#44 [série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva - “O que defende um...
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José Maria Pimentel
Bem-vindos! Este episódio faz parte da série de conversas sobre orientações políticas.
Podem encontrar no episódio que publiquei separadamente uma introdução a esta série,
incluindo a minha motivação para a gravar, a lógica subjacente à escolha
dos convidados e uma descrição da minha própria visão política. Neste episódio,
eu converso com Francisco Mendes da Silva, advogado e dirigente do CDSPP.
O convidado define-se politicamente como um conservador e um centrista na sua
definição que ele explica no início. Dito assim, ambos os termos podem
duzir em erro. A questão do centrismo é explicada pelo convidado logo
no início. Já o termo conservador justifica alguma contextualização. O conservadorismo que
o Francisco perfilha é essencialmente de inspiração britânica, na linha do político
e filósofo irlandês Edmund Burke, que escreveu sobretudo na segunda metade do
século XVIII e cuja escola de filosofia política defende que as constituições
dos países não devem ser o produto da chamada razão abstrata, o
que o levou, na altura, a opor-se à Revolução Francesa, mas sim
de uma lenta evolução histórica, como é o caso, por exemplo, da
Constituição inglesa. Foi então uma conversa longa e ultra interessante em que
tentei não só compreender melhor esta ideologia, como também confrontar o convidado
com as limitações que, na minha opinião, estão inerentes a uma filosofia
que se propõe a conservar. Falámos ainda da relação entre o conservadurismo
e outras filosofias políticas existentes à direita, que por vezes chegam a
parecer defender valores e objetivos quase antagónicos entre si. E pronto, vamos
à conversa, não sem antes lembrar, como sempre, que podem apoiar o
podcast desde apenas 2 dólares em patreon.com barra 45 graus por cento.
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
Sim, se calhar, se calhar. Não, porquê? Porque muitas vezes eu vejo
as pessoas a definirem-se politicamente sem explicarem o contexto porque é que
lá chegarem. Para mim o contexto é muito importante. Porque ninguém, quer
dizer, obviamente, desde logo eu faço parte de um partido, eu adoraria
o CDS, com 15 anos. Ninguém com 15 anos tem os princípios
absolutamente definidos ou percebidos, ou leu o Burke ou São Tomás da
Quino e conhece as teorias todas, não é? Mas houve um impulso
de facto ideológico na altura. Eu sou de uma geração que apanhou,
eu digo isto, enfim, com clareza e sem problemas nenhums, eu sou
da geração do independente. Eu não tenho nenhuma tradição familiar de direita,
ou sequer do CDS,
não tenho
contato quando tinha 8, 9 anos em Viseu, onde eu sou, porque
o meu pai foi como independente numa lista à Assembleia Municipal na
altura em que o Presidente da Câmara de Viseu era o engenheiro
Engraça Carrilho, pai do Manuel Mareio Carrilho, ilustre militante do Partido Socialista.
Ah,
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
do Cavacristão, estamos a falar antes do Cavacristão. No início do Cavacristão
e depois o Cavacristão deu cabo do CDS durante algum tempo, entretanto
lá fomos conseguindo recuperar. Mas, enfim, tive este contacto, mas eu não
tinha nenhuma, quer dizer, foi um contacto, depois tive vários anos sem
ter frequentado, frequentei 15 dias de campanha eleitoral em 1989, tinha 9
anos, depois não tinha ligação nenhuma. No entanto, a minha casa era...
O
independente entrou-me muito desde o início. Eu lembro-me de começar a ler
aquilo miúdo, não aos 9, não logo aquilo saiu, mas lembro-me que
tinha 11, 12, 13 anos, E começava a ler aquilo e depois
via muito pau portas na televisão e depois um pouco mais tarde
o Miguel Seus Cardoso. E aquilo ressoava a qualquer coisa, aquilo Fazia
muito sentido. Fazia muito sentido, se calhar não tanto a lógica política,
mas a ideia, a política mais colorida. O confronto, o... Há muita
gente que me pergunta hoje em dia, de vez em quando, porque
enfim, ou porque me leem no Facebook ou alguma coisa assim, e
veem que há um tipo de CDS que está sempre a pôr
coisas de música rock, etc. As pessoas acham que ali há uma
coisa, enfim, uma espécie
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
ler o Paulo Portas, o Miguel Ceus Cardoso, o Vasco Polido Valente,
desde miúdo, quer dizer... E depois, há um momento em que eu
percebo, há um momento, se calhar um momento mais... A leitura que
talvez tenha sido mais seminal para mim é o prefácio do Miguel
Cefes Cardoso à coletânea dele dos meus problemas. Em que ele fala
das crónicas e depois fala do que é um conservador. E aquilo,
enfim, só sou mais tarde, é que ele é basicamente decalcado do
woke shot. E eu, por disposição conservadora, que eu acho que não
é, atenção, eu acho que não, as pessoas acham que eu defendo
aquilo como roteiro ideológico, não acho que seja roteiro político, mas aquilo
é, uma pessoa lê aquilo e eu li aquilo e sei, isto
sou eu. Não o que eu sou politicamente, mas este tipo está-me
a definir psicologicamente. Lembro perfeitamente de ter... Sim,
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
muitas vezes releir aquilo, Vou muitas vezes releir aquilo e neste fim
de semana apanhar, porque enfim, os livros de Miguel César Cardoso são,
frequentemente, livros de cabeceira para mim. Os antigos, os novos, etc. E
portanto, li aquilo e está perfeito. Há ali alguns, um ou outro
parágrafo que ainda é melhor que o célebre ensaio do Michael Oakes,
o outro, On Being Conservative. E, portanto, eu sim, há esse momento
e depois há um momento em que, Enfim, eu já não tenho
propriamente a ideia muito certa do dia a dia naquela altura, já
não me lembro muito bem. Mas lembro perfeitamente disso, não sei se
foi depois ou se foi antes, provavelmente foi depois de eu ter
aderido à juventude popular na altura, ou à juventude de centristas, gerações
populares, e fui porque era o partido que o Paulo Portas foi.
Ou se falava que ia, porque eu acho que ainda entrei na
Joca primeiro, antes de o Paulo Portas, pelo menos formalmente, ter entrado,
ter se feito militante do CDS. E depois estando no CDS, de
facto, com muitos amigos que fiz lá, fui desenvolvendo mais o estudo
sobre os princípios conservadores, etc. E portanto, sim, eu hoje,
eu
sou de direita por causa deste contexto. Não tenho tradição familiar, quer
dizer, não houve um momento em que eu decidi, bem, agora vou
ter há seis meses para estudar os princípios políticos de todas as
ideologias para escolher o meu. Não, foi isto gradual e foi por
uma empatia e foi quase por categorias emocionais de ter aderido àquelas
pessoas que eu acho que eram... Enfim, o conceito se calhar é
fixe, na altura. E depois foi... Posso dizer dessa, etc, etc. Agora,
há um contínuo e eu hoje talvez possa dizer qual é que
eu... Posso dizer facilmente como é que é... Porque é que eu
me sinto conservador e qual é que é para mim o meu
conservadorismo.
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
Sim, claro. Exatamente. Mas, eu acho que a própria ordem, que eu
acho que a liberdade define a ordem e a ordem só é
válida consoante o grau de liberdade que permite. Para mim o conceito
é a ordem, porquê? Porque o que me interessa a mim é
saber... Interessa-me mais do que se calhar a maior parte das pessoas
as regras do jogo. Ter cuidado com as regras do jogo. Definir
as regras do jogo. Nós não temos muito essa tradição em Portugal
de pensamento político sobre o processo. Nós, enfim, eu sou de esquerda
porque eu defendo este objetivo político material, eu sou de direita porque
prossigo este objetivo material, mas para salvaguarda de todos esses objetivos e
da possibilidade de persecução desses objetivos nós temos que saber quais são
as regras do jogo. E para mim manter a ordem, ou seja,
não é a ordem imposta, é qual é que é a ordem
que melhor permite às pessoas prosseguirem os seus objetivos materiais substantivos que
defendem. Por isso é que eu dou muita importância a matérias constitucionais,
a questões processuais, por isso é que eu também vejo o processualismo
político como quase material, portanto é essencial. Onde é que eu escalo,
talvez me afaste de grande parte ou uma parte importante dos conservadores
mais tradicionais? É que eu acompanho aquela evolução ideológica, intelectual, que aconteceu
no âmbito do conservadorismo no século XX, que é a aceitação de
que a única ordem que importa, que interessa, é a ordem espontânea.
Talvez dando... Exemplificando com este... Ou voltando um pouco atrás. O conservadorismo,
início do século XX e durante grande parte do século, era contraditório
ou sentia, ou dizia-se contraditório, por exemplo, com a liberdade de mercado,
com o mercado livre. Porquê? Porque se achava que o mercado livre
era disruptor da ordem. Grande parte dos pensadores conservadores são contra o
liberalismo económico, porque se achava que aquilo ia ser destruidor das classes,
ia ser destruidor da sociedade estratificada, da sociedade hordeira da própria ordem.
O que eu acho que o século XX mostrou é que a
ordem quando é imposta é mais disruptora, destrói mais a ordem. E
portanto, vê-se isso muito... Enfim, eu às vezes sou acusado de ser
um conservador muito inglês. Sou acusado no sentido... Quer dizer, eu percebo
isso, quer dizer, estás a pensar com base em princípios que foram
definidos noutra latitude. Sim, sim, claro. É certo, mas também normalmente não
me dão, propriamente princípios que tenham sido definidos na minha latitude que
eu consiga aceitar com tanta facilidade.
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
os que foram definidos noutra latitude a mim parecem bastante aplicáveis a
outras latitudes. Porquê que eu fiz este parênteses? Porque grande parte deste
caminho intelectual foi feito de facto nos conservadores ingleses, geralmente no próprio
partido
conservador.
Gente como o Enoch Powell ou como o Keith Joseph, que é
um tipo que é muito pouco conhecido, mas ele era o líder
do Conservative Research Department no tempo em que a Margaret Thatcher começou
nova nesse departamento de investigação, digamos assim, de estudo do Partido Conservador.
E o que eles passam a dizer é isto. A única ordem,
influenciada também muito pela escola austríaca... Do Hayek. Do Hayek, da economia,
é daí que também a própria Margaret Thatcher depois fechou o ciclo
e, segundo consta, entrou uma vez com o caminho para a servidão
num conselho de ministros e disse isto é aquilo em que eu
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
A ordem, quer dizer, porque só com a ordem espontânea que é
possível haver, manter uma ordem duradoura. Ou seja, a ordem espontânea, aquela
que resulta da livre circulação de ideias, da livre troca de experiências,
da livre troca comercial, enfim, da evolução orgânica da sociedade, só essa
é que permite que a ordem, tal como nós gostamos dela, seja
o mais duradoura e respeitadora dos princípios humanos essenciais. Isto tem efeitos
políticos, ideológicos importantes, porque se é a ordem que interessa, é a
ordem espontânea para um conservador. E eu acho que sim, E eu
acho que o conservadorismo mainstream fez esse caminho. E a partir dos
anos 70, essencialmente, começas a falar muito do conservadorismo liberal, ou aceitou
o liberal, quer dizer, aquilo que mais define o conservadorismo nos últimos
40 anos, 50, é a defesa da liberdade de mercado. É aquilo
que é mais... Pode não ser suficiente. Eu admito que haja pessoas
que... E admito que não seja, e sei que há pessoas que
dizem que isso é insuficiente, que é até contraproducente, porque faz os
conservadores olharem de lado quando aparecem ou quando estão em casa outros
princípios conservadores, mais de íngulo moral, etc. Eu percebo isso, mas estou
a fazer, estou a traçar, se quiser. Certo, sim. Enfim, estou, não
estou, apesar disso não acho, não estou a dizer mentira nenhuma histórica.
Mas eu acho que esta aceitação da ordem espontânea, mantendo a ordem
como conceito essencial do conservadorismo, mas dizendo que a única ordem que
importa é a ordem espontânea ou a que mais importa, tem efeitos
depois importantes. Um conservador que acredita na ordem espontânea tem que ser
um pluralista, tem que defender, para que a ordem espontânea, tem que
permitir essa espontaneidade da sociedade, que a sociedade é um conflito permanente,
ou um compromisso, como eu gosto mais de dizer, entre sensibilidades políticas
distintas que têm o direito de se digladiarem, segundo regras, lá está,
as regras do jogo, que eu acho que são importantes, um conservador
tem que ser democrático, democrata, parlamentarista, porque tudo isto resulta, porque tudo
isto são as condições constitucionais, são as regras do jogo, que permitem
a ordem espontânea. Todas as outras não, Todas as outras são ordem
imposta. E é por isso que tem que ser um moderado e
um centrista. Quando eu digo, na minha área, centrismo, as pessoas acham
sempre que eu estou a falar de uma posição substantiva, de um
ponto exato numa bússola política. Não, eu não estou a dizer isso.
Aliás, o centrismo ou moderação é a mesma coisa. Aliás, o centrismo
nos anos 70 era muito visto como uma forma... Porquê que o
CDS se diz centrista? Não é porque o CDS ia ser exatamente
claro que há a história do Freitas a dizer que é rigorosamente
ao centro. Se as pessoas
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
dizer, os ingleses como não tinham tido uma dívida de conservador podiam
dizer que eram
conservadores à metade
que ninguém colocava a sua democraticidade em causa. Mas há um texto
que eu recomendo muitas vezes e passo muitas vezes a amigos, que
se chama A Teoria do Centro, A Teoria do Centro, que é
uma fesa do centrismo.
É de quem?
Por uma pessoa que, se calhar, ninguém pensa como centrista, que é
o Fraga Irei Barne, uma das pessoas da direita espanhola vindo do
franquismo, etc. Em 72, ainda antes
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
que é uma conferência que ele deu e que depois foi transformada
em ensaio, e há numa edição que eu tenho, antiga, de 1970
e qualquer coisa, da Braga Editores, chamada Teoria do Centro, e aquilo
é basicamente a teoria conservadora toda, ockishottiana. Porque é aqui que eu
queria chegar. O centrismo não é uma posição ideológica ou de ideologia
substantiva, é essencialmente uma posição processual. Ou seja? É sobre as regras
do jogo. Eu posso acreditar, eu podia achar que o IRS devia
baixar para metade, que se devia desregular tudo, etc. Eu sou muito...
As pessoas acham que quando eu digo que sou centrista, as pessoas
acham que eu sou centrista no sentido de que estou ali entre
o PS e o PSD, que é uma coisa que, enfim, não
estou seguramente.
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
Mas há muita gente que acha que eu... Mas acha que sim,
amigos meus que falam comigo dizem isso, quando ouvem centrismo ficam logo
arrepiados. Mas eu sou, às vezes, mais à direita de que eles,
por exemplo, em questões de liberdade económica, etc. Agora, a questão é,
como é que eu imponho isso? Eu acho, há muita gente que
não concorda comigo. E, portanto, o centrismo é a posição de quem
sabe que não consegue impor tudo aquilo em que acredita, que tem
que perceber qual é que é, daquilo em que acredita em cada
momento, o que é que é o essencial e é esse essencial
que, em compromisso com as outras forças políticas, repare que pode não
ser um compromisso voluntário, mas é um compromisso que vai ter que
ter porque há um parlamento onde são representadas, porque em Portugal há
uma, ou tu defendes uma ditadura, ou então tens que aceitar que
há um parlamento para o qual são eleitas outras forças políticas, e
a concretização das tuas ideias políticas é sempre um compromisso em que
tu tens que perceber qual é que é o essencial que queres
salvaguardar. Claro que há sempre... E portanto é um bocado ingênuo. Claro,
eu não quero ser ingênuo ao ponto de não haver momentos em
que tu tens que dizer de rotura! Não, o essencial, vocês estão
a querer diminuir o essencial daquilo em que eu acredito e portanto
eu não estou pronto para compromisso nenhum, certo? Mas a posição conservadora,
a partir da ordem espontânea, É uma posição em que a tendência
essencial é da moderação, do compromisso, que eu defino como o centrismo.
José Maria Pimentel
Deixa-me fazer-te uma provocação. Agora estava-te a ouvir, lembrando várias coisas ao
ouvir-te, mas agora no final ocorreu uma que já tinha... Que já
ocorreu várias vezes ao pensar no conservadorismo e um bocado na tradição
da nossa direita democrática. Um político conservador não é um bocado um
oxímoro? No sentido em que... Sim... Percebe-se o que eu quero dizer?
Claro que sim, claro que sim. Ou seja, um conservador, por definição...
É antipolítica.
É antipolítico. Ou seja, não tem aquela pulsão pela participação política que
um progressista, no sentido da esquerda progressista, tem. Sim, claro. O que
também cria, se calhar, uma sub-representação. É a história da maioria silenciosa,
no fundo não está muito longe disso.
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
Sim, porque um político, um conservador, enfim, quer dizer, a situação perfeita,
se o conservador tem alguma utopia, que não tem, Não pode ter,
aí também é um oxímoro. Era a ausência de política, não para
transformar o mediador, mas por ser desnecessário. Portanto, sim, o conservador, aquela
ideia, a ideia do conservador como prudente, cético, cético da mudança, que
defende a ordem espontânea precisamente para que o progresso seja orgânico e
não de rupturas, sim parte de um ceticismo antropológico que é contra
a mudança. Claro, agora, isto é do ponto de vista filosófico, mas
também posso dizer isto, que é muito importante, isso talvez faça do
conservador, coloque dificuldades ao conservador do ponto de vista da política substantiva,
ou seja, o conservador tem menos apetência para estar sempre a fazer
mudanças à lei. Mas é aquilo que o João Pereira Coutinho no
seu ensaio sobre conservadurismo chama a areia na engrenagem. É o tipo
que diz, Pá, calma lá, vamos pensar melhor. Mas de certeza que
é o tipo e... E isso é se calhar tão ou mais
importante numa democracia liberal como a pessoa que está cheia de ideias.
É o tipo que diz, ok, vocês querem essa mudança, mas vocês
têm que me provar por A mais B que a mudança é
para melhor do que aquilo que eu já tenho. Eu admito que
me digam e compreendo que o que há é insuficiente, é mau,
mas a mudança é para melhor de facto e essa areia na
engrenagem é essencial e foi sempre essencial. E acho que é essencial
neste momento em que nós temos uma... Nós temos de facto uma
pressão grande para uma mudança que é no sentido de deteriorar os
princípios da democracia liberal, a pressão dos populismos, este vírus iliberal que
está a crescer, os conservadores, estes conservadores tradicionais, não tradicionalistas, mas tradicionalistas,
tradicionalistas, enfim, nos últimos 50 anos, são importantes. É aquela, acho que,
quer dizer, não sei quem é que disse, acho que até foi
o João Pereira Coutinho que disse, quer dizer, os progressistas são aqueles
que perguntam porquê não. O conservador é aquele que pergunta porquê. E
perguntar porquê é uma função essencial de cidadania.
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
ficou assustado com a revolução francesa. A melhor definição que eu conheço,
e digo isto muitas vezes, voltando ao Miguel Seus Cardoso, a melhor
definição do conservadorismo como predisposição psicológica, não é como... No que eu
não acho, volto a dizer, que seja um programa de ação política.
É uma ideia, quer dizer, para quem tem filhos, percebe isso, quem
tem filhos, bebés. O conservador é o bebé que faz birra para
entrar no banho e depois de lá estar faz birra para sair.
As pessoas testam isto, admito, porque...
José Maria Pimentel
um projeto político. Mas a não ser uma pessoa mais extremista ou
com uma visão mais socializante, à partida ninguém discordará de que é
importante teres dentro da inteligência coletiva que faz, seja um parlamento, seja
por analogia uma sala, é importante ter alguém que tem esse papel,
de dizer, espera lá, tens a certeza que queres fazer isso, será
que é de avançar ou não é? Isso eu acho que não
é polémico, outra coisa é dizer, se quiseres continuar a usar a
analogia, quantas pessoas dessas é que tu deves ter, não é? Qual
é, no fundo, qual é o... Não, porque... Porque depois tem um
peso na decisão final, não é? Claro que sim.
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
Não, esquece. Partimos do princípio que essas pessoas estarão lá sempre para
não querer mudança nenhuma.
Não
é verdade. Porque essas pessoas que têm essa predisposição, o que fazem
é, ok, quando percebem que a mudança é inevitável, então a sua
participação no processo de mudança é 1. Assegurar que o essencial do
que está bem se mantém e 2. Que o que muda é
o essencial para que tudo fique melhor. Isso também é uma opção
importante, porque o que eu acho é que nós temos cada vez
mais pessoas, porque há um afã, uma ânsia de mostrar trabalho, às
vezes na política. Exato. Às vezes mudam-se coisas por mudar, que se...
Nós estamos a gravar isto poucos dias depois de ter sido aprovado
o Orçamento do Estado, que seja. O que... Um processo orçamental em
Portugal é uma coisa absurda. Um Orçamento do Estado que devia ser
previsão de receitas, previsão de despesas, hoje em dia é uma orgia
de... Estás
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
dizer, é tudo! A Lei do Orçamento do Estado tem inserida as
normas sobre coisas que não têm nada a ver com... Quer dizer,
só no sentido em que todas as medidas com o preciso de
financiamento têm. Mas quer dizer, a negociação com os professores, porquê é
que tem que lá estar uma norma programática? No sentido de o
governo tem que voltar à mesa de negociações com os professores. Por
que é que isto tem que estar numa lei de orçamento? É
porque há de facto, se calhar a gente dá menos que a
dizer pá, calma, calma, quer dizer... Eu que faço profissionalmente direito fiscal,
cito isso todos os dias, porque é tudo que paga a lei
fiscal, está sempre a mudar. E em
José Maria Pimentel
Sim, há um efeito. Isto em inglês chama-se ratchet effect e eu
acho que isto em português seria traduzido como efeito da roda dentada,
que é aquelas rodas desengrenagens que quando tu rodas para um lado
elas já não voltam para trás. E do ponto de vista político,
do ponto de vista da legislação e tudo mais, tu tens muito
esse efeito que é, tu tens um enviasamento enorme no sentido de
aumentar, por exemplo, a legislação ou a dimensão do Estado de uma
maneira que não é sequer ideológica. O mero facto de tu teres
uma Assembleia cheia de gente e um Governo com pessoas a tentar
mostrar aquilo que estavas a aluir há pouco, a tentar ter que
mostrar trabalho, leva a que tu tenhas um enviesamento para aumentar. Cada
vez mais de ninguém, é muito difícil de alguém chegar lá e
dizer bom, se calhar revíamos isto e apagávamos aqui umas coisas que
já não fazem sentido.
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
Até porque a própria ordem constitucional está imbuída desse espírito.
Sim.
Se vier uma pessoa e quiser aumentar de um momento para outro
50% todos os funcionários públicos pode fazê-lo, não é inconstitucional, não viola
o princípio de... Apesar de poder levar a efeitos nefastos. Sim. Cortes
são impossíveis, a não ser transitoriamente, mas aumenta os impostos. Nós tivemos...
A maior parte das pessoas obviamente não... Ainda bem porque tem mais
que fazer e coisas melhores para fazer, não estiver muito atento a
isto, mas a jurisprudência do Tribunal Constitucional, do tempo da troika, é
uma coisa muito interessante sobre isso, porque cortes, 10%, 15%, o que
seja, em salários ou pensões, não podem, são proibidas, não sei transitoriamente,
mas enfim, por causa da violação dos princípios da proporcionalidade, da confiança,
total da confiança, segurança jurídica, etc. Mas o que resulta também da
mesma jurisprudência do Tribunal Constitucional é que se for aumento de impostos
não há problema, quando do ponto de vista económico o efeito é
o mesmo. Mas, como é visto como aumento de direitos ou retirada
de direitos, quer dizer, eu ter um corte de 10% do meu
salário, ou ter um aumento de imposto que implica, que resulta exatamente
numa diminuição, exatamente igual, é a mesma coisa. Eu até iria mais
longe, acho que vale mais o primeiro que o segundo. O
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
claro, mas mostra que há uma lógica de... Que enfim, eu percebo
isso e até concordo com essa, quer dizer, nós temos que estar
sempre... A lógica da comunidade deve ser de cada vez dar mais,
enfim, mais direitos e de estarmos permanentemente a aperfeiçoar a comunidade. Aquela
ideia da Constituição Americana do More Perfect Union. Acho que sim. Mas
nesta questão também se vê isso, quer dizer, há uma tendência de
mudança inelutável que em muitas matérias, em matérias essenciais, já não se
consegue voltar para trás. E por isso é que é preciso haver
pessoas que digam calma lá, vamos pensar nisto melhor, porque depois talvez
não consigamos voltar atrás, depois vai ser difícil, não é? Por isso
é que, por exemplo, a questão do Brexit, que era conservador em
alguns... Quer dizer, que é uma parte de uma poluição conservadora em
alguns aspectos, principalmente nos aspectos que não ganharam, que é a ideia
do cosmopolitismo, para que é que nós precisamos estar aqui. Quer dizer,
hoje em dia, nos anos 70 quando nós aderimos, ou nos anos
50 quando foi feita a União Europeia, ou o início da União
Europeia, a ideia de uma Europa unida era uma ideia de um
cosmopolitismo inacreditável, mas hoje em dia com a evolução tecnológica, essa própria
ideia, e nós falamos muito da disrupção tecnológica de muitas coisas, mas
a própria ideia da União Europeia, para um país da União Europeia,
a União Europeia é quase o backyard. Hoje em dia isso... Mas
a própria ideia, como se está a ver agora, o Brexit é
completamente inconservador, porque é uma imprudência. E agora vê-se como é que
se volta para trás? E pode-se voltar para trás? Como?
Não
é?
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
curioso porque o UQIP, o UQIP que ficou essencialmente conhecido a propósito
da... O UQIP era um partido sim, eurocético, mas no início era
um partido eurocético do ponto de vista da defesa, do parlamentarismo, da
ideia do Estado, ideia com a qual eu até tendo a concordar,
de que a democracia é tão mais perfeita quanto mais próxima a
Estado ou Estado-nação. Estado-nação no sentido de, enfim, de uma comunidade com
o mínimo de homó... Eu não quero dizer isto para ser xenófo,
mas não é homogeneidade no sentido racial ou étnico, é pessoas que
se sintam mesmo parte da mesma comunidade. Porque a democracia exige, não
funciona, a meu ver, sem haver solidariedade entre os seus membros da
comunidade.
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
Não, mas eu vou dar um exemplo. Os grandes incêndios do ano
passado, deste ano na Galiza, um grande incêndio que houve, foi seguramente
menos chorado pelas pessoas do Minho do que o incêndio no Algarve,
na Serra do Mochico, acompanhado. Sim, sim, Claro. Apesar de estar mais
perto. Por isso é que eu sou muito cético da ideia da
União Europeia, que seja possível a ideia da União Europeia, tal como
a querem vender, porque para ela ser possível é preciso que haja
um processo de convergência entre os países do Sul e os países
do Norte, entre os países pobres e os países ricos. Processo desse
de convergência que necessitaria que os países, que todos os países, todos
os cidadãos dos países da União Europeia se sentissem parte da mesma
comunidade e não há, pelo menos para já.
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
E isto vai dizer o quê? Vou voltar a dizer uma coisa,
eu divaguei, peço-me essa desculpa. O UQIP era um partido neste sentido,
ou seja, era o cético no sentido que defendia, era o cético
no sentido que era cético. E era cético e era... Defendia o
parlamentarismo, que agora continua a defender, mas a campanha toda deles foi
uma campanha xenófoba. Isso para mim é o grande problema do Brexit.
Para mim, na altura, eu fui contra, enfim, dizer que era contra,
não sou inglês, não...
Sim,
sim.
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
Sim. Porque sempre nós temos a dizer, pá, não, estou
pela
Hillary ou estou pelo Trump, enfim, quer dizer, é sempre um bocado
potulante. Mas, para mim, aquilo... Eu percebi a grande parte dos argumentos
dos Brexiteers, designavelmente os mais cosmopolitas e etc. Para mim, o que
eu testei no Brexit foi duas coisas. Uma, porque eu acho que
aquilo pode ser o início e o fim da União Europeia. E
uma coisa é o Reino Unido sair da União Europeia. E outra
coisa é a União Europeia desmoronar por cima de um país como
Portugal. Que não sei onde é que vai parar sem a União
Europeia. Daí sou muito conservador. Eu até posso não gostar de grande
parte das coisas da União Europeia, mas não quero experimentar sem. É
a
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
Foi o tema ter sido, eu ter sentido que... É um país
que eu adoro tanto e ao qual vou muitas vezes, também fico
muitas vezes, confesso, na bolha londrina, mas enfim, eu fascino-me com aquele
cosmopolitismo e, enfim, chegar e ver portugueses serem bem tratados e estão
em lugares ótimos, seja no comércio, seja na banca, seja no que
for, e ver gente de todo lado, todas as etnias e... E
machucou-me bastante e fiquei bastante entristecido por ter sentido que aquilo que
levou à vitória foi essencialmente este discurso xenófobo. Sim,
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
temos um problema de... Por exemplo, há uma questão, lá está mais
uma vez a importância que eu dou ao processo. Ao processo, a
importância material quase que eu dou ao processo, que é mais adjetivo.
Há uma democracia com o processo. E eu ainda por cima na
minha área, eu faço direito fiscal, eu faço muito contencioso e muitas
vezes recorro para o Tribunal Europeu de Direito de Espanha. Ou melhor,
para o Tribunal de Justiça da União Europeia. Enfim, que hoje em
dia é uma instância ordinária quase, natural. Mas eu não sei quem
são aqueles vídeos. Não sei qual é que é o nível de...
Eu conflito-me muitas vezes com se acho... Não é legítimo, legítimo eu
acho, vamos lá ver uma coisa. Mas por exemplo, eu sou muito
liberal. Mas e se há um governo que não concorda comigo e
resolve, porque vê que, por exemplo, os produtores de leite em Portugal
estão a sofrer, as famílias estão a sofrer, o governo português não
tem legitimidade para dar subsídios a esses produtores? Enfim, beneficiar, fazer uma
discriminação positiva dos seus nacionais, porque são aqueles que votaram diretamente neles?
José Maria Pimentel
Esse é um ponto muito relevante em relação à União Europeia, porque
acho que é um plano onde claramente as regras foram subvertidas de
uma maneira preocupante, quer dizer, nós temos um... Hoje em dia tens
uma União Europeia que tem um poder de decisão que não foi
de maneira nenhuma legitimado democraticamente, ou seja, eleitoralmente, e eu arrisco dizer
que a maior parte das pessoas não tem noção da dimensão desse
poder e isso é um problema grande. Eu o divido um bocadinho
porque eu estou completamente de acordo contigo neste aspecto e depois acho
que se calhar divido-os noutro. Naquilo que eu estou de acordo é
que nós demos um passo, nós fomos dando vários passos progressivos de,
no fundo, ir retirando camadas de soberania aos governos nacionais, sem isso,
lá está a ser apreciativa para os eleitores, portanto vais retirando camadas
e hoje em dia tens muitas coisas que são decididas a nível
europeu, como nós de resto percebemos durante a crise, e isso é
completamente antidemocrático, quer dizer, tu eleges o teu governo, mas depois há
outras pessoas que estão a decidir por ti, lá longe, que não
foram eleitas por ti, portanto tens aí um problema de... Isto não
existe, por exemplo, o exemplo que tu davas. Se nós repartirmos isto
por regiões dentro de Portugal, estaremos de acordo que não faz sentido
estar a privilegiar os agricultores do Norte ou os agricultores do Sul
porque existe um governo nacional, mas ele é legitimado. Ou seja, as
pessoas votam para esse governo nacional e portanto não há aí um
problema de... Não há um problema democrático. Nós aceitamos que... Não, mas
podem,
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
por exemplo, um exemplo concreto que está a minha área. A proposta
dos incêndios, que ainda por cima eram na minha zona, no meu
sonho, onde vivo grande parte do tempo, onde tenho o meu centro
de interesses vital familiar, viseu. Depois dos incêndios que afetaram aquela zona,
por exemplo, o governo fez um decreto de lei em que diz
que todos os processos de execução fiscal dos contribuintes desta zona ficam
suspensos até dia 15 de abril de 2018. Mas só daqueles. Decidiu.
Se for uma coisa parecida na União Europeia, era um processo de
ajuda de Estado, percebes? Sim. Porque... E aqui o governo, ninguém colocou
isso em causa. Porque toda a gente percebeu. Porquê? Porque toda a
gente sentiu solidariedade, toda a gente sentiu que as pessoas de Viseu,
de Tondela, de Oliveira de Farades, de Ceia, de Santa Combadão, eram
seus semelhantes. E
José Maria Pimentel
No Parlamento, julgo que só fala uma, mas isso também não era
possível aqui. Bom, mas isto para dizer, pronto, eu, nesse aspecto, estou
de acordo contigo, ou seja, acho que se pôs a carroça à
frente dos bois, fez-se a coisa de uma maneira muito tecnocrática e
muito pouco iluminada, quer dizer, lá está, por isso é que é...
Este tipo de conversas e a pessoa refletir sobre essas coisas. É
importante, sobretudo, por isso, que é para a pessoa ter alguma visão
de prazo e não fazer as coisas simplesmente de uma maneira tecnocrática,
olhar para aquilo que parece bem no papel. Agora, dito isto, se
calhar aqui é que nós divergimos. Eu, olhando para a frente, um
objetivo claramente de médio prazo que eu acho que a Europa devia
ter era aumentar a integração. Ou seja, eu acho absolutamente desejável que
tu tenhas fronteiras, que vais construir uma democracia europeia, não acho que
seja impossível, acho que é um desafio enorme mas não acho que
seja impossível. O mais possível, tu tens programas, por exemplo, que vieram,
que não vieram de... Quer dizer, que são anticonservadores neste sentido, distrito,
como o programa Erasmus, por exemplo. Eu não estou totalmente a discordo.
Eu imagino que tu sejas a favor do programa Erasmus. No meu
ponto não é isso. Nunca fiz, nunca... O meu ponto é dizer
que não viria... Mas totalmente a favor. Claro, imagino que sim. O
que eu quero dizer é... Até pelos relatos que me chegam, as
pessoas que fizeram, totalmente a favor. Exato. Eu imagino que uma visão
estritamente passiva em relação a isto nunca levaria a teres programas desse
género, a teres instituições europeias, a ter uma série de coisas que
são essenciais para tu teres no fundo, enquanto projeto último, uma integração
europeia, que me parece que está muitíssimo longe,
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
mas... Mas deixem-me só qual é a minha posição quanto a isso.
Eu não estou
a dizer que a União Europeia deve regredir ou parar ou deixar
de existir. Não estou a dizer isso. O que eu estou a
dizer é que esse princípio de ever closer union, que é o
princípio que está nos tratados, uma união cada vez mais estreita, que
a União Europeia é uma construção sempre mesmo a cavalgada até ao
federalismo puro, eu acho que devia parar um pouco. Ou seja, também
não acho que deva regredir. O que eu acho é que a
União Europeia devia aprender, saber aprender, sabia saber, devia aprender a saber
viver a meio da ponte durante algum tempo. E viver, este viver
a meio da ponte, que é um parar para pensar, que eu
acho que não vai acontecer, principalmente porque os ingleses saíram. E aqui
vê-se claramente, lá viu-se naqueles cenários que foram apresentados pelo Presidente da
Comissão aqui há uns meses. O que se quer é a forma
como ele os apresentou. Ok, se quiser podemos voltar para trás, podemos
destruir tudo aquilo, desmerecendo todos os que não fossem, aquilo que ele
prefere que é avançar cada vez mais. Ainda por cima agora não
tem o cauchado dos ingleses para dizer calma aí. O problema
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
o que eu estou a dizer é, quando eu digo viver a
meio da ponte, não é... É isto, é perceber quais são aqueles
projetos, aqueles programas, aquele nível de integração que faz sentido continuar, que
não causam tensões entre os países, e tentar repensar os outros. Quer
dizer, porque de facto há... O que nós vimos nesta crise foi
que diminuiu muito a confiança na União Europeia por causa dos cidadãos
europeus, ou dos cidadãos dos países europeus, porque se criou de facto
a convicção de que a União Europeia está feita para benefício de
dois ou três. E isso pode ser problemático, é seguramente problemático para
a União Europeia. E depois nós percebemos que há países que se
levam a sério, mas que não levam a sério os outros. Vou
dar um exemplo. Falo sobre a democraticidade da União Europeia. Eu Estou
totalmente em desacordo com a jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre grande parte
das medidas da Troika. Nem é tanto pelo... Quer dizer, estou desagradamente
desde logo por uma questão essencial que é, eu acho que os
juízes do Tribunal Constitucional não tinham poderes para decidir se quer daquilo
ou for. Com base nos princípios que utilizaram. Não vale a pena
entrar por aqui, podia desenvolver, mas era menos interessante. Mas era o
que mais me faltava, eu dizer que o Tribunal Constitucional... Não, quer
dizer, o Tribunal Constitucional decidiu, decidiu. É inconstitucional, quem tem que... Eu
acho que as medidas não eram inconstitucionais, mas o Tribunal Constitucional é
que tem poder constitucional para dizer se são ou não constitucionais, se
são ou não constitucionais. Em Portugal nós tivemos uma discussão brutal contra
o Tribunal Constitucional, ao mesmo tempo que na Alemanha. O Tribunal de
Carlos de Rua, Tribunal Constitucional alemão, decidia se a Alemanha podia ou
não aceitar aquela política do BCE de comprar a dívida dos países.
Enfim, claro, é um país que se levava a sério. E nós
estávamos dependentes, nós estivemos mais dependentes, tendo em conta hoje a forma
como nós conseguimos recuperar e as razões pelas quais recuperámos, durante a
crise estivemos mais dependentes do terminal constitucional alemão do que o nosso.
Porque o nosso, enfim, não se conseguiu fazer aqueles cortes, aumentaram-se brutalmente
os impostos em contrapartida. Ok. Eu acho que isso também teve efeitos
nefastos, obviamente, mas se o TPC não tivesse resolvido começar a comprar
dívida, não sei onde é que nós estaríamos e só foi possível
porque a Alemanha permitiu e a Alemanha permitiu porque o tribunal, enfim,
porque aquilo de certa forma configurava uma mutualização da dívida, não é?
É,
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
a menos de acordo... E manda com relutância, ainda porque se tivesse
mais... Eu admito que se mandasse com outro afã,
com outra
vontade... Mas a Alemanha, quer dizer, a Alemanha... Os economistas alemães, enfim,
essa não é a minha área, mas está escrito, os economistas alemães,
na altura da construção do euro, eram totalmente contra. Porquê? Porque sabiam
que a Alemanha ia acabar mais tarde ou mais cedo por ter
que resgatar os outros países.
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
Os franceses queriam e a Alemanha só aceitavam só aceitavam a reunificação
alemã se a Alemanha aceitasse o euro. E a Alemanha não queria,
porque ainda por cima, ainda com o trauma, com os traumas, com
dois traumas, uma, a Alemanha não quer ser, não quer ser, não
quer estar longe do pan-germanismo, não quer ter que mandar na Europa,
já quis mandar na Europa, correu mal, agora não quer ter que
mandar na Europa. E em segundo lugar, tem mais a ver com
a questão do euro e com as políticas económicas, enfim, tem o
trauma da hiperinflação,
que levou depois
ao nazismo, não é? E portanto... Por isso é que eles
José Maria Pimentel
O BCE é feito à imagem do Nasbank, basicamente. Claro, claro. Deixa-me
só fazer-te uma última provocação a propósito deste tema. Porque eu não
sei se nós... Se calhar vemos isto da mesma forma e eu
é que estou aqui a criar uma complicação que não existe. Mas
para mim o problema não é da integração europeia, mas da forma
como ela é feita. Ou seja, imagina, quer dizer, por absurdo, Portugal
nos tempos da ditadura. O problema não era Portugal, o problema era
o regime que tu tinhas que não era representativo, quer dizer, não
tinhas eleições para o começo de conversa. O que tu tens a
nível europeu, desde logo, é o facto de não haver representatividade democrática
de quem está a decidir por nós. Uma maneira que, se calhar,
para um conservador que faz alguma comissão de fazer isso, de começar
a resolver esse problema, ou seja, de criar instâncias das pessoas fazerem
representar, era tu teres, por exemplo, um cargo a nível europeu que
fosse mais comparável a uma espécie de presidente da União Europeia. Hoje
em dia tentas ter umas coisas mas não tens... Sofrás-te direto. Há
as listas... Há a possibilidade das listas... Sim. Quer dizer, vai com
vários países... Exatamente, exatamente. Ou seja, isso era uma maneira, é uma
coisa muito progressista no sentido em que tu estás ativamente a forçar
a convergência de instituições para um novo equilíbrio qualquer que tu entendes
ser melhor, e nesse sentido, é um bocadinho anticonservador, mas é um
enquanto cosmopolita, neste sentido, de preferir a integração aos Estados-nação, acho que
podia ser um caminho interessante para o futuro. Duas coisas sobre isso.
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
não acordo de manhã e penso como é que um conservador aperta
os sapatos? Portanto, vou apertar os sapatos como um conservador. Não, quer
dizer, isso é uma decorrência. Claro. Se calhar há coisas, eu penso
muitas coisas que não são no conservador. Eu estou a perguntar a
tua opinião,
não estou
a perguntar a opinião do... Não, é que estamos naquela posição que
muitas vezes, pá, eu frequento muitos concertos, música rock, hip hop e
não sei o que, e há sempre, é inevitável, alguns amigos meus
até já apostam que isso vai acontecer, há sempre um tipo que
vai-me dizer comigo, pá, o que é que estás aqui a
fazer?
Como se não fosse... Não fosse... Ah pá, tu devias estar em
casa a fumar um cachimbo com na tua poltrona de cabral... O
bigode...
Na quinta do minho e etc, de bigode revirado e etc. Não,
eu não penso nisso dessa forma. Mas eu acho que pode fazer
sentido, porque a minha posição quanto a isto, essencial, é, eu não,
quando eu digo que a Europa tem que aprender a viver a
meio da ponte, é parar para pensar. E o parar para pensar
também inclui isso. Ou seja, eu, Francisco, só estou disponível para maior
integração se for acompanhada de um debate sério sobre as condições democráticas
do processo decisório que vai levar a essa. Ou seja, nós não
podemos só revitalizar a União Europeia pelo lado da construção, a construção
não pode ser só o reforço de políticas substantivas. Tem que ser,
mais uma vez a minha importância dada por mim ao processo, tem
que ser também o reforço das condições democráticas da União Europeia, para
salvaguardar que o processo de integração é querido e percebido pelos cidadãos.
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
Se calhar, mas não estou, quer dizer, não me pensei nessa situação.
Claro, sim,
sim. Eu não estou, quer dizer, não estou aqui de olhos fechados
e ouvidos fechados a dizer, não quero sequer ouvir falarem-me, não. O
que eu queria era que neste momento a construção da União Europeia
fosse um processo que incluísse e se calhar de modo até principal,
a construção do... Uma construção constitucional sobre o processo de decisão. E
sobre a cadeia democrática.
José Maria Pimentel
Eu acho que isso, na verdade, eu acho que isso faz sentido.
Ou seja, no global, acho claramente que temos um problema aí. Deixe-me
fazer outra pergunta relacionada ao mudando agulhas, mais para a vertente económica.
Foi logo uma pergunta como ocorreu antes de falar contigo. Fala-se várias
vezes da dificuldade de casar, aquilo que nós já falámos há pouco
do conservadorismo nesse sentido da prudência com o liberalismo, tanto na vertente
económica como na vertente social, mas sobretudo na vertente económica. Há uma
série de estudos que eu acho muito interessantes, mas também porque me
interessa por essa área, e lembra-me disso aliás no início quando estavas
a falar da tua adesão quase emocional. Emocional no sentido de não
ser racionalizada pela tua identidade. Racionalizada à partida. À partida, exato. O
que aliás é o normal. O ponto que eu vou fazer é
que isso acontece com todos nós, na altura do independente. E há
uma série de estudos que tentam associar características de personalidade às convicções
políticas. Isso é óbvio, mas é isso
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
coisas sobre... O Miguel Srs. Cardoso chama-se um conservador romântico. Mas eu...
É um conservador psicólogo... Quando ele fala da predisposição a conservador, ele
não fala de política. É conservador. Mas sim, mas eu quando leio
essas coisas, como leio as coisas do Miguel S. Cardoso, como leio
as coisas do Augusto, ou de outros, é tipo, este gajo está
a falar de mim, eu sou assim, eu sou, eu sou, eu
percebo que isso é um problema para mim enquanto político, eu sou
o bebê que faz virra para entrar no banho, mas depois quando
está no banho não é que faz virra para sair, mas é,
pá, calma, há aqui coisas que podem ser salvaguardadas. Atenção, ok, deixa-me
sair do banho, mas deixa-me guardar isto aqui. Há aqui duas ou
três coisas que eu... Eu, quer dizer, há muita gente que me
critica, amigos, colegas de partido, debatentes, que me criticam por eu ser
assim. Mas eu aceito que eu sou assim.
José Maria Pimentel
maneira de ser. Eu ia concretizar o meu ponto absolutamente, e acho
que isso acontece com toda a gente e a racionalização vem depois
e não antes. E a evidência empírica que existe neste sentido, que
é muito interessante, parte do chamado modelo dos cinco fatores, que é
basicamente o único modelo que tem validação empírica académica, digamos assim, e
aquilo que, para que os dados apontam, é que uma pessoa conservadora
tende a ter aquilo que se chama conscienciosidade elevada, conscienciosidade tem a
ver com, basicamente, com estabilidade, com a importância dada à ordem, também
há alguma importância, depois tem várias vertentes, mas também há alguma importância
dada à hierarquia, quer dizer, no fundo, tudo aquilo que tem a
ver com organização, se quiseres, num sentido mais lato. E tendem a
ser baixos, noutra variável, que tem um nome péssimo, que é abertura
à experiência, mas que basicamente tem a ver com abertura intelectual, se
quiseres, abertura de ideias, abertura estética e não sei o quê. Parece-me
até ser um caso heterodoxo nesse sentido porque provavelmente neste segundo até
estarias no ponto oposto. À esquerda o progressismo tende a ser ao
contrário, tende a ter conscienciosidade baixa e tende a ter abertura à
experiência elevada. Isto é muito engraçado porque tu basta ires à casa
de uma pessoa de esquerda e de uma pessoa de direita, isto
é uma generalização enorme, mas tu vês logo isso. É muito fácil
ver isso, ou a maneira como as pessoas se vestem, quer dizer,
uma série de coisas. Há uma contradição, algo que eu acho que
deve ser um bocadinho uma contradição para, lá está, para alguém conservador,
mas não necessariamente para ti. Só para esclarecer isto, eu não estou
a falar com o Francisco Mendes da Silva caricatura conservador, estou a
falar contigo enquanto pessoa. Obviamente que o pretexto para a conversa é
esse, mas não estou a falar contigo enquanto representante dessa sensibilidade. Quer
representar ninguém, não sei a minha parada. Claro, mas não fazia sentido
nenhum. Em todas as minhas relações contraditórias. Sim, para não falar das
contradições internas. Agora, tu tens nos últimos anos uma série de evoluções,
por exemplo, a nível socioeconómico, com a onda de empreendedorismo, com alterações
no trabalho, com alterações nas vivências das pessoas, na própria organização da
vida privada das pessoas, independentemente daquelas questões fraturantes, casamento, não casamento, não
sei o quê, mas quer dizer, a sociedade tem evoluído muito rápido,
da maneira como as pessoas vivem, da maneira como as pessoas trabalham,
o tipo de trabalho que têm, há uma série de disrupções a
este nível. Para ti, tendo em conta o teu princípio da ordem
e o teu princípio da estabilidade e da calma, isto faz-te confusão?
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
A posição política de um conservador, tal como eu vejo ou tal
como eu sinto, tal como eu me sinto, não é, pá, vamos
parar isto, quer dizer, desculpa lá, aquelas pessoas estavam bem, era com
a socialdemocracia dos anos 70. Com a socialdemocracia dos anos 70 é
impossível, porque era num mundo em que havia fronteiras, não havia a
tecnologia que há hoje, uma pessoa não podia estar aqui em Lisboa
a trabalhar para Singapura e Los Angeles ao mesmo tempo. Mas é
perceber na mudança o que é que nós podemos fazer para... Não
é para manter as coisas como estavam, mas é para manter o
conforto, a estabilidade ou o sentimento de estabilidade das pessoas e às
vezes é mudar, às vezes implica mudar muito, às vezes implica mudar
muito. Quando tens um setor que tu percebes que pode ser... Uma
coisa que o meu amigo e colega de partido, o Adolfo Mosquita
Nunes, fez. Que não começou com ele, mas que ele foi essencial
no turismo. Percebeu-se que o turismo podia ser um sector mais importante
do que já era em Portugal. Podia servir para muita coisa. Criar
emprego para pessoas que estavam a perdê-lo nas áreas tradicionais por causa
da crise. Podia ser importante para um problema grande que nós tínhamos,
que era a revitalização dos centros urbanos. E o que se fez
foi mudar. Aceitar e era preciso mudar alguma coisa. Mudar a regulação.
Mas
José Maria Pimentel
Ontem estava a almoçar com o primo meu e estava a falar-lhe
que ia gravar contigo sobre o conservadorismo e ele, que também se
à toa identifica como conservador, estava a fazer um comentário que eu
já tinha ouvido fazer que é o facto de ele sentir-se de
esquerda muitas vezes e de sentir-se identificado com pessoas de esquerda, quando
de esquerda obviamente falamos daquela esquerda mais institucional, no fundo centro-esquerda, de
uma forma que não sentia antes, exatamente por esta disrupção que nos
últimos anos houve e que leva a que ele muitas vezes esteja
com a mesma aversão, aversão é uma palavra forte, mas com a
mesma desconfiança ou com o mesmo desconforto, se calhar a melhor palavra
em relação a isso, do que pessoas que estão no centro-esquerda. Não
sei não, mas isso eu também, quer dizer, eu acho que também
tenho esse
sentimento. Eu
acho isso interessante, eu estou a levantar isto sempre porque acho isso
interessante. É importante
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
É que assim, portanto, um conservador não vem, pá, agora vem, pá,
aí essas hordas de bárbaros suecos e não sei o quê. Não,
isso eu não tenho, eu não tenho, se calhar não é conservador,
olha, não estou muito preocupado com isso, não tenho problema nenhum. Ah
pois, sim, sim, certo. Se calhar porque eu, também tem a ver
com outras circunstâncias, Eu percebo pessoas, eu percebo perfeitamente as pessoas que
vivem em Lisboa e que são afastadas do centro, têm que sair
de casa e não têm, e não conseguem,
não
conseguem... Eu acompanho mais ou menos os preços das casas em Lisboa,
não porque eu invisto ou porque preciso de casa em Lisboa, eu
vivo entre Viseu e o Porto, mas passo todas as semanas em
Lisboa uma parte do tempo. Eu, mesmo estando cá frequentemente, todas as
semanas, eu ainda vejo Lisboa, que para mim Lisboa é o sítio
onde eu venho quase, sou um tipo fora, eu só beneficio do
bom que Lisboa tem sem ter os problemas. Mas não se preocupem
que eu, muitas vezes, pago a taxa turística. Portanto... Enfim, sou tratado
como turista em
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
Mas, O que me custa, por exemplo, é... E lá está, é
preciso que alguma coisa mude para... Quando se faz a discussão sobre
o alojamento local. Eu no outro dia estive numa sessão em Oliveira
de Frados, porque também sou dirigente distrital em visa do CDS, estava
lá com a Cília Meireles, deputada do CDS, e ela, que foi
aliás a secretária de Estado do Turismo do Adolfo Mosquita Nunes, e
que começou todo este processo, às vezes esquecemos da Cília mas ela
também foi muito importante num processo em que o Adolfo foi brilhante
e aproveitou o trabalho antes feito. E estava-se a falar do turismo,
era uma sessão sobre turismo no interior. E eu estava a pensar
uma coisa, já pensei antes, Quer dizer, cada vez que se fala
do turismo é dos maus do turismo, mas os maus do turismo
são duas freguesias em Lisboa e duas freguesias no Porto. O que
a esmagadora maioria do país precisa é de mudanças como o alojamento
local. Houve lá pessoas que disseram, houve pessoas que só sobreviveram à
crise porque tinham herdado uma casa ou tinham uma casa que estava
devoluta e conseguiram ir lá arrender no alojamento local e hoje em
dia tens turismo natureza em grande parte do país por causa disso.
Quer dizer, eu como conservador o que eu quero é que a
minha terra, a minha região e o interior do país sobreviva E
para isso é preciso mudar, para que tudo fique na mesma, lá
está, é preciso que algo mude. Isto é uma posição bastante... Não
é que eu me preocupe porque se ela é ou não é
conservadora, mas como estamos nesta conversa, parece-me que é bastante conservadora. E
irrita-me já agora, isso não tem a ver com isso, me irrita
profundamente, muitas vezes, grande parte das discussões que são discussões de Lisboa
e do Porto.
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
Que a gente não interessa. Eu não sei, eu lembro-me disto porque
escrevi isso na altura e portanto tenho num dos artigos do Jornal
de Negócios, está aí isto, portanto eu lembro-me nessa altura. Quando aconteceu
o Pedrógão, ou Pedrógão ou os incêndios de outubro de 2017, mas
acho que foi o Pedrógão, nós nessa semana, o incêndio foi em
um sábado, certo? Os outros de outubro foram em um domingo, mas
nessa semana anterior a principal discussão eram as propostas da esquerda para
controlar o alojamento local e todo... Ninguém parava de falar disso nos
jornais e nas televisões, que eram problemas que até a própria... Não
eram só de Lisboa e do Porto, eram de meia dúzia de
freguesias nestas cidades. Era um problema de meia dúzia de freguesias nestas
cidades que são problemas de facto, mas que até podem ser resolvidas,
que até pode haver alteração à lei, mas para essas freguesias. Mas
ninguém pensou... Outra metáfora com banho e bebê. Ninguém pensou que estava
a tirar o bebê com a água do banho. Porque em grande
parte do país, o que interessava era manter ou até desregulamentar ainda
mais a lei.
José Maria Pimentel
Sim, quer dizer, desconfio que nós não estaremos muito em desacordo aí,
portanto, nem me interessa ser muito por aí. Eu acho é que...
É que instituições sociais de vez em quando tocam nesses temas, mas
vão muito para lá disso. E há um argumento, no outro dia
estava a ouvir uma entrevista do Roger Scruton e ele falava muito
desse argumento, que é um argumento que também é muito usado por
um tipo que agora está muito na berra e que é muito
odiado, que é o Jordan Peterson, que aliás esteve cá há uns
tempos, que é aquela questão, e é um argumento muito conservador, no
bom sentido, no sentido de que ele tem alguma validade, que é
dizer, as instituições orgânicas dessa ordem espontânea de que tu falavas, nas
quais se incluem a família, a igreja, as associações locais, tudo isso,
as instituições que já vêm de trás, representam uma espécie de saber
acumulado, ou sabedoria acumulada, cumulativa, que foi sendo destilada ao longo de
gerações, e a decisão de as substituir ou porque há uma espécie
de vanguarda ela própria também, mais ou menos orgânica, que decide encontrar
ela, ou porque no laboratório ou na academia se decide que aquele
não é o caminho certo, pode ser contraproducente. Este é um argumento
que eu vejo muitas vezes ser feito, a relação ao qual eu
tenho
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
um sentimento um bocado ambivalente, mas tinha curiosidade de saber a tua
opinião em relação a isso. Claro, isso é o backbone, a essência
do conservadorismo. É chamado princípio da subsidiariedade. Aceitar que há instituições que
não são boas por serem antigas, são antigas porque são boas. A
família, a igreja... E vem desde o... Isso está tratado, quer dizer,
a ideia dos pequenos polutões do Burke, as associações da sociedade civil,
os sindicatos, não é só coisas de direita, coisas de esquerda, os
sindicatos... E eu sou muito sensível à discussão sobre o esburoamento das
instituições, seja a família, seja os sindicatos, por exemplo, porque acho que
a atomização da sociedade é terrível, como se fosse nas redes sociais,
e nós temos... A democracia só funciona com essas instituições intermédias, chamadas
instituições intermédias, e o princípio da subsidiariedade que é a família só
deve fazer, só deve decidir aquilo que o indivíduo não consegue por
si próprio, a associação civil ou o sindicato não deve decidir aquilo
que a família não deve, não pode decidir por si própria, o
Estado não deve decidir aquilo que a associação civil pode
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
É, mas quer dizer, mas já foi mais do que é. Hoje
em dia conheces, quer dizer, conheces tanta gente queira voltar ao salazarismo
mesmo.
Não, não, não, não há problema nesse sentido. Mesmo aquelas pessoas que
têm... Repara, e eu acho... Eu quero ter uma... Com esse conservadorismo
e com essa tradição, e com o próprio Salazar e com o
salazarismo também quero ter uma relação um bocado... Quer dizer, sem grandes
proibidos. Basta ler a biografia magnífica do Filipe Roberto Menezes, qualquer pessoa
que lê aquilo percebe que era política como hoje, era política como
hoje e portanto não convém colocar o Salazar num pedestal, nem propriamente
numa espécie de inferno do qual não podemos tirar sequer para discutir.
Sim, sim.
Esse é um...
Agora, agora... Aquilo é política pura, havia política pura dentro do regime,
claro que havia, em vez de haver um parlamento, havia ali um...
Uma espécie de parlamento interno, sempre com tendências internas, mas...
José Maria Pimentel
Bom, mas o Estado novo, sim, não eram sindicatos, mas tinhas a
história do corporativismo e não sei o quê. O PCP, o
PCP quer a universidade sindical.
Não, claro, mas tradicionalmente, é a certa heroísmo que eu ia dar
há pouco, e há outra crítica que é feita normalmente pelos conservadores,
é que nós somos muito ignorantes em relação à nossa história, nós
portugueses, alguma coisa que acho que faz alguma comissão, e eu reconheço
alguma validade nesse argumento. Por exemplo, nós, historicamente, tínhamos. Isto era uma
coisa que eu... Que para mim foi uma surpresa. Eu não aprendi
isto na escola, aprendi isto depois. Nós tínhamos uma tradição política ao
nível dos conselhos, porque basicamente na Idade Média tinhas a parte, sobretudo,
a parte norte. Exatamente, para ele. Pois.
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
Eu tenho desde miúdo, Miúdo não me direi, mas de final de
adolescência tenho a magna carta sempre nos escritórios ou o quarto, etc.
Mas é bom porque... Porque é precisamente que é isso mesmo. Aquilo
é o governo limitado. Sim. Aquilo não é por ser a Inglaterra.
Só que teve gerações espontâneas. O governo limitado é o governo limitado
e são as instituições intermédias da altura, que eram os senhores feudais,
a limitarem o governo. As instituições, é óbvio que quanto mais orgânicas
e espontâneas elas tenham nascido, quanto mais de modo espontâneo elas tenham
nascido, mais válidas elas são, e quanto mais antigas, mais válidas elas
são. Mas As próprias instituições intermédias de cada latitude também vão variando
a... Porque às vezes o próprio pensamento evolui. Por exemplo, não me
choca, eu sou de um partido que foi contra a regionalização. Eu
próprio posso dizer que fui contra a regionalização apesar de ter 15
anos. Quer dizer, é um bocado ridículo dizer que fui contra, não
é? Não me choca que se houver um... Que o pensamento em
Portugal evolua e tu possas ter daqui a 10 anos regionalização ou
daqui a 20 anos. Não. Acho que
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
Não é muito ideológica, mas é uma questão como, quer dizer, não
terá a validade dessa instituição intermédia? A outra questão que é mais
interessante é a de saber o que é que põe em causa
essas instituições. Porque, por exemplo, eu sou totalmente a favor, quando dizem,
há aqui uma medida política que está a colocar em causa a
família. Eu vou lá e estou pronto para serrar fileiras quando acontece
a medida política. Mas às vezes vejo que a medida política não
coloca propriamente em causa a família, por exemplo, o casamento entre pessoas
de mesmo sexo. Pode haver todos os bons argumentos contra, mas o
argumento de estar a colocar em causa a família eu não percebo,
eu não conheço ninguém que num dia em que... Havia muita gente
que me dizia isto daqui a hora o meu casamento vai valer
menos, mas vai valer menos como? Alguém se chegou a casa depois
de que ele tenha sido aprovado e disse à mulher olha vou
sair de casa, que isso não me acontece. Sim. O meu problema
é mais
Com esses
argumentos, quer dizer, coloca mais em causa a família, a dificuldade de
compatibilização da vida profissional com a vida pessoal das mulheres e dos
homens, coloca mais em causa a família, as mulheres terem que trabalhar,
e eu acho muito bem que tenham e que trabalhem, mas sem
que tenha havido um processo equivalente de os homens perceberem que também
têm que participar mais na vida familiar. Isso coloca mais em causa
do que, quer dizer, deixar que dois homens se casem.
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
Diz-se uma coisa que, claro, eu cito em meio a um ambiente
de sedécia que irrita muita gente, que eu acho que É bastante
iconoclasta, mas é bastante verdadeiro. O que ama num discurso é perceber
que quem legalizou o casamento
de pessoas
mesmo sexo na Inglaterra foram os conservadores. Acho que como já tinham
sido eles a legalizar a união de facto, a união civil entre
homens, ou heteromens, entre pessoas mesmo sexo. E não nem gosto de
dizer homossexuais, porque às vezes as pessoas não têm... Eu posso me
casar com... Eu, ser heterossexual, posso me casar com homem, que ninguém
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
melhor depois vai ouvir o podcast e liga-me, explica-me lá aquela... E
porque é que a definição é tão boa, ou porquê que a
razão é tão boa. Não. Mas isto, aliás, é uma coisa... Esta
é uma frase bastante conservadora. Porque faz lembrar o Chesterton, o autor
inglês de transição do século XIX para o século XX, que era...
Enfim, que tinha uns paradoxos maravilhosos, ao invés de como o Oscar
Wilde. E o arrastimento destas, apesar de enfim, não terem, se calhar
o substrato não é assim tão...
José Maria Pimentel
então temos que aproveitar o momento.
E estás
sempre a ter necessidade de justificar também, não é? Ou seja, tens
que estar sempre a ponderar muito bem aquilo que dizes. Eu não
resisto a fazer até essa provocação rápida por causa do que tu
estavas a dizer, e obviamente que do ponto de vista jurídico a
lei não se podia chamar casamento homossexual, como é óbvio. Agora, tu
estavas a dizer, eu tomo nas tintas se as pessoas se casam
e se são heterossexuais ou se casam por outro motivo qualquer. Mais
ou menos, no sentido em que socialmente, aliás, esse era um ponto.
No outro dia eu estava a gravar uma conversa sobre filosofia política
e do direito estava a falar de um curso, aliás, ultra interessante
da Árvore, do Michael Sandel em que ele falava exatamente do tema
do casamento entre pessoas do mesmo sexo e ele dizia, aquilo era
muito típico, ele pedia aos alunos para intervirem cada um do seu
lado ou para outro, para darem a sua posição e naturalmente uns
estavam de um lado e outros estavam do outro e o que
ele dizia é, independentemente da racionalização que a pessoa quiser fazer e
um dos argumentos que eu subscrevo completamente é dizer nesse tema fraturante,
ao contrário de outros temas fraturantes ninguém está a ir contra a
minha liberdade ou seja, dois homens ou duas mulheres vão casar e
eles não fazem nada contra mim. Agora, há uma noção de bem
que não é indistinçável daí. Há uma noção daquilo que está correto,
não é? E no fundo aquilo foi aceito porque se assume que
as duas pessoas, que por norma, pode haver casos de exceção, Como
havia antes, de resto, mas por norma as duas pessoas estão a
casar porque estão... Porque se amam, ou whatever, mas porque estão comprometidas
com uma relação conjugal e íntima de afeto. Se não fosse essa
a lógica aquilo não tinha sido aprovado. Estás a perceber o que
eu quero dizer? Claro,
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
mas Repara, eu próprio, quando era mais novo, eu era contra o
casamento entre pessoas mesmo-sexo. Com aquele argumento de que eu aceito, as
pessoas amam, eu não tenho nenhum problema com a homossexualidade. Não vejo...
O facto de não ser normal é no sentido em que... Não
quer dizer que não seja... Melhor que não ser o mais normal
não quer dizer que
não
seja natural, é relevante, só que eu tinha aquela posição que era,
mas chamar-lhe outra coisa. Sim. E houve um momento que eu até,
até devo dizer, até em discussões com a minha mulher, é que
ela perguntava assim, mas eu sei a mesma coisa, porquê que não
lhe chamas a mesma coisa? Nisso as mulheres são muito mais pragmáticas.
Eu chego a um ponto que sim, que de facto, porquê que
eu, não sendo, não me sentindo como homofóbico,
porquê que
eu estou a defender uma posição que de facto, Eu
não
estou a dizer que a igreja deve aceitar, é o Estado. Se
o Estado disser que é o contrato, é a mesma coisa que...
Havia pessoas que faziam o formalismo, não, mas repara, o aluguer de
bens imóveis chama-se como uma coisa diferente do aluguer de bens móveis.
É o arrendamento e o aluguer. Pá, sim, está bem.
Quando se está a
usar esse tipo de argumento, já. Mas a minha questão também foi
um bocado de existência. Assim, então se essa discussão é só esta,
não há discussão.
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
Não sei o que é que determina, Mas mesmo que seja, entre
aspas, digo isto com todo cuidado, um desvio. Mas quer dizer, nos
desvios há muitos. Sim, todos temos. Não é normal? Não quer dizer,
mas não é. Quer dizer, é um desvio da norma, ok, mas...
E que isso transforma a relação entre... O amor entre duas pessoas
do mesmo sexo, diferente do... Ah, não podem ter filhos, não podem...
Certo, mas isso é assim tão... É essencial para a humanidade, mas
é essencial para impedir o reconhecimento daquela relação e permitir àquelas pessoas
que possam ter um estatuto igual às outras que também é essencial
para, quer dizer, o comprometimento entre duas pessoas. E mesmo que não
gere outro ser humano, é ele próprio em si um bem da
sociedade. Principalmente para quem, como eu, é conservador e gosta desse... É
instituição
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
eu sou hiper conservador nos costumes. Desde logo, porque eu sigo à
risca, ou tento seguir à risca, o costume mais conservador de todos,
que é eu não meter na vida dos outros, e os outros
se metam na minha. Isto parece uma botada, parece, mas não é.
Quer dizer, o conservadismo moderno, já falámos aqui várias vezes do Edmund
Burke, é o anti-revolucionário e contra... É uma posição quase pré-moderna, antes
do Estado. Quando eu tenho uma posição filosófica contra o Estado, apesar
de eu aceitar e, quer dizer, há uma opção filosófica porque o
Estado é a intromissão na minha vida, é a institucionalização da intromissão
na minha vida. Portanto eu vou para estes temas, chamados, fraturando tudo
o que quiseres, sempre com este princípio hiper conservador que é eu
não me meto na vida das outras pessoas, nem gosto que se
metam na minha. Se a matéria é sobre, só sobre liberdade, não
tenho problema. Outras coisas é, a questão da eutanásia para mim não
é só uma questão de liberdade, a questão do aborto não é
só uma questão de liberdade e depois há toda uma outra mirilha
de questões que eu nem tenho, às vezes nem tenho... Eu digo
muitas vezes nisto é, mas é a favor da procuração médica muito
assistida, é a favor disto, daqui a uns anos ponho uma lei
à frente, quero ver a lei. Porque eu posso ser do princípio,
mas quer dizer, eu quero ver se a lei tem todos os
cuidados, se não tem, ou às vezes a minha posição é deixa-me
ver a lei. Mas
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
As minhas reservas eram de que a eutanasia é o primeiro passo
para que o Estado possa ter uma palavra a dizer sobre se
eu posso ou não posso viver. Claro que dizes sempre, não vamos
ter tempo para discutir isto aqui. Eu tentei escrever isso, quer dizer,
tentar escrever 3.500 caracteres é muito diferente. Claro que diz sempre, mas
é a pessoa que decide, certo?
Mas
é sempre, mas vai sempre a uma junta do Estado. E é
um primeiro, mas a pessoa pede, certo, mas há sempre uma junta
do Estado, uma junta burocrática que diz, este tipo tem ou não
tem, compra ou não compra requisitos, vai a despacho. E a vida,
eu percebo que a pessoa pode estar a sofrer, mas eu não
quero dar esse passo. Porque é o primeiro passo para inclinar um
plano que para mim é terrível. É dar ao Estado uma palavra,
mesmo que seja uma palavra que mesmo que não seja a única,
mas é a primeira vez que o Estado tem uma palavra sobre
se pode ou não pode, ativamente, porque não é só desligar a
máquina. Não é desligar a máquina. Se pode ou não pode decidir
se mata aquela pessoa. Eu não quero dar, eu não quero dar
esse poder ao Estado, porque a partir do momento em que dá-se
esse poder ao Estado aqui, eu por exemplo tive discussões no programa
em que eu faço parto...
Sem moderação.
Sem moderação, no canal aqui na TSF. É que quando discutimos isso,
a questão que eu colocava era, então se é uma questão de
liberdade, se é só uma questão de liberdade, porquê só naquelas situações
que eu leio estavam? E como foi respondido imediatamente por todos, pelo
Zé Eduardo Martins, pelo Daniel Oliveira e pelo João Galamba, é um
primeiro passo. Eu percebo isto. Ah, mas... É um primeiro passo.
Então, mas eu...
Eu não quero dar o primeiro passo de dar ao Estado... Mas
José Maria Pimentel
ou seja, tu apões-te ao primeiro passo. Porque o argumento dos vários
passos era um argumento muito usado na altura do reférendo do aborto.
É usado também a propósito de uma maneira muito mais simplista, porque
é irrealista, mas a propósito de casamento entre pessoas do mesmo sexo.
Ah, um dia destes estamos a casar pessoas com animais, ou whatever,
não é? É mais ridículo, mas cheguei a ouvir isso ser dito.
E eu acho isso, quer dizer, nós acreditamos na democracia ou não?
Quer dizer, se tu acreditas na democracia e dizes, ok, sim senhor,
eu concordo com o 1º passo, se houver o 2º eu estou
cá para rejeitar. Sim, mas eu
não concordava com o 1º
passo. Pronto, agora, o
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
Vamos botar na madeira. Em que a pessoa, sem aquela máquina, não
sobrevive, certo? No caso da eutanásia, a pessoa sobrevive numa vida plena,
não plena no sentido de ser vivida, porque obviamente está em sofrimento,
etc, mas sem a intervenção. No caso do que estavas a dizer,
é a própria intervenção que mantém a vida. Neste caso é a
intervenção que determina
a
vida. É completamente diferente do ponto de vista prático, político, filosófico, é
completamente diferente. Sim, claro. Mas, ou seja, recapitulando
José Maria Pimentel
e isto dava para esmilçar de várias formas, mas para tentar capturar
a essência da tua posição, a tua posição é uma posição de
oposição, essencialmente porque tu não queres poder estar numa situação em que
a pessoa esteja a confiar a um Estado...
Sim, sim.
Tu, isto é, fartia a impressão que alguém pudesse estar numa situação,
o cidadão, a pessoa, pudesse estar numa situação em que isso fosse
decidido por esse Estado anónimo, burocrático, e sobretudo ter isso escrito na
lei. Burocrático é... É redundante. Estado é burocracia, a burocracia é boa.
José Maria Pimentel
burocracia, nesse sentido. Bom, para concluir vamos terminar, vou só fazer uma
última pergunta e depois recomendas o livro e terminas à vontade. Já
aludimos mais ou menos a isso, mas não chegámos a concretizar. Eu
acho que um dos mistérios maiores para quem... Eu acho que é
curioso porque paradoxalmente eu acho que é o primeiro mistério com que
a pessoa se confronta quando começa a pensar em política e é
em certo sentido o derradeiro mistério porque ele nunca está resolvido. Porque
é que naquele eixo segundo o qual as orientações políticas tendem a
alinhar em qualquer país e sendo certo que ele tem alterações entre
países, porque é que tende a haver um alinhamento que apesar de
tudo é mais ou menos constante e tende a haver, por exemplo,
um conservadorismo não estatal, eu ia dizer anti-estatal, se calhar é demasiado
forte, mas mais favorável às instituições orgânicas como o teu, um conservadorismo
mais estatal, um conservadorismo moral, um conservadorismo revolucionário mais ao estilo do
franquista, não é? Como é que era aquela frase do... Era uma
frase muito conhecida de um tipo revolucionário espanhol, à propósito da morte,
não é? Aquele culto da morte que eles tinham na... Agora já
não me estou a lembrar qual é. Nem da personagem, nem da
frase, mas aquele culto da morte. A rom... A rom... Sabes qual
é? Aquela romantização da morte. Ou seja, tu tens coisas... Os revolucionários
de direita? Exatamente, tu tens revolucionários de direita, tens conservadores de direita
que é quase em certa sentidade o que se diz, tens pessoas
de direita mais estatistas, tens pessoas de direita mais liberais, tens pessoas
de direita sobretudo focadas em questões morais, não é? De conservadorismo moral.
Porquê é que isto tudo tende a estar naquele lado do... Não
fala agora da esquerda que tem as mesmas contradições. Pois, se calhar
não tem tantas.
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
mais forte do que as da esquerda, não estou a dizer isso.
Não Estou a dizer que é uma questão de... Só que, em
primeiro lugar, por várias razões, mas em primeiro lugar o próprio conservadorismo
é posicional. Isso é explicado por vários autores conservadores, isto não é
invenção minha, nem sequer foi uma revelação como aconteceu, mas o João
Pereira Coutinho, por exemplo, fala muito disso. Aquilo que nós queremos conservar
e como queremos conservar muda de país para país, da realidade para
realidade. No conservadorismo não há de ser igual na China do que
em Portugal. E isso gera tradições distintas, obviamente. Onde a Igreja Católica
é mais presente, há um conservadorismo mais moral do que noutras situações.
Assim como nesses mesmos países, a laicização da sociedade também gera tradições
conservadoras distintas. Hoje em dia, antigamente, há 40 anos, uma pessoa que
votasse num partido de direita em Portugal era quase certeza católico e
definia-se politicamente como uma consequência do seu catolicismo. Hoje em dia ainda
há muita gente, mas é possível haver cada vez mais gente que
vota à direita porque se define politicamente com base em outras coisas,
no peso do Estado, na relação entre o indivíduo e o Estado,
etc. E portanto é que as direitas... Por isso é que eu
nunca gosto de falar da direita, eu gosto de falar das direitas.
Há várias direitas, sendo que em muitos casos também elas às vezes
são muito parecidas. Não há uma grande diferença de princípios entre o
conservadorismo liberal inglês e a democracia crista europeia. Aliás, o conservadorismo típico
anglo-saxónico, que é o chamado one nation conservatism, é basicamente o mesmo
que o secularista é. É menos. Não resulta da doutrina social da
igreja porque os ingleses não tinham a igreja católica como igreja maioritária,
mas resulta de pensamentos morais.
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
Certo, claro. Tem de ver à... Mas o Churchill, aliás, era muito
próximo a textos que o mostram muito... E a elogiar muito o
Keynes, por exemplo. Foi ele que, há muitas medidas, que hoje podemos
dizer estatistas, mas que eram assistencialistas, porque tem a ver com a
doutrina conservadora, que no tempo do Chórico, nem estou a falar tanto
no tempo da guerra, antes, quando ele era ministro antes, em períodos
anteriores. O próprio liberalismo, as bases filosóficas, uma pessoa vai ao Adam
Smith e o Adam Smith é essencialmente o pensador moral.
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
Certo, mas a ideia inicial, a ideia pela qual os liberais vão
buscar o liberalismo ao Adam Smith, ou podem ir Buscar, quando o
Adam Smith estava a pensar a ideia da liberdade de acordo com
a filosofia moral, que é muito crista, que depois resultou no... A
crítica, que é verdade, que o cristianismo é mais coletivista, é mais
comunitarista, não diria tanto coletivista. É mais comunitarista porque é mais... Então
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
entre o... Mas, por exemplo, a crítica do cristianismo da Igreja Católica
ao comunismo era uma crítica liberal, tinha a ver com a ideia
da dignidade da pessoa, da qual decorre a necessidade de um reduto
de liberdade fundamental. E isso está nos pensadores morais que estão na
base do liberalismo. Claro, depois o liberalismo... Mas repara, quando o Adam...
Não adiou ao problema do Estado. Tal como nós o queremos dizer.
Sim, claro. Não havia, o Adam Smith não podia escrever a mesma
coisa que escreveu o Hayek. Obviamente. Ah não é? Aliás, como eu
acho que o próprio John Maynard Keynes não ia escrever hoje aquilo
que escreveu provavelmente quando escreveu nos anos 20 ou lá quando foi,
o estado inglês não tinha o peso que depois passou a ter,
quando a dívida
José Maria Pimentel
E quanto mais marxista? Claro, quanto mais marxista. Olha, então marxista, então.
Quer
dizer, é muito...
Mas olha, força, para terminarmos... Não, eu não queria... Se calhar não
lhes sugerir um livro. Ah, sim, sim, pode ser
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
outra coisa, sim. Deixa-me sugerir uma... Até porque eu tenho que pensar...
Estava a pensar em revê-la a uma série que... Agora, a gente...
Nós estamos sempre todos a ver séries, etc, em catadupa, e há
algumas séries que por não terem caído nas boas-graças, ou das produtoras,
ou o próprio público não esteve atento, ou não estudou no Netflix,
ou é pré-Netflix, não tiveram tanto impacto. Mas há uma série ótima
chamada The Newsroom, que é do Aaron Sorkin, que fez uma das
minhas séries favoritas, que é o West Wing. E é uma espécie
de West Wing passado numa redação de notícias, uma espécie de CNN
ou Fox, mais CNN porque é mais liberal, liberal
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
continuou, não teve mais séries, não teve mais compradas por causa da...
Por decisão de, acho que era a NBC. Isto é pré... Se
não é pré-Netflix, não é pré-Netflix, mas é pré... É mesmo ali
antes de o Netflix ter começado a generalizar. E é muito interessante
porque a série passa-se com base em factos reais, ou seja, não
que aquilo seja uma... As personagens sejam reais e a situação seja
real, mas é com base na... Eles gravaram e escreveram poucas semanas
depois de se terem passado factos reais na política americana e mundial
e aquilo é na altura que o T-Party está... E o Jeff
Daniels faz um papel que é o Will McAvoy que é uma
personagem extraordinária porque é uma espécie de cultor do conservadorismo dos republicanos
tradicional. E agora há pouco tempo morreu o George Bush, é uma
espécie de herdeiro, George Bush, em que está permanentemente a intenção com
a esquerda, com as suas teorias porcísseas etc, mas também com o
seu próprio lado, que ele trata como... E tem... Enfim... Eu recomendo
às pessoas... Quer dizer, não posso recomendar que vão ao YouTube, porque,
enfim, talvez infringem direitos de autor...
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
Há, por exemplo, não sei se... Não sei se... Eu escrevi um
artigo... Não sei se te lembras quando o Donald Trump criticou os
pais de um soldado americano que tinha morrido, musulmano, na campanha eleitoral.
Sim, lembro vagamente disso, sim. Que os pais apoiavam a Hillary. E
ele fez uma crítica brutal aos pais, desrespeitando completamente, quer dizer, uma
pessoa que não lutou na guerra, na América, uma coisa... Quer dizer,
não fez um serviço militar, acho eu, nunca teve... Fugiu à... Que
era rico, fugiu aos drafts sucessivos. E há um discurso, e eu
lembro na altura que eu escrevi um artigo lembrando o Will McAvoy,
que até chamei Will McAvoy 2020, como se ele fosse o meu
candidato. Em que ele precisamente faz uma espécie de monólogo num episódio
contra um político americano, ou alguns políticos americanos que acho que num
debate das primárias criticaram soldados americanos à proposta daquela lei do Don't
Ask, Don't Tell.
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
a brincar. Não, mas, não posso dizer, mas para abrir o apetite,
que é, o Will McAvoy, enfim, numa palestra numa universidade, num debate,
e que lhe perguntam, a pergunta é porquê que a América é
o melhor país do mundo? E eu fico parado, e há ali
um silêncio grande, e ele começa a responder dizendo não é. E
a partir daí recomendo que vejam O Que Segue.
José Maria Pimentel
Pois.
[série Orientações Políticas] Francisco Mendes da Silva
Não sei se os ouvintes se lembram, muitos o ouviram, lembram a
Arsenal seguramente, a crítica que era feita ao George Bush, filho, aquela
ideia do compassionate conservatism. Enfim, a crítica era de fora, a crítica
europeia que era feita ao George Bush antes das torres, era a
crítica que é feita a todos os presidentes americanos quando iniciam a
de quererem sair. Era o não intervencionismo. O Bush era não intervencionista,
o Bush filhar não intervencionista.
Cauteloso?
Sempre, não, não, era muito parecido com o Trump, nós vamos sair.
Não tinha aquela verve de taberna do Trump, mas era o que
aconteceu depois. Caiu duas torres em cima. Grande parte dos presidentes americanos
começam próprio. Bill Clinton era não intervencionista. Depois foi intervir no Kosovo,
porque não se... Quer dizer, não se... Não se escolhe ser polícia
do mundo, acontece ser-se polícia do mundo, não se pode ter o
poder e não querer utilizá-lo.
José Maria Pimentel
O Bushpai, por exemplo, eu agora, a propósito da morte dele, ouvi-o
ser elogiado por um tipo que era grande amigo dele, portanto era
suspeito, mas achei interessante o elogio. Nunca tinha pensado na coisa dessa
forma, pela maneira como ele geriu a queda da União Soviética. Que
ele tinha muita gente, da maneira como ele estava, ele tinha muita
gente a pressionar para no fundo humilhar os soviéticos, para aproveitar aquilo
para humilhar aquela mata. Agora que vocês estão no chão. Sim, sim.
E ele cauteloso disse, não, não, vamos... Vamos dar a mão. Exatamente,
vamos ter que calmar e dar a mão a estes tipos. Bom,
enfim, Francisco, obrigado.
José Maria Pimentel
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Ferreira e Eduardo de Dória, entre outros mecenas, a quem agradeço e
cujos nomes podem encontrar na descrição deste episódio. Até a próxima!