer-te
isso. Tu, se pudesses decidir, revertias o acordo de 1911, por exemplo,
ou seja, voltarias aos IPCC e aos PHs? Não, não voltaria, mas
é que há uma diferença. Não, não, atenção, eu não estou a
dizer isto... Eu não estou a fazer esta pergunta no sentido de...
Perceber o quão extremista está a ser. Não, estou a dizer isto
porque as palavras de facto estavam mais próximas do... Da etimologia.
Manuel Monteiro
eu já que esse queixe, até só. Só que há uma grande
diferença. Para já em 1911 a taxa de analfabetismo era enorme e
entendeu-se bem ou mal que passar para o acordo de 1911 seria
uma forma de simplificar a aprendizagem da língua portuguesa. Este acordo de
1990 não simplifica a aprendizagem. E não tens a taxa de analfabetos
que tinhas na altura. E ainda há outro argumento que é a
passagem do PH para o F é pacífica porque é só dizer
o PH transforma-se em F no início, ao passo que agora é
se se pronuncia ou se não se pronuncia. É totalmente diferente. Tu
teres uma coisa... Esse argumento que foi, por exemplo, utilizado recentemente por
uma pessoa do Ciberdúvidas, que é... E à pecada queria concluir o
Rocinho no Ciberdúvidas. O Ciberdúvidas, que atenção, que é uma das melhores
ferramentas digitais da língua que há, mas o argumento de a resistência
que há à eliminação dos consoantes mudas é a mesma resistência que
havia ao PEH não é um argumento porque
neste
caso das consoantes mudas há muitas em que nós não sabemos se
é muda ou se não é muda, porque é muda para uma
pessoa, não é muda para outra, é muda para uma comunidade linguística,
não é muda para outra. E tu ver quem se mete a
defender o acordo, quem rada pelos labirintos acordistas sai sempre com disparates
absolutamente grotescos. Dou-te um exemplo. Há uma resposta de ciberduvidas em que
perguntam do verdito. Se é verdicto ou verdito. Depois há sempre... Ah,
pera, eu pronuncio, eu não pronuncio. Há sempre estas... Que é uma
coisa que antes não havia. Eu escrevo, depois a pronúncia, pronuncias ou
não pronuncias. A ortografia é um código muito mais estável do que
a ortoepia. A ortoepia é a pronúncia correta. Tu tens comunidades que
dizem coelho com o e fechado, coelho com o a aberto. A
ortoepia é flutuante, ovelha
Manuel Monteiro
ovelha, tudo. E algumas podem dizer tchida, quase ninguém diz descida, dizem,
há uma terceira que pode dizer descida, piscina quase ninguém diz, dinossauro
ninguém diz, economia por exemplo, Tens agronomia, tens astronomia, mas as pessoas
tendencialmente, já ouvi Madeirense dizer economia, mas a maior parte aqui, pelo
menos no continente, dizem economia. E contudo, se fores ver por analogia,
a palavra não tem acento, economia, agronomia, isto para dizer que a
pronúncia é indomável e é muito mais difícil de estabelecer regras no
domínio da ortoepia do que no domínio da ortografia. Ainda sobre a
resposta do Ciberdúvidas, a resposta é, eles respondem, se o verdito é
com C ou sem C, da seguinte forma, consultamos o nosso, passo
a redundância, o nosso consultor do Brasil e ele diz-nos que a
pronúncia da moda, contrariando uma resposta anterior, a pronúncia da moda é
com ou sem o si. Ou seja, nós temos de fazer reformas
ortográficas a toda hora. E eu como sou revisor, quando faço revisão
consulto os sinais em papel. Mas agora, por causa deste acordo, consultei
muitas vezes os sinais digitais e verifiquei uma coisa que é o
estar o C, o não estar o C é uma coisa que
vai mudando nos sinais digitais ou seja, os sinais digitais que são
a fonte primordial a maior parte das pessoas hoje consulta-se as novas
gerações e o futuro será esse, consultar sinais digitais os sinais digitais
fazem reformas ortográficas do dia para a noite. Tira o C, tira
o P, põe um novo significado que as pessoas estão a dizer.
Talvez, isto é uma mera hipótese, talvez isso gere mais cliques. Digo
eu, como há uma palavra
José Maria Pimentel
que muita gente quer procurar e que está na moda. Sim, não
sei se será por aí, mas o que tu dizes faz sentido,
parece-me um bom argumento e é uma boa maneira até de organizar
a questão, porque no fundo, e eu acho que partilho isso, a
oposição não é tanto a rever a ortografia, não é uma oposição
à priori à revisão da ortografia, é uma oposição à forma como
ela é feita aqui, que no fundo é, ao contrário do Acordo
de 911, que é verdade, pode-se dizer que é o meu argumento,
em que simplesmente se fez uma simplificação por correspondência direta, aqui tu
estás a fazer uma reconfiguração da língua que depois acaba por ser
um exercício em grande medida mal feito, não é? Ou seja, a
tua posição e de quem se eu ponho ao acordo e eu
partilho é não do exercício de fazer um novo acordo, não é
dizer a língua é inalterável, por exemplo, por absurdo, imagina, por absurdo
não é tão absurdo, imagina que lá está, piscina, por exemplo, se
decidir mudar a grafia das palavras escritas, por exemplo, correspondência direta, e
todas aquelas passavam a ser o main, por exemplo, que se estava
a escrever de maneira diferente e agora escreve de uma maneira que
tem muito pouca colagem à nossa pronúncia e isso fazia uma... Aí
o exercício era muito diferente, agora isto está feito. Era equívoco, agora
não é. Exatamente. Agora é equívoco. Agora está num
Manuel Monteiro
Egito não tem P. Ah,
agora perdeu mesmo o
P, não é? Egípcio tem P. Exato, exato. Egiptólogo tem P. Ou
seja, Egiptólogo, Egiptologia. Porque um... Isso está mais do que demonstrado. Uma
das formas das crianças a aprenderem é pela família de palavras. Antes
do acordo é Egipto com P, Egípcio com P, Egiptólogo, Egiptologia, a
família de palavras tem toda P. Agora tens Egito sem P, Egípcio
com P. E o mais estranho para mim, falam muito do Egito
e do Egípcio, De um ter P e do outro não ter.
Mas o mais estranho é egiptólogo. Egiptologia. É aquilo que estudou o
Egito. Como é que uma palavra... Como é que se pode explicar
a formação de uma palavra? Que isto é o desmembramento da língua
em muitos aspectos. Explica-se que, etimologicamente, egiptologia vem de Egito, mas... Não,
mas Egito... O P vem de Egipto, estás a ver? Mas Egipto
é um país que não existe porque não se escreve o P.
Exemplos destes são aos milhares. Tu tens o Tato que opera no...
Tenho numeros exemplos no meu livro, tens por exemplo o TAT e
o TATIL, há quem considera que o TAT perde o C, TATIL
mantém o C há dicionários como a Infopédia da Porta Editora, registam
Bicetris e Tricetris, Tricetris mantendo a possibilidade de manter o C e
vice é triste sem manter o C. Que é isto? Interruptor, está
no Portavo de Língua Portuguesa, uma ótima ferramenta. Interruptor, sem P. No
dicionário da Porta Editora, na Infopédia, já dei três fontes. Interruptor, interruptor,
porque alguém considerou, alguém ouviu alguém dizer.
José Maria Pimentel
como um fato, não é? Pelo menos em Portugal. Deixa-me passar para
os transgerismos, nós já falámos um bocadinho. Eu achei muita graça uma
vez que apanhei um dicionário, foi até um colega meu que apanhou
um dicionário de... 990 talvez, não era tão antigo quanto isso, E
tinha... Era um dicionário ou até um prontuário, por acaso, eu digo
até que era um prontuário. E tinha uma série de advertências em
relação aos transgerismos, galicismos e anglicismos. E eu achei muita graça aquilo
porque tinha lá muitas palavras, sobretudo, de galicismos, que para mim são
palavras completamente do uso corrente. Eu lembro-me, por exemplo, de... Ah, tinha...
Mais engraçado do que isso, tinha palavras que nunca chegaram a pegar.
Ou seja, tinha galicismos que na altura estavam a entrar e que
depois não entraram. E eu olhava para aquilo e pensava, não conheço
esta palavra, nunca entrou. E depois tinha outros como, esta é um
bocadinho óbvia, mas complô, por exemplo, que eles diziam, o pessoal dizia
conjura, não sei o quê. Tinhas, por exemplo, nuance. Mas,
Manuel Monteiro
quer por uma, quer por outra, complô, complô. Na língua portuguesa pode
ser maquinação, conluio, trama, conjura, mancomunação, Mãos comuns.
Mancomunação é muito bom.
Hoje o complomo façorou as outras. É verdade. O teste de nuance.
Nuance pode ser matiz, coloração, singularidade, particularidades, especificidade. Há
José Maria Pimentel
Eu sei, eu sei que está. Mas errado no sentido em que
é uma palavra que tu trazes para um conceito que não só
já tinha uma palavra, como ainda por cima vais substituir, como ainda
por cima o mesmo conceito tinha outra palavra e aquela palavra era
usada para um conceito diferente.
Tinhas isso,
Depois tens as palavras redundantes que no fundo já tens o conceito
absolutamente, podemos dizer, o caso nuance talvez seja isso, matiz, vamos admitir...
Palavras não
transportam símbolos, são óbvios. Exatamente, não tem nenhum valor adicional e depois
tens palavras que trazem de facto um valor adicional. Sobretudo entre estes
dois, o primeiro acho que é mais ou menos o objetivo, entre
estes dois últimos é que porventura poderá haver aqui algum debate em
relação ao que fica numa categoria e numa outra. Numa categoria exatamente
e o que passa para a outra. Eu talvez seja um bocadinho
mais permissivo do que tu nesse aspecto. Por exemplo, há uma palavra
com que as pessoas implicam muito e eu acho que traz de
facto o valor que não existia, ou seja, traz o potencial explicativo
que não havia antes, que é a palavra resiliência. Para mim, resiliência
não é um sinónimo de resistência. Sim. Se calhar tem um sinónimo
que eu não conheço.
José Maria Pimentel
Bem, primeiro, resistência aplica-se a uma série muito maior de situações. Isso
por si só justificaria, ou seja, Tu tens uma... Tu teres palavras
que são mais específicas... Teres uma palavra mais específica do que outra
mais geral é sempre bom. Mas também resistência... E resistência é muito
mais polissémico, mas resistência significa... Tu és resistente. Se fores ali para
fora de t-shirt, por exemplo, e estiveres bem com o frio ou
à chuva, és resistente, a resiliência é uma coisa muito mais prolongada,
não é? Tu passares por uma série de provações, se és capaz
de... Tem uma carga muito maior do que isso, quer dizer, implica...
Vem dos materiais, é certo, mas na linguagem... Está muito aplicada à
gestão e a uma série de coisas, mas é verdade que tem
um... Que explica muito mais do que simplesmente a existência. É duradouro,
é... É durativo que se diz, que sei lá?
Pode ser duradouro,
se não me esqueço. Implica tu conseguir superar uma série de provações.
Mas é que hoje vejo isso em tudo.
Manuel Monteiro
é a construção, e a construção abrange um campo vastíssimo. Tu tens...
Isto é conversa para 10 horas. Tu tens, por exemplo, uma coisa
em Portugal, tentando não ser chato, que é a regência profissionais dos
verbos. Os verbos têm profissões associadas. Tu dizes, por exemplo, consiste em
alguma coisa. Vejo que as vezes mais pessoas a escrever consiste de.
Porquê? Porque é o consist of do inglês. É muito mais difícil
identificar uma construção adaptada de uma outra língua e isso é muito
mais devastador para o edifício da língua, para toda a estrutura da
língua. Tentando dar só um exemplo. Tu em Português sempre disseste de
maneira que, de modo que, de tal sorte que, de forma que.
Como no francês há o de manier à, como eles têm o
à, esse à afetou-nos e as pessoas começaram a dizer de maneira,
de modo A, de forma A de tal sorte, já há pouca
gente diz, mas de tal sorte que substituíram o Q por A.
Ou seja, as consequências, outro exemplo, por que razão se começou a
dizer o chão em mármore, ou estátua em bronze, ou balcão em
madeira, ou estrutura em ferro, porque vem da proposição do francês, do
ein, em português, sempre foi de... E uma adaptação de uma construção,
francesa, inglesa, uma só, tem efeitos estruturais avançaladores na língua, muito mais
do como assim já lá a palavra que pode ser, atenção para
este, para realizar, podemos ter, não devemos porque é muito mais difícil
detectar as contaminações.
Manuel Monteiro
exatamente. Por exemplo, dizer prévio à. Porquê? Porque vem do prior to
do inglês. Em português não há prévio à, há o assunto prévio.
Se quiseres anterior à. É o mais difícil na língua e aquilo
que hoje se verifica mais. Tens também o problema do chamado false
friends ou mais portuguesmente os falsos cognatos. Tens muitos. Ou pretender com
o sentido de fingir do inglês. Ou evidências, as pessoas hoje utilizam
evidências com o sentido de provas, com o sentido de indícios. Tens
o crítico no sentido determinante, decisivo, algo crucial para se tomar uma
decisão, isso é a acessão do critical do inglês, tens isto à
luz dos significados, os falsos cognatos, mas mais grave ainda do que
isso é a adaptação de estruturas estrangeiras. Deite só o exemplo de
nós fomos buscar o ém do francês e isso condicionou uma cena.
Tu tens um copo que é de vidro, tens uma camisola que
é de lá, de mesma forma tens uma estátua que é de
bronze. É uma... Elipse, de uma forma abreviada, dizer, feita de bronze.
Isto é só para dizer que a contaminação de que menos se
fala das línguas é esta. E até em expressões, em termos de
onde é que isso vai, vem do inglês, em termos de quantas
expressões vassouram da língua portuguesa, inúmeras. O faça que toda a gente
diz faça faça é francês que é repaixado ou a partir de
que eu tanto falo num livro de onde vai do francês porque
é muito curioso ver que as construções bengalas são construções quase sempre
adaptadas de outra língua e isso conduz a um afunilamento da linguagem,
além dos significados em próprio.
Manuel Monteiro
Mas já reparaste que normalmente as pessoas acham muita graça, por exemplo,
quando vem um turista e o português, ao contrário dos outros povos,
da maioria dos outros povos, se fosse aqui a Espanha, ao lado
é completamente diferente, O português tem logo uma tendência para dizer isto
aqui é a torre, não é tower, tem uma tendência para não
ser capaz de nomear o edifício, tentará traduzir o padrão do descobrimento.
Isso É uma coisa muito portuguesa.
José Maria Pimentel
É, às vezes há umas coisas ridículas, sim. Há uma pergunta que
eu te queria fazer, cuja resposta se calhar está um bocadinho relacionada
com isso, ou a tua intuição em relação à resposta. Eu tenho
sempre esta tentação de perceber o que é que está na origem
dos fenómenos e no fundo há aqui um fenómeno que é identificado
por ti, não só, é identificado por uma série de defensores da
língua que é a tendência do português para ser contaminado por estrangeirismos
e tu ainda há pouco disseste uma coisa que eu achei interessante
que é que todos aqueles bordões de fala vinham sempre... Acho que
tu usaste uma expressão diferente, mas no fundo todas estas palavras de
Bengala... A partir do faça... Exatamente, todas estas palavras, duas expressões... Vêm
do estrangeiro, vêm da absorção de palavras estrangeiras. Distribuições. Exatamente. Ora, eu
como alguém que teve formação em economia, tenho logo a tendência a
pensar nisso em termos de mercados, olha em termos, viste? Como se
fosse um mercado e... Desculpa lá, mas acho que pode ser interessante
usar essa analogia. No fundo, tu tens um mercado de palavras, cujo
preço é praticamente zero, quer dizer, é o trabalho de a decorar
e de a pronunciar e a verdade é que o que nós
verificamos é que há uma tendência para nesse mercado das palavras nós
estarmos constantemente a substituir palavras portuguesas por palavras estrangeiras. Tu achas que
isso é só porque nós temos culturalmente um atavismo que nos leva
a prevenciar o que é estrangeiro ou as palavras estrangeiras terão alguma
outra característica que as torna mais atraentes algum tipo de, não sei,
seja eufonia, seja simplicidade, seja... O inglês, por exemplo, é uma língua
que tem muitas coisas que são... Que têm uma gramática que em
certo sentido é mais simples do que a nossa. No francês acho
mais difícil dizer isso. Qual é a tua intuição em relação a
isso?
Manuel Monteiro
Eu percebo o que estás a dizer. Percebo os dois lados. Eu
acho que há um certo provincianismo. Provincianismo no sentido... O TSL distinguia...
Quando nós falamos de provincianismo tendemos sempre a pensar aquele que está
ancorado no seu espaço, não conhecendo todos os outros espaços. E o
TSL até apresentou um novo conceito de provincianismo que é o provincianismo
temporal, que é aquele que está ancorado no seu tempo, desconhecendo todos
os outros tempos que estão anteriores. Boa. E eu acho que cada
vez há mais provinciantes neste sentido, provinciantes temporais de pessoas de... Exato,
temos que falar com uma pessoa que está a tirar um curso,
não interessa. Um... Dizem, pô, o problema daquilo é que tem muita
história, mas... É preciso... A... A história é fundamental, seja a história
das palavras... É
Manuel Monteiro
Há muita gente que escreve e que escreve exatamente ao repio daquilo
que eu sempre tive como... Quem sabe comunicar, quem sabe ensinar, quem
consegue explicar um assunto eu tive um professor no faculdade que disse
uma vez no final da apresentação de um trabalho, expliquem isso agora
lá em casa e se todos perceberem, perguntaram os vossos pais não
são da economia, não, expliquem isso em casa, se eles puderem apresentar
o trabalho, ou seja, dominar o assunto é que consegue explicar de
modo que um leigo o entenda, com tempo, com paciência, mas dominar
o assunto não é, refugiares numa série de conceitos herméticos, ingleses
Manuel Monteiro
Ou seja, aprova-te um olhar virgem perante as palavras. Porque há um
argumento... Há muitos, agora, apresentadores de televisão que passaram a pronunciar coisas
inauditas até hoje. Eu já ouvi ação na televisão. Ação. Mas podemos
dizer, bem, mas foram pessoas que estão, para usar uma palavra da
moda, formatadas e então não conseguiram fazer a regressão e passaram... Mas
a verdade é que, falando com professores, aqueles que aprendem o acordo
e olham com olhos virginais para a primeira vez para a palavra,
estão a pronunciar de forma nova, de onde reforça que o valor
de crítica era importante. Depois há esses resíduos, é verdade, mas há
coisas do anterior acordo que podia dizer de algumas incongruências.
José Maria Pimentel
Do anterior... Ah, claro, o econômico... Exatamente, lá está, porque, aparentemente, aquilo
é um cânon definido de cima, não tem por que estar absolutamente
correto. Se eu me perguntar-te a outra da área da economia, há
vários conceitos económicos que são balança de pagamentos, balança comercial, o que
seja, que é traduzido, pode ser em francês ou em inglês, mas
há partidas, em muitos casos, pelo menos a partida de setor começou
a ser traduzido em inglês e seria, por exemplo, balance of trade.
Manuel Monteiro
Eu não sou contra a utilização de elite, não sou contra a
utilização de sucesso. Sou contra o esquecimento das outras e a única
coisa que faço é recuperar dos baus do ouvido essas palavras. E
num texto de Fernando Pessoa, acho que ele tem graça, porque ele
fala do scol, e scol é a palavra que nós encontramos em
livros mais antigos, o scol, e o Fernando Souto tem um texto
muito interessante em que ele diz, o scol, ou traduzindo para estrangeiro,
para melhor compreensão, elite. Eu
acho
isso para a polícia.
Manuel Monteiro
lá está a história. Em textos do século XX é muito utilizado.
É ainda curioso. Outra expressão, por exemplo, adriva. Adriva é utilizado para
tudo e mais alguma coisa. Há inúmeras pessoas de língua portuguesa. Nós
hoje, eu acho que na era digital há uma coisa que... Há
um estudo que está por fazer que é a nossa ideia de
tempo. Como nós temos muita informação, às vezes as pessoas transformam o...
Não sei se já tiveste esta percepção em conversas com outras pessoas.
Como as pessoas leem muita coisa, muitas notícias, ou muitos títulos, ou
de ouvir muitos estímulos, muitos vídeos, e há muitas novidades, há muitos
casos. Uma coisa que às vezes aconteceu há três semanas, como houve
uma pletora de acontecimentos interessantes, a pessoa dizia, isso já foi há
muito tempo. Não foi há muito tempo, foi há três semanas. Mas
nem era digital. Parece que as pessoas, não sei se...
Manuel Monteiro
tendem a transformar o tempo... Não, isso deve-se dizer para a atriz
mesmo, porque já houve tantas notícias, tanta coisa interessante. Isto é por
causa de... Há muitas coisas do século XX que hoje nos... Há
pessoas que falam delas como se fossem jurássicas. A diferença entre o
estado e a estadia... Por exemplo, a utilização de... A deriva. A
deriva, nós, em textos do século XX, temos ao sabor das ondas,
à mercê das ondas, ao sabor da corrente, ao tom da água,
hoje é tudo adriva. A única coisa que eu digo é que
nós temos inúmeras porções para utilizar em vez do adriva. Mas
José Maria Pimentel
tu estás, até então, implícito no que estás a dizer e eu...
Para de me situarizar! Eu sou desse modelo também, mas espera, eu
sou desse modelo porque gosto da língua, ou seja, gosto de cultivar,
mas está implícito aí uma coisa que pode não ser partilhada por
toda a gente que é a diversidade vocabular e não só vocabular,
é um fim em si mesmo. E as pessoas não têm necessariamente
que concordar com isso. Por exemplo, uma coisa muito gira, eu fiz
uns episódios sobre psicologia evolutiva e há uma coisa muito gira, um
dos mistérios da nossa evolução é o surgimento da linguagem. Há várias
teses em relação a
José Maria Pimentel
é uma grande conversa. Há uma tese boa em relação a isso,
mas um dos princípios que colhe é que a língua, pelo menos
em parte, tem uma função daquilo que se chama sinalização, que é
se no fundo sinalizares exteriormente características positivas tuas, até geneticamente, por exemplo,
uma atividade física falo, ou seja, uma atividade que tu andares a
saltar sobre fogo, por exemplo, estás a sinalizar que és um tipo
com resistência e com uma série de qualidades físicas, da mesma forma
tu sinalizas qualidades mentais, sinalizas a qualidade mental por falares com um
vocabulário muito extenso. Como a série Sinonímia, por exemplo. Ou seja, tem
esse lado de sinalização. E depois converteu-se ao longo do tempo não
só na sinalização, mas também num certo cultivo da língua, enquanto arte,
enquanto... Quer dizer, a pessoa ter... Da mesma forma que gosta que
uma música, uma sinfonia seja complexa, gosta também que a liga seja
complexa. Mas... Complexa. Aí está implícito que para nós essa complexidade, essa
diversidade, é um fim em si mesmo. Mas uma pessoa pode legitimamente
achar que não a seja, posso dizer. Epá, ou melhor, para mim,
bom chega-me. Bom é o qualificativo daquilo que é bom.
E o
resto acabou. Quando quero dizer que é muito, é muito bom. Acabou
não voltar com tretas para usar, estás a perceber onde eu quero
chegar. Nós
José Maria Pimentel
Sabe o que eu vi? Desculpa interromper-te. No outro dia eu vi
uma coisa muito gira, não sei se tu apanhaste isso. Vale a
pena, que era uma... Vale a pena não pelo tema, mas pela
escrita. Era uma coisa dos anos 30, escrita pelo António Sérgio, Aquilo
saiu no DN, porque tinha saído no DN originalmente, uma entrevista, suposta
entrevista ao Hitler. Ah, já sei. Não se devem não dizer. Aquilo
era muito giro, porque ele ia lá... Bom, aquilo tem que se
ler, obviamente, com o distanciamento. E não é a figura do Hitler
que interessa ali. O que interessa é o facto de ele estar
a contar uma entrevista, que praticamente não aconteceu. Ele esteve lá há
3 minutos, fez-lhe 3 perguntas, e a maneira como é que ele
está a contar... É giríssimo, porque ele está a contar como uma
história. Ele está a contar... Vale muito mais pela história que ele
conta, do que pela entrevista, que é uma treta. Ele dá-lhe 3
respostas daquelas...
José Maria Pimentel
Ah, não, era António Ferro que eu queria dizer, desculpa. Saiu-me António
Seres. Sim, era do António Ferro, exatamente. Com o... Isto antes, enquanto
ele ainda estava ligado aos jornais, ou seja, antes de... Isto quer
dizer, já era no Estado Novo, mas antes de ele ter ido...
Ele foi ministro, não é?
Manuel Monteiro
porque ele tinha uma coisa que era a teoria do iceberg, ou
do iceberg, ele achava que... Ele contou isso à Paris Review, que
o escritor só devia dar a conhecer um décimo. Os nove décimos
estavam no subtexto, ou seja, eram palavras que não estavam escritas. Ah,
ok. O autor conhecia os 10 décimos do que queria, do que
tinha dentro de si, mas só comunicava um décimo, que era aquilo
que ele chamava a ponta do iceberg ou do iceberg visível. Os
outros nove décimos estavam no subtexto.
Daí que ele tem
uma linguagem tão minimal, que é escrito e tem como processo de
cortar, de cortar. Sim, sim, sim. Nos livros dele, o narrador, nos
contos, contos como The Killers, Os Assassinos, o narrador quase nunca aparece
a comentar as personagens. Isso é um... Ou seja, deixa totalmente o
leitor interpretar... Bom,
Manuel Monteiro
Mas isso do vocabulário, por exemplo, quando se fala do inglês, Isso
é sempre difícil porque uma coisa é as palavras que estão nos
jornais, outra coisa é as palavras que são utilizadas pela... Eu estou
a falar das que se usam. Sim, das que se usam, exatamente.
Mesmo quando nós falamos do inglês, aquilo que nós vamos buscar ao
inglês também é uma pequeníssima parte do inglês e que é uma
parte em si, seria longo de explicar, uma parte em si do
inglês, desculpa-me a expressão, mas de um baixo inglês ou do inglês
mais estereotipado. É o
simples inglês.
É aquilo que nós vemos. Uma forma de ver isso. Há um
livro que é Why I never knew there was a word for
it, nunca imaginei que havia uma palavra para isto, das palavras que,
segundo ele, algumas são discutíveis, que não têm correspondência em nenhum outro
idioma. Tás a ver?
Manuel Monteiro
Que é o sentimento de duas pessoas que se conhecem e que
sabem que aquilo não é amor, mas vai evoluir para amor, é
o prelúdio do amor. Há sentimentos que só existem em determinadas línguas.
Aquilo que quero dizer é, quando tu, por exemplo, mergulhas neste universo
das palavras que não têm introdução em outro idioma, especialmente na área
dos sentimentos, tens, por exemplo, os albaneses têm 17 e 27 palavras
para sobrancelhas e bigodes. Eles dizem uma palavra e conseguem ver umas
às 17 ou 27 tipificações creio que é na Escócia que eles
têm uma palavra para o tique de antecipação da alegria, o tique
do lábio superior na antecipação de um trago de uísque E depois
tens sentimentos muito mais complexos, em alemão tens o... Jubile in foreigno.
Exatamente, o júbilo na desgraça alheia, que é uma palavra do alemão.
Isto para dizer o quê? Quando tu imeres nesse universo de palavras
de outros idiomas que não têm, e às vezes é preciso mergulhar
muito para perceber exatamente que tipo de angústia é que está a
falar é que os cheques estão a falar digamos que há uma
espécie de... Algo que tu já tinhas em ti, de forma difusa,
mas que se consubstancia, não sei e aqui há uma expansão da
mente, não sei se a gente faz...
Manuel Monteiro
exemplo. Exatamente. Hercúleo, o babélico. Sublimação depois de Freud é outra coisa.
Exato, exato. E nesse sentido, eu acho que há palavras que nos
fazem pensar em coisas que nós já tínhamos, como se as desocultassem,
quer à luz da interioridade, quer à luz da decifração do mundo
externo. No livro tenho uma citação do Josh Steiner, por causa de
Paulita, que é uma coisa que eu escolhei assim, falaste disso, que
eu acho extremamente interessante, que é, depois de ter sido criado, elas
passaram a estar em todo lado, ou seja, já existiam, mas criaram,
e ele diz, criar o que já existe é um milagre raro
é
verdade
e isso é muito muito importante à casa falei do Suplicio Tantel
por exemplo o Castelo do Cáfega para mim é a história do
Suplicio Tantel alguém que está cada vez mais perto o Aguirre e
Mansour mais perto, mais perto mas nunca está lá Isto para dizer
que uma coisa que o Eric Velas Matas diz que é impossível
ser original, eu acho que ainda é possível dizer coisas novas, mas
à luz do tal provincionismo temporal, se as pessoas conhecerem, quanto mais
conhecemos do que está para trás, mais sabemos quão difícil é dizer
coisas novas, falar sobre assuntos novos.
José Maria Pimentel
coisas estão ligadas. E provavelmente tem um monte de palavras nesse campo.
E nós também temos uma série de especificidades, mas nós neste caso
estamos a falar de palavras que acrescentam ou até que são nuances
ou matizes sobre conceitos diferentes. Nenhuma dúvida em relação a isso. Nenhuma
dúvida, isto é, que estou completamente de acordo em relação a isso.
No outro, eu estou aqui a fazer um bocadinho de advogado do
diabo porque eu tenho algumas dúvidas em relação a isso embora tenda
também a estar do teu lado. Mas é interessante fazer este exercício,
eu acho. E eu falo da sinonimia pura. Por exemplo, vamos ao
exemplo da Elite de há pouco. Tu dizes, vamos assumir, eu agora
vou encarnar esta personagem da pessoa que se dá mais tintas para
isso e diz, apá, eu quero usar uma palavra e não estou
a mandar ao trabalho decorar mais do que uma para o mesmo
conceito. Se Elite traduz aquele conceito, porquê é que eu vou estar
a usar Skol? Só para ser diferente?
José Maria Pimentel
são palavras, Quer dizer, traduzem conceitos que muitas vezes surgem... Que tantas
vezes surgem emparelhados. Que eu não percebo como é que isso não
é o seu. Muitas vezes digo, por exemplo, imagina, para falar de
uma coisa qualquer eu digo eu tenho apetência por aquilo mas não
tenho apetidão. Ou o contrário, eu tenho apetência e apetidão. Não dá
mesmo a sujeito dizer isso, por acaso, não sei como é que
isso... Como é que esse significado se perdeu. Não percebo, dá jeito,
não é? Uma destas coisas não... Sim, como são palavras quase parónimas.
Mas elas deviam estar emparelhadas, não é? Deviam ser um lugar comum
dizer isso, estás a perceber? Dá tanto jeito que devia ser um
lugar comum. Mas desculpa, isto é um perigo. É como o
Manuel Monteiro
mesmo autor e o mesmo fonte tem de ser idem e ibidem.
Mas podes estar a citar o mesmo autor no outro lado. Que
giro.
Então já não...
Já é só
o idem. E podes estar a citar um livro com diferentes autores
e é só a bebida. Isso é outro campo que é, as
pessoas continuam a utilizar o latim, mas continuam a utilizar o latim
da forma como vêem os outros escrever, mas há tantos, tantos erros
de significado da ortografia quanto a utilização dos frases latinas, algumas são
cómicas. Isso é outro campo festíssimo que é, se a pessoa, eu
se quer escrever uma palavra italiana, tenho de me certificar que estou
a escrever a palavra correta, se eu quero, e com o significado
correto, isso é a coisa que é mais absurdo, utilizar expressões latinas
com significado que não tem. Voltando ao aspecto da elite, mas que
era apenas um exemplo, falamos sobre algo maior. Eu percebo isso, mas
agora dando argumentos do lado contrário. Primeiro, quando nós adotamos uma palavra
estrangeira e tu faz a pergunta que é mas qual é o
problema de eu quero usar porque é que tenho de ter o
problema da diversidade? Isso é verdade é uma coisa, eu diria quase
unânime na escrita, que nós temos fugido da repetição e...
Manuel Monteiro
que se faz. Eu percebo, percebo. Em primeiro lugar depende do tipo
de texto. Ainda que eu acho que mesmo, como o Alexandre Ercolan
dizia do Garret, era capaz de todas as porcarias a trocar o
dinheiro, menos de uma frase mal escrita. Eu tenho essa citação no
livro, acho que ou é o Ercolan a citar o Artigão, ou
é o Artigão a citar o Artigão, ou é o Artigão a
citar o Artigão, por todo o ouro do mundo seria que apaste
todas as porquerias, antes de uma frase mal escrita. O... Que se
diz? Há ainda outro... Há um... Quem lê, quem lê, o problema
também está do lado de quem lê. Para quem lê, as repetições
são cansativas. Para quem lê e tem, lá está, a tal aptência,
o tal amor à linguagem, o tal... Para quem lê, o texto
é mais apelativo, é mais instigante, é mais sedutor, se tiver uma
diversidade do que o avalado. E depois há um outro problema, que
é o desmembramento da família de palavras. Isto é, eu dou-te um
exemplo. Tu, outro dia, estava lá numa notícia, falava dos raminhos, e
dizia que ele conversou com um ufologista sobre ovnis. Ufologista. Claro que
vem do inglês UFO, Unidentified Flying Object. Mas para que ufologista? Tens
ovni, não tens UFO, ninguém diz UFO. Ainda não se diz UFO
nem UFOs. Ovo, ovni é objeto voador não identificado. Ovnis, se eu
te disser que está a conversar com um ovni-logista, já toda a
gente percebeu de que é que estava a falar. Não, estava a
falar com um ovni-logista sobre... Certo, sim, sim. Para quê? Com um
ufologista... Era uma notícia do Diário
Manuel Monteiro
não é? Não era preciso dizer. Mas aqui, para quê? O problema
é o desmembramento da família de palavras, que é o mesmo argumento
do acordo, que é o mesmo argumento das palavras estrangeiras, que é,
tu tens ovni, tens ovniologia, tens ovniologista, tu tens, vou dar-te um
exemplo que garantidamente é mais estranho tu tens necrotério morgue, vem do
francês coelhamente, necro ou tens uma série de palavras todas elas horríveis
necrofilia, necrofagia mas tens uma série de palavras mas
Manuel Monteiro
O morgue não tem uma família de palavras. Não tem os mais...
Não tem... Dar-te outro exemplo. O... Por exemplo... Ah, está, um exemplo
deliberadamente estranho. Lozango. Lozango. Lozango. Vem do francês. Iman, por exemplo. Iman.
E o lozango ia dizer que é rhomborhombic rhombiforme. Mas lozango ainda
tens o lozangular. Mas, por exemplo, nos textos mais científicos só encontro
rhomborhombic rhombiforme. Isto, para falar, a família de palavras é sempre depois
desmembrada quando se introduz uma voz de transgênero.
Por exemplo,
estava a falar do iman. A palavra sempre foi, e os brasileiros
continuam a dizer, magnet. Magnet. Magnet. Tem o família de palavras. Tens
magnetismo. Tens magnetizar o verbo. Em todos os tempos e todas as
pessoas. Tens magnético, magnetismo, magnetizar. Para iman, não tens família de palavras.
Eu sei que já está... Já veio do francês, já tem raízes
na língua, já é difícil.
Manuel Monteiro
Pois é, é essa. E... Os brasileiros nisso são mais feios. Eles
continuam, por exemplo, a dizer Mabadara, que era a palavra que nós
dizíamos antes de dizer biberão agora é estranho porque já não estamos
habituados mas há bocado tu disseste uma coisa do realizar o realizar,
tu tens essa estranheza mas daqui a 40 anos as pessoas notarão
essa estranheza E essa estranheza que tu tens agora, é a mesma
que em tempos tivemos em relação ao verbo aperceber-se. Aperceber-se, na língua
portuguesa, não significa aquilo que nós dizemos. Eu apercebi-me no sentido de
eu dei conta, de eu dei pura. Aperceber-se, na língua portuguesa, significa
munir-se, aparelhar-se.
Manuel Monteiro
Em alguns casos perceber, em alguns casos é perceber, em alguns casos
e percebi que não tinha a carteira, saí de casa e percebi
que não tinha a carteira o aperceber-se na língua portuguesa, mas percebeu
que aqui há uma colisão de significados aperceber-se é munir-se a partilhar-se
aperceber-se é munir-se a partilhar-se, ou seja, tu quando lês, depois as
pessoas perdem capacidade de cifração de textos em que aparece a palavra
apercebida. O navio apercebido, o que é um navio apercebido? É um
navio porvido do necessário para partir, que é uma tropa apercebida, agentes
apercebidas, munidas do essencial, por exemplo, numa batalha. As pessoas apercebidas. Apercebida
vem do verbo aperceber, aperceber-se sempre significou munir-se, aparelhar-se, preparar-se, é a
influência do inglês, do francês, porque não estranhamos hoje o aperceber-se e
estranhamos, alguns estranham realizar, alguns estranham mas tens, o Miguel Sousa estava
a escrever realizar com esse sentido,
José Maria Pimentel
fundo isto é uma tensão, uma tensão permanente na qual não existe,
provavelmente, um ponto de equilíbrio muito fácil de encontrar, porque a língua,
por um lado, a língua evolui assim, mas a pessoa não quer
que ela evolua tão rápido, ou seja, lá está, voltando àquilo que
eu estava a dizer no início. A língua portuguesa surge como uma
corrupção do latim, que se mistura, aqui na Imprensa de Berga, com
outras línguas, e depois vai evoluindo organicamente com uma série de adulterações
de expressões, outras que vêm de fora, por uma via ou por
outra, e terá havido sempre, isto que tu falas, de uma geração
estranhar a entrada de uma palavra, que depois a outra já toma
por adquirido. Mas, e nisso estou contigo, isto não deve acontecer rápido
demais e, sobretudo, não deve acontecer sem critério e, sobretudo, ainda faz
sentido que haja alguns guardiães da língua que no fundo é um
bocado do teu papel. Guardiães,
José Maria Pimentel
e é uma coisa que tu reparas que a direita domina o
discurso, domina o léxico do discurso da economia, ou seja, mais ou
menos, aqui há um bocadinho uma tensão, Ainda há uma herança, mais
esquerda em algumas coisas, mas quando falas lá está, de empresários, hoje
em dia, o vocabulário vem todo da área da economia de mercado.
Do empreendedorismo, o que seja. Lá está o empresário, não o patrão.
A esquerda
José Maria Pimentel
por exemplo. Sim. Isto, houve os partidos de esquerda, quando criticam uma
medida de estimular a economia, o que eles dizem não é, não
faz sentido estimular a economia, o que eles dizem é, isso não
vai aumentar o PIB como vocês acham que vai aumentar. Mas eles
estão a falar, estão a partilhar do objetivo, quando aquele é um
objetivo originalmente muito mais aderente do que o da esquerda. No campo
social, faças exatamente o contrário. No campo social, a esquerda domina absolutamente,
ou seja, e dominar a linguagem é um poder brutal. Dominar a
linguagem é dominar as regras do jogo. Portanto, tu discutes, por exemplo,
aborto, casamento gay ou catalasta, ou casamento de pessoas do mesmo sexo,
dependendo da terminologia que quisermos usar. Tudo isso, todos esses temas são
discutidos com a linguagem que foi trazida pela esquerda. Vou te dizer,
ou seja, mesmo quem está contra, está a discutir com aquela linguagem.
Percebo o que estás a dizer, sim.
Manuel Monteiro
nisso. Há um argumento, siga nisso, vai nos dicionários, por exemplo no
Da Porta e a Tora, como, e no Wise também, como um...
Alder Weese, intruso isso. É claro que isto é a perpetuação de
um estigma. É evidente. Por outro lado, fazendo a divulgada do diabo,
sim, mas se as pessoas utilizam a palavra nesse sentido e se
os dicionários devem ser um espelho de como as pessoas utilizam as
palavras, então a palavra signif, deve estar assim. Também tens a palavra
judiríquo com esse significado.
Manuel Monteiro
no fundo, não é? Sim. Um dos pecados capitais. Mas não são
sinónimos perfeitos. Isso, tu siga nisso. Eu acho que o... Acho que
isso não deveria estar num dicionário. Acho que isso é uma perfeita...
Por outro lado, a coisa do politicamente correcto é uma absurda. O
presidente é absurdo. É presidente,
não é?
A presidenta é absurdo. A mulher de ser amargo é o que
faz muitíssimo avanço. Isso é inventar um problema onde ele não existe.
Essas palavras terminadas em... Quase todas têm dois géneros. O cliente a
cliente, o paciente a paciente. A presidenta é um absurdo. O doente
a doente, o amante a amante. Isso é inventar um problema onde
ele não há.
É
verdade. E tens outros casos do politicamente correto, que para mim são
absurdos. Eu, por exemplo, às vezes leio as listas de profissões e
há um medo tão grande em chamar jardineiro ao jardineiro que depois
às vezes eu pergunto quem escolhe estas nomenclaturas tão pomposas? Agora vou
inventar, mas o técnico de manutenção paisagística... Mas já vi códigos de
profissões que são tão perifrásticos, utilizam tantas palavras e tentam tanto esconder
do cidadão aquilo que a pessoa quer fazer. Porque a pergunta às
vezes que eu faço é, estas pessoas que escrevem isto, que se
lembram de inventar estas nomenclaturas, são eles os primeiros a achar que
estas profissões são de coitadinhos. Porque o complexo de inferioridade está em
quem se lembrou e a necessidade de inventar porque acha que é
depreciativo o trabalho deles. Ou seja, quem os vê de facto de
forma inferior às profissões menos qualificadas é quem inventa essa nomenclatura. É
uma espécie de paternalismo, não é? Exatamente. Coitadinhos, não podem ser chamados
limpa-chaminés ou jardinais. Isso é que é reacionário. São pessoas normalmente do
mundo académico e teórico, sem qualquer ligação, esse tipo de ofícios é
que se lembram de ter essas preocupações. Para eles jardineiros não tem
problema nenhum. Como taxista não tem problema nenhum. Já fogareiro terá. Uma
coisa muito patrimonial, uma coisa que para mim é absurda, é absurda
à luz da língua, que é invisual. Invisual é o contrário de
visual. Há os cegos, há a cegueira. Mais uma vez, Não há
família de palavras para invisual. E quem defende invisual é o contrário
de visual. Tens um fenómeno visual. Não há... Teria de se chamar
aos churdos. Inauditivo. Para veres o António, é uma palavra à luz
da língua insustentável, impossível e nasce de uma tentativa de suavizar um
problema, que não vai suavizar que é um problema terrível, a cegueira
Sim,
José Maria Pimentel
de ir à luz da língua e sustentar. Completamente de acordo contigo
em relação a isso. Não percebo o seu objectivo, mas nesse caso
lá está. Ao contrário, a de Siganisse, por exemplo, aí vai muito
para lá. Antes de passar ao livro, Não resisto a perguntar-te uma
coisa em relação ao exemplo que estavas a dar da Presidenta. Eu
ouvi alguém dar o contraponto a isso. Não sei se seria a
pilar da Rui, que eu achei interessante. Porque eu não sabia disso,
mas quando nós tivemos as primeiras deputadas... Não, quando tivemos a Primeira
Ministra. Não sei se a primeira ministra, ou a primeira ministra com
o Ife, ou a primeira primeira ministra, não sei se terá sido
a... Mas acho que tivemos uma ministra antes de ter a Marilu
Espintacilo. E eles, na altura, referiam-se como a ministro, ou era a
deputado, não sei se... Mas
José Maria Pimentel
saber a tua opinião em relação a isso. Olha, Manel, foi ótimo.
Já levamos aqui uma série de tempos de conversa. Terminamos com o
livro. Tivemos aqui uma interrupção e o Manel queria recomendar o livro
de uma pessoa que tem estado aqui silenciosamente a assistir à nossa
conversa, o José Alberto Braga, que eu não conhecia, e que publicou
um livro chamado Memórias dessa gente e ele acaba de dizer que
foi ainda por cima por pressão incessante aqui do Manel durante uma
série de anos. Portanto, José Alberto, se quiser falar um bocadinho do
livro, é a primeira vez que temos aqui uma terceira pessoa a
intervir na conversa. Eu devo dizer que se não fosse o Manoel
Monteiro, eu não tinha esse filho. Esse livro nasceu... Memórias dessa agenda.
Memórias dessa agenda. Que é uma hora sobre uma série de políticos.
Que está nas vendas pela Sorrega, porque ele realmente me impressionou e
eu acabei por aceitar. Ainda bem que aceitei porque verifiquei que uma
vida de jornalismo de 40 anos, mais ou menos por aí, tem
algumas coisas para dizer. Não entrevistei o Salazar, mas também não perdi
muito. Mas eu fui o último jornalista a entrevistar o Marcelo Caetano.
Ah, sim? É. Ah, 74. Foi quando? Já em 74? Foi. Ele,
inclusive, Marcelo Caetano, já agora uma curiosidade, ele não veio para cá
depois do 25 de abril. Foi convidado a voltar e terminar os
seus dias aqui, mas ele não quis.
E eu
entrevistei-o 15 dias antes dele falecer. Ah, lá no Brasil, claro. Lá
no Brasil, ele morreu lá. Sim, sim. Há uma história até muito
interessante do Marcelo Caetano, que ele detestava um escritor brasileiro, que é
extraordinário, Nelson Rodrigues, e curiosamente ele foi enterrado ao lado do Nelson
Rodrigues. Isso eu gosto muito dessa parte porque esse livro de memórias
é uma exceção, porque a minha regra são livros de humor, ou
pelo menos penso que são. Mas ao nível... Eu passei, não o
tempo todo no Brasil, eu passei aqui 20 anos, os melhores, os
anos de brasa foram passados aqui, onde convivi com Mário Soares, Amália
Anjos, Álvaro Cunhal, Sá Carneiro, enfim, todos eles estão aqui mencionados e
fizeram parte da minha recordação, porque eu, inclusive, tive esse lado interessante,
além de ser português, fui presidente da Associação de Imprensa Estrangeira. De
modo que as histórias foram flutuando no computador e depois acabei por
isará-las. Que giro, para caso é uma ótima recomendação. Ficou um belo
fim do episódio. E esse livro é seu. Ah, obrigadíssimo. Gostaram deste
episódio? Se encontram o valor no 45°, existem várias formas de contribuir
para a continuidade deste projeto. Podem avaliá-lo na aplicação que utilizam, seja
ela o iTunes, Spotify, Stitcher ou outra, e podem também partilhá-lo com
amigos e comentá-lo nas vossas páginas ou redes sociais. Se acharem mesmo
que merece e puderem fazê-lo, podem ainda tornar-se mecenas deste podcast através
do Patreon ou do Paypal. Com esse apoio estão a contribuir para
a viabilidade deste projeto, que passa a ser também um bocadinho vosso.
Para além disso, obtém em troca vários benefícios como, por exemplo, o
acesso ao backstage do podcast e também a possibilidade de sugerir perguntas
aos convidados. No fim do dia, já se sabe, são os ouvintes
que tornam possível um projeto destes. Ouvintes como Gustavo Pimenta, João Vítor
Baltazar, Salvador Cunha, Ana Matheus, Ricardo Santos, Nelson Teodoro, Paulo Ferreira e
Duarte Dória, entre outros mecenas, a quem agradeço e cujos nomes podem
encontrar na descrição deste episódio. Até à próxima! Legendas pela comunidade Amara.org