#44 [série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva - “O que defende um...

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José Maria Pimentel
Bem-vindos! Este episódio faz parte da série de conversas sobre orientações políticas. Podem encontrar no episódio que publiquei separadamente uma introdução a esta série, incluindo a minha motivação para a gravar, a lógica subjacente à escolha dos convidados e uma descrição da minha própria visão política. Neste episódio, eu converso com Francisco Mendes da Silva, advogado e dirigente do CDSPP. O convidado define-se politicamente como um conservador e um centrista na sua definição que ele explica no início. Dito assim, ambos os termos podem duzir em erro. A questão do centrismo é explicada pelo convidado logo no início. Já o termo conservador justifica alguma contextualização. O conservadorismo que o Francisco perfilha é essencialmente de inspiração britânica, na linha do político e filósofo irlandês Edmund Burke, que escreveu sobretudo na segunda metade do século XVIII e cuja escola de filosofia política defende que as constituições dos países não devem ser o produto da chamada razão abstrata, o que o levou, na altura, a opor-se à Revolução Francesa, mas sim de uma lenta evolução histórica, como é o caso, por exemplo, da Constituição inglesa. Foi então uma conversa longa e ultra interessante em que tentei não só compreender melhor esta ideologia, como também confrontar o convidado com as limitações que, na minha opinião, estão inerentes a uma filosofia que se propõe a conservar. Falámos ainda da relação entre o conservadurismo e outras filosofias políticas existentes à direita, que por vezes chegam a parecer defender valores e objetivos quase antagónicos entre si. E pronto, vamos à conversa, não sem antes lembrar, como sempre, que podem apoiar o podcast desde apenas 2 dólares em patreon.com barra 45 graus por cento.
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
Bem-vindo ao podcast.
José Maria Pimentel
Como tinha combinado, então vou-te passar já a palavra para definires o que significa o teu conservadorismo e depois partimos daí. Antes de mais, muito obrigado pelo convite. É um prazer
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
estar aqui. O que é que é o meu conservadorismo? Isso é... Antes de mais, quando me perguntam esse tipo de... Quando me pedem para definir politicamente ou ideologicamente ou doutrinariamente ou perguntam pelos princípios políticos, eu tenho sempre alguma relutância em começar pelo fim, ou seja, começar pelos princípios, tal como eu os sinto hoje. O que
José Maria Pimentel
já dizia a conservador.
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
Sim, se calhar, se calhar. Não, porquê? Porque muitas vezes eu vejo as pessoas a definirem-se politicamente sem explicarem o contexto porque é que lá chegarem. Para mim o contexto é muito importante. Porque ninguém, quer dizer, obviamente, desde logo eu faço parte de um partido, eu adoraria o CDS, com 15 anos. Ninguém com 15 anos tem os princípios absolutamente definidos ou percebidos, ou leu o Burke ou São Tomás da Quino e conhece as teorias todas, não é? Mas houve um impulso de facto ideológico na altura. Eu sou de uma geração que apanhou, eu digo isto, enfim, com clareza e sem problemas nenhums, eu sou da geração do independente. Eu não tenho nenhuma tradição familiar de direita, ou sequer do CDS, não tenho contato quando tinha 8, 9 anos em Viseu, onde eu sou, porque o meu pai foi como independente numa lista à Assembleia Municipal na altura em que o Presidente da Câmara de Viseu era o engenheiro Engraça Carrilho, pai do Manuel Mareio Carrilho, ilustre militante do Partido Socialista. Ah,
José Maria Pimentel
então no Cavacristão o Presidente
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
da Câmara do PF? Não, o Presidente da Câmara era do CDS, pai do Manoel Carrilho.
José Maria Pimentel
Ah, ok, pois eu estava a assumir uma coisa que não é necessariamente verdade. Antes
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
do Cavacristão, estamos a falar antes do Cavacristão. No início do Cavacristão e depois o Cavacristão deu cabo do CDS durante algum tempo, entretanto lá fomos conseguindo recuperar. Mas, enfim, tive este contacto, mas eu não tinha nenhuma, quer dizer, foi um contacto, depois tive vários anos sem ter frequentado, frequentei 15 dias de campanha eleitoral em 1989, tinha 9 anos, depois não tinha ligação nenhuma. No entanto, a minha casa era... O independente entrou-me muito desde o início. Eu lembro-me de começar a ler aquilo miúdo, não aos 9, não logo aquilo saiu, mas lembro-me que tinha 11, 12, 13 anos, E começava a ler aquilo e depois via muito pau portas na televisão e depois um pouco mais tarde o Miguel Seus Cardoso. E aquilo ressoava a qualquer coisa, aquilo Fazia muito sentido. Fazia muito sentido, se calhar não tanto a lógica política, mas a ideia, a política mais colorida. O confronto, o... Há muita gente que me pergunta hoje em dia, de vez em quando, porque enfim, ou porque me leem no Facebook ou alguma coisa assim, e veem que há um tipo de CDS que está sempre a pôr coisas de música rock, etc. As pessoas acham que ali há uma coisa, enfim, uma espécie
José Maria Pimentel
de contradição.
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
E eu explico muitas vezes às pessoas que no meu caso não é. Porque no preciso momento da minha vida, em que eu estava a descobrir a música alternativa, o punk rock, etc. Eu estava... Aquilo para mim, às vezes que o Paulo Portas aparecia na televisão, o Miguel Steves Cardoso, que aliás tinha... Aquilo porque depois lia as coisas dele de crítica musical e etc. Aquilo para mim era punk rock, não é bem? Eu não percebi porquê. Sim,
José Maria Pimentel
mas o independente era iconoclasta, entre outras coisas, não é? É que fazia-me sentido
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
ler o Paulo Portas, o Miguel Ceus Cardoso, o Vasco Polido Valente, desde miúdo, quer dizer... E depois, há um momento em que eu percebo, há um momento, se calhar um momento mais... A leitura que talvez tenha sido mais seminal para mim é o prefácio do Miguel Cefes Cardoso à coletânea dele dos meus problemas. Em que ele fala das crónicas e depois fala do que é um conservador. E aquilo, enfim, só sou mais tarde, é que ele é basicamente decalcado do woke shot. E eu, por disposição conservadora, que eu acho que não é, atenção, eu acho que não, as pessoas acham que eu defendo aquilo como roteiro ideológico, não acho que seja roteiro político, mas aquilo é, uma pessoa lê aquilo e eu li aquilo e sei, isto sou eu. Não o que eu sou politicamente, mas este tipo está-me a definir psicologicamente. Lembro perfeitamente de ter... Sim,
José Maria Pimentel
essa é outra abordagem interessante. Vou
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
muitas vezes releir aquilo, Vou muitas vezes releir aquilo e neste fim de semana apanhar, porque enfim, os livros de Miguel César Cardoso são, frequentemente, livros de cabeceira para mim. Os antigos, os novos, etc. E portanto, li aquilo e está perfeito. Há ali alguns, um ou outro parágrafo que ainda é melhor que o célebre ensaio do Michael Oakes, o outro, On Being Conservative. E, portanto, eu sim, há esse momento e depois há um momento em que, Enfim, eu já não tenho propriamente a ideia muito certa do dia a dia naquela altura, já não me lembro muito bem. Mas lembro perfeitamente disso, não sei se foi depois ou se foi antes, provavelmente foi depois de eu ter aderido à juventude popular na altura, ou à juventude de centristas, gerações populares, e fui porque era o partido que o Paulo Portas foi. Ou se falava que ia, porque eu acho que ainda entrei na Joca primeiro, antes de o Paulo Portas, pelo menos formalmente, ter entrado, ter se feito militante do CDS. E depois estando no CDS, de facto, com muitos amigos que fiz lá, fui desenvolvendo mais o estudo sobre os princípios conservadores, etc. E portanto, sim, eu hoje, eu sou de direita por causa deste contexto. Não tenho tradição familiar, quer dizer, não houve um momento em que eu decidi, bem, agora vou ter há seis meses para estudar os princípios políticos de todas as ideologias para escolher o meu. Não, foi isto gradual e foi por uma empatia e foi quase por categorias emocionais de ter aderido àquelas pessoas que eu acho que eram... Enfim, o conceito se calhar é fixe, na altura. E depois foi... Posso dizer dessa, etc, etc. Agora, há um contínuo e eu hoje talvez possa dizer qual é que eu... Posso dizer facilmente como é que é... Porque é que eu me sinto conservador e qual é que é para mim o meu conservadorismo.
José Maria Pimentel
Sim, ou seja, racionalizando... Sim,
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
racionalizando a coisa que eu acho que... Racionalizando...
José Maria Pimentel
Que a parte surgiu emocionalmente, não é?
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
Sim, tentando racionalizar. Eu acho... Eu concordo com a ideia de que o conceito político central do conservadorismo é a ordem. É a ordem mais do que a liberdade. Eu não digo mais do que a vida, porque a vida para mim não é um conceito político. Claro. É um conceito moral, está antes da política. Depois, qual é que é o conceito político de Ermiasto? Mas a liberdade também, sim. Eu acho que sim. Eu acho que a liberdade é um conceito moral, acho que é...
José Maria Pimentel
Mas a vida é binária, não é? A liberdade não.
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
Sim, claro. Exatamente. Mas, eu acho que a própria ordem, que eu acho que a liberdade define a ordem e a ordem só é válida consoante o grau de liberdade que permite. Para mim o conceito é a ordem, porquê? Porque o que me interessa a mim é saber... Interessa-me mais do que se calhar a maior parte das pessoas as regras do jogo. Ter cuidado com as regras do jogo. Definir as regras do jogo. Nós não temos muito essa tradição em Portugal de pensamento político sobre o processo. Nós, enfim, eu sou de esquerda porque eu defendo este objetivo político material, eu sou de direita porque prossigo este objetivo material, mas para salvaguarda de todos esses objetivos e da possibilidade de persecução desses objetivos nós temos que saber quais são as regras do jogo. E para mim manter a ordem, ou seja, não é a ordem imposta, é qual é que é a ordem que melhor permite às pessoas prosseguirem os seus objetivos materiais substantivos que defendem. Por isso é que eu dou muita importância a matérias constitucionais, a questões processuais, por isso é que eu também vejo o processualismo político como quase material, portanto é essencial. Onde é que eu escalo, talvez me afaste de grande parte ou uma parte importante dos conservadores mais tradicionais? É que eu acompanho aquela evolução ideológica, intelectual, que aconteceu no âmbito do conservadorismo no século XX, que é a aceitação de que a única ordem que importa, que interessa, é a ordem espontânea. Talvez dando... Exemplificando com este... Ou voltando um pouco atrás. O conservadorismo, início do século XX e durante grande parte do século, era contraditório ou sentia, ou dizia-se contraditório, por exemplo, com a liberdade de mercado, com o mercado livre. Porquê? Porque se achava que o mercado livre era disruptor da ordem. Grande parte dos pensadores conservadores são contra o liberalismo económico, porque se achava que aquilo ia ser destruidor das classes, ia ser destruidor da sociedade estratificada, da sociedade hordeira da própria ordem. O que eu acho que o século XX mostrou é que a ordem quando é imposta é mais disruptora, destrói mais a ordem. E portanto, vê-se isso muito... Enfim, eu às vezes sou acusado de ser um conservador muito inglês. Sou acusado no sentido... Quer dizer, eu percebo isso, quer dizer, estás a pensar com base em princípios que foram definidos noutra latitude. Sim, sim, claro. É certo, mas também normalmente não me dão, propriamente princípios que tenham sido definidos na minha latitude que eu consiga aceitar com tanta facilidade.
José Maria Pimentel
Claro, mas eu também... E
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
os que foram definidos noutra latitude a mim parecem bastante aplicáveis a outras latitudes. Porquê que eu fiz este parênteses? Porque grande parte deste caminho intelectual foi feito de facto nos conservadores ingleses, geralmente no próprio partido conservador. Gente como o Enoch Powell ou como o Keith Joseph, que é um tipo que é muito pouco conhecido, mas ele era o líder do Conservative Research Department no tempo em que a Margaret Thatcher começou nova nesse departamento de investigação, digamos assim, de estudo do Partido Conservador. E o que eles passam a dizer é isto. A única ordem, influenciada também muito pela escola austríaca... Do Hayek. Do Hayek, da economia, é daí que também a própria Margaret Thatcher depois fechou o ciclo e, segundo consta, entrou uma vez com o caminho para a servidão num conselho de ministros e disse isto é aquilo em que eu
José Maria Pimentel
acredito.
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
A ordem, quer dizer, porque só com a ordem espontânea que é possível haver, manter uma ordem duradoura. Ou seja, a ordem espontânea, aquela que resulta da livre circulação de ideias, da livre troca de experiências, da livre troca comercial, enfim, da evolução orgânica da sociedade, só essa é que permite que a ordem, tal como nós gostamos dela, seja o mais duradoura e respeitadora dos princípios humanos essenciais. Isto tem efeitos políticos, ideológicos importantes, porque se é a ordem que interessa, é a ordem espontânea para um conservador. E eu acho que sim, E eu acho que o conservadorismo mainstream fez esse caminho. E a partir dos anos 70, essencialmente, começas a falar muito do conservadorismo liberal, ou aceitou o liberal, quer dizer, aquilo que mais define o conservadorismo nos últimos 40 anos, 50, é a defesa da liberdade de mercado. É aquilo que é mais... Pode não ser suficiente. Eu admito que haja pessoas que... E admito que não seja, e sei que há pessoas que dizem que isso é insuficiente, que é até contraproducente, porque faz os conservadores olharem de lado quando aparecem ou quando estão em casa outros princípios conservadores, mais de íngulo moral, etc. Eu percebo isso, mas estou a fazer, estou a traçar, se quiser. Certo, sim. Enfim, estou, não estou, apesar disso não acho, não estou a dizer mentira nenhuma histórica. Mas eu acho que esta aceitação da ordem espontânea, mantendo a ordem como conceito essencial do conservadorismo, mas dizendo que a única ordem que importa é a ordem espontânea ou a que mais importa, tem efeitos depois importantes. Um conservador que acredita na ordem espontânea tem que ser um pluralista, tem que defender, para que a ordem espontânea, tem que permitir essa espontaneidade da sociedade, que a sociedade é um conflito permanente, ou um compromisso, como eu gosto mais de dizer, entre sensibilidades políticas distintas que têm o direito de se digladiarem, segundo regras, lá está, as regras do jogo, que eu acho que são importantes, um conservador tem que ser democrático, democrata, parlamentarista, porque tudo isto resulta, porque tudo isto são as condições constitucionais, são as regras do jogo, que permitem a ordem espontânea. Todas as outras não, Todas as outras são ordem imposta. E é por isso que tem que ser um moderado e um centrista. Quando eu digo, na minha área, centrismo, as pessoas acham sempre que eu estou a falar de uma posição substantiva, de um ponto exato numa bússola política. Não, eu não estou a dizer isso. Aliás, o centrismo ou moderação é a mesma coisa. Aliás, o centrismo nos anos 70 era muito visto como uma forma... Porquê que o CDS se diz centrista? Não é porque o CDS ia ser exatamente claro que há a história do Freitas a dizer que é rigorosamente ao centro. Se as pessoas
José Maria Pimentel
forem ler... Mas isso também é daqueles tempos. Mas não há.
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
Sim, mas não há. É daqueles tempos... Em
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que o eixo estava completamente deslogado.
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
Mas é de um tempo em que não se podia dizer que era conservador no sul da Europa. Sim. Então a forma dos conservadores dizerem que eram conservadores eram centristas. E há um... Talvez o...
José Maria Pimentel
Era de um tempo, porque mais ou menos não é muito diferente de agora. Ou por outra, não foi um processo que se tenha revertido completamente. Sim, mas quer
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
dizer, os ingleses como não tinham tido uma dívida de conservador podiam dizer que eram conservadores à metade que ninguém colocava a sua democraticidade em causa. Mas há um texto que eu recomendo muitas vezes e passo muitas vezes a amigos, que se chama A Teoria do Centro, A Teoria do Centro, que é uma fesa do centrismo. É de quem? Por uma pessoa que, se calhar, ninguém pensa como centrista, que é o Fraga Irei Barne, uma das pessoas da direita espanhola vindo do franquismo, etc. Em 72, ainda antes
José Maria Pimentel
da tradição,
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
que é uma conferência que ele deu e que depois foi transformada em ensaio, e há numa edição que eu tenho, antiga, de 1970 e qualquer coisa, da Braga Editores, chamada Teoria do Centro, e aquilo é basicamente a teoria conservadora toda, ockishottiana. Porque é aqui que eu queria chegar. O centrismo não é uma posição ideológica ou de ideologia substantiva, é essencialmente uma posição processual. Ou seja? É sobre as regras do jogo. Eu posso acreditar, eu podia achar que o IRS devia baixar para metade, que se devia desregular tudo, etc. Eu sou muito... As pessoas acham que quando eu digo que sou centrista, as pessoas acham que eu sou centrista no sentido de que estou ali entre o PS e o PSD, que é uma coisa que, enfim, não estou seguramente.
José Maria Pimentel
Não, tu queres dizer a moderação, não é?
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
Mas há muita gente que acha que eu... Mas acha que sim, amigos meus que falam comigo dizem isso, quando ouvem centrismo ficam logo arrepiados. Mas eu sou, às vezes, mais à direita de que eles, por exemplo, em questões de liberdade económica, etc. Agora, a questão é, como é que eu imponho isso? Eu acho, há muita gente que não concorda comigo. E, portanto, o centrismo é a posição de quem sabe que não consegue impor tudo aquilo em que acredita, que tem que perceber qual é que é, daquilo em que acredita em cada momento, o que é que é o essencial e é esse essencial que, em compromisso com as outras forças políticas, repare que pode não ser um compromisso voluntário, mas é um compromisso que vai ter que ter porque há um parlamento onde são representadas, porque em Portugal há uma, ou tu defendes uma ditadura, ou então tens que aceitar que há um parlamento para o qual são eleitas outras forças políticas, e a concretização das tuas ideias políticas é sempre um compromisso em que tu tens que perceber qual é que é o essencial que queres salvaguardar. Claro que há sempre... E portanto é um bocado ingênuo. Claro, eu não quero ser ingênuo ao ponto de não haver momentos em que tu tens que dizer de rotura! Não, o essencial, vocês estão a querer diminuir o essencial daquilo em que eu acredito e portanto eu não estou pronto para compromisso nenhum, certo? Mas a posição conservadora, a partir da ordem espontânea, É uma posição em que a tendência essencial é da moderação, do compromisso, que eu defino como o centrismo.
José Maria Pimentel
Deixa-me fazer-te uma provocação. Agora estava-te a ouvir, lembrando várias coisas ao ouvir-te, mas agora no final ocorreu uma que já tinha... Que já ocorreu várias vezes ao pensar no conservadorismo e um bocado na tradição da nossa direita democrática. Um político conservador não é um bocado um oxímoro? No sentido em que... Sim... Percebe-se o que eu quero dizer? Claro que sim, claro que sim. Ou seja, um conservador, por definição... É antipolítica. É antipolítico. Ou seja, não tem aquela pulsão pela participação política que um progressista, no sentido da esquerda progressista, tem. Sim, claro. O que também cria, se calhar, uma sub-representação. É a história da maioria silenciosa, no fundo não está muito longe disso.
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
Sim, porque um político, um conservador, enfim, quer dizer, a situação perfeita, se o conservador tem alguma utopia, que não tem, Não pode ter, aí também é um oxímoro. Era a ausência de política, não para transformar o mediador, mas por ser desnecessário. Portanto, sim, o conservador, aquela ideia, a ideia do conservador como prudente, cético, cético da mudança, que defende a ordem espontânea precisamente para que o progresso seja orgânico e não de rupturas, sim parte de um ceticismo antropológico que é contra a mudança. Claro, agora, isto é do ponto de vista filosófico, mas também posso dizer isto, que é muito importante, isso talvez faça do conservador, coloque dificuldades ao conservador do ponto de vista da política substantiva, ou seja, o conservador tem menos apetência para estar sempre a fazer mudanças à lei. Mas é aquilo que o João Pereira Coutinho no seu ensaio sobre conservadurismo chama a areia na engrenagem. É o tipo que diz, Pá, calma lá, vamos pensar melhor. Mas de certeza que é o tipo e... E isso é se calhar tão ou mais importante numa democracia liberal como a pessoa que está cheia de ideias. É o tipo que diz, ok, vocês querem essa mudança, mas vocês têm que me provar por A mais B que a mudança é para melhor do que aquilo que eu já tenho. Eu admito que me digam e compreendo que o que há é insuficiente, é mau, mas a mudança é para melhor de facto e essa areia na engrenagem é essencial e foi sempre essencial. E acho que é essencial neste momento em que nós temos uma... Nós temos de facto uma pressão grande para uma mudança que é no sentido de deteriorar os princípios da democracia liberal, a pressão dos populismos, este vírus iliberal que está a crescer, os conservadores, estes conservadores tradicionais, não tradicionalistas, mas tradicionalistas, tradicionalistas, enfim, nos últimos 50 anos, são importantes. É aquela, acho que, quer dizer, não sei quem é que disse, acho que até foi o João Pereira Coutinho que disse, quer dizer, os progressistas são aqueles que perguntam porquê não. O conservador é aquele que pergunta porquê. E perguntar porquê é uma função essencial de cidadania.
José Maria Pimentel
Ah claro, claro que sim. Cidadania de...
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
Quer dizer, uma das ideias fundamentais do conservadorismo é a ideia do governo limitado. Desde o Edmund Burke, desde as reflexões sobre a Revolução em França, porque é de parte do conservadorismo também uma reação à
José Maria Pimentel
Revolução Francesa. E o Barquet é um caso interessante, acho que é também por isso que os conservadores…
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
A esquerda da altura, o Ligue…
José Maria Pimentel
E tinha sido favorável à Revolução Americana… Sim, claro, mas depois
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
ficou assustado com a revolução francesa. A melhor definição que eu conheço, e digo isto muitas vezes, voltando ao Miguel Seus Cardoso, a melhor definição do conservadorismo como predisposição psicológica, não é como... No que eu não acho, volto a dizer, que seja um programa de ação política. É uma ideia, quer dizer, para quem tem filhos, percebe isso, quem tem filhos, bebés. O conservador é o bebé que faz birra para entrar no banho e depois de lá estar faz birra para sair. As pessoas testam isto, admito, porque...
José Maria Pimentel
Eu fazia, lembro-me disso.
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
Mas isto é assim mesmo. Claro que isto causa-te limitações quando tu és político. Causa-te limitação, porque não podes estar permanente nesta posição que é ontologicamente quase impossível. É verdade. Mas esta predisposição é importante para o processo político, porque o ceticismo da mudança é essencial para a ideia de governo limitado que é fundamental para o conceito de democracia e para o conceito conservador de democracia. E, portanto, estar sempre a perguntar porquê, estar sempre a suspeitar da mudança, é uma predisposição importante, apesar de, obviamente, ser insuficiente do ponto de vista de
José Maria Pimentel
um projeto político. Mas a não ser uma pessoa mais extremista ou com uma visão mais socializante, à partida ninguém discordará de que é importante teres dentro da inteligência coletiva que faz, seja um parlamento, seja por analogia uma sala, é importante ter alguém que tem esse papel, de dizer, espera lá, tens a certeza que queres fazer isso, será que é de avançar ou não é? Isso eu acho que não é polémico, outra coisa é dizer, se quiseres continuar a usar a analogia, quantas pessoas dessas é que tu deves ter, não é? Qual é, no fundo, qual é o... Não, porque... Porque depois tem um peso na decisão final, não é? Claro que sim.
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
Não, esquece. Partimos do princípio que essas pessoas estarão lá sempre para não querer mudança nenhuma. Não é verdade. Porque essas pessoas que têm essa predisposição, o que fazem é, ok, quando percebem que a mudança é inevitável, então a sua participação no processo de mudança é 1. Assegurar que o essencial do que está bem se mantém e 2. Que o que muda é o essencial para que tudo fique melhor. Isso também é uma opção importante, porque o que eu acho é que nós temos cada vez mais pessoas, porque há um afã, uma ânsia de mostrar trabalho, às vezes na política. Exato. Às vezes mudam-se coisas por mudar, que se... Nós estamos a gravar isto poucos dias depois de ter sido aprovado o Orçamento do Estado, que seja. O que... Um processo orçamental em Portugal é uma coisa absurda. Um Orçamento do Estado que devia ser previsão de receitas, previsão de despesas, hoje em dia é uma orgia de... Estás
José Maria Pimentel
todos os anos a rever o modelo de cima a baixo, basicamente. Não é só o modelo económico, quer
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
dizer, é tudo! A Lei do Orçamento do Estado tem inserida as normas sobre coisas que não têm nada a ver com... Quer dizer, só no sentido em que todas as medidas com o preciso de financiamento têm. Mas quer dizer, a negociação com os professores, porquê é que tem que lá estar uma norma programática? No sentido de o governo tem que voltar à mesa de negociações com os professores. Por que é que isto tem que estar numa lei de orçamento? É porque há de facto, se calhar a gente dá menos que a dizer pá, calma, calma, quer dizer... Eu que faço profissionalmente direito fiscal, cito isso todos os dias, porque é tudo que paga a lei fiscal, está sempre a mudar. E em
José Maria Pimentel
leis avulsas às vezes e... E a aumentar, imagino. Sim, se a aumentar, claro, se
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
a carga fiscal sempre a aumentar. E é por isso que sim, de facto, o conservadorismo, tal como eu vejo, não é contraditório com o liberalismo. E por isso é que na tradição anglo-saxónica se fala... É
José Maria Pimentel
o conservador liberal, não é? Conservador
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
liberal, liberal conservative. Ou como chama o meu amigo Henrique Raposo, o IFAN.
José Maria Pimentel
O IFAN? O IFAN. O
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
IFAN, não fala sempre do IFAN, o conservadorismo neoliberal é o IFAN, perdeu-o por cá o IFAN, porque ele acha que o IFAN, e bem, o IFAN é essencial, porque o liberalismo e o conservadorismo completam-se mutuamente e mudaram-se mutuamente também. Eu acho isso bastante importante.
José Maria Pimentel
Sim, há um efeito. Isto em inglês chama-se ratchet effect e eu acho que isto em português seria traduzido como efeito da roda dentada, que é aquelas rodas desengrenagens que quando tu rodas para um lado elas já não voltam para trás. E do ponto de vista político, do ponto de vista da legislação e tudo mais, tu tens muito esse efeito que é, tu tens um enviasamento enorme no sentido de aumentar, por exemplo, a legislação ou a dimensão do Estado de uma maneira que não é sequer ideológica. O mero facto de tu teres uma Assembleia cheia de gente e um Governo com pessoas a tentar mostrar aquilo que estavas a aluir há pouco, a tentar ter que mostrar trabalho, leva a que tu tenhas um enviesamento para aumentar. Cada vez mais de ninguém, é muito difícil de alguém chegar lá e dizer bom, se calhar revíamos isto e apagávamos aqui umas coisas que já não fazem sentido.
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
Até porque a própria ordem constitucional está imbuída desse espírito. Sim. Se vier uma pessoa e quiser aumentar de um momento para outro 50% todos os funcionários públicos pode fazê-lo, não é inconstitucional, não viola o princípio de... Apesar de poder levar a efeitos nefastos. Sim. Cortes são impossíveis, a não ser transitoriamente, mas aumenta os impostos. Nós tivemos... A maior parte das pessoas obviamente não... Ainda bem porque tem mais que fazer e coisas melhores para fazer, não estiver muito atento a isto, mas a jurisprudência do Tribunal Constitucional, do tempo da troika, é uma coisa muito interessante sobre isso, porque cortes, 10%, 15%, o que seja, em salários ou pensões, não podem, são proibidas, não sei transitoriamente, mas enfim, por causa da violação dos princípios da proporcionalidade, da confiança, total da confiança, segurança jurídica, etc. Mas o que resulta também da mesma jurisprudência do Tribunal Constitucional é que se for aumento de impostos não há problema, quando do ponto de vista económico o efeito é o mesmo. Mas, como é visto como aumento de direitos ou retirada de direitos, quer dizer, eu ter um corte de 10% do meu salário, ou ter um aumento de imposto que implica, que resulta exatamente numa diminuição, exatamente igual, é a mesma coisa. Eu até iria mais longe, acho que vale mais o primeiro que o segundo. O
José Maria Pimentel
primeiro é o primeiro que é o segundo. Contudo o resto é igual? Sim. Porque o segundo estás a criar mais, estás a... Para além do que o próprio efeito macroeconómico é diferente. Claro,
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
claro, mas mostra que há uma lógica de... Que enfim, eu percebo isso e até concordo com essa, quer dizer, nós temos que estar sempre... A lógica da comunidade deve ser de cada vez dar mais, enfim, mais direitos e de estarmos permanentemente a aperfeiçoar a comunidade. Aquela ideia da Constituição Americana do More Perfect Union. Acho que sim. Mas nesta questão também se vê isso, quer dizer, há uma tendência de mudança inelutável que em muitas matérias, em matérias essenciais, já não se consegue voltar para trás. E por isso é que é preciso haver pessoas que digam calma lá, vamos pensar nisto melhor, porque depois talvez não consigamos voltar atrás, depois vai ser difícil, não é? Por isso é que, por exemplo, a questão do Brexit, que era conservador em alguns... Quer dizer, que é uma parte de uma poluição conservadora em alguns aspectos, principalmente nos aspectos que não ganharam, que é a ideia do cosmopolitismo, para que é que nós precisamos estar aqui. Quer dizer, hoje em dia, nos anos 70 quando nós aderimos, ou nos anos 50 quando foi feita a União Europeia, ou o início da União Europeia, a ideia de uma Europa unida era uma ideia de um cosmopolitismo inacreditável, mas hoje em dia com a evolução tecnológica, essa própria ideia, e nós falamos muito da disrupção tecnológica de muitas coisas, mas a própria ideia da União Europeia, para um país da União Europeia, a União Europeia é quase o backyard. Hoje em dia isso... Mas a própria ideia, como se está a ver agora, o Brexit é completamente inconservador, porque é uma imprudência. E agora vê-se como é que se volta para trás? E pode-se voltar para trás? Como? Não é?
José Maria Pimentel
É que o conservadorismo e o... Desculpa interromper-te, mas o... O conservadorismo, como todos estes termos, é polissémico e há pelo menos uma diferença entre o... Por exemplo, existe uma coisa que, para quem parece outro oxímoro, que é o conservadorismo revolucionário.
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
Não, mas isso lá...
José Maria Pimentel
O Brexit é muito mais nessa onda, é quase reacionarismo no sentido daquele... Sim, há conservadores... Como é que se chamava o tipo do... Te chama o do You Keep? O Nigel Farage. O Farage, por exemplo. Já acho que saiu, agora do YouCube. Já, sim, acho que já, pá, há dois anos.
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
Perdi, enfim, já não, já não. Essa novela já não.
José Maria Pimentel
Não, e o YouCube... A novela Farage já não. O YouCube também perdeu o protagonismo, mas ele... Ora, era para aquilo que servia. Exatamente, e ele foi completamente esvaziado e ele é... Não é conservador, quer dizer, em parte será, mas em muitas coisas não é conservador, como tu estavas a descrever. Sim, mas é
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
curioso porque o UQIP, o UQIP que ficou essencialmente conhecido a propósito da... O UQIP era um partido sim, eurocético, mas no início era um partido eurocético do ponto de vista da defesa, do parlamentarismo, da ideia do Estado, ideia com a qual eu até tendo a concordar, de que a democracia é tão mais perfeita quanto mais próxima a Estado ou Estado-nação. Estado-nação no sentido de, enfim, de uma comunidade com o mínimo de homó... Eu não quero dizer isto para ser xenófo, mas não é homogeneidade no sentido racial ou étnico, é pessoas que se sintam mesmo parte da mesma comunidade. Porque a democracia exige, não funciona, a meu ver, sem haver solidariedade entre os seus membros da comunidade.
José Maria Pimentel
Claro, sem dúvida. E não há solidariedade
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
suficiente entre os membros da comunidade se eles não se sentirem membro de uma comunidade. Os incêndios... Nós... Quer dizer, nós chorámos os incêndios em Portugal. Os finlandeses não choraram os incêndios em Portugal. Mas eu posso dar uma coisa mais... Um exemplo mais caricato.
José Maria Pimentel
E os espanhóis? Os espanhóis no Límbico? Quer dizer, estou a dizer os espanhóis por estarem aqui ao lado.
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
Não, mas eu vou dar um exemplo. Os grandes incêndios do ano passado, deste ano na Galiza, um grande incêndio que houve, foi seguramente menos chorado pelas pessoas do Minho do que o incêndio no Algarve, na Serra do Mochico, acompanhado. Sim, sim, Claro. Apesar de estar mais perto. Por isso é que eu sou muito cético da ideia da União Europeia, que seja possível a ideia da União Europeia, tal como a querem vender, porque para ela ser possível é preciso que haja um processo de convergência entre os países do Sul e os países do Norte, entre os países pobres e os países ricos. Processo desse de convergência que necessitaria que os países, que todos os países, todos os cidadãos dos países da União Europeia se sentissem parte da mesma comunidade e não há, pelo menos para já.
José Maria Pimentel
Não há, mas é...
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
E isto vai dizer o quê? Vou voltar a dizer uma coisa, eu divaguei, peço-me essa desculpa. O UQIP era um partido neste sentido, ou seja, era o cético no sentido que defendia, era o cético no sentido que era cético. E era cético e era... Defendia o parlamentarismo, que agora continua a defender, mas a campanha toda deles foi uma campanha xenófoba. Isso para mim é o grande problema do Brexit. Para mim, na altura, eu fui contra, enfim, dizer que era contra, não sou inglês, não... Sim, sim.
José Maria Pimentel
É um bocado petulante. Vale o que vale, não é?
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
Sim. Porque sempre nós temos a dizer, pá, não, estou pela Hillary ou estou pelo Trump, enfim, quer dizer, é sempre um bocado potulante. Mas, para mim, aquilo... Eu percebi a grande parte dos argumentos dos Brexiteers, designavelmente os mais cosmopolitas e etc. Para mim, o que eu testei no Brexit foi duas coisas. Uma, porque eu acho que aquilo pode ser o início e o fim da União Europeia. E uma coisa é o Reino Unido sair da União Europeia. E outra coisa é a União Europeia desmoronar por cima de um país como Portugal. Que não sei onde é que vai parar sem a União Europeia. Daí sou muito conservador. Eu até posso não gostar de grande parte das coisas da União Europeia, mas não quero experimentar sem. É a
José Maria Pimentel
história do banho? É outra vez a analogia do banho? É um bocado. Não é?
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
É um bocado, sim, sim, mas... É um bocado... Porquê? Porque eu posso não gostar de grande parte do que se passa na União Europeia, mas eu prefiro não tentar sem, para já. Porque sou português e tenho medo de Portugal, de um momento para o outro, sem a União Europeia. E depois, a segunda questão foi... A segunda coisa que me foi...
José Maria Pimentel
A migração.
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
Foi o tema ter sido, eu ter sentido que... É um país que eu adoro tanto e ao qual vou muitas vezes, também fico muitas vezes, confesso, na bolha londrina, mas enfim, eu fascino-me com aquele cosmopolitismo e, enfim, chegar e ver portugueses serem bem tratados e estão em lugares ótimos, seja no comércio, seja na banca, seja no que for, e ver gente de todo lado, todas as etnias e... E machucou-me bastante e fiquei bastante entristecido por ter sentido que aquilo que levou à vitória foi essencialmente este discurso xenófobo. Sim,
José Maria Pimentel
exatamente, aliás, os inquéritos, que valem o que valem, mas o que mostrava era exatamente isso, era o que tinha tido mais peso. Sim, claro. Era isso, depois obviamente que havia aquela questão da ingerência, de no fundo deus terem outras pessoas a decidirem coisas por eles e para um país com uma tradição parlamentarista...
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
Que a mim também faz confusão, devo dizer, por exemplo.
José Maria Pimentel
Não, e aliás eu acho que há um enorme problema aí, nós
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
temos um problema de... Por exemplo, há uma questão, lá está mais uma vez a importância que eu dou ao processo. Ao processo, a importância material quase que eu dou ao processo, que é mais adjetivo. Há uma democracia com o processo. E eu ainda por cima na minha área, eu faço direito fiscal, eu faço muito contencioso e muitas vezes recorro para o Tribunal Europeu de Direito de Espanha. Ou melhor, para o Tribunal de Justiça da União Europeia. Enfim, que hoje em dia é uma instância ordinária quase, natural. Mas eu não sei quem são aqueles vídeos. Não sei qual é que é o nível de... Eu conflito-me muitas vezes com se acho... Não é legítimo, legítimo eu acho, vamos lá ver uma coisa. Mas por exemplo, eu sou muito liberal. Mas e se há um governo que não concorda comigo e resolve, porque vê que, por exemplo, os produtores de leite em Portugal estão a sofrer, as famílias estão a sofrer, o governo português não tem legitimidade para dar subsídios a esses produtores? Enfim, beneficiar, fazer uma discriminação positiva dos seus nacionais, porque são aqueles que votaram diretamente neles?
José Maria Pimentel
Essa é a questão.
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
E porquê é que há de vir um tipo, um burocrata da Comissão Europeia dizer que não? Quem é que votou nele? Ah, mas tu votaste porque os teus eleitos também votaram na União Europeia, não sei o que. Mas quer dizer, há um momento em que a cadeia de responsabilidade política Não é eterna. Claro. Há um momento em que se quebra.
José Maria Pimentel
Sim, sim, sem dúvida. E ainda por cima, não funciona assim. Não é o Parlamento Europeu
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
que... Repara, eu até posso concordar substantivamente com o burocrata da União Europeia. Mas... Pois que raio! Mas aquela pessoa que ali está no meu Parlamento ou no governo que depende do meu parlamento, teve maioria, foi ali, não pode querer fazer isto, para salvar aquelas pessoas que ele vê todos os dias. Lá está a minha posição, que é o caixo conservador, de dar tanta importância às regras do processo, às regras do jogo, quanto aos objetivos substantivos e materiais da política.
José Maria Pimentel
Esse é um ponto muito relevante em relação à União Europeia, porque acho que é um plano onde claramente as regras foram subvertidas de uma maneira preocupante, quer dizer, nós temos um... Hoje em dia tens uma União Europeia que tem um poder de decisão que não foi de maneira nenhuma legitimado democraticamente, ou seja, eleitoralmente, e eu arrisco dizer que a maior parte das pessoas não tem noção da dimensão desse poder e isso é um problema grande. Eu o divido um bocadinho porque eu estou completamente de acordo contigo neste aspecto e depois acho que se calhar divido-os noutro. Naquilo que eu estou de acordo é que nós demos um passo, nós fomos dando vários passos progressivos de, no fundo, ir retirando camadas de soberania aos governos nacionais, sem isso, lá está a ser apreciativa para os eleitores, portanto vais retirando camadas e hoje em dia tens muitas coisas que são decididas a nível europeu, como nós de resto percebemos durante a crise, e isso é completamente antidemocrático, quer dizer, tu eleges o teu governo, mas depois há outras pessoas que estão a decidir por ti, lá longe, que não foram eleitas por ti, portanto tens aí um problema de... Isto não existe, por exemplo, o exemplo que tu davas. Se nós repartirmos isto por regiões dentro de Portugal, estaremos de acordo que não faz sentido estar a privilegiar os agricultores do Norte ou os agricultores do Sul porque existe um governo nacional, mas ele é legitimado. Ou seja, as pessoas votam para esse governo nacional e portanto não há aí um problema de... Não há um problema democrático. Nós aceitamos que... Não, mas podem,
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
por exemplo, um exemplo concreto que está a minha área. A proposta dos incêndios, que ainda por cima eram na minha zona, no meu sonho, onde vivo grande parte do tempo, onde tenho o meu centro de interesses vital familiar, viseu. Depois dos incêndios que afetaram aquela zona, por exemplo, o governo fez um decreto de lei em que diz que todos os processos de execução fiscal dos contribuintes desta zona ficam suspensos até dia 15 de abril de 2018. Mas só daqueles. Decidiu. Se for uma coisa parecida na União Europeia, era um processo de ajuda de Estado, percebes? Sim. Porque... E aqui o governo, ninguém colocou isso em causa. Porque toda a gente percebeu. Porquê? Porque toda a gente sentiu solidariedade, toda a gente sentiu que as pessoas de Viseu, de Tondela, de Oliveira de Farades, de Ceia, de Santa Combadão, eram seus semelhantes. E
José Maria Pimentel
podiam prescindar do governo, não é? Se Tinhas a imprensa, as pessoas falavam a mesma língua, tinham a mesma matriz cultural. Essa é uma questão essencial.
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
É possível haver uma democracia decente sem um parlamento em que toda a gente fala a mesma língua? Tenho muitas dúvidas. Sim, bom, tu tens
José Maria Pimentel
um país, por exemplo, andia, um país gigantesco, é um país democrático e muito heterogéneo. Desimagrazável, é possível dizer que não é bem uma democrática... Quer dizer, tem muitas coisas em que é deficiente, se calhar aos nossos estándares, mas para todos os efeitos...
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
Quantas línguas falam no Parlamento?
José Maria Pimentel
No Parlamento, julgo que só fala uma, mas isso também não era possível aqui. Bom, mas isto para dizer, pronto, eu, nesse aspecto, estou de acordo contigo, ou seja, acho que se pôs a carroça à frente dos bois, fez-se a coisa de uma maneira muito tecnocrática e muito pouco iluminada, quer dizer, lá está, por isso é que é... Este tipo de conversas e a pessoa refletir sobre essas coisas. É importante, sobretudo, por isso, que é para a pessoa ter alguma visão de prazo e não fazer as coisas simplesmente de uma maneira tecnocrática, olhar para aquilo que parece bem no papel. Agora, dito isto, se calhar aqui é que nós divergimos. Eu, olhando para a frente, um objetivo claramente de médio prazo que eu acho que a Europa devia ter era aumentar a integração. Ou seja, eu acho absolutamente desejável que tu tenhas fronteiras, que vais construir uma democracia europeia, não acho que seja impossível, acho que é um desafio enorme mas não acho que seja impossível. O mais possível, tu tens programas, por exemplo, que vieram, que não vieram de... Quer dizer, que são anticonservadores neste sentido, distrito, como o programa Erasmus, por exemplo. Eu não estou totalmente a discordo. Eu imagino que tu sejas a favor do programa Erasmus. No meu ponto não é isso. Nunca fiz, nunca... O meu ponto é dizer que não viria... Mas totalmente a favor. Claro, imagino que sim. O que eu quero dizer é... Até pelos relatos que me chegam, as pessoas que fizeram, totalmente a favor. Exato. Eu imagino que uma visão estritamente passiva em relação a isto nunca levaria a teres programas desse género, a teres instituições europeias, a ter uma série de coisas que são essenciais para tu teres no fundo, enquanto projeto último, uma integração europeia, que me parece que está muitíssimo longe,
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
mas... Mas deixem-me só qual é a minha posição quanto a isso. Eu não estou a dizer que a União Europeia deve regredir ou parar ou deixar de existir. Não estou a dizer isso. O que eu estou a dizer é que esse princípio de ever closer union, que é o princípio que está nos tratados, uma união cada vez mais estreita, que a União Europeia é uma construção sempre mesmo a cavalgada até ao federalismo puro, eu acho que devia parar um pouco. Ou seja, também não acho que deva regredir. O que eu acho é que a União Europeia devia aprender, saber aprender, sabia saber, devia aprender a saber viver a meio da ponte durante algum tempo. E viver, este viver a meio da ponte, que é um parar para pensar, que eu acho que não vai acontecer, principalmente porque os ingleses saíram. E aqui vê-se claramente, lá viu-se naqueles cenários que foram apresentados pelo Presidente da Comissão aqui há uns meses. O que se quer é a forma como ele os apresentou. Ok, se quiser podemos voltar para trás, podemos destruir tudo aquilo, desmerecendo todos os que não fossem, aquilo que ele prefere que é avançar cada vez mais. Ainda por cima agora não tem o cauchado dos ingleses para dizer calma aí. O problema
José Maria Pimentel
é que é um vacino orgânico, a questão é essa, ou seja... Não, mas
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
o que eu estou a dizer é, quando eu digo viver a meio da ponte, não é... É isto, é perceber quais são aqueles projetos, aqueles programas, aquele nível de integração que faz sentido continuar, que não causam tensões entre os países, e tentar repensar os outros. Quer dizer, porque de facto há... O que nós vimos nesta crise foi que diminuiu muito a confiança na União Europeia por causa dos cidadãos europeus, ou dos cidadãos dos países europeus, porque se criou de facto a convicção de que a União Europeia está feita para benefício de dois ou três. E isso pode ser problemático, é seguramente problemático para a União Europeia. E depois nós percebemos que há países que se levam a sério, mas que não levam a sério os outros. Vou dar um exemplo. Falo sobre a democraticidade da União Europeia. Eu Estou totalmente em desacordo com a jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre grande parte das medidas da Troika. Nem é tanto pelo... Quer dizer, estou desagradamente desde logo por uma questão essencial que é, eu acho que os juízes do Tribunal Constitucional não tinham poderes para decidir se quer daquilo ou for. Com base nos princípios que utilizaram. Não vale a pena entrar por aqui, podia desenvolver, mas era menos interessante. Mas era o que mais me faltava, eu dizer que o Tribunal Constitucional... Não, quer dizer, o Tribunal Constitucional decidiu, decidiu. É inconstitucional, quem tem que... Eu acho que as medidas não eram inconstitucionais, mas o Tribunal Constitucional é que tem poder constitucional para dizer se são ou não constitucionais, se são ou não constitucionais. Em Portugal nós tivemos uma discussão brutal contra o Tribunal Constitucional, ao mesmo tempo que na Alemanha. O Tribunal de Carlos de Rua, Tribunal Constitucional alemão, decidia se a Alemanha podia ou não aceitar aquela política do BCE de comprar a dívida dos países. Enfim, claro, é um país que se levava a sério. E nós estávamos dependentes, nós estivemos mais dependentes, tendo em conta hoje a forma como nós conseguimos recuperar e as razões pelas quais recuperámos, durante a crise estivemos mais dependentes do terminal constitucional alemão do que o nosso. Porque o nosso, enfim, não se conseguiu fazer aqueles cortes, aumentaram-se brutalmente os impostos em contrapartida. Ok. Eu acho que isso também teve efeitos nefastos, obviamente, mas se o TPC não tivesse resolvido começar a comprar dívida, não sei onde é que nós estaríamos e só foi possível porque a Alemanha permitiu e a Alemanha permitiu porque o tribunal, enfim, porque aquilo de certa forma configurava uma mutualização da dívida, não é? É,
José Maria Pimentel
acho que o tribunal ainda pode... Ainda há uma decisão lá a pé-mediando sobre isso. Pois, não sei, provavelmente
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
sim, mas quer dizer, mas é engraçado como nós tivemos mais... Ou seja, De facto, quem manda é a Alemanha.
José Maria Pimentel
Isso é um problema democrático grave. Sim. Mas aquilo que eu concordo... Eu estou a ter
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
a menos de acordo... E manda com relutância, ainda porque se tivesse mais... Eu admito que se mandasse com outro afã, com outra vontade... Mas a Alemanha, quer dizer, a Alemanha... Os economistas alemães, enfim, essa não é a minha área, mas está escrito, os economistas alemães, na altura da construção do euro, eram totalmente contra. Porquê? Porque sabiam que a Alemanha ia acabar mais tarde ou mais cedo por ter que resgatar os outros países.
José Maria Pimentel
Sim, o euro, desse ponto de vista, foi um acordo muito mal feito.
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
Quer dizer, acho que é histórico.
José Maria Pimentel
Eram os franceses que queriam.
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
Os franceses queriam e a Alemanha só aceitavam só aceitavam a reunificação alemã se a Alemanha aceitasse o euro. E a Alemanha não queria, porque ainda por cima, ainda com o trauma, com os traumas, com dois traumas, uma, a Alemanha não quer ser, não quer ser, não quer estar longe do pan-germanismo, não quer ter que mandar na Europa, já quis mandar na Europa, correu mal, agora não quer ter que mandar na Europa. E em segundo lugar, tem mais a ver com a questão do euro e com as políticas económicas, enfim, tem o trauma da hiperinflação, que levou depois ao nazismo, não é? E portanto... Por isso é que eles
José Maria Pimentel
disseram Fazemos, mas à Alemanha. Por
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
isso é que à Alemanha, fazemos isto à Alemanha, para evitar falhações e, portanto, vocês vão ter que, todos, vão ter que atuar segundo os nossos princípios, apesar de ter economias muito mais frágeis, mas se querem que esta moeda vai ter que ser assim. Sim, sim.
José Maria Pimentel
O BCE é feito à imagem do Nasbank, basicamente. Claro, claro. Deixa-me só fazer-te uma última provocação a propósito deste tema. Porque eu não sei se nós... Se calhar vemos isto da mesma forma e eu é que estou aqui a criar uma complicação que não existe. Mas para mim o problema não é da integração europeia, mas da forma como ela é feita. Ou seja, imagina, quer dizer, por absurdo, Portugal nos tempos da ditadura. O problema não era Portugal, o problema era o regime que tu tinhas que não era representativo, quer dizer, não tinhas eleições para o começo de conversa. O que tu tens a nível europeu, desde logo, é o facto de não haver representatividade democrática de quem está a decidir por nós. Uma maneira que, se calhar, para um conservador que faz alguma comissão de fazer isso, de começar a resolver esse problema, ou seja, de criar instâncias das pessoas fazerem representar, era tu teres, por exemplo, um cargo a nível europeu que fosse mais comparável a uma espécie de presidente da União Europeia. Hoje em dia tentas ter umas coisas mas não tens... Sofrás-te direto. Há as listas... Há a possibilidade das listas... Sim. Quer dizer, vai com vários países... Exatamente, exatamente. Ou seja, isso era uma maneira, é uma coisa muito progressista no sentido em que tu estás ativamente a forçar a convergência de instituições para um novo equilíbrio qualquer que tu entendes ser melhor, e nesse sentido, é um bocadinho anticonservador, mas é um enquanto cosmopolita, neste sentido, de preferir a integração aos Estados-nação, acho que podia ser um caminho interessante para o futuro. Duas coisas sobre isso.
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
Eu não posso, quer dizer, isso que... Eu tenho muita relutância em olhar para as... Por exemplo, essa proposta que tu fizeste ou outras quaisquer, e dizer assim, bem, eu como sou conservador, eu por ser conservador sou contra isso. Não. Ou concordo ou não concordo. Se é conservador ou não. Eu também não me quero colocar numa posição. Eu percebo que a nossa conversa é de fato
José Maria Pimentel
sobre o que é isso. Sim, sim, sim. Eu
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
não acordo de manhã e penso como é que um conservador aperta os sapatos? Portanto, vou apertar os sapatos como um conservador. Não, quer dizer, isso é uma decorrência. Claro. Se calhar há coisas, eu penso muitas coisas que não são no conservador. Eu estou a perguntar a tua opinião, não estou a perguntar a opinião do... Não, é que estamos naquela posição que muitas vezes, pá, eu frequento muitos concertos, música rock, hip hop e não sei o que, e há sempre, é inevitável, alguns amigos meus até já apostam que isso vai acontecer, há sempre um tipo que vai-me dizer comigo, pá, o que é que estás aqui a fazer? Como se não fosse... Não fosse... Ah pá, tu devias estar em casa a fumar um cachimbo com na tua poltrona de cabral... O bigode... Na quinta do minho e etc, de bigode revirado e etc. Não, eu não penso nisso dessa forma. Mas eu acho que pode fazer sentido, porque a minha posição quanto a isto, essencial, é, eu não, quando eu digo que a Europa tem que aprender a viver a meio da ponte, é parar para pensar. E o parar para pensar também inclui isso. Ou seja, eu, Francisco, só estou disponível para maior integração se for acompanhada de um debate sério sobre as condições democráticas do processo decisório que vai levar a essa. Ou seja, nós não podemos só revitalizar a União Europeia pelo lado da construção, a construção não pode ser só o reforço de políticas substantivas. Tem que ser, mais uma vez a minha importância dada por mim ao processo, tem que ser também o reforço das condições democráticas da União Europeia, para salvaguardar que o processo de integração é querido e percebido pelos cidadãos.
José Maria Pimentel
O que eu acho que isto faz é as duas coisas ao mesmo tempo, mas é um risco.
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
Se calhar, mas não estou, quer dizer, não me pensei nessa situação. Claro, sim, sim. Eu não estou, quer dizer, não estou aqui de olhos fechados e ouvidos fechados a dizer, não quero sequer ouvir falarem-me, não. O que eu queria era que neste momento a construção da União Europeia fosse um processo que incluísse e se calhar de modo até principal, a construção do... Uma construção constitucional sobre o processo de decisão. E sobre a cadeia democrática.
José Maria Pimentel
Eu acho que isso, na verdade, eu acho que isso faz sentido. Ou seja, no global, acho claramente que temos um problema aí. Deixe-me fazer outra pergunta relacionada ao mudando agulhas, mais para a vertente económica. Foi logo uma pergunta como ocorreu antes de falar contigo. Fala-se várias vezes da dificuldade de casar, aquilo que nós já falámos há pouco do conservadorismo nesse sentido da prudência com o liberalismo, tanto na vertente económica como na vertente social, mas sobretudo na vertente económica. Há uma série de estudos que eu acho muito interessantes, mas também porque me interessa por essa área, e lembra-me disso aliás no início quando estavas a falar da tua adesão quase emocional. Emocional no sentido de não ser racionalizada pela tua identidade. Racionalizada à partida. À partida, exato. O que aliás é o normal. O ponto que eu vou fazer é que isso acontece com todos nós, na altura do independente. E há uma série de estudos que tentam associar características de personalidade às convicções políticas. Isso é óbvio, mas é isso
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
precisamente que o Oakeshott defende no Unbeing Conservative, que não é propriamente um texto político.
José Maria Pimentel
Claro, exatamente, e isso é que é interessante. E isso é, quer dizer, eu leio algumas
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
coisas sobre... O Miguel Srs. Cardoso chama-se um conservador romântico. Mas eu... É um conservador psicólogo... Quando ele fala da predisposição a conservador, ele não fala de política. É conservador. Mas sim, mas eu quando leio essas coisas, como leio as coisas do Miguel S. Cardoso, como leio as coisas do Augusto, ou de outros, é tipo, este gajo está a falar de mim, eu sou assim, eu sou, eu sou, eu percebo que isso é um problema para mim enquanto político, eu sou o bebê que faz virra para entrar no banho, mas depois quando está no banho não é que faz virra para sair, mas é, pá, calma, há aqui coisas que podem ser salvaguardadas. Atenção, ok, deixa-me sair do banho, mas deixa-me guardar isto aqui. Há aqui duas ou três coisas que eu... Eu, quer dizer, há muita gente que me critica, amigos, colegas de partido, debatentes, que me criticam por eu ser assim. Mas eu aceito que eu sou assim.
José Maria Pimentel
Mas toda a gente é assim.
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
E aceito que é, E aceito que... Não é que é um problema político, porque como tu disses, eu até acho que há razões... Acho que pessoas assim são importantes para o processo político democrático. Mas eu aceito que é insuficiente. Eu não sou... Quer dizer, eu não vou... Eu não faço desta minha maneira de ser um credo da ação política. Não é isso. Mas parte... Mas grande parte do crédito político... Parte... Acho que é isso que tu ias dizer, parte desta
José Maria Pimentel
maneira de ser. Eu ia concretizar o meu ponto absolutamente, e acho que isso acontece com toda a gente e a racionalização vem depois e não antes. E a evidência empírica que existe neste sentido, que é muito interessante, parte do chamado modelo dos cinco fatores, que é basicamente o único modelo que tem validação empírica académica, digamos assim, e aquilo que, para que os dados apontam, é que uma pessoa conservadora tende a ter aquilo que se chama conscienciosidade elevada, conscienciosidade tem a ver com, basicamente, com estabilidade, com a importância dada à ordem, também há alguma importância, depois tem várias vertentes, mas também há alguma importância dada à hierarquia, quer dizer, no fundo, tudo aquilo que tem a ver com organização, se quiseres, num sentido mais lato. E tendem a ser baixos, noutra variável, que tem um nome péssimo, que é abertura à experiência, mas que basicamente tem a ver com abertura intelectual, se quiseres, abertura de ideias, abertura estética e não sei o quê. Parece-me até ser um caso heterodoxo nesse sentido porque provavelmente neste segundo até estarias no ponto oposto. À esquerda o progressismo tende a ser ao contrário, tende a ter conscienciosidade baixa e tende a ter abertura à experiência elevada. Isto é muito engraçado porque tu basta ires à casa de uma pessoa de esquerda e de uma pessoa de direita, isto é uma generalização enorme, mas tu vês logo isso. É muito fácil ver isso, ou a maneira como as pessoas se vestem, quer dizer, uma série de coisas. Há uma contradição, algo que eu acho que deve ser um bocadinho uma contradição para, lá está, para alguém conservador, mas não necessariamente para ti. Só para esclarecer isto, eu não estou a falar com o Francisco Mendes da Silva caricatura conservador, estou a falar contigo enquanto pessoa. Obviamente que o pretexto para a conversa é esse, mas não estou a falar contigo enquanto representante dessa sensibilidade. Quer representar ninguém, não sei a minha parada. Claro, mas não fazia sentido nenhum. Em todas as minhas relações contraditórias. Sim, para não falar das contradições internas. Agora, tu tens nos últimos anos uma série de evoluções, por exemplo, a nível socioeconómico, com a onda de empreendedorismo, com alterações no trabalho, com alterações nas vivências das pessoas, na própria organização da vida privada das pessoas, independentemente daquelas questões fraturantes, casamento, não casamento, não sei o quê, mas quer dizer, a sociedade tem evoluído muito rápido, da maneira como as pessoas vivem, da maneira como as pessoas trabalham, o tipo de trabalho que têm, há uma série de disrupções a este nível. Para ti, tendo em conta o teu princípio da ordem e o teu princípio da estabilidade e da calma, isto faz-te confusão?
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
Não, porque por causa daquilo que eu te disse, eu disse há pouco que eu deixo-me de tentar recuperar.
José Maria Pimentel
Da questão orgânica da ordem? Pois,
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
A posição política de um conservador, tal como eu vejo ou tal como eu sinto, tal como eu me sinto, não é, pá, vamos parar isto, quer dizer, desculpa lá, aquelas pessoas estavam bem, era com a socialdemocracia dos anos 70. Com a socialdemocracia dos anos 70 é impossível, porque era num mundo em que havia fronteiras, não havia a tecnologia que há hoje, uma pessoa não podia estar aqui em Lisboa a trabalhar para Singapura e Los Angeles ao mesmo tempo. Mas é perceber na mudança o que é que nós podemos fazer para... Não é para manter as coisas como estavam, mas é para manter o conforto, a estabilidade ou o sentimento de estabilidade das pessoas e às vezes é mudar, às vezes implica mudar muito, às vezes implica mudar muito. Quando tens um setor que tu percebes que pode ser... Uma coisa que o meu amigo e colega de partido, o Adolfo Mosquita Nunes, fez. Que não começou com ele, mas que ele foi essencial no turismo. Percebeu-se que o turismo podia ser um sector mais importante do que já era em Portugal. Podia servir para muita coisa. Criar emprego para pessoas que estavam a perdê-lo nas áreas tradicionais por causa da crise. Podia ser importante para um problema grande que nós tínhamos, que era a revitalização dos centros urbanos. E o que se fez foi mudar. Aceitar e era preciso mudar alguma coisa. Mudar a regulação. Mas
José Maria Pimentel
foi... Isso é muito progressista no sentido literal da palavra. Não, não é. Porque não foi simplesmente tirar as mãos do volante e deixar o carro ir para onde quer. Foi... Foi ativamente provocar uma mudança. Não, foi ativamente te retirar a roupa. E incentivos, uma série de coisas. Estou-te a provocar. Claro, claro que sim. Claro que sim. E a baixa que tu... Claro que
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
sim, mas se queres ver, senão eu também não... Aí estás-me a transformar numa caricatura. Nem saía de casa, se fosse assim, não é?
José Maria Pimentel
Claro, o que eu quero saber é se isso te faz impressão, ou se te faz impressão a questão de...
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
Não faz nada, Não faz nada, não faz nada. Os restaurantes
José Maria Pimentel
virados para os turistas, por exemplo. Nada, nada disso. É uma mudança grande.
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
Não, mas é a ordem espontânea a funcionar.
José Maria Pimentel
Mas uma coisa, fazendo aqui de advogado do diabo, é que não... É que ela não é bem espontânea, não é? Porque espontânea era sempre... O que tu vês
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
à esquerda, o que tu vês eu hoje em dia à esquerda, as pessoas dizem não, uau, isto era uma heretárquica antigamente e não sei o quê. Não, quer dizer, eu até posso continuar a gostar das taxas do antigamente mais do que, quer dizer, mas o que é se as pessoas querem?
José Maria Pimentel
Mas tu levantaste um pouco de... Levantaste um pouco de indecisão.
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
Restaurantes hipster que se chamam taxa. Sim.
José Maria Pimentel
Ontem estava a almoçar com o primo meu e estava a falar-lhe que ia gravar contigo sobre o conservadorismo e ele, que também se à toa identifica como conservador, estava a fazer um comentário que eu já tinha ouvido fazer que é o facto de ele sentir-se de esquerda muitas vezes e de sentir-se identificado com pessoas de esquerda, quando de esquerda obviamente falamos daquela esquerda mais institucional, no fundo centro-esquerda, de uma forma que não sentia antes, exatamente por esta disrupção que nos últimos anos houve e que leva a que ele muitas vezes esteja com a mesma aversão, aversão é uma palavra forte, mas com a mesma desconfiança ou com o mesmo desconforto, se calhar a melhor palavra em relação a isso, do que pessoas que estão no centro-esquerda. Não sei não, mas isso eu também, quer dizer, eu acho que também tenho esse sentimento. Eu acho isso interessante, eu estou a levantar isto sempre porque acho isso interessante. É importante
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
para os conservadores, como é óbvio. Mas, não te esqueças daquele velho princípio do leopardo, é preciso que tudo mude para que tudo fique na
José Maria Pimentel
mesma. Pois é, pois eu até lembrei disso há pouco.
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
E portanto, sim, para tu manteres, em Portugal, se podemos voltar ao exemplo do turismo, para se manter o nível foi preciso mudar alguma coisa para que algumas pessoas pudessem, para que muita gente e para que a economia portuguesa pudesse manter o
José Maria Pimentel
essencial de um mínimo de... Vitalidade, sim. Vitalidade, autossubsistência.
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
É que assim, portanto, um conservador não vem, pá, agora vem, pá, aí essas hordas de bárbaros suecos e não sei o quê. Não, isso eu não tenho, eu não tenho, se calhar não é conservador, olha, não estou muito preocupado com isso, não tenho problema nenhum. Ah pois, sim, sim, certo. Se calhar porque eu, também tem a ver com outras circunstâncias, Eu percebo pessoas, eu percebo perfeitamente as pessoas que vivem em Lisboa e que são afastadas do centro, têm que sair de casa e não têm, e não conseguem, não conseguem... Eu acompanho mais ou menos os preços das casas em Lisboa, não porque eu invisto ou porque preciso de casa em Lisboa, eu vivo entre Viseu e o Porto, mas passo todas as semanas em Lisboa uma parte do tempo. Eu, mesmo estando cá frequentemente, todas as semanas, eu ainda vejo Lisboa, que para mim Lisboa é o sítio onde eu venho quase, sou um tipo fora, eu só beneficio do bom que Lisboa tem sem ter os problemas. Mas não se preocupem que eu, muitas vezes, pago a taxa turística. Portanto... Enfim, sou tratado como turista em
José Maria Pimentel
Lisboa.
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
Mas, O que me custa, por exemplo, é... E lá está, é preciso que alguma coisa mude para... Quando se faz a discussão sobre o alojamento local. Eu no outro dia estive numa sessão em Oliveira de Frados, porque também sou dirigente distrital em visa do CDS, estava lá com a Cília Meireles, deputada do CDS, e ela, que foi aliás a secretária de Estado do Turismo do Adolfo Mosquita Nunes, e que começou todo este processo, às vezes esquecemos da Cília mas ela também foi muito importante num processo em que o Adolfo foi brilhante e aproveitou o trabalho antes feito. E estava-se a falar do turismo, era uma sessão sobre turismo no interior. E eu estava a pensar uma coisa, já pensei antes, Quer dizer, cada vez que se fala do turismo é dos maus do turismo, mas os maus do turismo são duas freguesias em Lisboa e duas freguesias no Porto. O que a esmagadora maioria do país precisa é de mudanças como o alojamento local. Houve lá pessoas que disseram, houve pessoas que só sobreviveram à crise porque tinham herdado uma casa ou tinham uma casa que estava devoluta e conseguiram ir lá arrender no alojamento local e hoje em dia tens turismo natureza em grande parte do país por causa disso. Quer dizer, eu como conservador o que eu quero é que a minha terra, a minha região e o interior do país sobreviva E para isso é preciso mudar, para que tudo fique na mesma, lá está, é preciso que algo mude. Isto é uma posição bastante... Não é que eu me preocupe porque se ela é ou não é conservadora, mas como estamos nesta conversa, parece-me que é bastante conservadora. E irrita-me já agora, isso não tem a ver com isso, me irrita profundamente, muitas vezes, grande parte das discussões que são discussões de Lisboa e do Porto.
José Maria Pimentel
Ah, claro, sim, sim.
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
Que a gente não interessa. Eu não sei, eu lembro-me disto porque escrevi isso na altura e portanto tenho num dos artigos do Jornal de Negócios, está aí isto, portanto eu lembro-me nessa altura. Quando aconteceu o Pedrógão, ou Pedrógão ou os incêndios de outubro de 2017, mas acho que foi o Pedrógão, nós nessa semana, o incêndio foi em um sábado, certo? Os outros de outubro foram em um domingo, mas nessa semana anterior a principal discussão eram as propostas da esquerda para controlar o alojamento local e todo... Ninguém parava de falar disso nos jornais e nas televisões, que eram problemas que até a própria... Não eram só de Lisboa e do Porto, eram de meia dúzia de freguesias nestas cidades. Era um problema de meia dúzia de freguesias nestas cidades que são problemas de facto, mas que até podem ser resolvidas, que até pode haver alteração à lei, mas para essas freguesias. Mas ninguém pensou... Outra metáfora com banho e bebê. Ninguém pensou que estava a tirar o bebê com a água do banho. Porque em grande parte do país, o que interessava era manter ou até desregulamentar ainda mais a lei.
José Maria Pimentel
Estou de acordo com isso, agora estava a pensar numa outra dimensão destas alterações que têm a ver mais com o lado não tanto da economia e das instituições económicas, mas mais das instituições sociais no sentido de lato. Um argumento que normalmente é feito... Estão-se fractuando. Não, não, não, não é aí que eu quero chegar.
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
Quero testemunhar, mas não tenho nenhum bom para isso.
José Maria Pimentel
Sim, quer dizer, desconfio que nós não estaremos muito em desacordo aí, portanto, nem me interessa ser muito por aí. Eu acho é que... É que instituições sociais de vez em quando tocam nesses temas, mas vão muito para lá disso. E há um argumento, no outro dia estava a ouvir uma entrevista do Roger Scruton e ele falava muito desse argumento, que é um argumento que também é muito usado por um tipo que agora está muito na berra e que é muito odiado, que é o Jordan Peterson, que aliás esteve cá há uns tempos, que é aquela questão, e é um argumento muito conservador, no bom sentido, no sentido de que ele tem alguma validade, que é dizer, as instituições orgânicas dessa ordem espontânea de que tu falavas, nas quais se incluem a família, a igreja, as associações locais, tudo isso, as instituições que já vêm de trás, representam uma espécie de saber acumulado, ou sabedoria acumulada, cumulativa, que foi sendo destilada ao longo de gerações, e a decisão de as substituir ou porque há uma espécie de vanguarda ela própria também, mais ou menos orgânica, que decide encontrar ela, ou porque no laboratório ou na academia se decide que aquele não é o caminho certo, pode ser contraproducente. Este é um argumento que eu vejo muitas vezes ser feito, a relação ao qual eu tenho
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
um sentimento um bocado ambivalente, mas tinha curiosidade de saber a tua opinião em relação a isso. Claro, isso é o backbone, a essência do conservadorismo. É chamado princípio da subsidiariedade. Aceitar que há instituições que não são boas por serem antigas, são antigas porque são boas. A família, a igreja... E vem desde o... Isso está tratado, quer dizer, a ideia dos pequenos polutões do Burke, as associações da sociedade civil, os sindicatos, não é só coisas de direita, coisas de esquerda, os sindicatos... E eu sou muito sensível à discussão sobre o esburoamento das instituições, seja a família, seja os sindicatos, por exemplo, porque acho que a atomização da sociedade é terrível, como se fosse nas redes sociais, e nós temos... A democracia só funciona com essas instituições intermédias, chamadas instituições intermédias, e o princípio da subsidiariedade que é a família só deve fazer, só deve decidir aquilo que o indivíduo não consegue por si próprio, a associação civil ou o sindicato não deve decidir aquilo que a família não deve, não pode decidir por si própria, o Estado não deve decidir aquilo que a associação civil pode
José Maria Pimentel
decidir por obra, espontaneamente
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
organizadas, ou o sindicato decidiu. Mas a questão é que isso não é bem a nossa tradição.
José Maria Pimentel
E esse é que é o problema. Sim,
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
a nossa tradição é um tipo que vem de Santa Combadão, ou etc, e dizem agora quem manda aqui sou eu.
José Maria Pimentel
Mas é verdade. Embora, embora, embora seja verdade, eu... A
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
tradição conservadora portuguesa é essa. Exatamente. Ou seja, quando me dizem ai, mas tu... Tu és conservador, mas... Quer dizer, és um falso porque vives em Portugal, mas és conservador em inglês. Eu vou bem com isso. Se é para aceitar a tradição conservadora portuguesa...
José Maria Pimentel
Mas é um problema. Começas a falar inglês. Mas reconheces que isso é uma limitação, No sentido em que...
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
É, mas quer dizer, mas já foi mais do que é. Hoje em dia conheces, quer dizer, conheces tanta gente queira voltar ao salazarismo mesmo. Não, não, não, não há problema nesse sentido. Mesmo aquelas pessoas que têm... Repara, e eu acho... Eu quero ter uma... Com esse conservadorismo e com essa tradição, e com o próprio Salazar e com o salazarismo também quero ter uma relação um bocado... Quer dizer, sem grandes proibidos. Basta ler a biografia magnífica do Filipe Roberto Menezes, qualquer pessoa que lê aquilo percebe que era política como hoje, era política como hoje e portanto não convém colocar o Salazar num pedestal, nem propriamente numa espécie de inferno do qual não podemos tirar sequer para discutir. Sim, sim. Esse é um... Agora, agora... Aquilo é política pura, havia política pura dentro do regime, claro que havia, em vez de haver um parlamento, havia ali um... Uma espécie de parlamento interno, sempre com tendências internas, mas...
José Maria Pimentel
E tu nunca deixaste ter... É verdade, quando eu digo isto eu estou a fazer um raciocínio binário sobre uma coisa que está claramente num contínuo.
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
Mas eu já não me lembro qual era a
José Maria Pimentel
pergunta. Não, o meu ponto é, o argumento de que o desejável é nós termos instituições orgânicas, a ordem espontânea, é absolutamente... É um argumento que seria invocado por um britânico, colhe completamente. Sendo invocado por um português tem o problema dessa ordem espontânea não existir em Portugal da mesma forma. Ela não é zero, estou de acordo contigo e
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
está. Mas isso significa o
José Maria Pimentel
quê? Que eu não posso defender? Não, não, tu podes defender. Claro, é um defeito. Claro. É a mesma coisa. Mas ela não surgiu organicamente, estás a perceber? Não. Não é o software. A família existia. A família sim, mas acima da família tens a igreja.
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
Os sindicatos, a igreja.
José Maria Pimentel
Os sindicatos são relativamente recentes, apesar de tudo. Mas tu não tens, o que eu quero dizer é, tu não
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
tens... Não foram impostos pelo Estado, o que criam era que o Estado impusesse a universidade sindical.
José Maria Pimentel
Bom, mas o Estado novo, sim, não eram sindicatos, mas tinhas a história do corporativismo e não sei o quê. O PCP, o PCP quer a universidade sindical. Não, claro, mas tradicionalmente, é a certa heroísmo que eu ia dar há pouco, e há outra crítica que é feita normalmente pelos conservadores, é que nós somos muito ignorantes em relação à nossa história, nós portugueses, alguma coisa que acho que faz alguma comissão, e eu reconheço alguma validade nesse argumento. Por exemplo, nós, historicamente, tínhamos. Isto era uma coisa que eu... Que para mim foi uma surpresa. Eu não aprendi isto na escola, aprendi isto depois. Nós tínhamos uma tradição política ao nível dos conselhos, porque basicamente na Idade Média tinhas a parte, sobretudo, a parte norte. Exatamente, para ele. Pois.
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
Tu podes não ter as mesmas instituições ou com a mesma intensidade, ou com a mesma força que outros países, mas tens instituições intermédias, tens uma tradição portuguesa de instituições terem intermédios. O municipalismo é uma
José Maria Pimentel
tradição. Exatamente. Em alguns sítios, Mas só que não era em todo o país, não
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
era? Não era, mas... Parte
José Maria Pimentel
do país era feudal, parte do país era... Sim, mas a Inglaterra também era. Como? A Inglaterra também era. Claro, só que a Inglaterra, a partir da Magna Carta, nem foi a Magna Carta por si, foi o que aquilo desencadeou. Talvez eu tenha no meu escritório. Ah, sério?
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
Eu tenho desde miúdo, Miúdo não me direi, mas de final de adolescência tenho a magna carta sempre nos escritórios ou o quarto, etc. Mas é bom porque... Porque é precisamente que é isso mesmo. Aquilo é o governo limitado. Sim. Aquilo não é por ser a Inglaterra. Só que teve gerações espontâneas. O governo limitado é o governo limitado e são as instituições intermédias da altura, que eram os senhores feudais, a limitarem o governo. As instituições, é óbvio que quanto mais orgânicas e espontâneas elas tenham nascido, quanto mais de modo espontâneo elas tenham nascido, mais válidas elas são, e quanto mais antigas, mais válidas elas são. Mas As próprias instituições intermédias de cada latitude também vão variando a... Porque às vezes o próprio pensamento evolui. Por exemplo, não me choca, eu sou de um partido que foi contra a regionalização. Eu próprio posso dizer que fui contra a regionalização apesar de ter 15 anos. Quer dizer, é um bocado ridículo dizer que fui contra, não é? Não me choca que se houver um... Que o pensamento em Portugal evolua e tu possas ter daqui a 10 anos regionalização ou daqui a 20 anos. Não. Acho que
José Maria Pimentel
seja uma questão muito ideológica a regionalização.
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
Não é muito ideológica, mas é uma questão como, quer dizer, não terá a validade dessa instituição intermédia? A outra questão que é mais interessante é a de saber o que é que põe em causa essas instituições. Porque, por exemplo, eu sou totalmente a favor, quando dizem, há aqui uma medida política que está a colocar em causa a família. Eu vou lá e estou pronto para serrar fileiras quando acontece a medida política. Mas às vezes vejo que a medida política não coloca propriamente em causa a família, por exemplo, o casamento entre pessoas de mesmo sexo. Pode haver todos os bons argumentos contra, mas o argumento de estar a colocar em causa a família eu não percebo, eu não conheço ninguém que num dia em que... Havia muita gente que me dizia isto daqui a hora o meu casamento vai valer menos, mas vai valer menos como? Alguém se chegou a casa depois de que ele tenha sido aprovado e disse à mulher olha vou sair de casa, que isso não me acontece. Sim. O meu problema é mais Com esses argumentos, quer dizer, coloca mais em causa a família, a dificuldade de compatibilização da vida profissional com a vida pessoal das mulheres e dos homens, coloca mais em causa a família, as mulheres terem que trabalhar, e eu acho muito bem que tenham e que trabalhem, mas sem que tenha havido um processo equivalente de os homens perceberem que também têm que participar mais na vida familiar. Isso coloca mais em causa do que, quer dizer, deixar que dois homens se casem.
José Maria Pimentel
Havia o David Brooks que dizia isso e julgo que o Cameron também dizia o mesmo.
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
Diz-se uma coisa que, claro, eu cito em meio a um ambiente de sedécia que irrita muita gente, que eu acho que É bastante iconoclasta, mas é bastante verdadeiro. O que ama num discurso é perceber que quem legalizou o casamento de pessoas mesmo sexo na Inglaterra foram os conservadores. Acho que como já tinham sido eles a legalizar a união de facto, a união civil entre homens, ou heteromens, entre pessoas mesmo sexo. E não nem gosto de dizer homossexuais, porque às vezes as pessoas não têm... Eu posso me casar com... Eu, ser heterossexual, posso me casar com homem, que ninguém
José Maria Pimentel
vai lá me dir. Bom, mas Esse é um prejuízismo que é indesquerda,
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
não é? Não, não é prejuízismo nenhum, não é prejuízismo nenhum, porque é mesmo conservador. O Estado não tem que saber... Sim, claro, claro. Com quem é que eu amo ou com quem é que eu vou para a cama. O Estado... O casamento chama-se entre pessoas mesmo sexo, eu nunca disse casamento homossexual. Porque não sei, eu posso me querer casar com um homem por várias razões que não têm nada a ver com a nossa orientação.
José Maria Pimentel
Não estás a dizer alguma coisa?
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
Mas deixa-me só, já não sei onde é. Agora já não sei onde é aqui, mas enfim.
José Maria Pimentel
Não, do Cameron, o que é que o Cameron tinha dito? O Cameron
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
dizia, nós não somos a favor do casamento entre pessoas mesmo sexo, apesar de sermos conservadores, somos a favor do casamento entre pessoas mesmo sexo porque somos conservadores. E depois fala toda aquela ideia de conservador do commitment, do conservadorismo, de encontrar uma pessoa para partilhar a
José Maria Pimentel
vida. O frase do David Brooks era a mesma. Sim. Eu nunca vi o David Brooks falar sobre isso, mas imagino que seja... Era o mesmo, ele dizia, nós queremos trazê-los para o nosso lado. Para o nosso lado, sim, claro. Ou seja, já viram as virtudes do casamento e tal.
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
Há uma pessoa que eu não posso dizer aqui, Porque tem um amigo meu, que até é de esquerda, que diz um grande argumento que é eu sou a favor do casamento entre pessoas do mesmo sexo porque toda a gente tem direito a ser infeliz.
José Maria Pimentel
Que eu acho que é uma coisa muito... Que é uma coisa muito... Essa é muito boa, obrigado. Que eu acho muito legal. E eu tenho um casamento felicíssimo, há muitos anos. Agora tu vai dizer isso. Mas acho que tenho que dizer, se não é
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
melhor depois vai ouvir o podcast e liga-me, explica-me lá aquela... E porque é que a definição é tão boa, ou porquê que a razão é tão boa. Não. Mas isto, aliás, é uma coisa... Esta é uma frase bastante conservadora. Porque faz lembrar o Chesterton, o autor inglês de transição do século XIX para o século XX, que era... Enfim, que tinha uns paradoxos maravilhosos, ao invés de como o Oscar Wilde. E o arrastimento destas, apesar de enfim, não terem, se calhar o substrato não é assim tão...
José Maria Pimentel
Não, claro, é uma provocação. Sim, sim, mas... E não é tão simples quanto ter várias chamadas. E há grandes frazistas conservadores.
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
Aí sou muito conservador também porque há grandes frazistas
José Maria Pimentel
conservadores. Sim, é começar pelo Churchill, embora tenha uma série apócripo. Churchill, Augustina,
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
o Milor Fernandes, o Chesterton e portanto...
José Maria Pimentel
É se calhar porque ser conservador é um bocado ser... Aproveitar o momento.
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
Não temos a falar... Aceitamos que não vamos mudar o mundo,
José Maria Pimentel
então temos que aproveitar o momento. E estás sempre a ter necessidade de justificar também, não é? Ou seja, tens que estar sempre a ponderar muito bem aquilo que dizes. Eu não resisto a fazer até essa provocação rápida por causa do que tu estavas a dizer, e obviamente que do ponto de vista jurídico a lei não se podia chamar casamento homossexual, como é óbvio. Agora, tu estavas a dizer, eu tomo nas tintas se as pessoas se casam e se são heterossexuais ou se casam por outro motivo qualquer. Mais ou menos, no sentido em que socialmente, aliás, esse era um ponto. No outro dia eu estava a gravar uma conversa sobre filosofia política e do direito estava a falar de um curso, aliás, ultra interessante da Árvore, do Michael Sandel em que ele falava exatamente do tema do casamento entre pessoas do mesmo sexo e ele dizia, aquilo era muito típico, ele pedia aos alunos para intervirem cada um do seu lado ou para outro, para darem a sua posição e naturalmente uns estavam de um lado e outros estavam do outro e o que ele dizia é, independentemente da racionalização que a pessoa quiser fazer e um dos argumentos que eu subscrevo completamente é dizer nesse tema fraturante, ao contrário de outros temas fraturantes ninguém está a ir contra a minha liberdade ou seja, dois homens ou duas mulheres vão casar e eles não fazem nada contra mim. Agora, há uma noção de bem que não é indistinçável daí. Há uma noção daquilo que está correto, não é? E no fundo aquilo foi aceito porque se assume que as duas pessoas, que por norma, pode haver casos de exceção, Como havia antes, de resto, mas por norma as duas pessoas estão a casar porque estão... Porque se amam, ou whatever, mas porque estão comprometidas com uma relação conjugal e íntima de afeto. Se não fosse essa a lógica aquilo não tinha sido aprovado. Estás a perceber o que eu quero dizer? Claro,
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
mas Repara, eu próprio, quando era mais novo, eu era contra o casamento entre pessoas mesmo-sexo. Com aquele argumento de que eu aceito, as pessoas amam, eu não tenho nenhum problema com a homossexualidade. Não vejo... O facto de não ser normal é no sentido em que... Não quer dizer que não seja... Melhor que não ser o mais normal não quer dizer que não seja natural, é relevante, só que eu tinha aquela posição que era, mas chamar-lhe outra coisa. Sim. E houve um momento que eu até, até devo dizer, até em discussões com a minha mulher, é que ela perguntava assim, mas eu sei a mesma coisa, porquê que não lhe chamas a mesma coisa? Nisso as mulheres são muito mais pragmáticas. Eu chego a um ponto que sim, que de facto, porquê que eu, não sendo, não me sentindo como homofóbico, porquê que eu estou a defender uma posição que de facto, Eu não estou a dizer que a igreja deve aceitar, é o Estado. Se o Estado disser que é o contrato, é a mesma coisa que... Havia pessoas que faziam o formalismo, não, mas repara, o aluguer de bens imóveis chama-se como uma coisa diferente do aluguer de bens móveis. É o arrendamento e o aluguer. Pá, sim, está bem. Quando se está a usar esse tipo de argumento, já. Mas a minha questão também foi um bocado de existência. Assim, então se essa discussão é só esta, não há discussão.
José Maria Pimentel
Isso é, por acaso, essa história é muito gira. Se é só
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
esta, não há discussão. Chega a um ponto que eu estou aqui a defender o quê? Quer dizer, eu aceito a homossexualidade como uma coisa... E mesmo que seja, reparem, mesmo aquela coisa de que seja, eu não sei, não sei, cientificamente não sei o que é que determina, também não estou muito interessado nisso.
José Maria Pimentel
Eu acho é que...
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
Não sei o que é que determina, Mas mesmo que seja, entre aspas, digo isto com todo cuidado, um desvio. Mas quer dizer, nos desvios há muitos. Sim, todos temos. Não é normal? Não quer dizer, mas não é. Quer dizer, é um desvio da norma, ok, mas... E que isso transforma a relação entre... O amor entre duas pessoas do mesmo sexo, diferente do... Ah, não podem ter filhos, não podem... Certo, mas isso é assim tão... É essencial para a humanidade, mas é essencial para impedir o reconhecimento daquela relação e permitir àquelas pessoas que possam ter um estatuto igual às outras que também é essencial para, quer dizer, o comprometimento entre duas pessoas. E mesmo que não gere outro ser humano, é ele próprio em si um bem da sociedade. Principalmente para quem, como eu, é conservador e gosta desse... É instituição
José Maria Pimentel
familiar em qualquer caso. Instituição familiar,
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
etc. Mas depois há a questão, quer dizer, posso... Nessas questões há, de facto, é essa coisa que isto não me afeta em nada, nem vai afetar mais ninguém. Quando me perguntam, muitas vezes, tu és um bocado liberal nos costumes e etc. Eu não, para já detesto o conceito de costumes porque o aborto não vejo como um costume.
José Maria Pimentel
Sim, eu concordo. É um bocadinho, mas não é só. Mas pronto,
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
eu sou hiper conservador nos costumes. Desde logo, porque eu sigo à risca, ou tento seguir à risca, o costume mais conservador de todos, que é eu não meter na vida dos outros, e os outros se metam na minha. Isto parece uma botada, parece, mas não é. Quer dizer, o conservadismo moderno, já falámos aqui várias vezes do Edmund Burke, é o anti-revolucionário e contra... É uma posição quase pré-moderna, antes do Estado. Quando eu tenho uma posição filosófica contra o Estado, apesar de eu aceitar e, quer dizer, há uma opção filosófica porque o Estado é a intromissão na minha vida, é a institucionalização da intromissão na minha vida. Portanto eu vou para estes temas, chamados, fraturando tudo o que quiseres, sempre com este princípio hiper conservador que é eu não me meto na vida das outras pessoas, nem gosto que se metam na minha. Se a matéria é sobre, só sobre liberdade, não tenho problema. Outras coisas é, a questão da eutanásia para mim não é só uma questão de liberdade, a questão do aborto não é só uma questão de liberdade e depois há toda uma outra mirilha de questões que eu nem tenho, às vezes nem tenho... Eu digo muitas vezes nisto é, mas é a favor da procuração médica muito assistida, é a favor disto, daqui a uns anos ponho uma lei à frente, quero ver a lei. Porque eu posso ser do princípio, mas quer dizer, eu quero ver se a lei tem todos os cuidados, se não tem, ou às vezes a minha posição é deixa-me ver a lei. Mas
José Maria Pimentel
em relação ao aborto, eu acho um tema ultra complexo, eu acho mais complexo de todas essas chamadas causas fraturantes. Mas em relação à eutanasia, por exemplo, as tuas reservas estão essencialmente onde?
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
As minhas reservas eram de que a eutanasia é o primeiro passo para que o Estado possa ter uma palavra a dizer sobre se eu posso ou não posso viver. Claro que dizes sempre, não vamos ter tempo para discutir isto aqui. Eu tentei escrever isso, quer dizer, tentar escrever 3.500 caracteres é muito diferente. Claro que diz sempre, mas é a pessoa que decide, certo? Mas é sempre, mas vai sempre a uma junta do Estado. E é um primeiro, mas a pessoa pede, certo, mas há sempre uma junta do Estado, uma junta burocrática que diz, este tipo tem ou não tem, compra ou não compra requisitos, vai a despacho. E a vida, eu percebo que a pessoa pode estar a sofrer, mas eu não quero dar esse passo. Porque é o primeiro passo para inclinar um plano que para mim é terrível. É dar ao Estado uma palavra, mesmo que seja uma palavra que mesmo que não seja a única, mas é a primeira vez que o Estado tem uma palavra sobre se pode ou não pode, ativamente, porque não é só desligar a máquina. Não é desligar a máquina. Se pode ou não pode decidir se mata aquela pessoa. Eu não quero dar, eu não quero dar esse poder ao Estado, porque a partir do momento em que dá-se esse poder ao Estado aqui, eu por exemplo tive discussões no programa em que eu faço parto... Sem moderação. Sem moderação, no canal aqui na TSF. É que quando discutimos isso, a questão que eu colocava era, então se é uma questão de liberdade, se é só uma questão de liberdade, porquê só naquelas situações que eu leio estavam? E como foi respondido imediatamente por todos, pelo Zé Eduardo Martins, pelo Daniel Oliveira e pelo João Galamba, é um primeiro passo. Eu percebo isto. Ah, mas... É um primeiro passo. Então, mas eu... Eu não quero dar o primeiro passo de dar ao Estado... Mas
José Maria Pimentel
tu tens que discutir todos os passos, não é? Eu não gosto nada desse argumento dos primeiros passos. Pois, claro, mas é que é sempre o primeiro passo. Rapaz, se é o primeiro
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
passo, aceito o primeiro passo e discuto o segundo. Pois, mas eu não quero...
José Maria Pimentel
Esse argumento é que te dá para outros planos. Está bem, Mas eu não aceito o primeiro. Não, não, mas... Não aceito o primeiro. Não aceito dar ao Estado o poder
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
de uma junta burocrática de ir a despacho. Que às vezes diz, olha, eu quero morrer. Quero que você me mate. Tenho essas condições. E aquilo vai a despacho. Acho sinistro. Pronto,
José Maria Pimentel
ou seja, tu apões-te ao primeiro passo. Porque o argumento dos vários passos era um argumento muito usado na altura do reférendo do aborto. É usado também a propósito de uma maneira muito mais simplista, porque é irrealista, mas a propósito de casamento entre pessoas do mesmo sexo. Ah, um dia destes estamos a casar pessoas com animais, ou whatever, não é? É mais ridículo, mas cheguei a ouvir isso ser dito. E eu acho isso, quer dizer, nós acreditamos na democracia ou não? Quer dizer, se tu acreditas na democracia e dizes, ok, sim senhor, eu concordo com o 1º passo, se houver o 2º eu estou cá para rejeitar. Sim, mas eu não concordava com o 1º passo. Pronto, agora, o
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
não concordante... Não, mas quando eu disse isto é... É sempre... É aquilo que estávamos a falar há pouco. Há sempre um caminho. O caminho é sempre... Quando se dá o primeiro passo é sempre reversível. E no caso da eutanásia tens isso no caso de alguns países nórdicos que têm. Na Holanda começou por aqui e vai... E a pessoa pode quase sem... Só por cuidar na Real Gaia, às vezes.
José Maria Pimentel
Mas isto é muito... Questões de pressão
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
crónica permitem a
José Maria Pimentel
eutanasia? Eu acho isso sinistro. Sim, mas isso é o... Bom, o tema é muito mais complexo do que isso, obviamente. Mas eu tenho, por natureza, uma posição muito libertária em relação a isso. Quer dizer, eu não acho que se a pessoa... Eu acho que a pessoa deve ter liberdade de suicidar, por exemplo.
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
Eu acho que sim.
José Maria Pimentel
Um católico normalmente... Se
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
tremece com essa... Eu acho que as pessoas têm liberdade, a liberdade moral de se suicidarem. Claro,
José Maria Pimentel
que depois tem uma série de nuances, não é? Se a pessoa está capaz, não
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
é? Eu ainda bem que colocaste essa questão. Eu acho que as pessoas têm... O meu problema é eu dar ao Estado, pela primeira vez, a decisão sobre o meu suicídio. E não
José Maria Pimentel
dá para quadrar esse círculo? Ou seja, tu não podes ter...
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
Não consegui. Pensei bastante e ainda não consegui. Posso um dia, lá está, posso um dia quadrar esse círculo. Não consegui ainda. Teres
José Maria Pimentel
visto instituições mais locais, por exemplo?
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
Porque uma coisa é, tu estás a ver, uma coisa é dar... Tu tens que perceber que a história não acabou. Nós não vamos continuar para sempre com este tipo de modelo de governo, com este tipo de pessoas que nós podemos discordar brutalmente, mas vivemos todos mais ou menos numa comunidade política homogénea e não sabes o que é que vem no futuro e o que é que as pessoas que vêm no futuro podem fazer com os passos que tu já deste na lei. E para mim é uma questão civilizacional, muito mais que o Iva das Touradas, dar ou não dar ao Estado, mesmo que com todos os cuidados, o poder de decidir sobre o meu suicídio.
José Maria Pimentel
Mas ele já decide...
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
Desligar, é completamente diferente.
José Maria Pimentel
É... Eu acho que é um... Quando tu és operado é o Estado que está a decidir. Não,
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
não. Porque quando o Estado desliga a máquina, está num caso em que tu... É uma situação em que tu... Eu não quero...
José Maria Pimentel
Sim, claro, não seja outro grupo.
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
Vamos botar na madeira. Em que a pessoa, sem aquela máquina, não sobrevive, certo? No caso da eutanásia, a pessoa sobrevive numa vida plena, não plena no sentido de ser vivida, porque obviamente está em sofrimento, etc, mas sem a intervenção. No caso do que estavas a dizer, é a própria intervenção que mantém a vida. Neste caso é a intervenção que determina a vida. É completamente diferente do ponto de vista prático, político, filosófico, é completamente diferente. Sim, claro. Mas, ou seja, recapitulando
José Maria Pimentel
e isto dava para esmilçar de várias formas, mas para tentar capturar a essência da tua posição, a tua posição é uma posição de oposição, essencialmente porque tu não queres poder estar numa situação em que a pessoa esteja a confiar a um Estado... Sim, sim. Tu, isto é, fartia a impressão que alguém pudesse estar numa situação, o cidadão, a pessoa, pudesse estar numa situação em que isso fosse decidido por esse Estado anónimo, burocrático, e sobretudo ter isso escrito na lei. Burocrático é... É redundante. Estado é burocracia, a burocracia é boa.
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
Há uma coisa bastante conservadora. A burocracia, a rotina, a burocracia que ainda foi, a burocracia que fez o Brexit ser ainda aquilo que... Claro, sim. É o 1953. Sim, sim. Qualquer
José Maria Pimentel
Estado moderno é burocrático. A
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
burocracia é moderno aos políticos, portanto é uma coisa bastante... Sim. Os ímpetos.
José Maria Pimentel
A democracia... Os políticos são moderados pela burocracia. Sim, claro.
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
São totalmente a favor da
José Maria Pimentel
burocracia, nesse sentido. Bom, para concluir vamos terminar, vou só fazer uma última pergunta e depois recomendas o livro e terminas à vontade. Já aludimos mais ou menos a isso, mas não chegámos a concretizar. Eu acho que um dos mistérios maiores para quem... Eu acho que é curioso porque paradoxalmente eu acho que é o primeiro mistério com que a pessoa se confronta quando começa a pensar em política e é em certo sentido o derradeiro mistério porque ele nunca está resolvido. Porque é que naquele eixo segundo o qual as orientações políticas tendem a alinhar em qualquer país e sendo certo que ele tem alterações entre países, porque é que tende a haver um alinhamento que apesar de tudo é mais ou menos constante e tende a haver, por exemplo, um conservadorismo não estatal, eu ia dizer anti-estatal, se calhar é demasiado forte, mas mais favorável às instituições orgânicas como o teu, um conservadorismo mais estatal, um conservadorismo moral, um conservadorismo revolucionário mais ao estilo do franquista, não é? Como é que era aquela frase do... Era uma frase muito conhecida de um tipo revolucionário espanhol, à propósito da morte, não é? Aquele culto da morte que eles tinham na... Agora já não me estou a lembrar qual é. Nem da personagem, nem da frase, mas aquele culto da morte. A rom... A rom... Sabes qual é? Aquela romantização da morte. Ou seja, tu tens coisas... Os revolucionários de direita? Exatamente, tu tens revolucionários de direita, tens conservadores de direita que é quase em certa sentidade o que se diz, tens pessoas de direita mais estatistas, tens pessoas de direita mais liberais, tens pessoas de direita sobretudo focadas em questões morais, não é? De conservadorismo moral. Porquê é que isto tudo tende a estar naquele lado do... Não fala agora da esquerda que tem as mesmas contradições. Pois, se calhar não tem tantas.
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
Tem uma razão, porque a esquerda é mais científica. Ou seja, a esquerda tem textos fundadores. Eu acho
José Maria Pimentel
a esquerda hoje em dia pouquíssimo científica, mas percebo o que queres dizer.
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
Não é no sentido que propõe coisas com base científica, com racionalidade científica.
José Maria Pimentel
É Aquele racionalismo da Revolução Francesa, não é? É o que estou a
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
dizer. Quer dizer, a esquerda tem textos fundadores. É muito mais uma ideologia do que a direita, do que as direitas. Tem um texto, tem textos, tem roteiros que podem ser aplicados em qualquer parte do mundo. Capital do Marx, por exemplo. E nesse sentido, a esquerda é mais homogénea. Pode ter evoluído ao longo do tempo e sim, foi aceitando o capitalismo, etc. Mas são... Mas no início está tudo. No início está tudo igual.
José Maria Pimentel
É como se à esquerda tivesse uma linha com vários posicionamentos, da extrema-esquerda ao centro-esquerda, e à direita tens uma espécie de... Tens vários pontos. Tens uma espécie de pulverização de...
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
A direita não é ideológica. Eu até até que gosto muito de falar da direita como uma ideologia. Ou falar de ideologias à direita. Mas
José Maria Pimentel
tem convicções, não deixa de ter convicções, não é? Aí, às vezes
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
mais forte do que as da esquerda, não estou a dizer isso. Não Estou a dizer que é uma questão de... Só que, em primeiro lugar, por várias razões, mas em primeiro lugar o próprio conservadorismo é posicional. Isso é explicado por vários autores conservadores, isto não é invenção minha, nem sequer foi uma revelação como aconteceu, mas o João Pereira Coutinho, por exemplo, fala muito disso. Aquilo que nós queremos conservar e como queremos conservar muda de país para país, da realidade para realidade. No conservadorismo não há de ser igual na China do que em Portugal. E isso gera tradições distintas, obviamente. Onde a Igreja Católica é mais presente, há um conservadorismo mais moral do que noutras situações. Assim como nesses mesmos países, a laicização da sociedade também gera tradições conservadoras distintas. Hoje em dia, antigamente, há 40 anos, uma pessoa que votasse num partido de direita em Portugal era quase certeza católico e definia-se politicamente como uma consequência do seu catolicismo. Hoje em dia ainda há muita gente, mas é possível haver cada vez mais gente que vota à direita porque se define politicamente com base em outras coisas, no peso do Estado, na relação entre o indivíduo e o Estado, etc. E portanto é que as direitas... Por isso é que eu nunca gosto de falar da direita, eu gosto de falar das direitas. Há várias direitas, sendo que em muitos casos também elas às vezes são muito parecidas. Não há uma grande diferença de princípios entre o conservadorismo liberal inglês e a democracia crista europeia. Aliás, o conservadorismo típico anglo-saxónico, que é o chamado one nation conservatism, é basicamente o mesmo que o secularista é. É menos. Não resulta da doutrina social da igreja porque os ingleses não tinham a igreja católica como igreja maioritária, mas resulta de pensamentos morais.
José Maria Pimentel
É menos estatista. O próprio liberalismo.
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
O que é que é menos estatista? A Inglaterra é agora, mas não era se calhar nos anos 50, 60. No tempo do Churchill o conservadismo é completamente estatista.
José Maria Pimentel
O Estado cresceu sobretudo pós-segunda guerra mundial. Eu sei, mas... Se calhar não estamos a falar do mesmo estatismo.
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
Certo, claro. Tem de ver à... Mas o Churchill, aliás, era muito próximo a textos que o mostram muito... E a elogiar muito o Keynes, por exemplo. Foi ele que, há muitas medidas, que hoje podemos dizer estatistas, mas que eram assistencialistas, porque tem a ver com a doutrina conservadora, que no tempo do Chórico, nem estou a falar tanto no tempo da guerra, antes, quando ele era ministro antes, em períodos anteriores. O próprio liberalismo, as bases filosóficas, uma pessoa vai ao Adam Smith e o Adam Smith é essencialmente o pensador moral.
José Maria Pimentel
Ele era um filósofo moral, exatamente.
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
O ideia do liberalismo, a ideia da liberdade como valor fundamental é a ideia de cada pessoa é repetível e tem que ter uma esfera de liberdade de atuação o maior possível para realizar a sua personalidade que é única e irrepetível. Isto é o personalismo cristão. Na democracia cristã não há grandes diferenças. Isto também é uma luta em minha dente da direita. Quando se...
José Maria Pimentel
Disse não sei se estou de acordo, mas sim. Democratas cristãos... Na
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
essência é, depois na questão...
José Maria Pimentel
O cristianismo é muito mais coletivista, nesse sentido.
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
Certo, mas a ideia inicial, a ideia pela qual os liberais vão buscar o liberalismo ao Adam Smith, ou podem ir Buscar, quando o Adam Smith estava a pensar a ideia da liberdade de acordo com a filosofia moral, que é muito crista, que depois resultou no... A crítica, que é verdade, que o cristianismo é mais coletivista, é mais comunitarista, não diria tanto coletivista. É mais comunitarista porque é mais... Então
José Maria Pimentel
é uma diferença de tornocio
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
entre o... Mas, por exemplo, a crítica do cristianismo da Igreja Católica ao comunismo era uma crítica liberal, tinha a ver com a ideia da dignidade da pessoa, da qual decorre a necessidade de um reduto de liberdade fundamental. E isso está nos pensadores morais que estão na base do liberalismo. Claro, depois o liberalismo... Mas repara, quando o Adam... Não adiou ao problema do Estado. Tal como nós o queremos dizer. Sim, claro. Não havia, o Adam Smith não podia escrever a mesma coisa que escreveu o Hayek. Obviamente. Ah não é? Aliás, como eu acho que o próprio John Maynard Keynes não ia escrever hoje aquilo que escreveu provavelmente quando escreveu nos anos 20 ou lá quando foi, o estado inglês não tinha o peso que depois passou a ter, quando a dívida
José Maria Pimentel
foi ajustada era 11%. Quer dizer, não é... Esse é um grande problema das referências. Porque
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
se é uma pessoa que é... Eu sou keynesiana agora. Dizem assim, eu sou keynesiana, mas... O que é que se quer dizer? Se ela era keynesiana agora, Não sabemos, não é?
José Maria Pimentel
E quanto mais marxista? Claro, quanto mais marxista. Olha, então marxista, então. Quer dizer, é muito... Mas olha, força, para terminarmos... Não, eu não queria... Se calhar não lhes sugerir um livro. Ah, sim, sim, pode ser
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
outra coisa, sim. Deixa-me sugerir uma... Até porque eu tenho que pensar... Estava a pensar em revê-la a uma série que... Agora, a gente... Nós estamos sempre todos a ver séries, etc, em catadupa, e há algumas séries que por não terem caído nas boas-graças, ou das produtoras, ou o próprio público não esteve atento, ou não estudou no Netflix, ou é pré-Netflix, não tiveram tanto impacto. Mas há uma série ótima chamada The Newsroom, que é do Aaron Sorkin, que fez uma das minhas séries favoritas, que é o West Wing. E é uma espécie de West Wing passado numa redação de notícias, uma espécie de CNN ou Fox, mais CNN porque é mais liberal, liberal
José Maria Pimentel
no sentido americano.
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
E é protagonizada por um papel fabuloso do Jeff Daniels, que faz de anchor, de apresentador de notícias conservador, numa... Numa
José Maria Pimentel
estação liberal. Numa estação liberal. De esquerda, não é?
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
Tipo, contra... E é... Não, não, quer dizer, estamos longe de imaginar o Trump, porque é... Só que aquilo não é de... Tem 5 ou 6 anos. Mas já tínhamos o Tea Party. E a série, que só teve duas temporadas. Depois foi descontinuada pela NBC. Descontinuada é um termo horrível para os ouvintes. Mas
José Maria Pimentel
eu também o uso às vezes, não sei. Sim, pois, mas é que não ouvimos muito. Mas enfim, foi... Não, é que... É que o termo presta-se, porque não é muito bonito, mas não sei qual é. Não
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
continuou, não teve mais séries, não teve mais compradas por causa da... Por decisão de, acho que era a NBC. Isto é pré... Se não é pré-Netflix, não é pré-Netflix, mas é pré... É mesmo ali antes de o Netflix ter começado a generalizar. E é muito interessante porque a série passa-se com base em factos reais, ou seja, não que aquilo seja uma... As personagens sejam reais e a situação seja real, mas é com base na... Eles gravaram e escreveram poucas semanas depois de se terem passado factos reais na política americana e mundial e aquilo é na altura que o T-Party está... E o Jeff Daniels faz um papel que é o Will McAvoy que é uma personagem extraordinária porque é uma espécie de cultor do conservadorismo dos republicanos tradicional. E agora há pouco tempo morreu o George Bush, é uma espécie de herdeiro, George Bush, em que está permanentemente a intenção com a esquerda, com as suas teorias porcísseas etc, mas também com o seu próprio lado, que ele trata como... E tem... Enfim... Eu recomendo às pessoas... Quer dizer, não posso recomendar que vão ao YouTube, porque, enfim, talvez infringem direitos de autor...
José Maria Pimentel
Se estiver lá a partida não infringe.
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
A culpa não foi minha! Mas recomendo que comprem a série, chama-se The Newsroom, e que se quiserem, entretanto, ver alguns excertos do Will McAvoy no YouTube, estão excertos de ímpeto conservador.
José Maria Pimentel
Eu vou ver. Maravilhosos.
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
Há, por exemplo, não sei se... Não sei se... Eu escrevi um artigo... Não sei se te lembras quando o Donald Trump criticou os pais de um soldado americano que tinha morrido, musulmano, na campanha eleitoral. Sim, lembro vagamente disso, sim. Que os pais apoiavam a Hillary. E ele fez uma crítica brutal aos pais, desrespeitando completamente, quer dizer, uma pessoa que não lutou na guerra, na América, uma coisa... Quer dizer, não fez um serviço militar, acho eu, nunca teve... Fugiu à... Que era rico, fugiu aos drafts sucessivos. E há um discurso, e eu lembro na altura que eu escrevi um artigo lembrando o Will McAvoy, que até chamei Will McAvoy 2020, como se ele fosse o meu candidato. Em que ele precisamente faz uma espécie de monólogo num episódio contra um político americano, ou alguns políticos americanos que acho que num debate das primárias criticaram soldados americanos à proposta daquela lei do Don't Ask, Don't Tell.
José Maria Pimentel
Ah, sim, por causa dos gajos no exército.
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
Ele faz um discurso de crítica dos conservadores, completamente conservador. Maravilhoso, sobre a pátria, sobre, quer dizer, que tal, se as pessoas estão a morrer por nódio e vocês estão a criticá-los por causa disto e etc. O
José Maria Pimentel
que é que está acima de quê,
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
no fundo? E para além disso, provavelmente, a série, mesmo para terminar a série, tem o melhor início de sempre de uma série. Então
José Maria Pimentel
não digas. Estou
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
a brincar. Não, mas, não posso dizer, mas para abrir o apetite, que é, o Will McAvoy, enfim, numa palestra numa universidade, num debate, e que lhe perguntam, a pergunta é porquê que a América é o melhor país do mundo? E eu fico parado, e há ali um silêncio grande, e ele começa a responder dizendo não é. E a partir daí recomendo que vejam O Que Segue.
José Maria Pimentel
Eu acho que já vi isso, por acaso, agora que estás a falar. É uma série que eu recomendo vivamente, por lá
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
está, é uma daquelas, nesta torrente de séries ótimas que nós vemos. Perdeu-se um bocado na bruma da memória, mas, parem de ser de um escritor maravilhoso, que é o escritor, enfim,
José Maria Pimentel
de um guionista
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
que é o Aaron Sorkin, que eu gosto imenso. Ganhou o Oscar, se não me engano, com a rede social do Fincher. Tem uma apresentação do Jeff Daniels magnífica. E para quem queira perceber um pouco o que é aquele conservadorismo que eu tentei aqui dizer. Não é o que deve ser, é o que é o meu.
José Maria Pimentel
Claro. Não, e isso perde-se um bocadinho com o Trump e já se tinha perdido um bocadinho antes. Há figuras como McCain, o Bush pai era muito esse tipo de conservador. O Bush filho é outra, é uma história diferente. Mas o Bush pai era muito...
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
O Bush filho era exatamente o pai, até lhe terem caído duas torres em cima.
José Maria Pimentel
Pois.
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
Não sei se os ouvintes se lembram, muitos o ouviram, lembram a Arsenal seguramente, a crítica que era feita ao George Bush, filho, aquela ideia do compassionate conservatism. Enfim, a crítica era de fora, a crítica europeia que era feita ao George Bush antes das torres, era a crítica que é feita a todos os presidentes americanos quando iniciam a de quererem sair. Era o não intervencionismo. O Bush era não intervencionista, o Bush filhar não intervencionista. Cauteloso? Sempre, não, não, era muito parecido com o Trump, nós vamos sair. Não tinha aquela verve de taberna do Trump, mas era o que aconteceu depois. Caiu duas torres em cima. Grande parte dos presidentes americanos começam próprio. Bill Clinton era não intervencionista. Depois foi intervir no Kosovo, porque não se... Quer dizer, não se... Não se escolhe ser polícia do mundo, acontece ser-se polícia do mundo, não se pode ter o poder e não querer utilizá-lo.
José Maria Pimentel
O Bushpai, por exemplo, eu agora, a propósito da morte dele, ouvi-o ser elogiado por um tipo que era grande amigo dele, portanto era suspeito, mas achei interessante o elogio. Nunca tinha pensado na coisa dessa forma, pela maneira como ele geriu a queda da União Soviética. Que ele tinha muita gente, da maneira como ele estava, ele tinha muita gente a pressionar para no fundo humilhar os soviéticos, para aproveitar aquilo para humilhar aquela mata. Agora que vocês estão no chão. Sim, sim. E ele cauteloso disse, não, não, vamos... Vamos dar a mão. Exatamente, vamos ter que calmar e dar a mão a estes tipos. Bom, enfim, Francisco, obrigado.
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
Eu que agradeço, muito obrigado.
José Maria Pimentel
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