#45 [série Orientações Políticas] Miguel Morgado - “Para federar as várias direitas é...

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José Maria Pimentel
Bem-vindos! Este episódio faz parte da série de conversas sobre orientações políticas. Podem encontrar no episódio que publiquei separadamente uma introdução a esta série, incluindo a minha motivação para a gravar, a lógica subjacente à escolha dos convidados e uma descrição da minha própria visão política. Neste episódio eu converso com Miguel Morgado, professor no Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica e atualmente deputado pelo PSD à Assembleia da República. Entre 2011 e 2015 o convidado foi assessor político do primeiro-ministro. Com esta conversa encerra-se, pelo menos para já, o leque de convidados desta série situados à direita do espectro político. O Miguel Morgada é então o terceiro convidado desta área, com uma visão política particular, naturalmente, e foi-me recomendado por alguns ouvintes, sem relação entre si, enquanto um pensador da área do PSD com quem não deveria deixar de conversar. E foi quanto bastou para amagoçar a curiosidade e creio que valeu a pena. Este episódio tem desde logo uma peculiaridade. Como sabem, um dos princípios do 45° é evitar a todo custo a atualidade noticiosa, mas desta vez fui ultrapassado pelos acontecimentos que trouxeram na última semana o nome do convidado para a ribalta. Isto obriga-me excepcionalmente a fazer uma introdução que está condenada a perder rapidamente a atualidade. Mas cá vai. Para quem não tenha acompanhado a recente telenovela no PSD, depois do desafio de Luís Montenegro à liderança de Rui Rio, Miguel Morgado veio admitir avançar com uma candidatura ele próprio à liderança do partido, caso venham a ser marcadas eleições diretas. Ora, quando gravámos, no dia 29 de dezembro, para referência, nada disto estava na ordem do dia e a conversa que tivemos foi, portanto, como faço sempre questão, uma discussão de fundo, alheia o mais possível à espuma dos dias. O objetivo é sempre o mesmo, que possa ser ouvida daqui a meses ou até anos, sem perder praticamente a atualidade. Ainda assim, reconheço que foi das conversas que gravei até agora aquela que se abordou mais aspectos concretos do passado recente e do presente da política nacional. Acho que era inevitável, na verdade, dada a ligação do convidado aos eventos recentes na política portuguesa e futuros, provavelmente. A visão política prática do convidado, que ficou patente ao longo da conversa, assenta num projeto político ambicioso que o Miguel Morgado tem procurado difundir nos últimos tempos e que passa por federar, nas palavras do próprio, as direitas sob dois eixos principais, reformismo por um lado e europeísmo por outro, mas numa versão alternativa e concorrente ao consenso atualmente existente à esquerda. Como a agenda preenchida do convidado obrigou, e compreensivelmente como se veio a ver, a que tivéssemos de gravar antes do novo ano, não pude, como acontece normalmente, fazer o trabalho de casa completo. No caso, ler o ensaio de filosofia política publicado pelo convidado, em que este acaba por delinear a sua visão particular de conservadorismo. Vale a pena ler este O Conservadorismo do Futuro para quem se interessar pelo tema, mas é preciso alertar que se trata de um escrito filosófico e portanto altamente conceptual. Deixo aqui de qualquer forma, em jeito de teaser, a visão de Miguel Morgado, resposta neste ensaio, se é que a consigo resumir. É a visão de um conservadorismo assente na necessária conciliação de bens distintos, na comunidade política particular em que se insere, permitindo a geração de um projeto de futuro para essa comunidade, forte, mas claro, como conservador que é isento de intenções de construtivismo ou de engenharia social e que, para ser duradouro, deverá estar assente num universo espiritual comum daquela comunidade. Ora bem, antes de passar à conversa, deixo um breve resumo dos temas que discutimos. Foi uma discussão um pouco zigzaguiente e também difícil de qualificar numa só palavra, na medida em que concordámos em alguns aspectos, mas andámos às turras noutros. Exemplos destes últimos foram, por exemplo, a questão da relação entre as diferenças de personalidade nas pessoas e as diferentes orientações políticas existentes em qualquer sociedade, e também a questão de até que ponto é que é universal ou apenas uma especificidade portuguesa ser normalmente a esquerda a estabelecer a agenda política e a direita, ou as direitas, a reagirem por seu lado. Pelo contrário, estivemos essencialmente de acordo em relação a alguns pontos que considero muito importantes levantados pelo convidado. Por exemplo, a visão de que a existência de tensão política numa sociedade é sinal de vitalidade dessa sociedade e não propriamente algo a evitar. Ou a crítica ao conformismo com que foi feito o processo de integração europeia, sobretudo nas últimas décadas, ou ainda a noção da absoluta necessidade, para qualquer força política que se afirme como reformista, de ter uma visão orientada para o futuro e de melhoria das condições de vida daquela sociedade. E pronto, vamos à conversa, não sei antes lembrar, como sempre, que podem apoiar o podcast desde apenas 2 dólares em patreon.com barra 45 graus por estende. Obrigado, Estou bem-vindo ao podcast. Isto não é um programa de entrevistas de vida, daqueles como o outro que diz os seus olhos, de todo, nunca falo desse tipo de coisa, até porque não teria jeito nenhum para isso, mas para esta série eu acho sempre interessante, e isto é inspirado também na resposta que o Francisco Mendes da Silva deu quando eu lhe comecei a fazer esta pergunta, que é a nossa biografia é inestrinçável daquilo que é a nossa orientação política, ou seja, a nossa história, as nossas vivências, a educação que tivemos, a nossa personalidade, tem muito que ver com aquilo que é a nossa visão política. Já não é a primeira vez que eu digo isso, existem pelo menos dois eixos. Existe um lado que nós tentamos, nós, por exemplo, nós os dois temos um objetivo comum, vamos supor o aumento do PIB, e podemos ter ou não uma visão comum em relação às ferramentas, aos meios para atingir esse fim. Isso é uma questão mais positivista, se quisermos. Mas depois há o outro lado da política, das orientações políticas, que tem que ver com uma preferência de cada um de nós em relação à sociedade em que queremos viver, aos valores que queremos que existam, ao tipo de socialização que existe, a organização das cidades, as relações das pessoas, mais propriedade privada, mais propriedade... Isto está a dizer, tudo isto tem estes dois lados. O ideal, pelo menos é aquilo que eu tento fazer, é tentar que o primeiro não seja contaminado pelo segundo, ou seja, tentar analisar as coisas imparcialmente, mas obviamente que o segundo é ultra relevante para aquilo que é a nossa maneira de olhar para a política. E eu achava interessante saber, na sua história de vida, o que é que esteve na origem, em termos da sua personalidade ou educação que teve, o que é que esteve na origem das suas convicções políticas atualmente? Eu ensino História da Filosofia Política há muitos anos na universidade e uma coisa que eu sempre
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procurei transmitir aos meus alunos é que esqueçam a biografia dos autores que a gente vai estudar. Não interessa para nada. Pode resumir a biografia desses autores. Nasceu, imagine, Machiavelli, nasceu, cresceu, viveu e morreu em Florença e agora vamos estudar o príncipe, vamos estudar os discórdia. A gente despacha isso num instante. Por uma razão, porque a ideia é garantir que nós consideramos os textos e os argumentos avançados por eles próprios e não estar a sempre a fazer depender o valor, a fundamentação e o alcance desses argumentos a partir da biografia das experiências que nós conjeturamos que os autores tiveram porque sabemos que ele teve uma mulher que não tinha uma perna ou uma coisa assim. Sim, sim. É tudo absolutamente irrelevante. No caso aqui, no caso que estamos discutindo aqui, é o meu caso, é o caso de outras pessoas que são políticas ou que têm preferências políticas que se exprimem no espaço público, eu diria o seguinte, apesar de tudo isto também é uma questão do regime político, porque a ideia da democracia, ao contrário dos regimes políticos historicamente que tivemos na Europa, é fazer desligar o mais possível as preferências políticas das pessoas das suas origens biográficas. Para facilitar agora aqui um bocadinho a coisa, não torna-se necessariamente complexo, mas no antigo regime a ideia é que havia mesmo uma ligação biográfica das pessoas, não só à sua posição na sociedade, que era mais ou menos rígida, mas também depois ao modo como as pessoas pensavam essa mesma sociedade e justificavam ou interpretavam essa posição que tinham. Por isso é que havia um regime dominado por uma nobreza de casta. A democracia faz uma proposta completamente diferente, que é nós termos acesso a um espaço onde racionalmente esgrimimos argumentos e concepções de justiça diferentes, que têm de valer por elas mesmas. Eu quero ser persuadido por um tipo de outro partido, eu acho que ele não tem razão, eu tenho mais razão do que ele, e não vou alegar, ai, mas a minha família era melhor do que a tua. Certo, eu estou a perceber a ver. A gente desliga ao máximo isso e eu procuro desligar ao máximo. E acho que as minhas convicções políticas que as procuro exprimir resultam muito mais da reflexão que eu fiz ao longo destes últimos, sobretudo destes últimos 25 anos, do que propriamente das minhas raízes biográficas agora. Eu cresci num meio, socialmente falando, não a minha família em particular, mas no meio social em que me via, que era esmagadoramente socialista e comunista. Estuvo ao final dos anos 70 e no início dos anos 80. E eu nunca fui daqueles que teve recaídas, paixonetas por ideais da esquerda. A esquerda sempre me pareceu um sintoma de uma enorme preguiça intelectual, sempre me pareceu que os argumentos tradicionais cardistas eram fruto do ressentimento, e muitas vezes da desonestidade e da hipocrisia, uma espécie de licença para poder ser hipócrita à vontade. Isso foi sempre uma coisa que me irritou. E, portanto, eu assumi desde muito novo, mesmo quando não tinha muito interesse por questões políticas da minha adolescência, mas sempre me fez crescer sobretudo o tom de desafio a essa ortodoxia, porque naquele meio em que eu vivia, essa era a ortodoxia. Portanto, desafiar isso era um ato até de rebelião, que era uma coisa que me agradava e ainda hoje me agrada. E os defeitos que instintivamente eu via nas posições credistas, fossem do comunismo marxista, fossem do socialismo democrático associado ao PS e aos seus satélites, sempre pareceram, instintivamente sempre pareceram isso e depois mais tarde vim a confirmar, do ponto de vista intelectual, são de facto uma expressão de ressentimento e uma espécie de licença para ser hipócrita à vontade e não ter que ficar com a carga moral negativa do julgamento que se faz sobre um hipócrita. E eu sempre repudia isso. Portanto, sempre se situo fora da esquerda. Depois, depois, enfim, depois fui estudando as coisas como devem ser e não a revoque dos meus próprios instintos e das minhas próprias reações, às vezes por amuse e por zangas pessoais, que isto também conta. A partir daí, eu pensei... Tentei sempre ser o mais racional e o mais razoável na medição destas coisas.
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Então, mas espera lá, eu fiz a pergunta, acho, de uma maneira enviazada. Aquilo de... Porque eu estava a perguntar não era tanto... Embora isso também seja relevante a biografia no sentido das vivências que nós tivemos, mas sobretudo a questão da personalidade, ou seja, eu percebo isso que o Miguel diz e é verdade, ou seja, nós temos que analisar o que Avel disse ou que qualquer filósofo político ou Stuart Mill disse, independentemente das vivências dele, embora seja interessante analisar as vivências dele, mas no fundo não lhe devemos fazer o desfavor de o desconsiderar por causa do contexto em que ele viveu. Mas é verdade também, ou eu acredito que é verdade também, que há aqui de facto aqueles dois pilares de que eu falava, ou seja, uma coisa é a visão que nós temos em relação ao melhor meio para atingir um fim comum, outra coisa é o tipo de sociedade que nós queremos viver e isso tem que ver com a nossa personalidade, ou seja, muitas das diferenças, há pessoas de esquerda que jamais poderiam ser pessoas de direita porque o mundo em que elas querem viver, a sociedade em que elas querem viver é uma sociedade que privilegia determinados valores que são os valores da esquerda e a mesma coisa ao contrário, não é? Uma pessoa de direito, por exemplo, uma pessoa que seja a Vesa, uma pessoa conservadora no sentido literal, no sentido do Burke, não é? Aquele conservadorismo no sentido de vamos com calma, não queremos grandes alterações sociais, não queremos instituições orgânicas, isto tem que ver com uma maneira de ser que tem a ver com a nossa personalidade, não é só o facto de nós acharmos que isso vai tornar o país mais próspero, isso se calhar até vem depois, ou seja, nós depois racionalizando a coisa e obviamente suplementando-a com informação empírica, chegamos à conclusão e arranjamos uma tese, que não quer dizer que não tenha validade, para aquilo ir levar a uma sociedade mais próspera. Mas aquilo começou antes disso, da mesma forma uma pessoa muito defensora de regras, de uma sociedade hierárquica, por exemplo, muito previsível, com poucas alterações, com pouca ambigüidade e imprevisibilidade, que andará a ser uma pessoa de direita, é o, antes de demonstrar, se calhar até ela própria, que aquilo é o que vai conduzir a uma sociedade mais próspera. Não sei se... Mas eu acredito... Eu digo isto porque, em mim, eu noto isso perfeitamente. Ou seja, eu percebo que as minhas convicções intuitivas surgiram antes das minhas convicções mais sustentadas, digamos assim. Embora as segundas tenham complementado as primeiras. É a nossa obrigação, não é? Mas
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aquilo que estás a chamar de convicções instintivas são, apesar de tudo, pensamentos de alguma forma rudimentar da nossa relação com o mundo. E isso, apesar de tudo, são pensamentos políticos que traduzem a nossa relação com o mundo mais alargado, e se ainda estamos a falar de política no sentido mais alargado do termo. Eu acho que a filosofia política deve ser feita a partir de uma base hiper-racionalista. Eu concordo. Desligando ao máximo das considerações de temperamento e de disposição de cada um. Depois já há uma articulação na vida prática entre um e outro, entre uma coisa e outra, na vida concreta das pessoas. Bem, isso variará de pessoas para pessoas, agora o mesmo traço de caráter pode servir numa pessoa com determinado percurso para ter se apaixonado por ideais de esquerda e outra, o mesmo traço de caráter num outro percurso de vida pode ter servido a uma pessoa para se apaixonar por ideais direitos. Eu sinceramente acho que não. Eu procuro não dar uma... Mesmo que haja muita evidência empírica nesse respeito,
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eu procuro despezá-la
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o mais possível. É uma coisa que torna isto tudo muito mais desinteressante. E o mundo às vezes pode ser tão escuro que nós temos que o colorir artificialmente porque senão as coisas não têm sentido. Claro,
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mas eu por acaso não acho que pelo contrário não torna muito mais interessante. Mas há outro lado disto, há outro lado disto que eu... Pronto, independentemente disto que não é relevante, quer dizer, escavar muito mais, mas há uma conclusão que eu tiro disto que acho que é interessante para o debate político que é a noção de que, havendo, sendo a nossa personalidade relevante para as nossas convicções políticas, isto implica que não há um modelo que seja bom para todos e, portanto, que o ideal é, isto é uma visão muito liberal no sentido estrito, É bom que na mesma mesa estejam sentadas pessoas de convicções políticas muito diferentes. Mas
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isso não tem a ver com os traços de personalidade nem nos traços de caráter de cada um, quero dizer. Isso é uma coisa já muito antiga e há um... Se há centro neurálgico do que é o entendimento do político na história da Europa, desde os gregos até hoje, é que haverá conflito político, no político sempre, mas não é por razões de caráter ou de diferentes personalidades, eu acho que isso é uma resposta bastante desinteressante. A resposta mais interessante é que nós temos mesmo ideias diferentes e vamos sempre formar ideias diferentes do que é que são as nossas concepções de justiça. Quais são os estados sociais que nós consideramos justos e quais são os estados sociais que nós consideramos injustos. E como haverá sempre diferenças a esse respeito, haverá sempre conflito e, portanto, divergência e, por isso, pessoas que dizem eu não quero ser governado por estes tipos e os outros dizem eu também não, não quero ser governado por vocês. Mas é por ver essa diferença e não é para as pessoas terem um temperamento que os inclina necessariamente para aqui ou para lá. Agora, a partir do momento em que existem diferenças no entendimento e sobretudo na tradução concreta do que é justo e injusto, haverá conflito político, claro, mas por isso é que o mais interessante é nós partirmos de um conceito político que aceite esse conflito, não como um drama, não como uma tragédia que tem que ser silenciada, que o aceite e que torne essa tensão mais pródica em efeitos culturais, intelectuais, Sim, económicos e políticos também, possível para a sociedade. Isso é que é mais interessante, ver essas duas escolhas a partir daí. Porque nunca houve uma escolha unívoca, quer dizer, há uma tentação muito grande na história da filosofia política para o ideal da harmonia. E esse é um tema que sempre me pareceu muito interessante. Há sempre duas correntes que estão lado a lado entre aqueles que acham que os conflitos latentes ou explícitos que existem na sociedade resultam de uma patologia que pode ser curada e portanto nós andamos à procura de uma espécie de vacina política para resolver e regressarmos isto a um ideal de harmonia, de concórdia na cidade. Ou não. E depois há uma corrente ao lado que diz, não, mas este conflito é uma tensão rica e portanto ele tem de ser aproveitado, canalizado, institucionalizado, o que se quer chamar ou o que se quer fazer, e isso percorreu sempre toda a história da filosofia política. E ainda há pouco estávamos a falar de Machiavelli, talvez o primeiro autor que diga, sem qualquer equívoco, sem qualquer ambiguidade, e diriam, não, mas é importante que haja conflito na cidade. É mesmo importante, não só esse conflito existe como um facto, esse facto é inextinguível, mas nós podemos aproveitar esse conflito. Todas as outras teorias políticas de silenciamento de repressão do conflito são formas mais ou menos encapotadas e mais ou menos opressivas de tirania. Isso é muito interessante. A democracia contemporânea depois acaba por tentar assimilar isso. Mas nós vemos que a semente da outra corrente, a corrente harmonífica, é sempre presente. Quer dizer, para dar um exemplo aqui da cultura política portuguesa, o atual Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa e o atual Primeiro-Ministro António Costa fizeram um número de propaganda durante 2016, entretanto distinguiu-se, mas em 2016 foi um número de propaganda importante para eles, que era, e eles vinham trazer a descrispação. Foi mais daquelas, um sintoma da nossa pobreza cívica, que o Marcelo e Costa aproveitaram, aí eles aproveitaram a nossa pobreza cívica. A falar da descrispação, então tinha havido uma coisa de grande crispação e isso era insuportável viver naquelas condições. Claro que a crispação provocada pelo partido António Costa é depois vista como um mal que funcionasse como uma espécie de causa exógena que com o aparecimento do mesmo partido socialista, do António Costa, resolversia. Enfim, mas para além dessa contradição que é evidentemente absurda, há este problema de supor que nós devemos é viver descrisparos e que tem aquele grande momento de harmonia da União Nacional, quando a seleção portuguesa ganha o Campeonato da Europa. E, clara tentação de todos esses políticos é dizer era bom que o país fosse sempre assim. E o que eu estou a dizer é que não é bom que o país seja sempre assim. Não era normal que o país fosse sempre assim. E ainda é mais paradoxal quando são partidos de esquerda a patrocinar esta visão saloia de uma sociedade que era basicamente a ideia salazarista da sociedade portuguesa. E Salazar tinha bem consciência do nível de fratura de onde a sociedade portuguesa vinha. Portanto, haver aqui este salazarismo patrocinado por António Costa, Pedro Nuno Santos, Marcelo Rebelo de Sousa, Augusto Santos Silva, é mesmo um sintoma de pobreza cívica do país? Eu concordo em absoluto com
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isso, no sentido em que... Quer dizer, o caso da traição de um governo para outro tem uma série de detalhes que eu acho que vão para lá disso, mas a questão da tensão ser boa, não só concordo em absoluto como acho que é uma coisa que em Portugal é muito ignorada.
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A cultura civica portuguesa precisava, em 2016, que alguém tivesse dito com mais voz que o Presidente da República ou o Primeiro-Ministro. Não é o caso da minha que fala mais baixo que a deles, mas com mais voz. O que eu queria dizer é assim, um bocadinho de crispação nunca fez mal à sociedade nenhuma, por isso deixem-se lá de conversas e façam o que têm a fazer, representar o
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povo português como deve ser. A nossa cultura política tem aquela procura do chamado consenso, que é sempre ilusivo, não é? Que está nos estarem sempre a fugir, mas andamos sempre à procura. E temos uma aversão muito grande ao conflito. Quando, na verdade, e eu concordo com o que o Miguel estava a dizer, o conflito, a ausência de conflito, tal como o excesso de conflito, é um sintoma de uma sociedade doente. Doente, isto, doente, calhau é uma palavra demasiado forte, mas uma sociedade sem vitalidade.
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Sem vitalidade Ou então que está a tentar corrigir um mal passado horrível, que é o que acontece com o salazarismo, em que Portugal teve praticamente 150 anos com um breve intervalo de guerra civil, e nenhuma sociedade consegue viver assim. Ou então, por exemplo, com o consensualismo que durou até os anos 70 na Alemanha, porque se tentou construir um regime que apagasse ao mais possível um crime invisível, traumático, que tinha destruído um país, uma civilização, uma cultura. Portanto, é sempre um sintoma ou de uma doença que se teve ou de uma doença que se tem. Isso é... Resulta ainda de uma aspiração a uma sociedade livre de contradições, que como eu disse está semeada por orientações muito diversas, mas ao longo de toda a história da filosofia política. A gente encontra isso desde os diálogos platónicos de Sócrates até as utopias socialistas. Já agora, como é suposto a gente recomendar um livro, o livro que eu recomendaria é precisamente o livro chamado Utopia, do Thomas More, um livro do início do século XVI, que é fundador não só do género literário das utopias propriamente ditas, mas inventa a própria palavra utopia. E o livro é um livro bastante complexo, mas ele é marcado pela presença de uma personagem, que é um diálogo, não é? Em que a personagem que descreve a experiência que esteve na ilha da utopia, uma ilha que literalmente significa ninhuros em parte alguma, encontrou uma harmonia na abundância, portanto há uma libertação, uma emancipação relativamente às contradições sociais e económicas que ditam a miséria e a opressão na Europa do século XVI e que existe naquela ilha que foi descoberta ainda por cima por um homem que era português, que era o Rafael Itateu, que é grande personagem desse diálogo. Portanto, esse diálogo é muito interessante porque ele é em grande medida fundador de uma aspiração, ou refundador, melhor dito, na medida em que ele se insere numa tradição platónica mais antiga, mas ele é refundador de uma aspiração a esse ideal da harmonia, da concórdia e portanto da emancipação relativamente a todas as contradições. E só aí é que o Owen viverá finalmente numa sociedade feliz, numa sociedade feliz. E o que é interessante ali é que há uma grande crítica a esse mesmo ideal, ou portanto ao percurso filosófico que nos faz alimentar esperança nesse ideal, que é dado pela personagem, pela outra personagem do ideal, que é o próprio Thomas More. E muitas vezes há esta, como é que se diz, este erro, este, que é uma falácia na leitura dos diálogos, que é de supor que uma das personagens fala pelo autor, e portanto Rafael includeu, que era favorável à comunidade dos bens, ao comunismo dos bens, então isso seria também a opinião do Thomas More. Isso é um erro. Isso é sempre...
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A interpretação do Maquiavel também é dada a esse tipo de erro. Mas no caso dos diálogos
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isso ainda é mais grave. Ler um diálogo é uma coisa muito diferente de ler um tratado, ou ler um pamfleto, é muito diferente. E esse erro é cometido às vezes por autores muito consagrados, comentadores muito consagrados que metem esse erro e às vezes de uma maneira quase inacreditável e tão infantis que são. Mas o meu ponto é que ali está expresso com uma subtileza e uma ironia muito particulares este dilema que nós vivemos desde então e do qual nós nunca nos libertaremos. O que também é interessante, quer dizer, não é só ver o conflito dentro das sociedades, é depois haver uma tensão entre a aceitação desse conflito por um lado e, ainda e sempre, a nossa aspiração por uma sociedade livre de contradições, de conflitos e, portanto, harmónica e da concórdia.
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Acho que isso tem... Eu encontro aí alguns paralelos com a questão do Quinto Império, que está muito ligado à nossa cultura, não é? Do Pessoa e do Agostinho da Silva, aquela coisa mirífica de um futuro que resolva todos os problemas e onde há já abundância e tudo é harmonioso e equilibrado. Que
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é fundada pelo padre António Vieira, não é? Sim, exatamente. Essa aspiração é fundada pelo padre António Vieira. Mas aí há uma... Como é que eu ia dizer? Essa aspiração, essa esperança, ela é quase plenamente, pelo menos no padre António Vieira, ela é quase plenamente teologal, quer dizer, é uma missão, uma espécie de tarefa
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espiritual. Sim, sim, do antigo
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testemunho. Que não só se pode consumar na história, é verdade, mas numa história que não é pura e simplesmente uma história temporal, a história do tempo humano. Aqui o que eu estava a falar é de uma realização no plano da pura política de uma sociedade de liberta-se desses compromissos. Apesar de que o padre António Vieira, por ser cristão e muito devoto e leitor atento a Cristinho de Hipona, ele sabia o poder que o orgulho, nas suas múltiplas manifestações, tem como... O poder que o orgulho tem sobre o coração humano e como fundador, como a âncora do pecado original. E, portanto, o pecado original é aquela âncora que nunca nos permite alimentar e acalentar uma esperança, pura e simplesmente, imanentizada que nós teremos aqui uma sociedade no mundo dos homens. Essa sim, eu ia perfeitamente feliz.
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Claro. Eu fazia a ponto, mas isso é uma conjetura, obviamente, eu estava a fazer a ponto com a questão do Quinto Império porque é certo que isso começa com o Vieira, mas depois passa pelo menos para Fernando Pessoa e Agostinho da Silva e vários pelo meio, mas isso já ultrapassa o meu conhecimento. E eu acho que isso tem muito a ver com a nossa cultura, esta vontade de harmonia. E fazendo apontar aquilo que nós falámos há pouco, Eu dou sempre este exemplo. É muito curioso porque nós temos pelo menos a transição da monarquia para a república e a transição do Estado Novo para o regime atual deram-se de uma maneira muito peculiar que é que no dia anterior parece que a sociedade em geral está com a situação e no dia a seguir parece que toda a mesma sociedade, a massa indistinguível, está com a transição. Isso aconteceu tanto na República como aconteceu no 25 de Abril, por isso é que a nossa revolução infelizmente foi praticamente sem sangue, porque nós tivemos, no dia anterior parecia que estava tudo bem, de repente passa uma revolução e a coisa passa sem haver uma resposta, não é? E isso tem que ver, acho eu, que tem que ver com essa questão dessa aversão à tensão, não é? Nós passamos de um estado para o outro, não é?
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Eu, apesar de tudo, acho que essa particularidade não é portuguesa. Enquanto estava ao vivo, ocorreu imediatamente uma situação histórica bem mais flagrante nessa contradição que é As ruas de Paris encheram-se quando o de Gaulle chegou em junho, acho que ainda foi em junho, em julho de 44, a Paris, para libertar a cidade. Mas o que normalmente nunca se refere, mesmo quando se passam aquelas imagens das cidades, dos campos ilísios cheios de pessoas a aclamar o de Gaulle, É que eu acho que foi seis meses, cinco ou seis meses antes, o PETAN tinha estado em Paris e tinha sido aclamado pelos campos ilícios e inundados de pessoas. Eu acho que isso ainda é mais flagrante. Por isso eu acho que isso não é
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um particularidade portuguesa. Eu acho que não é um particularidade
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portuguesa. Eu acho que existe uma aspiração humana pelo alívio dessa tensão, por viver com todas as contradições reconciliadas. Nós procuramos fazer isso na nossa vida. Portanto, viver uma vida permanente de conflito é insuportável. O ponto é que as sociedades humanas não são uma espécie de grande pessoa, de uma pessoa escrita com letras maiúsculas, não. Uma sociedade humana é um sistema complexo diferente, essencialmente diferente, na sua natureza diferente, da realidade da vida pessoal, com todas as relações que essa vida pessoal depois tem que formar com o mundo. Mas uma sociedade humana é essencialmente diferente e como é essencialmente diferente ela tem o conflito lá, lacrado nas suas costuras. E confrontar para a primeira vez essa realidade é uma espécie de emancipação da nossa minoridade. Uma espécie de fim da nossa inocência. Isso é sempre um momento traumático. Mesmo do ponto de vista puramente filosófico, puramente racional, é sempre um momento puramente traumático quando nós dizemos Ah, eu afinal já percebi que tenho que abandonar esta aspiração do meu coração a uma sociedade livre de contradições e em que as pessoas vivem em plena harmonia, em que o cão cumprimenta o gato na rua e por aí adiante. Esse sonho inocente, Ele é humano. Portanto, o que eu estava a dizer é que é um momento traumático quando a gente percebe que não passa de um sonho. Mas a política tem de lidar com as realidades humanas. Tem de integrar os sonhos humanos, mas tem de os costurar no tecido da realidade humana cotidiana. Como disse uma vez Cícero, porque eu tenho uma grande admiração, sobre Catão, o estoico, Catão detica, Cícero diz que o Catão preferia viver na República de Platão a ter que viver aqui na lama de Rómulo. Mas nós vivemos na lama de Rómulo, não vivemos na República de Platão.
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Sim, eu prefiro, eu acho mais interessante viver na lama de Rómulo, ou no caso, na lama portuguesa. Mas acho que isso tem que ver com algo com esse conforto, com a ambiguidade, normalmente chamamos-lhe assim, com a noção de que existe complexidade, existem visões diferentes, não existe nada perfeito, que também é outra questão que tem a ver com isso, que está tudo relacionado com isso. Miguel, deixa-me levar a conversa para um ponto mais relacionado com o espectro político, gostaria de saber a sua visão em relação a isto. Ao fazer esta série tenho pensado sobre a organização das várias orientações políticas. Nós trabalhamos quase sempre sobre um eixo, que é obviamente simplificador, existe modelos diferentes, mas que também são sempre simplificadores e não são perfeitos. E quando eu estava a gravar a conversa com o Francisco Mendes da Silva, disse uma coisa que eu achei interessante, nunca tinha pensado nisso dessa forma, até porque aparentemente até se passa ao contrário, é que isto é válido, acho em quase todos os países, embora de maneira diferente, nós encontramos à esquerda tipicamente um consenso em relação aos valores, em relação às prioridades. Não existe um consenso, e daí eu dizer que aparentemente até existe uma maior atenção, não existe normalmente um consenso em relação ao como. Ou seja, um partido como o PS, no caso português, tem uma visão em relação ao como atingir determinado fim muito diferente de um PCP ou de um bloco de esquerda que são mais radicais nesse respeito. Mas a matriz, as referências intelectuais, as referências culturais, quem construiu a cartilha no fundo são as mesmas pessoas. Enquanto que à direita há uma pluralidade muito maior. O nosso caso português é um caso muito específico, por causa da questão do socializarismo que o Miguel falava há pouco, que eu acho que contribui ainda mais para a versão que quem está à direita normalmente tem em se classificar como pessoa de direita, nós vemos isso muito no... Não sei como é que o Miguel responderia a essa pergunta, mas no PSD há sempre uma aversão muito grande da pessoa dizer que é de direita. Eu acho que isso tem a ver com o socializarismo, mas também tem a ver com esta questão de nós à esquerda temos uma visão relativamente unívoca, com cambiantes em relação ao modo de atuação, mas não tanto em relação às referências, e à direita temos uma série de direitos, ou seja, temos no fundo quase anti-esquerdas, é como se, por exemplo, para usar uma analogia muito tosca, é como se nós tivéssemos num... Vivêssemos todos num prédio e havia uma reunião de condóminos, a esquerda é quem faz uma proposta de alteração de qualquer coisa, alteração das casas, uma coisa qualquer, E depois nós do outro lado temos uma série de pessoas que estão contra, mas não necessariamente pelos mesmos motivos. Ou seja, nós à direita temos uma direita, vamos dizer assim, liberal, temos uma direita que em Portugal se classifica como social-democrata, embora a social-democrata seja o PS, mas pronto, uma direita mais moderada, digamos assim, direita democrata cristã, direita popular, direita mais autoritária, e se quisermos, ou seja, temos uma série de pessoas contra quem fez aquela proposta em reunião de condóminos, mas com decisões muito diferentes, que eu acho que contribuem para o facto de haver alguma aversão, porque no fundo, se eu disser eu sou de direita, eu não sei o que é que o meu interlocutor pensa, ele pode pensar no que eu estou a pensar quando digo que estou de direita, mas pode pensar numa coisa radicalmente diferente, não sei o que é que o Miguel acha em relação a esta visão. Bem, em primeiro
[série Orientações Políticas] Miguel Morgado
lugar, não me parece que seja verdade que exista essa comunhão dos valores últimos à esquerda. Isso resulta de manobras de propaganda dos partidos que protagonizam a esquerda. Agora, convenhamos, o Bloco de Esquerda é um partido de extrema esquerda, revolucionário, apostado na subversão da maior parte das instituições da sociedade burguesa. Que eles tenham agora uma estratégia de conquistar o poder, de alcandorados ou apoiados no Partido Socialista, e que para isso precisem disfarçar uma série das suas posições de base, isso faz parte da tática partidária deles, porque eles sabem que aqueles programas revolucionários são de uma ínfima minoria, só que podem ter o apoio de uma ínfima minoria, portanto eles comportam-se como, prendendo a lição do Sirisa e do Tsipras, dizem umas coisas que parecem ser mais consensuais, que estão a defender os direitos das pessoas e os salários. É um partido de extrema-esquerda revolucionário, subversivo das principais instituições que alicerçam uma sociedade burguesa. Não tínhamos dúvidas quanto a isso. O Francisco Louçã é o Francisco Louçã. Eu acho agora esta tentativa de normalização que fazem da extrema-esquerda que a comunicação social se esforça todos os dias para normalizar, esse é um problema da comunicação social. Agora, a mim não me tiram um poeira para os olhos, da mesma maneira que o Partido Comunista. O Partido Comunista é, a par do Partido Comunista Grego, o último Partido Comunista que ainda existe na Europa, stalinista, de inspiração stalinista. Eles acham que a grande catástrofe do século XX é a perestroika e a queda do muro de Berlim. Mas eu ouço que o Partido Comunista é um partidão, que l é mais ou menos um sindicato. Não é! É um partido estalinista, que defende na Assembleia da República, nesta legislatura, defendeu os crimes do Staline. Não tenho culpa que a comunicação social não tenha feito a cobertura disso, mas eram posições que não eram aceitáveis em nenhum país da Europa civilizada, talvez com exceção da Grécia, mas só aqui é que isso foi aceito e depois normalizado. Portanto, eu acho que aí...
José Maria Pimentel
Tem a ver com a nossa história também?
[série Orientações Políticas] Miguel Morgado
Não, tem a ver com muitas outras deficiências, não é só a
José Maria Pimentel
nossa história. Mas isso não tem a ver com... Isso tem a ver com o cômodo. É sobretudo com a nossa pobreza cívica e com o facto de haver uma
[série Orientações Políticas] Miguel Morgado
hegemonia cultural que abrange também a comunicação social, que tem esta dose de boa vontade para ajudar a essa normalização da extrema-esquerda. Portanto, há uma grande diferença entre os partidos da extrema-esquerda e, digamos assim, a aula de direito do PS que ainda existe, é verdade que está em recuo há vários anos, o António Costa também ajudou, ainda se vai arrepender no futuro, mas ajudou a enterrá-la. Portanto, o Pedro Nuno Santos, quando diz, o secretário de Estaduações Parlamentares, quando diz que a visão do PS está mais próxima do Bloco de Esquerda e do PCP do que da visão de sociedade do PSD e do CDS, repara, ele está a dizer que está mais próxima da extrema esquerda. Mas isso é um projeto do Pedro Nuno Santos para arrastar o Partido Socialista para aquele tipo de valores, porque ele sabe que o Partido Socialista não está todo com aquilo. Até pode ser a maioria que esteja com o Pedro Nuno Santos, eu não faço ideia. Mas há uma outra parte de um PS mais antigo, o PS que andou a lutar contra os antepassados do Bloco de Esquerda e contra este partido comunista, por exemplo, no 25 de novembro, no 25 de novembro agora, na Assembleia da República, este mesmo partido socialista, para garantir a normalização da extrema-esquerda, que são os seus aliados lá, até têm vergonha de dizer que estiveram com aquilo, que é uma cena de uma obscenidade histórica e uma traição ao legado do Partido Socialista que eu acho inconcebível, mas o problema é deles. Portanto, eu acho que à esquerda não existe nada disso. Existe agora uma grande tentativa de intoxicação da opinião pública para normalizar a extrema-esquerda, que é uma coisa muito diferente. Por isso essa diversidade sempre existiu. Mas, Miguel,
José Maria Pimentel
Eu não estou a falar agora. Não, não, não,
[série Orientações Políticas] Miguel Morgado
mas o ponto é este. Havia uma inspiração marxista revolucionária com o Partido Comunista, quando o Partido Comunista tinha 12, 15% de votos nos anos 70 e nos anos 80, que não podia ser confundido com o tipo de valores últimos que defendia o Vítor Constâncio quando se criava o General do Partido Socialista. Agora, se supor que à esquerda existe essa comunhão de valores últimos, mas à direita existe essa pulverização, não me parece que seja um retrato adequado do que é à esquerda, ou na filosofia política, comparar António Negri com John Rawls, quer dizer, é comparar o
José Maria Pimentel
incomparável. Certo, mas não é bem isso que eu estou a dizer. Quer dizer, obviamente que isto é questionável, mas o que eu quero dizer é, comparemos, por exemplo, um libertário à americana com alguém que se identifica com o liberalismo clássico, por exemplo. Não são iguais e, no entanto, a matriz é a mesma. Ou seja, o valor primordial é o mesmo, depois matizado num caso e num outro, um libertário muito mais extremado e um liberal clássico ou um liberal social muito mais matizado ainda. Mas há uma sequência, não é? E o que eu quero dizer é à esquerda, o que é que é a social democracia? Isto em Portugal, Quando falamos de social democracia a pessoa pensa no PSD, não é? Mas a social democracia está muito mais próxima do que é o PS e é pegar naqueles que eram os valores comunistas, nos valores socialistas e mudará-los com base. Lá está, se calhar, naquele segundo pilar que eu falava há pouco, na noção de... Ora bem, para nós distribuirmos o bolo como vai aumentar-lo um bocadinho, não
[série Orientações Políticas] Miguel Morgado
é? Mesmo assim eu acho que isso não é verdade. Mesmo assim eu acho que houve uma grande transformação a partir dos anos 70 dos partidos socialistas, partidos trabalhistas. Aliás, muita da reação que aparece agora na Europa das fações radicais dentro dos partidos socialistas e é o caso aqui no PS português, que é uma fação radical que quer aproximar o PS do bloco de esquerda, resulta de uma reação dessa evolução dos anos 70 que atingiu todos os partidos socialistas. Os partidos socialistas tornaram-se liberais, em que já não havia... Quiseram-se libertar... Sim, a terceira via, não é? Precisaram-se, exatamente, antes da terceira via, o rossianismo e as suas adaptações depois aqui que eram, no fundo, fundamentos que liberaram, e que eles achavam que o liberalismo era, na verdade, tinha uma matriz que era muito mais orientada para as prioridades desta esquerda democrática do que para uma direita conservadora. E isso mudou estruturalmente os partidos socialistas. Agora há muita gente que diz olha, isto já atingiu um ponto de falência. Aqui na Europa não é por acaso que eles todos se autodestruíram. Na verdade sobra, essencialmente sobra o nosso. Sobra o Partido Socialista Português, outros todos estão em queda. Talvez o PSOE, vamos ver o que acontece ao PSOE a seguir, aqui em Espanha a seguir às eleições, vamos ver, mas há aqui na Príncipe da Libérica dois partidistas
José Maria Pimentel
fortes, os outros estão auto-construindo. O Labour não está mal, é um bocado diferente.
[série Orientações Políticas] Miguel Morgado
Mas lá está, mas este Labour do Corbyn, vamos ver como é que eles comportam nas eleições, mas este Labour do Corbyn já corresponde à tomada do poder, pelo Corbyn e pelo seu séquito, de pessoas que estão a reagir precisamente contra a transformação que foi feita no início dos anos 80 do LeBron e depois protagonizada pelo Blair nos anos 90. Isto é, gente que odeia o Blairismo. Já o PS é o Partido Trabalhista Inglês, como o PS deveria ser de acordo com a função radical que o Partido Socialista tem hoje? É uma coisa diferente, é uma revolução num estádio posterior. Mas nesse momento os partidos socialistas, o que eles basicamente quiseram foi tornar-se parecido com os partidos de direita, com os partidos liberais de direita, com os partidos conservadores de direita. Foi feita essa experiência, com sucesso eleitoral na altura, no momento, impressionantes, quer dizer, o Clinton e o Blair tiveram, foram políticos muito bem-sucedidos, apesar das suas falhas pessoais. No caso do Blair, o desastre da intervenção no Iraque. No caso do Clinton, todas as questões que tiveram envolvidas ao longo do exercício do seu mandato. Coisas mais pessoais, outras menos pessoais. Bem, algumas não eram nada pessoais, algumas tinham a ver com concursos de corrupção e tudo mais. Mas foram políticos muito bem sucedidos, e que no fundo basicamente deixaram de ser socialistas, apesar de liderarem partidos de centro-esquerda, se pudermos chamar aos democratas dos anos 90 nos Estados Unidos, partido de centro-esquerda. Eu acho que as coisas são muito mais complexas do que nós podemos agora separar esquerda e direita nesses termos. Eu acho que devem ser separadas noutros termos. Mas para isso nós também precisamos abandonar as categorias que andámos a usar para pensar coisas que já passaram. E isso vale sobretudo para a direita. Eu acho que isso vale sobretudo para a direita. Agora, eu na direita também acho que essas diferenças que existem, que são reais, não devem ser abafadas, como muitas vezes se procura fazer. Eu acho que os liberais devem ter espaço para respirar, os conservadores devem ter espaço para respirar, os democratas cristãos devem ter espaço para respirar, Os socialdemocratas, enfim, do PSD, agora esta termologia torna-se toda confusa, mas os socialdemocratas do PSD, ou seja, não socialistas, também devem ter espaço para respirar. O que eu proponho, desde há algum tempo para cá, é que haja uma refundação que dê uma casa comum a todas estas famílias de direita para depois nós podermos federá-las numa grande poligação, aí sim política e aí sim eleitoral, para derrotar a esquerda. A esquerda que está, neste momento, unida porque o partido liderante da esquerda tem uma espécie de peso que o inclina a ele, o Partido Socialista, cada vez mais para a esquerda. E portanto, perante esse monolitismo da esquerda, da extrema-esquerda a ser anormalizada, o Partido Socialista a radicalizar-se, deve-se responder com esta grande federação de direitas. Mas, mas essa federação a meu ver só tem um valor político, só tem um alcance político desejável se for construída com base em licenços novos. E é por isso que eu acho que nós temos que aproveitar este momento, que é um momento de crise na direita portuguesa, para fazer um esforço de imaginação política e um esforço de imaginação moral que não tem precedentes, provavelmente desde os anos 70, desde o final dos anos 70 a seguir ao 25 de Abril. A direita adormeceu-se e quando pareceu ganhar o novo fogo de uma nova geração, que apesar de tudo tinha outras referências literárias, intelectuais, até geográficas, Houve também uma espécie de acomodação preguiçosa, e estou a falar da minha geração, em que nós achámos que bastava importar umas larachas e umas categorias que os americanos e os ingleses andavam a pensar, que isso servia para fazer alguma coisa. Não servia para nada, isso não serve para nada. É preciso repensar e dar novos alicerces a esta nova construção. E lá está, não é para abafar as diferenças, é para permitir criar uma plataforma comum que una todas essas famílias de direita diferentes e essa plataforma comum para resumir em duas palavras que em abstrato também podem ser tão vazias quanto os buracos negros, mas que seria o reformismo e o europeismo. Então a base comum que tem de servir a todas estas famílias, independente das suas diferenças, é que elas têm de se inscrever numa linha reformista, portanto, um desejo de futuro sem ambiguidades. Isto é, reconstruir na sociedade portuguesa forças motrizes internas, nossas, portuguesas, nacionais, para as transformações que temos que fazer, e não dar sempre a reboque de ou da troika ou porque veio uma crise qualquer e nós temos que fazer uma reforma qualquer que se estamos a imitar de outro lado qualquer. Portugal perdeu essa, em grande medida, por causa do socialismo que tivemos nestes últimos 30 anos, perdeu as forças internas, portanto um grande trabalho, uma grande tarefa política de todas estas famílias conservadores, liberais, democráticas, cristãos, todos, é reconstruirmos as forças cívicas que apoiem transformações como forças motrizes internas, nacionais, portuguesas. Isso é um ponto muito importante. E é isso que eu chamo de reformismo. E o outro ponto é um europeísmo que também tem de ser repensado. Um europeísmo que não é o europeísmo que tivemos até agora. Eu tenho defendido que o primeiro ponto é romper imediatamente os consensos europeus com o Partido Socialista, com o socialismo português, para nós criarmos em Portugal e exportarmos para a Europa, através do PPE, através do Partido Popular Europeu, dá-me a ideia que o ALDE não estaria disponível para alguma coisa dessas, a Família Liberal não estaria disponível para alguma coisa dessas, mas é de haver finalmente um diálogo entre duas famílias europeístas, uma de esquerda socialista e outra de direita, que não é socialista. O que tentou fazer, sobretudo desde o Tratado de Maastricht até hoje, foi afogar-nos a todos nos Estados Nacionais, nos Estados Membros Nacionais e depois no plano geral europeu, numa espécie de consenso tecnocrático em que em nome de valores, por um lado europeus e de prioridades nacionais, no plano interno, se quis fundir a opinião sobre a Europa entre os partidos de centro-esquerda e os partidos de centro-esquerda. Isso é um erro. E é um erro que nós vamos pagar caro. É mais do que um erro. É um grande perigo. Eu alertei para isto assim que o Macron foi eleito naquela plataforma. E agora nós estamos a ver os danos que isso está a causar. O ponto é este. É que ao se querer fundir todos os partidos europeístas num mesmo consenso tecnocrático. O que se faz é fabricar artificialmente na sociedade, no Estado Nacional e depois na Europa em geral, mas tentar fabricar artificialmente na sociedade uma bipolarização entre os partidos europeístas que defendem todos a mesma coisa e os partidos anti-europeístas de extrema direita ou de extrema esquerda. Enquanto os partidos anti-europeístas eram marginais e insignificantes, nunca ninguém considerou que este consenso tecnocrático podia ser um perigo mortal para o projeto europeu. E por isso a Merkel fez uma enorme carreira política à conta disto. Por exemplo, a Merkel. O Macron também começou a ter uma carreira política fantástica à conta disto. Não há nada de melhor. Vou à segunda volta com a Marine Le Pen e digo que todos os europeistas estão comigo. Os direitos, os de esquerda, não me interessam. Nós estamos reunidos neste consenso tecnocrático. Porque do outro lado está a margem de um plano que toda a gente quer derrotar. Estão a ver, votem em mim, eu sou ótimo. O problema qual é? É que isto é a produção artificial na sociedade de uma bipolarização. Ora, quanto falha o lado macronista, quanto falha o consenso tecnocrático que as pessoas cansam-se, a opinião pública cansa-se de um governo por um caso de corrupção, por um caso de incompetência, porque me era fastio de ver sempre as mesmas pessoas no poder, isso é da natureza pendular dos regimes representativos, se a sociedade foi forçada a caber dentro de um espartilho onde só tem duas escolhas, ou o macronismo tecnocrático ou o marrinho lipeno. O que acontece à sociedade quando o macronismo cai? Só está lá uma alternativa. Eu sempre achei isto um perigo que tinha ganhos políticos de curto prazo, mas comprometeu ao longo prazo. Portanto, o que eu proponho para remediar esta situação é precisamente romper o consenso aqui com o PS, deixar o PS ser o protagonista de um europeismo de esquerda que defende o super Estado Federal com o que os socialistas sempre sonharam, e que na verdade é uma família política que sempre detestou as nações, as comunidades nacionais, sempre ambicionou o seu desaparecimento, uma vez mais, por ver nas nações uma fonte de conflito e, portanto, aspirar a uma grande sociedade harmónica ou, no plano europeu, era preciso a gente libertar-se destes tipos das nações que tantos conflitos causaram. Eu proponho, então, que nós fundemos, lá está, criar novas alícias, que nós fundemos um europeísmo de direita. É europeísmo também, mas é de direita, quer dizer, não se revê nessa aspiração da construção de superestado federal e pelo contrário, vê as comunidades nacionais, as nações, como as unidades constituintes fundamentais e insubstituíveis da própria sociedade europeia. E a partir daqui nós podemos oferecer à sociedade uma escolha entre europeismos e não estar a forçá-la a caber entre uma bipolarização, que faz uns bonitos, muito interessantes, porque permite que os moderados ganhem num primeiro instante, mas se só houver um tipo de moderados, há uma coisa que nós sabemos nas sociedades democráticas, é que se só houver uma família de moderados sempre no governo, vai acabar no momento em que esse governo se torne popular. E depois nós não nos podemos queixar que as pessoas se encaminhem para os lunáticos que andam em assolta na Europa porque há lunáticos que andam em assolta.
José Maria Pimentel
Eu concordo com isso e acho que há outra razão ainda. Há outro problema disso, que é a tentação consensualista faz com que de uma massa crítica original, ao unificar essa massa crítica original, desaparece a inteligência coletiva que estava imbutida nela, as visões divergentes, tudo aquilo que produzia riqueza, não é? No fundo estamos a ter um cromo, passamos a ter uma caricatura que é a Europa
[série Orientações Políticas] Miguel Morgado
é boa ou a Europa é má, não é? Quase uma espécie de... É isso mesmo. E depois com acusações de seita religiosa, em que quem põe em causa o macronismo é uma espécie de herético que na verdade está a fazer um grande favor à Marine Le Pen porque é um eurocética, um populista. Isto é uma loucura. A estridência que o debate atingiu entre as elites, estou a falar entre as elites, a estridência que atingiu o debate sobre a Europa nas grandes democracias europeias é de uma irracionalidade que foi constituída em nome desta construção artificial de bipolarização. Neste momento não se pode fazer a mínima crítica, sobretudo em momentos de crise, porque isso é imediatamente visto como um sintoma de populismo, de derrotismo. Isso é uma loucura pegada.
José Maria Pimentel
Ao centro talvez, mas por exemplo, eu tenho uma visão em relação a isso que é talvez mais de esquerda, embora o Daniel Oliveira, por exemplo, com o que eu falei, tenha uma visão parecida com a sua nesse sentido porque é focada no Estado-nação, e não na integração europeista, eu acho que há grande potencial na integração europeia, embora não da maneira como foi feita. Nós fizemos de uma maneira, lá está a tecnocrática, os tratados quando não eram aprovados eram lançados uma segunda vez para ver se eram aprovados, que claramente não é a maneira de haver uma integração, embora exista, eu acho que existe, continua a existir um grande interesse em tentar superar os Estados-nação. Não é eliminá-los porque eles são fontes de identidade, obviamente, mas ainda é possível construir uma democracia. Por exemplo, eu acho possível, embora tenha que ser feito com baby steps, nós temos uma espécie de governo a nível europeu eleito diretamente, não é esta, é aquilo que nós temos agora que é uma coisa que é uma espécie de híbrido entre uma eleição indireta por via das eleições europeias e representantes dos nossos próprios governos no Conselho Europeu, não é? Temos esta coisa que ninguém percebe também que está do lado de cá. Mas lá está, mas isto, independentemente de haver visões divergentes em relação a isto, eu estou completamente de acordo com o que o Miguel estava a dizer, que é, se não existe a possibilidade de discutir isto, Ou seja, saem duas pessoas a discutir e há alguém a dizer o que eu estou a dizer e o Miguel vamos se pôr a dizer, isso é uma coisa utópica, na verdade não é possível, nós temos que assegurar a soberania dos Estados, que no fundo foi um dos problemas, é que os Estados perderam a soberania, Portugal perdeu soberania e a democracia continua a ser interna, portanto temos que alinhar a soberania com a democracia que continua a ser ao nível do Estado-nação, sem deixar de ter integração de mercados, por exemplo, e isso é um debate ultra-relevante mas que se perdeu. Deixou de haver esse debate, esse debate como tem que haver, esse consenso que o Miguel falava de que nós não podemos dar um mínimo sinal de fraqueza, de que não existe um consenso interno sob pena de sermos assaltados pelos populistas, vamos então dizer que somos todos a favor da Europa, o que é que isso quer a dizer? Que não sabemos bem o que é. E aí acho que há muito terreno a nível da, relativamente à integração europeia, que discutir entre a esquerda e a direita. Eu não sei, a minha dúvida em relação a isso é se haveria um consenso necessariamente à direita em relação a... Porque o problema é sempre esse, não é? Eu acho que há um problema, a direita tem um problema.
[série Orientações Políticas] Miguel Morgado
Não precisa ter um consenso, não precisa consenso nenhum. O que eu estou a dizer é que precisa dar essa escolha às pessoas.
José Maria Pimentel
Mas tem que... Não tem que
[série Orientações Políticas] Miguel Morgado
haver um consenso. Depois se é protagonizado, se é apoiado por todas as pessoas à direita, não, só haverá sempre discordências.
José Maria Pimentel
Mas qual é, eu acho que o grande desafio, a maneira como eu vejo isto é assim... Só haverá sempre discordências. Não, o que eu quero dizer, O ponto que eu quero fazer é o seguinte, nós temos, nós à esquerda, temos esse maior consenso, se quisermos chamar assim. Eu sei que o Miguel não concorda exatamente com isso, mas no fundo, quer nós queremos, quer não, isto acontece em quase todos os países, embora de maneira diferente, por exemplo, os Estados Unidos é um caso um bocadinho diferente, na sua espécie, A esquerda é que estabelece a agenda, não é? A esquerda diz...
[série Orientações Políticas] Miguel Morgado
Mas isso não é verdade, isso acontece em Portugal. Com os outros países não acontece. A agenda estabelecer a...
José Maria Pimentel
A esquerda estabelecer... A
[série Orientações Políticas] Miguel Morgado
direita estabelece a agenda nos Estados Unidos há, pá, aí 30 anos. Não, não,
José Maria Pimentel
o que eu estou a dizer é que nos Estados Unidos é um caso diferente. No Canadá é de ciclos. Bom, o Canadá é próximo. No
[série Orientações Políticas] Miguel Morgado
Canadá é de ciclos. Na Alemanha, não é certamente a esquerda, que a esquerda na Alemanha desapareceu nos últimos 30 anos, mesmo com o governo do Schröder. O governo do Schröder teve um programa económico e social que foi basicamente levar, aonde a CDU não tinha coragem de levar. Portanto, isso é, as democracias do leste, enfim, é claramente a direita que dita a agenda cultural, intelectual e política. Eu acho que nós muitas vezes tomamos o mundo como uma reprodução de Portugal. Portugal neste momento é uma ave rara no contexto europeu. Até pela fraqueza intelectual da direita. É um exemplo que eu dou muitas vezes. A direita é intelectualmente fraca e tem uma expressão cultural diminuta nas sociedades europeias. Não, tem em Portugal, mas nas outras sociedades não é certamente assim. Até naquele país, que às vezes muita gente me diz que a França é um país esquerdista, a França tem uma classe intelectual de direita fabulosa há décadas, que continua galopante, que certamente dita, o grande escritor, neste momento o grande escritor francês, o Hellbeck, não é certamente de esquerda.
José Maria Pimentel
Sim, mas sou seu por uma exceção.
[série Orientações Políticas] Miguel Morgado
Não é nada uma exceção. Em França não é absolutamente nada uma exceção. Nem em Inglaterra, nem em França. Isso não é verdade. Isso não é verdade. E aliás, é daí que vem muito do desespero cultural da esquerda que nós não sentimos aqui em Portugal, precisamente porque a esquerda aqui é hegemónica, mas basta sair daqui para o perceber que existe esse desperdo cultural que vem desde há muito tempo, que teve um momento de pânico na queda do muro perante o triunfalismo liberal do princípio dos anos 90, em que a esquerda se sentiu mortalmente ameaçada. A esquerda se sentiu-se mortalmente ameaçada depois com a crise da zona euro, por isso é que os partidos socialistas começaram todos a ruir e só a extrema esquerda é que viu aí a grande oportunidade de ressurgimento. Por isso eu acho que há muitas vezes uma grande confusão entre o que é o panorama português e o panorama fora daqui. E eu acho que isso resulta muitas vezes da nossa indesprevidade. Nós gostamos sempre de parecer que somos um povo de fronteiras abertas, muito cosmopolita, sempre aberta às novidades do estrangeiro. Eu receio que nós estejamos muitas vezes fechados às novidades do estrangeiro. E por isso ficamos muito admirados quando aparecem aquelas notícias que o não sei quantos de direita ganhou as eleições e imediatamente a comunicação social tem que dizer que ele é de extrema direita. Se as coisas parecerem normalizadas. Mas isso são fantasias criadas em Portugal para manter a opinião pública adormecida.
José Maria Pimentel
Eu concordo, ou concordo... Não corresponde
[série Orientações Políticas] Miguel Morgado
minimamente ao que se passa na Europa, nem no mundo ocidental.
José Maria Pimentel
Concordo que é a nossa direita, mas basta olhar para o outro lado da fronteira, para o bem e para o mal. Eu tenho uma direita muito mais pujante do que a nossa, é uma direita envergonhada, e que tem muito que ver com a questão do salazarismo agora. Eu, eu, eu, naquilo em que eu não concordo é na questão de não ser a esquerda a estabelecer a agenda, quer dizer... Aqui em Portugal é. Não, é em Portugal, no Reino Unido, o Roger Scruton, por exemplo, o outro dia estava a ver uma entrevista com ele, que é o... Ele é conhecido como o intelectual direto, e ele próprio diz, sou uma ave rara, não é? Toda a gente na academia, toda
[série Orientações Políticas] Miguel Morgado
a gente na electro-electrónica... São as universidades, é diferente.
José Maria Pimentel
É a intelligência, não é?
[série Orientações Políticas] Miguel Morgado
Não, não. Há uma grande diferença, lá está, isso é um produto muito português. As universidades na América, vamos buscar o caso mais extremo. As universidades na América têm a reputação, a reputação e o proveito, de serem grandes centros orientados para a esquerda. Mas era preciso concluir que a América está refém da agenda cultural da esquerda há 30 anos, e ora exatamente o contrário do que aconteceu. Porquê? Porque são sociedades muito mais diversas. Muito mais heterogêneas, onde há muito mais polos até de formação cultural. Em Portugal é que não existe nada. Em Portugal o que existe são as universidades, claro, que depois ditam o tom sobre tudo o resto, porque não há mais nada. De vez em quando aparece uma fundação, uma instituição, mas também nós vemos a rapidez com que essas instituições e essas fundações que vão aparecendo tentam ser dominadas pelas mesmas vozes, pelas mesmas mãos, que vêm precisamente das universidades e do mesmo mundo da hegemonia cultural da esquerda. Uma vez mais, eu acho que nós temos de abrir os olhos para o que é o mundo fora de Portugal e não tomar o mundo como um espelho de Portugal. Isso às vezes resulta também de uma grande arrogância portuguesa. A gente às vezes se pergunta como é que estes tipos têm estes costumes e têm estes hábitos? É tudo tão irracional? Os povos lá fora são todos irracionais? Nós é que vivemos de uma forma muito racional, muito sensata? Não, é a nossa forma. Eu também gosto, eu sou um patriota, eu amo o meu país, gosto do nosso modo de vida. Acho que é uma espécie de... Uma perspectiva da... Da vivência humana, é uma mediação para a universalidade do humano enquanto tal, que é tipicamente portuguesa, especificamente portuguesa e merece ser protegida, Mas isso não quer dizer que os outros sejam todos umas bestas, que são todos bizarros, e quando tomam decisões e adotam práticas que são diferentes das nossas, então imediatamente são bizarros, ou são populistas, ou são de extrema-direita. Isso é uma coisa que a gente tem que se libertar, e libertar rapidamente. É uma de estado de minoridade aqui, português, nosso.
José Maria Pimentel
Eu acho que até somos mais vezes criticados por sermos demasiado abertos do que por sermos demasiado fechados. Pois, mas eu acho que nós temos que ter a ideia de demasiado fechar. Aquilo que o Miguel falava há pouco, e que é um bocadinho verdade, nós tentarmos importar, enxertar soluções que funcionaram lá fora, ou que possam ter funcionado lá fora. Cá, é exatamente estar a olhar para outro país e julgar que ele é igual...
[série Orientações Políticas] Miguel Morgado
Não, não, o que eu disse é que nós só fazemos isso sob pressão, e sob pressão a gente vai buscar a primeira coisa que nos está à mão. Nós não pensamos as coisas aqui dentro, estamos sob
José Maria Pimentel
pressão. A nossa inspiração antes era francesa, vimos francesa e depois passou para o mundo anglo-saxónico mas é, e eu sou, e eu reconheço-me também um bocadinho como, reconheço ter um bocadinho esse viés, é geracional a minha geração é mais anglo-saxónica e portanto tenho um bocadinho o viés de de importar coisas que vêm do mundo agro-saxónico, seja do Reino Unido, seja sobretudo dos Estados Unidos, isso é um bocadinho, e buscar as coisas fora e aplicá-las cá em Portugal, e acho que há um bocadinho... Eu, atenção, eu partilho da... Acho que apesar de tu estamos aqui a falar de coisas diferentes, eu partilho dessa crítica, acho que a nossa comunicação social tem muito medo de ser criticada e, portanto, apressa-se logo a pôr o selo do extrema-direita, ou que seja, naqueles tipos, sejam eles quem forem, o Marine Le Pen é de extrema-direita e o Bolsonaro também é de extrema-direita, quando eles têm coisas que são parecidas, mas têm coisas em que são diferentes, E isto implica que, no fundo, coloca-se uma porta à frente onde não é possível olhar mais para ver o que é que está do outro lado. Mas em relação ao ponto que eu estava a falar, e admito perfeitamente que isso não seja absoluto, mas isto não tem que ver com a questão das maiorias sociológicas, tem que ver com... Nem tem que ver com a opinião pública, tem que ver com quem é que estabelece a agenda e o estabelecimento da agenda tem que ver, está mais perto da chamada opinião publicada, não é? E a opinião publicada...
[série Orientações Políticas] Miguel Morgado
Claro, é a esquerda, concordo.
José Maria Pimentel
Mas e nos outros países? Nos Estados Unidos é um caso um bocadinho diferente. Depende dos países. Claro que depende, mas dos outros países do mundo ocidental, porquê é que nós vemos, por exemplo, o conservadorismo, o conservadorismo é, por definição, uma defesa do que existe. Não, discordo totalmente disso. Eu escrevi um livro publicado, um livro do passado,
[série Orientações Políticas] Miguel Morgado
que diz exatamente o contrário disso. Isso é impossível num mundo que se tornou mudança. Uma coisa é andar a pensar o conservadorismo no século XVIII. Lá está, já tem que pensar estas coisas... Claro, mas conservadorismo é conservar. Não, mas lá está, mas conservar o quê? Pergunta que eu faço. Não sei se lê o livro, mas se lê o livro há de ver que a pergunta é. Então, se é para dar valor às palavras e à palavra conservar, então é conservar o quê? E o que eu proponho é conservar não os bens do passado, embora esses também sejam dignos de proteção, se forem bens humanos. O que eu estou a dizer é que o conservadorismo do futuro, por isso é que lhe chamo conservadorismo do futuro, olha para o futuro e, portanto, quer preservar bens que ainda não têm bens que pertencem ao futuro. Isso dá uma atitude, uma
José Maria Pimentel
disposição,
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uma inclinação completamente diferente dos conservadorismos que estivemos no passado. A ideia do conservadorismo como tradicionalismo faz todo o sentido numa sociedade que obedece ela própria a um ritmo temporal tradicionalista. As sociedades mudavam a um ritmo glaciar. Portanto, nós andarmos a defender práticas imemoriais, dos preconceitos estabelecidos durante séculos, uma sabedoria acumulada, todas essas coisas fazem sentido, fazem sentido hoje, mas faziam mais sentido na altura, a partir do momento em que há um fenómeno generalizado, profundíssimo, de aceleração do tempo, em que a própria essência das sociedades torna essa aceleração do tempo, isto é, o mundo passa a ser ele mesmo mudança, a relação do conservadorismo com a mudança tem de ser completamente diferente. E por isso é que eu digo, a gente não pode continuar, até aqui em Portugal, nós fizemos com um grande comodismo intelectual, achar que a gente ia buscar umas coisas ao Berk, ia buscar umas coisas ao Oxford, fechar aqui, o conservadorismo é isto, se não gostarem também não tem outro para oferecer. Isso é um erro, isso não faz sentido nenhum, até por causa das debilidades filosóficas e ontológicas que aquelas coisas muitas vezes têm. Por isso eu acho que nós temos de fazer um esforço para atualizar o conservadorismo como filosofia política E a meu ver, como eu tentei fazer, enfim, não estou a dizer que tenha resolvido a questão, mas era um contributo para tentar resolver o problema, era a partir da constatação que nós não podemos ter um conservadorismo absolutamente deborçado sobre o passado e obcecado com o presente, mas ele, para ser uma filosofia política completa, ele tem de se deborçar sobre as três modalidades temporais, incluindo o futuro. E portanto eu passei a escrever bastante e a pensar bastante sobre a questão do futuro, sobretudo aplicável num país como Portugal, em que por razões que nós podemos discutir, não sei se teremos muito mais tempo, mas podemos discutir. Sim, entendi. Em grande medida por aquilo que eu chamo o socialismo, o socialismo da estagnação, não só o socialismo ideológico, mas o socialismo da estagnação, da corrupção, do compadrio, do estatismo, tudo isso fez Portugal, a juntar a isso, a associar isso a um frau muito importante que é o de envelhecimento da sociedade, fez a Portugal como sociedade, como comunidade política perder o desejo do futuro. Isso tem muitas implicações. Ora, o conservadorismo do futuro tem de começar por... Sim, tem o desejo do passado. Não, mas o que eu estou a dizer é que, lá está, é que o que o conservadorismo do futuro tem de fazer é de devolver o desejo pelo futuro à comunidade política em que está radicada, neste caso a portuguesa. Isso não é possível com um conservadorismo do passado?
José Maria Pimentel
Nós temos uma inversão curiosa no caso português, porque nós vimos isso no tempo do governo anterior em que a visão conservadora no sentido estrito estava à esquerda. Eu não mexo nisto. Independente se é válido ou não. No sentido estrito aquilo é conservadorismo. Deixem isto como está, por favor. E isso de facto é curioso.
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E por isso é que eu ouvi, eu trabalhei no governo anterior, eu era assessor político do primeiro-ministro de então, Pedro Passos Coelho, e por isso eu falava com muita gente naqueles anos, sobretudo naqueles dois primeiros anos em que as pessoas estavam bastante céticas para não dizer mais sobre o sucesso que o mandato do governo teria e o programa de ajustamento e essas coisas todas. Depois nos dois anos seguintes as pessoas estavam muito céticas, depois já andavam a dizer que desde o início tinham sido muito favoráveis a várias pessoas dessas também. Mas eu lembro de muita gente me dizer, lá está, por partirem desta debilidade intelectual, parece-me, que dizia, ah Miguel, tu dizes que és conservador, pá, e vocês estão a mudar estas coisas todas, isso não é nada conservador, pá, vocês são uns revolucionários, estão aí, isso é contraditório com a tua filosofia política. Eu disse, não é nada contraditório, é exatamente o oposto. Vocês é que estão a partir do princípio que eu sou conservador tradicionalista e nunca fui. Por isso é que eu achei que devia, antes de qualquer outra coisa que eu fizesse no espaço público em meu próprio nome, como estou a fazer agora, achei que era importante publicar primeiro aquele que é, evidentemente, uma coisa abstrata, que poucas pessoas vão ler, nem as pessoas têm interesse, nem eu estou a recomendar às pessoas que vão ler aquilo. Só estou a dizer que achei que devia expor qual é o meu contributo do ponto de vista da filosofia política para refundar a direita também.
José Maria Pimentel
E faz todo sentido. E por acaso era o tipo de coisa que toda a gente devia fazer. Isso não sei, mas era o que eu deveria fazer. No sentido em que existe um sítio onde podemos saber o que a pessoa pensa, não é? No fundo. Sim. Eu fiz uma introdução a esta série, por exemplo, exatamente onde... Acabo com a coisa muito mais superficial e em áudio, mas cujo objetivo é exatamente quem está a ouvir saber o... Qual é a orientação que a pessoa tem. Ah,
[série Orientações Políticas] Miguel Morgado
mas só acrescentar uma coisa que muitas vezes também... Desculpe a interrupção, mas só que me lembrei... Não, que forte. ...Me ocorreu. Isso não quer dizer, quando eu falo em federação de direitos, que eu quero que toda a direita seja conservadora como eu. Não, eu não quero impor unilateralmente aquela que é a possibilidade que eu me revejo. Não, isso eu percebi, claro. Eu acho que a tarefa da Federação é uma tarefa de liderança específica, em que as pessoas não abandonam as suas convicções, mas cada um tem que ver qual é o lugar que ocupa nessa Federação. Quem a vai federar, quem a vai liderar, tem uma responsabilidade muito própria, muito específica, que é a de reconciliar aquilo que é reconciliável entre todas as famílias políticas, mesmo que isso signifique o sacrifício de alguns pontos que, no meu caso pessoal, são importantes porque resultam do chamado conservadorismo do futuro. O fardo da liderança implica sempre esta responsabilidade. E a tarefa de federação das diretas não é excepção a isso.
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Deixe-me fazer a pergunta que era, porque eu me estava a dirigir há bocadinho, e está relacionado com aquilo que já estivemos a discutir. A maneira como eu vejo isto é a seguinte, nós à esquerda, se eu reunir um grupo de pessoas de esquerda e lhes perguntar o que é que elas quereriam para o país, independentemente de ser, lá está, conservar aquilo que já existe ou criar mais, elas diriam, independentemente depois de divergências em relação ao como fazer aquilo, diriam todas coisas relativamente idênticas, educação pública, sistema nacional de saúde, o subsídio de desemprego, proteger os funcionários públicos, tenderão a estar relativamente de acordo em relação a isso. À direita, ou seja, do outro lado, e daí eu dizer que, pelo menos no caso português, a esquerda estabelece a agenda, à direita nós temos um consenso, no sentido em que há um grupo de pessoas que está em desacordo em relação a, pelo menos, parte daquilo, mas que têm visões muito diferentes. O problema é este, não é o problema, é o desafio ao fazer essa federação à direita é quais são as bandeiras que se vai levar à frente ou por que ordem é que se vai levar as bandeiras. Porque enquanto está à esquerda, é evidente, já está pré-definida a ordem das bandeiras, depois depende de com que violência é que se impõem essas bandeiras ou até onde é que se for à estaca, à direita existem bandeiras muito diferentes. E como é que se faz o desafio desse federalismo à direita, não sendo com partidos diferentes, porque a nossa direita é sujeira até nesse aspecto, porque tem dois partidos que não se percebe muito bem como é que se articula o PSD e o CDS, como é que se faz esse federalismo sem dar primazia a uma direita em detrimento das outras? Ou seja, se esse federalismo é feito com base, por exemplo, nos valores que o governo do Pedro Pascoal defendeu, por exemplo, isso está a alienar outra parte da direita, está a alienar aquela direita, chamemos-lhe social-democrata, mas está a alienar a direita... Ah, já percebi a pergunta, já perceberam. Já percebe o que quero dizer. Já. É que à esquerda isso é fácil de fazer,
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à direita... Não, não, mas isso tem uma resposta muito fácil. Na lógica da Federação das Direitas, o que eu... Já agora, por ordem, O que eu proponho é que o PSD seja já ele uma federação dessas famílias todas. Porque o PSD, quem conhece a militância do PSD, sabe perfeitamente que os militantes do PSD não pensam todos da mesma maneira. E foi sempre assim desde a sua fundação. Há gente conservador, há gente do tradicionalismo católico, há gente do liberalismo de mercado, sim, há gente social-democrata, da vida sindical, há democratas cristãos que fundaram o partido que ainda lá estão, há gente nova que também se revê nessa linha, portanto, essas famílias estiveram sempre presentes. Eu proponho que o PSD seja o embrião dessa federação, e por isso é que eu disse, que eu até acho, que se assim é, então devia haver primárias, não só eleições diretas, mas eleições primárias na eleição do presidente do PSD. Porquê? Porque o presidente do PSD será não só o líder da federação dentro do PSD dessas famílias todas, como será o líder da federação das direitas inteiras, de todos os outros, do CDS, dos partidos que estão a aparecer agora, de todos. Por isso é que eu acho que os simpatizantes também deviam ter o direito de eleger o líder e não só aqueles militantes de cartão e de cotas pagas. Agora, quanto à questão de como é que se concilia, do ponto de vista programático, como é que se concilia essas eleições, isso é muito fácil, isso é simplesmente deixar a vida política democrática respirar. E o que é que isso significa? Significa que quando nos preparamos para umas eleições com esta federação feita, essa federação tem que ter um líder. Ora, esse líder será, em circunstâncias históricas específicas, concretas, uma pessoa e não outra, será aquela. Aquela que terá as suas próprias inclinações, a sua própria maneira de definir essa liderança, de definir essa federação. E portanto, para ser mais concreto, imagine que No ano 2030 o líder da grande federação da direita, não interessa agora se é o líder do PSD ou não, mas o líder dessa grande federação da direita tem uma inclinação, imagina, liberal. Então, nesse caso, evidentemente que essa federação terá de ser uma federação, portanto terá de respeitar muitas das diferenças e tentar conciliá-las, mas terá uma orientação mais liberal do que se for outro líder. E se isso resultar, ganha-se as eleições, há uma experiência de governo que pode resultar ou não resultar, porque isso depois depende de muitos outros fatores que não o fator programático, não é? E se as pessoas não ficarem satisfeitas com aquilo, enfim, haverá outro líder que se calhar virá agora de outra família e portanto a Federação da Direita terá uma inclinação. Imagino que saia da aula social-democrata, então mais orientada para o centro, menos inclinada para a direita e será esse o tom dessa no ano de 2034? Será esse o tom da Federação da Direita e por aí adiante? Em 2038 se calhar sairá de outras
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filas. Mas o que é que é de UNE? O que é que UNE?
[série Orientações Políticas] Miguel Morgado
Eu já disse, é a plataforma comum, a plataforma comum que tem que ser dada pelo reformismo e pelo europeismo, interpretada destas duas maneiras. E depois o que existe é uma interpretação que é necessariamente conjuntural, enfim, com os alicerces que têm de ser novos, por isso é que eu estou a dizer que explicam alicerces novos, que forneçam densidade a essa plataforma comum, mas depois há uma interpretação política do momento, do phronimos, quer dizer, da palavra grega para o tipo que tem, que possui a virtude da fronésia, que sabe tomar a decisão certa no lugar certo, que sabe interpretar bem as aspirações daquele momento histórico, que não se confundem com as interpretações de outro momento histórico para trás ou para a frente. Isso faz parte da natureza da política, que nós não podemos estar a prever e escrever uma redação em 10 pontos do que é que vai ser a Federação da Direita no ano de 2044. Isso ninguém sabe. Não,
José Maria Pimentel
mas a minha pergunta não é... Isso ninguém sabe. A minha pergunta é a seguinte. Repare, houve uma espécie de
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federação de direita em 1979, com a aliança democrática, com o PSD, o CDS e o PPM, liderada por o Sá Carneiro. O tom que foi dado àquela aliança democrática foi dado pelo Sá Carneiro, com as suas qualidades, com as suas inclinações, mais do que a direita, por exemplo, católica tradicionalista que estava com Adelina Marda Costa no CDS. E com a interpretação dada em grande medida a isso, com sintonia entre Adelina Marda Costa e o Sacarnayre, sobre os perigos do comunismo, do socialismo, do estatismo e por aí adiante. Mas isso era a interpretação contra o militarismo nas instituições do governo, da Constituição e por aí adiante. Mas isso resultava da interpretação histórica, daquele momento histórico. Depois houve uma outra federação de direito, enfim, mais ou menos improvisada, que foi em 2015. O PSD e o CDS, quando foram a eleiçes, ganharam as eleições, não ficaram com a mira absoluta agora em 2015, não é? E que era, o tom foi dado, o PEP de Passo de Escolha, o PEP, o Paul Portas estava numa posição de muito maior debilidade política ainda em virtude do que tinha acontecido em 2013 com a história do irrevogável. Portanto, a liderança era inequivocamente do passo-escolha e, portanto, teve essa inclinação e as pessoas podem dizer que ganhou por causa do passo-escolha e se calhar não teve a menor absurdo por causa do passo-escolha, isso agora não interessa.
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Mas era precária, ou seja, tinha muita oposição de quem estava à direita. Se até um exemplo... Normalmente as... Em 2015
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tinham muita oposição de quem estava à direita, não é uma percebida isso? A opinião... A PAF tinha muita oposição de quem estava à direita.
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De elementos do PSD, como o Manoel Ferraro Eleito... Mas
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claro, isso é exatamente o contrário, são as pessoas... Isto é completamente diferente. São os cidadãos democratas do PSD. Não, não, com uma grande diferença. Se quisermos chamar isso. Com uma grande diferença. Essas são as pessoas que optaram por uma via estratégica, a meu ver, suicida para o meu partido, que é de supor que existe uma espécie de pureza ideológica, a que eles chamam social-democrata, que quem não cabe deve sair fora. Quer dizer, isto vai ao arrepio da tradição toda do PSD, que foi simplesmente, como eu estava a dizer, sempre, sempre, a inclusão, a agregação de pessoas com inclinações diferentes que tinham isto em comum, Não eram socialistas. Ah, não
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eram socialistas. Não, não, a questão da agenda. Pronto.
[série Orientações Políticas] Miguel Morgado
O ponto é esse. Mas agora independentemente se a agenda era poderosa ou não, as pessoas não eram
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socialistas. Sim, sim, concordo.
[série Orientações Políticas] Miguel Morgado
E essas pessoas que criticaram o APAF eram pessoas que precisamente diziam que não são de direita e que até acham que a vocação do PSD é andar a fazer favores ao PS num bloco central. Portanto, sim, essas pessoas criticaram, e essas pessoas criticam agora a mim por eu fazer essa proposta. Com certeza, ah sim, mas isso não é a direita, isso é outra coisa. Isso são as pessoas que querem que o PSD seja uma muleta perpétua do Partido Socialista. Como aliás houve gente dessa, como aliás houve gente dessa no PSD durante muitos anos, em 1978 por exemplo, deixaram o Sá Carneiro sozinho no Parlamento, quando decidiram formar o Movimento da Ásda e juntar-se às forças da esquerda para apoiar o Governo no Direcitivo presidencial. Enfim, isso houve sempre no PSD, foi uma cisão brutal, destruiu o grupo parlamentar e deixou o Sá-Carneiro sozinho. Tudo bem, o que eu digo é, as pessoas são livres de formar no meu partido a opção estratégica que quiserem, ganhem eleições internas, ganharam, pronto, tudo bem, fazem lá o que quiserem. Não podem é reivindicar o legado do Sá Carneiro para isso, isso é que não podem mesmo. O Sá Carneiro foi o contrário disso. E aliás, os antepassados... O legado do Sá
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Carneiro é invocado para tudo isso, é o contrário.
[série Orientações Políticas] Miguel Morgado
Não, mas é que neste caso não pode ser invocado para tudo isso, é o contrário. Mas neste caso, os antepassados de Manau Ferreira Leto ou de Pacheco Pereira são aqueles que formaram a ASDI e deixaram o Sá Carneiro isolado. Foi exatamente o contrário. O Sacrereiro teve que fazer depois a AD, ou em vez de intercomprar o Partido Socialista, foi juntar-se às forças mais à direita, neste caso o CDS e o PPM, e veja lá a surpresa das surpresas, toda a gente o considerou em 78 morto e enterrado, do ponto de vista político, em 79 teve a primeira absoluta do regime. Desafiando todas as previsões, está a ver? Por isso, é verdade, há pessoas que discordam desta minha proposta, com certeza, isso não tem mal nenhum, mas é bom que a gente saiba porque é que cada um discorda. E não é porque, ah não, eu sou da direita mas não quero foderar com isso. Ah não, não é isso. Ah claro, claro. Não, mas é porque acham que a direita é uma
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espécie de ofensa que se faz ao regime até. Não, o PSD existe para perpetuar o Partido Socialista no poder. Antes de continuar vou dizer uma coisa que acho que o Miguel vai gostar porque eu, embora não me reveja completamente nessa agenda, há uma coisa que eu tenho acompanhado do debate político em Portugal que me irrita um bocadinho. Antes viemos muitas pessoas na opinião publicada a criticar o PSD, e o passo-coelho, por estar a criar lá está essa tensão com aquela espécie de consenso social e a radicalizar o PSD. E agora vemos o Rui Rio ser criticado por estar a aproximar-se do centro e ser indistinguível do PS. Quer dizer, não se pode fazer as duas críticas ao mesmo tempo, não é? Ou se faz uma ou se faz a outra. E é uma coisa que eu tenho reparado com alguma irritação, mas também achando alguma graça, é essa coisa que se vê muito na opinião publicada de, como o enfoque está na crítica e não na substância, criticar uma coisa e o seu contrário naquilo que se está a fazer. Agora, em relação à questão... Miguel, deu dois eixos, o eixo europeu com uma visão europeia de direita e... Na medida
[série Orientações Políticas] Miguel Morgado
em que é importante o eixo europeu, porque para todos os efeitos há uma conclusão que eu acho que é lícita tirar e que não recolherá grande dissensão, à exceção talvez da extrema esquerda, Partido comunista e afins, é que o destino do país para as próximas décadas de Portugal está necessariamente ancorado na União Europeia, na comunidade dos Estados Europeus. Isso é, por um lado, tem um lado positivo, não é? Há um lado positivo acrescido a isto, porque é um projeto de grande alcance, de grande arrojo histórico, mas há um lado também triste nisto, que é uma espécie de confissão portuguesa de que as nossas instituições 40 anos depois, ou 40 e poucos anos depois da Constituição de 76, elas não são suficientemente robustas, as nossas instituições cívicas, políticas, constitucionais, democráticas, não são suficientemente robustas para sobreviver se algum dia acontecer uma dissolução da União Europeia. Eu acho que os anos do Partido Socialista com o Sócrates demonstraram que as nossas instituições, se algum dia Deus nos proteja disso, se algum dia perdessem a âncora europeia e andassem ao sabor no oceano das vicissitudes históricas de um país como o nosso, eu acho que nós perderíamos a vida económica e política democrática que temos hoje, sem ação coreano-europeia. É isso que eu estava a chamar, eu utilizei o adjetivo triste, porque é uma analogia que eu faço com uma corrente intelectual em França no século XX chamado o liberalismo triste. Ai, essa eu não conhecia. É o liberalismo de pessoas como Raimund Aron e pessoas assim, em que não existe uma espécie de entusiasmo doutrinário pelas grandes teses do liberalismo, existe sim nesse liberalismo triste uma espécie de resignação à vitalidade prática da solução liberal e à miséria das restantes alternativas. É um liberalismo triste, não é de grande... Sim,
José Maria Pimentel
de último recurso.
[série Orientações Políticas] Miguel Morgado
É um liberalismo triste. A sua designação, agora Não me recordo quem é que fez a designação, mas foi uma figura importante do século XX francês que inventou a expressão liberalismo triste, que eu acho que é uma expressão muito bonita. E nesse aspecto existe um europeismo alegre, que é este de participar neste grande projeto histórico, Mas existe também, ao pôr como aspecto fundamental do europeismo na plataforma como o das diretas, existe também um lado do europeismo triste. De nós compreendermos que temos de estar ligados à Europa também, não só, mas também porque nós ainda não temos as nossas pernas sucessivamente fortes para caminharmos sozinhos. Eu acho que essa é uma lição terrível, mas uma lição que temos de aprender do que foi a experiência do governo Sócrates, não é? E da tentativa de executar um projeto de poder hegemónico de um partido-Estado sobre a sociedade portuguesa, corrompendo todas as instituições.
José Maria Pimentel
O problema é como é que se articula, eu concordo parcialmente, mas como é que se articula isso com a existência de uma democracia nacional? Porque isso implica ter algo que sobrepõe, pelo menos parcialmente, à nossa própria democracia com as instituições boas ou mais que tem, não é? Claro que sim, mas por isso é que nós temos que crescer
[série Orientações Políticas] Miguel Morgado
civicamente interna, do ponto de vista interno. É uma tarefa que ainda está por consumar, se bem que as coisas nunca sejam perfeitamente consumadas, mas temos que continuar a prosseguir essa tarefa cívica. E, portanto, faz falta mais cultura da liberdade em Portugal, por exemplo, mais cultura do escrotínio, mais autonomia das famílias, das empresas relativamente ao Estado, todas essas coisas fazem muita falta para impedir que nos afoguemos outra vez num projeto desses que foi o do PS de Sócrates e que tem agora um outro intérprete que é António Costa. Não tenho dúvida nenhuma sobre isso, no que diz respeito ao projeto hegemónico sobre a sociedade portuguesa e da formação de um partido de Estado que tudo domina. Mas por isso é que eu estava a dizer que no plano interno Nós temos que continuar esta... É uma tarefa de todos os dias, que é uma tarefa também à aula cultural. Já não vai conseguir resolver só isto com melhores leis, melhores instituições, isso tudo é importante. Revisões da Constituição para fazer um novo sistema eleitoral, essas coisas podem ser todas importantes, mas há aqui um problema cultural de fundo que nós temos de belar todos os dias, de hora avante, mas claro, nós precisamos da União Europeia. É o mais importante de todos. Nós precisamos da União Europeia como precisámos a seguir ao 25 de Abril da União Europeia. Repara, para os líderes democráticos a seguir ao 25 de Abril, isto que eu estou a dizer era uma evidência, era uma evidência para Mary Suárez, que Portugal não resistiria nas suas aspirações de se tornar uma sociedade ocidental democrática com uma economia próspera, para Mary Suárez não seria uma economia de mercado, para Sácaro não seria uma economia de mercado, mas uma economia próspera, com um Estado Social Europeu, mas com a democracia e liberdade que havia na Europa, sem âncora europeia. Essa é a grande aposta de Mário Soares e de Sácaro, era para estabilizar o regime, mas Sem isso eles achavam que isto não ia resultar. Ah, claro, o problema é que passaram 30 e tal anos desde então. Ah, exatamente. O que eu estou a dizer é que 30 e tal anos depois, ou 40 anos
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depois, isso permanece válido. É por isso que eu lhe chamei o europeismo triste. Sim, sim, sim. Eu à bocado ia fazer, para não completar a pergunta, pegar nos dois pilares do que o Miguel falou, esta questão do europeísmo e a questão do reformismo. O reformismo é muito habitual ver o reformismo ser defendido como um aspecto distintivo do PSD, até pela dificuldade que existe em distinguir-lo do PS, e a verdade em certo sentido, embora o reformismo seja, digamos que, politicamente como é uma coisa mais de processo do que de valores de fundo, é um bocadinho difícil de definir. Agora, voltando àquela pergunta que eu estava a fazer há bocadinho, da questão da dificuldade em federar estas direitas, para usar aqueles dois exemplos que são fáceis porque emitiram muita opinião da Manuela Ferreira e do Pacheco Pereira, por exemplo, ambos fizeram, estiveram ligados, uma como ministra e o Pacheco Pares de Salvoerro como líder parlamentar, a um governo que, concordo ou não se concordo, foi claramente um governo reformista nessa linha do PSC, do Cavaquio Silva. Ah, no final, sim. Dependentemente das pessoas concordarem ou não, claramente A principal missão daquele governo era ser reformista, era reformar, quer dizer, fez uma série de reformas.
[série Orientações Políticas] Miguel Morgado
O final do cavaquismo onde isso já não era bem a prioridade.
José Maria Pimentel
Pois, no final do cavaquismo já não era essa a prioridade. O Alvaro
[série Orientações Políticas] Miguel Morgado
Leite foi ministro das Finanças e do Estado num governo que não reformou coisíssimo, nenhuma que
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foi o governo de Durão Barroso e Santana Lopes. Sim, depois, exatamente. E antes tinha sido Ministro da Educação, se não me engano. Foi
[série Orientações Políticas] Miguel Morgado
Ministro da Educação,
José Maria Pimentel
sim. Do Novo Europeo, que vai que seja. Mas pronto, isto para dizer, são pessoas que perfilham essa e partilham dessa visão reformista e que no entanto não estavam... Eu não sei se partilham dessa
[série Orientações Políticas] Miguel Morgado
visão reformista. O que eles têm dito nos últimos 6 ou 7 anos não indica nada disso.
José Maria Pimentel
Eles dirão que sim, imagino. Mas tentam dizer que reformas é que eles gostariam que existissem. O meu ponto nem é isso. Não são abstrações. Claro. Não são abstrações. O meu ponto é dizer que ao partir de uma bandeira que é a rejeição do socialismo ou do que vem da esquerda, pode ser difícil conseguir essa federação. Há alturas em que ela é possível, há outras alturas em que é difícil fazê-la. E um fator que eu acho que contribui para isso e gostava de saber a sua opinião é a questão da organização que nós temos. Quer dizer, nós temos um partido como o PSD, cuja ambição ilegítima é no limite, lá está a federar todas essas direitas e por exemplo o CDS, que a pessoa nunca percebe, é difícil de perceber porque o CDS por um lado pode ser definido como um partido que está à direita do PSD mas se a pessoa for ver quem lá está não é bem assim, Há aspectos em que não, e aliás durante o governo anterior às vezes até parecia que não. Qual é a sua visão em relação a este aspecto particular da nossa direita? O
[série Orientações Políticas] Miguel Morgado
CDS é um partido mais heterogéneo do que parece.
José Maria Pimentel
Exatamente, exatamente. Um partido mais
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heterogéneo do que parece. Sobre o reformismo o que eu posso dizer é que mesmo no governo anterior, o CDS que estava presente no governo anterior, tinha protagonistas favoráveis ao ímpeto reformista que era liderado por Passos Coelho e tinha também aqueles que não eram favoráveis. Naqueles momentos que foram momentos de tremenda pressão política, é preciso também situar isso, não é? De tremenda pressão política. O que eu diria era que o líder de então do CDS optou pela via menos reformista, digamos assim. E foi um obstáculo sério a várias coisas que se poderiam ter feito de importantes nessa época. Mas isso não quer dizer que o CDS esgotasse em Palo Portas, embora ele tivesse um predomínio sobre o partido grande e fosse ele que editasse, evidentemente, as grandes linhas da orientação do CDS no governo de coligação. Eu acho que apesar de tudo aqueles tempos foram tempos muito difíceis de tremenda pressão política. Um partido pequeno num governo de coligação, até porque aconteceu isso na Europa, noutras paragens, durante aquele período. Um partido mais pequeno, que era o caso do CDS, tinha o temor compreensível de que se as coisas corressem mal era a própria extinção do partido que podia estar em causa, ao contrário do PSD que podia suster um choque de muita perda de eleitorado numa de determinadas eleições, mas isso não arriscaria a sua sobrevivência, no caso do CS poderia arriscar a sua sobrevivência. Portanto,
José Maria Pimentel
acho que era muito alta.
[série Orientações Políticas] Miguel Morgado
Eu fui muito crítico, atenção, eu estou a dizer isto em retrospectiva, a minha compreensão retrospectiva, mas toda a gente sabe que eu fui muito crítico da atuação do desempenho naqueles primeiros dois anos, depois as coisas mudaram substancialmente, mas dos primeiros dois anos de Palportas, no governo, eu fui sempre, embora eu tivesse funções que não me permitissem falar publicamente, mas eu lembro o que é que eu pensava e o meu pensamento era, o meu julgamento era claramente crítico, embora não fosse parcial, porque eu trabalhava para o PP de Passos de Escolha, evidentemente. Agora, eu acho que no CDS atual existem muitas pessoas que se reveiam precisamente nesta prioridade que eu também quero dar, de que o país tem de ter forças cívicas próprias, forças institucionais próprias, para se ajustar às mudanças que ocorrem por elas mesmas e não estarmos a ir sempre a reboque. Isso não tem qualquer dúvida de que com o CDS de hoje, com as mesmas pessoas, se se fizesse essa federação da direita que eu ambiciono, com esse CDS de hoje, com as mesmas pessoas, com os mesmos protagonistas, não tenho dúvidas nenhumas que na sua esmagadora maioria se iriam rever naquilo que eu entendo por linha reformista. O CDS do futuro será assim, não faço ideia, mas também não sei se o PSD do futuro será assim. O que eu estou a dizer é que nós temos que dar um contributo, e eu sei que há muitas pessoas do CDS que também estão comigo nesta minha prioridade, de lavrar o terreno da direita para as sementes do reformismo germinarem e florescerem. Neste momento esse terreno está mais estéril, foi negligenciado, não está a ser tratado, ele precisa de ser alerjado, lavrado, precisa de ser pôr de adubo naquilo, só assim é que as sementes do reformismo depois podem germinar e florescer e termos um grande pomar onde colher os frutos no futuro, para a frente. E isso eu tenho a certeza que há muitas pessoas no CDS que também compreendem que essa tarefa é primordial. E isso, como eu digo, é uma questão de transformação cultural, não é uma questão de, ah, agora tenho aqui uma proposta para mudar a lei x que vai fazer, ah, se a gente mudar esta lei, isto vai ser uma maravilha daqui para a frente. Não, não, isto é um trabalho cultural que implica a tal refundação da
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direita em que eu tenho existido e que vou continuar a existir. Sim, faz sentido. Nós estamos quase a terminar, queria fazer uma pergunta um bocado mais geral que eu acho interessante e tem um bocadinho que ver com aquilo que eu acho que serem, na prática, e no caso portuguesa em particular, as limitações da atuação política à esquerda e à direita. Porque nós somos, os partidos políticos, tal como nós, enquanto indivíduos, são aquilo que dizem e o que não dizem, não é? E são o que fazem e o que não fazem, ou seja, nós definimos-nos pelo que fazemos e também pelo aquilo que não fazemos. Sim, sim, claro. À esquerda, por exemplo, uma crítica, talvez a minha principal crítica à esquerda portuguesa é a falta de coragem, lá está, reformista, se quisermos. Ou seja, para, muitas vezes, o PS, a pessoa sabe que o PS depende muito dos funcionários públicos, portanto tem muito medo de fazer tudo o que possa implicar uma reforma aí, depois até poderá dizer, sim senhor, a reforma do Estado é importante, mas depois faz muito pouco nesse
[série Orientações Políticas] Miguel Morgado
sentido, lá está aí. O PS nunca fará nenhuma reforma do Estado como nunca quis fazer. Repare, é importante as pessoas também terem esta consciência histórica. O Partido Socialista nunca quis fazer mudanças nenhumas. Por vontade do Partido Socialista não havia sequer uma economia de mercado em Portugal. Havia nos anos 70 aquele preconceito esse sim, ainda com assentos do marxismo, que isto tinha que ser maioritariamente público e cooperativo e tudo mais, que era possível o pequeno capital, mas o grande capital não podia haver. O PSD é que teve que sempre liderar, mal ou bem, às vezes com uns governos melhores, às vezes uns governos piores, mas naqueles momentos de grande estímulo o PSD foi obrigado a ir a reboque do PSD para fazer mudanças que as outras pessoas consideram consensual. Eu dou um exemplo muito simples, para não estar a falar agora da revisão do 82, para tirar os militares das instituições governamentais e disso tudo, vamos falar da Constituição de 89, da revisão Constitucional de 89. Na revisão Constitucional de 89, que a vacina tinha maioria absoluta, mas precisava para ter a maioria dos terços do PS Vítor Constâncio para adaptar sobretudo a parte económica da Constituição à adesão à então Comunidade Económica Europeia e permitir privatizações, essas coisas todas. Teve que haver essa revisão constitucional. E o PS Vítor Constâncio alinhou, fez aquilo em negociação com o PSD e lá se fez aquilo, que foi uma coisa fundamental para o desenvolvimento que a gente tem hoje. Que não é grande coisa, mas aquilo é um alicerce importante. Nas eleições de 95, em que o PSD de Fernando Nogueira, liderado por Fernando Nogueira, confrontou o PS de António Guterres e as eleições foram ganhas por António Guterres. Num debate entre aqueles que eram considerados os número 2 dos respectivos partidos, houve um debate entre o Guterres e o Fernando Nogueira, mas houve um debate também entre os número 2, que era na altura o Almeida Santos, que entretanto faleceu, e o Doron Barroso, que tinha perdido a liderança, acordou para a liderança do PSD,
José Maria Pimentel
Paulo Fernando Guerra,
[série Orientações Políticas] Miguel Morgado
nesse ano. E o Doron Barroso, há uma cena muito... Devia ser, eu ia dizer famosa, não é famosa, mas devia ser célebre, em que o Doron Barroso está a fazer um elenco do que é que aqueles 10 anos do PSD foram. O aumento do nível de vida, agora há muito mais automóveis, agora não sei o quê, uma data de coisas. Indicadores normais, como o partido faz na sua propaganda,
José Maria Pimentel
como me vê lá.
[série Orientações Políticas] Miguel Morgado
E depois faz um elenco das coisas que passaram a existir no país que não existiam. E dá o exemplo das rádios, que é uma coisa que eu já nem tenho bem noção, sobretudo uma alta mais nova. Das rádios? A rádio foi privatizada? Poderam entrar privados a fazer rádios? Não havia antes. E o homem da Santos responde, mas isso não foi um bem, isso foi um mal, porque eu agora ando a sintonizar as rádios todas umas por cima das outras. Este é em 95! O PS nunca foi reformista de coisa nenhuma. Nunca! Houve um momento ali em 2005 que o Sócrates, extasiado pela maioria absoluta que tinha conseguido ter nessas eleições, quis, teve ali a ambição, durante um ou dois anos também, mas passou-lhe rapidamente, a ambição de capturar uma parte da direita. E apresentou-se como um tipo que, este sim, acho que vai fazer reformas. E a
José Maria Pimentel
imprensa adorava-o nessa altura.
[série Orientações Políticas] Miguel Morgado
E isso era tudo mentira, era tudo uma propaganda rasca, como a gente agora sabe, feita só de... Nem sequer era de promessas, era de lugares comuns e de coisas bombásticas, depois não tinha substância nenhuma, e promovidos pela comunicação social evidentemente. O PSD na sua altura, e o CDS também, estavam tão debilitados que aquilo também não havia oposição nenhuma e aquilo foi uma imagem que ainda se cultivou durante um ou dois anos. Claro que depois pouco tempo passou até que a verdadeira essência do que é a governação socialista emergisse e não era mais do que a constituição de um poder hegemónico sobre a sociedade em que se ocupam com as suas próprias tropas, as suas próprias pessoas, todos os centros de decisão das instituições públicas, mas da economia privada também, como nós viemos depois a constatar, da pior maneira quando o país entrou em
José Maria Pimentel
uma carota em 2011. A questão do reformismo, lá está, há uma palavra muito policébica nesse aspecto, porque lá se está a ter a ver mais com o processo. O PS foi o ultra-reformista no início do regime, no sentido, na criação do Sistema Nacional de Saúde, na expansão do Estado. Bem ou mal, aquilo são reformas. O Sistema Nacional de Saúde
[série Orientações Políticas] Miguel Morgado
não foi criado pelo Partido Socialista. Por ter havido o decreto do António Marroco, que também entretanto faleceu, houve esta propaganda que o Partido Socialista foi o fundador da Associação Nacional. Isso é uma loucura! É ver o que é aquela reunião de decretos significou. Ou
José Maria Pimentel
seja, o que eu quero dizer é, o aumento do peso do Estado que acontece no pós-25 de Abril, vem, é, bem ou mal, impulsionado pelo PS. Mais ou menos, há um
[série Orientações Políticas] Miguel Morgado
período pré, que é um período em que as forças comunistas têm um grande poder na determinação da conduta das principais instituições do país na altura. Aí o PS não estava sozinho. Agora, o PS de facto, quando chega...
José Maria Pimentel
PS, podem dizer a esquerda, eu estou a dizer o PS, mas...
[série Orientações Políticas] Miguel Morgado
Quando chegou o 25 de Abril, o primeiro impulso do PS e de Mário Soares é de fazer uma grande poligação com os comunistas, que o Cunhal rejeita. Não é? A história começa assim. Eu acho que nós, até para a experiência agora com o António Costa, que já nem sequer faz parte dessa geração, eu acho que nós temos uma lição muito tirada dos últimos 30 anos. O Partido Socialista não existe para fazer reformas, pelo contrário, existe para impedir o país, para blindar o país das reformas. O PS é um partido da estagnação e é por isso que lida melhor com a estagnação, consegue sobreviver melhor no poder com a estagnação do que, por exemplo, o PSD. Agora, o que eu acho é que o Partido Socialista faz isso porque conseguiu fazer diminuir radicalmente as expectativas do povo português. Nós habituámos a contentar-nos com pouco. Desde que isto não vá à bancarrota, a gente acha que isto... Repara... Então, mas espera,
José Maria Pimentel
é que isso está ligado à pergunta que eu ia fazer. O governo de
[série Orientações Políticas] Miguel Morgado
António Costa, agora já não é tanto assim, mas até há uns oito meses o governo de António Costa tinha sido brilhante. Brilhante porquê? Porque evitou que houvesse uma segunda bancarrota nas suas mãos outra vez. Isto é de uma redução de expectativas assustadora. Eu acho que a missão de um grande projeto das direitas é, por exemplo, de devolver um horizonte de expectativas aos portugueses muito mais elevado que isto, porque Portugal não pode perpetuamente ser apenas isto, nós podemos ser muito mais do que isso. Isso implica elevar as expectativas? Claro que sim! E, portanto, os governos serem julgados se atingem essas expectativas ou não, o que significa muito maior exigência sobre os governos. Claro que sim! Mas nós temos de ter essa vitalidade que a perdemos. Basicamente o que a gente quer é desde que não se toque nas pensões, desde que haja mais ou menos emprego, mesmo que o emprego seja precário, com toda a gente a ganhar um salário mínimo. Epá, olha, ao menos não temos uma banca de ruta. Nós não podemos viver indefinidamente
José Maria Pimentel
assim. É aversão ao risco. Isso é uma aversão ao risco. Mas eu, à bocado, depois não acabei a pergunta. A minha pergunta está um bocado ligada a isso, porque tem que ver com como nós somos aquilo que fazemos e o que não fazemos também. É certo que a direita tem tido a agenda reformista, chamemos-lhe assim. Aquilo que muitas vezes não existe à direita é o lado aspiracional que existe para todos os efeitos à esquerda de criar não só as liberdades negativas, mas também as liberdades positivas, no sentido em promover a igualdade. Nós temos obviamente um grande problema de desigualdade, que a meu ver se tem tentado resolver da maneira errada, que é top down, que é o Estado redistribuindo e o Estado a meter-se no caminho. Agora, é um facto que nós temos desigualdade grande, temos acumulação de riqueza de uma maneira que muitas vezes não é...
[série Orientações Políticas] Miguel Morgado
Temos muita pobreza, é um país muito pobre, com pessoas com imensas carências, um universo gigante de população que tem os cidades primárias
José Maria Pimentel
por satisfazer. Exatamente, e temos um sistema de ensino que coloca, por exemplo, os pais perante escolhas, se tiver a possibilidade de fazer, escolhas muito difíceis entre por miúdos na escola pública ou na escola privada, e é uma coisa que basicamente não é falada. O problema é, a direita fala
[série Orientações Políticas] Miguel Morgado
pouco disso. Eu não duvido... Mas é uma coisa que também não quero ser mal interpretado agora ao final de quase não sei quantas horas de conversa que já temos. Eu não estou a defender a direita que houve, pelo contrário. Eu acho que a direita
José Maria Pimentel
que houve ficou
[série Orientações Políticas] Miguel Morgado
muito aquém das exigências históricas que estavam sobre ela. Mas muito aquém. Eu não me revejo na maior parte das experiências governativas e da oposição que houve na direita. O que eu estou a dizer é que existe agora uma oportunidade, no meio da crise que existe hoje, acho eu, indismentivelmente na direita portuguesa, esta é a oportunidade para nós a refundarmos e termos uma direita nova, assim, que não padece desse que o concorde com o direito de direita. E tem que ser aspiracional, o ponto é esse, o ponto é esse. O ponto é só aspiracional, como muito do reformismo que houve associado a governos de direita foi apenas defensivo, eu concordo com isso. Eu demarco-me de muitas experiências governativas e, portanto, eu não me revejo como um grande sucesso o reformismo das experiências governativas de direita no passado, pelo contrário. O que eu estou a dizer é que nós temos agora um impulso, por isso é que eu estava a dizer no início, que nós temos de repensar estas coisas todas quase desde a raiz, precisamente para não termos a direita que tivemos até agora. Nós precisamos de uma nova. Não é necessariamente com outras pessoas, pá, vamos, como na Revolução de Platão em que a gente expulsa da cidade todas as pessoas com mais de 12 anos para ficarmos só com as crianças informais. Não, é nada disso. Nós podemos fazer isso com os grandes protagonistas que a direita tem hoje, mas tem de ser a partir de uma base cultural, política, diferente e isso passa, se interpreta bem a sua palavra aspiracional, de nós deixarmos as amarras que ainda nos prendem, amarras essas sim, da esquerda, que nos fazem sempre ser defensivos relativamente a isto e temos de ser desinibidos a falar dos problemas do país como se estivéssemos a carregar às costas uma espécie de proibição de falar de certos temas ou de utilizar determinada linguagem. O país é pobre, o país é desigual, há pessoas que não têm as suas necessidades mais alimentares satisfeitas e nós temos de atender a isso, as nossas instituições são em grande medida disfuncionais, a centralização do país é ridícula e absurda, há tanta coisa para fazer na saúde, na educação, nas instituições em geral e nós temos de saber de articular essas aspirações e levar as próprias aspirações, como eu estava a dizer há pouco, mesmo que isso depois nos traga resultados políticos eleitorais penalizadores de quem diz, então vocês disseram que o país devia ser assim, tiveram no governo e o país ainda não é a Dinamarca. Não é que eu queira que o país seja igual a Dinamarca, mas percebe o ponto. O nível de vida e os salários da maçã da Dinamarca. Muito bem, falhámos. E depois vêm outros e depois a gente estamos lá outra vez para lutar pelo mesmo programa, com as mesmas inspirações, com a mesma elevação de expectativas, mas essa cultura política que neste momento está completamente ossificada tem que ser transformada. E isso sim, e isso só a direita pode fazer. E para isso não pode haver nenhum compromisso com a esquerda. Essa transformação cultural tem-se levado à cabo por nós. E eu tenho a certeza que há muita gente que se revê nisto que eu estou a dizer.
José Maria Pimentel
Concordo completamente com isso. A questão é, claro que o Miguel não é o governo anterior, como é óbvio, e tem a sua visão, mas a questão é, falando especificamente do caso do governo anterior, para mim o governo anterior tinha muito esse problema, porquê? Porque focava-se muito numa agenda que era necessária e que era realista e responsável, mas não existia o lado aspiracional, quer dizer, eu dizer eu neste momento vou ter que aumentar impostos, vou ter que fazer privatizações, vou ter que cortar despesa pública por causa do déficit, se eu não mostro do outro lado que estou preocupado, lá está, em diminuir a pobreza, em aumentar a educação, a qualificação das pessoas, diminuir a desigualdade, é muito mais difícil vender esta agenda, não
[série Orientações Políticas] Miguel Morgado
é? Está a perceber o que eu quero dizer? Estou a perceber. Eu acho que apesar de tudo o governo anterior foi um caso diferente, porque estar a governar em um contexto de banca rota muda muita coisa. E eu, podíamos ter outra conversa, mas essa conversa exigia também muito tempo para eu também tentar dizer qual é a minha perspectiva sobre a estratégia que foi seguida, mesmo do ponto de vista retórico, pelo anterior governo. Porque houve uma estratégia que foi seguida, enfim, teve os seus detractores, e eu sou solidário com essa estratégia, portanto participei na sua formação, por isso não sacudo as minhas responsabilidades. Eu gostaria de explicar um dia qual era o ponto dessa estratégia, porque é que, sobretudo no início, esse lado aspiracional estava mais diminuído ou estava presente noutros lados a que não se dá normalmente importância. Um exemplo foi o exemplo da educação e os argumentos depois foram todos abafados pelos problemas sindicais e por aí adiante. Mas a ideia, é uma ideia na qual eu me revejo, é de que a escola, como qualquer outra instituição, tem valores que lhe são próprios. Uma das piores coisas que nós podemos fazer à escola enquanto instituição é negar-lhe esses valores. O valor da aprendizagem, o valor do mérito, o valor do esforço e de todas as coisas que estão associadas a si. A comunidade na aprendizagem, que também é muito importante, não é só a aprendizagem mas a comunidade na aprendizagem. Por isso uma série de coisas que nós tentámos fazer a nível da educação, que não tinha nada a ver com austeridade, nem com os professores, nada disso, mas com o próprio funcionamento da aprendizagem dos alunos, tinha um lado aspiracional muito interessante que era revitalizar a escola enquanto instituição. A escola fiel aos seus próprios valores. E por isso a questão da disciplina também, na sala de aula, nós tentámos fazer muitas coisas a propósito disso e depois isso teve resultados nos exames internacionais, o que foi uma coisa espantosa, ter resultados tão depressa. Isso foi um lado que eu acho que nunca foi devidamente depois aproveitado. Também havia muita confusão comunicacional, digamos assim, mas do ponto de vista mais geral essa estratégia obteceu a uma sequência temporal que tinha de ser respeitada e a meu ver tinha mesmo de ser respeitada. Eu gostaria um dia de falar sobre isso, acho que não vamos ter tempo agora para falar sobre o assunto, mas para dizer que há ali aqueles, sobretudo aqueles dois primeiros anos, até o verão de 2013 há um contexto nacional, depois das eleições de 2013, depois, sobretudo das autárquicas de 2013, há um contexto nacional muito diferente. E eu acho que também tem que haver discernimento na detecção e na identificação desses dois lados. Mas seja como for, eu quando penso nas tarefas que a direita tem para si, não é certamente para lidar com uma outra bancarrota, não. É para, num período de normalidade, elevar Portugal desta estagnação a que parece estar condenado outra vez com os socialistas. Isso é que eu acho que os portugueses não merecem. E eu acho que pessoas como eu, da minha idade, que tiveram o privilégio que eu tive de participar ao mais alto nível, num grande partido político, num governo e por aí adiante, eu e essas pessoas temos a responsabilidade, temos o dever, um dever que a gente não pode simplesmente declinar de fazer uma proposta ao país, de revitalização política. Se as pessoas não gostarem da proposta, claro, nós vivemos em democracia e ninguém fica zangado. Mas eu acho que tenho o dever de, juntamente com outras pessoas, apresentar essa proposta. Por longo termos, qual é a reação das pessoas.
José Maria Pimentel
Boa, acabamos assim. Muito bem. Miguel, obrigado por ter vindo. Obrigado, Will. Gostaram deste episódio? Se encontram o valor no 45°, existem várias formas de contribuir para a continuidade deste projeto. Podem avaliá-lo na aplicação que utilizam, seja ela o iTunes, Spotify, Stitcher ou outra, e podem também partilhá-lo com amigos e comentá-lo nas vossas páginas ou redes sociais. Se acharem mesmo que merece e puderem fazê-lo, podem ainda tornar-se mecenas deste podcast através do Patreon ou do Paypal. Com esse apoio estão a contribuir para a viabilidade deste projeto, que passa a ser também um bocadinho vosso. Para além disso, obtêm em troca vários benefícios como, por exemplo, o acesso ao backstage do podcast e também a possibilidade de sugerir perguntas aos convidados. No fim do dia, já se sabe, são os ouvintes que tornam possível um projeto destes. Ouvintes como Gustavo Pimenta, João Vítor Baltazar, Salvador Cunha, Ana Matheus, Ricardo Santos, Nelson Teodoro, Paulo Ferreira e Duarte Dória, entre outros mecenas, a quem agradeço e cujos nomes podem encontrar na descrição deste episódio. Até à próxima!