#43 Luísa Pedroso de Lima - Psicologia Social: “a falta de integração social faz, muitas...

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José Maria Pimentel
Bem vindos ao 45°. A convidada deste episódio é Luísa Pedroso Lima, professora de Psicologia Social no IESCTEI IUL. Foi uma conversa fascinante sobre esta área da psicologia, um campo que estuda o modo como os pensamentos, sentimentos e comportamentos das pessoas são influenciados pela presença dos outros, imaginada ou real. É, portanto, mais uma face do prisma que explica a psicologia humana. Uma face adicional para além das perspectivas da personalidade e da evolução, por exemplo, que já abordei no podcast em episódios anteriores. Como explico no início da conversa, a Psicologia Social dá uma perspectiva particularmente interessante em relação à Psico-Humana, porque ajuda a explicar, de forma por vezes desarmantemente simples, fenómenos complexos, tais como estereótipos, pensamentos de grupo ou conformismo, que estão presentes tanto nas interações mais triviais do dia-a-dia como nas mais complexas e decisivas, desde logo, aquelas que muitas vezes decidem o futuro do país ou o futuro do planeta. Deixo na descrição do episódio e como é hábito, links para alguns assuntos que abordámos. Em particular, valem bem a pena ver os vídeos sobre algumas das experiências mais célebres nesta área, como a experiência da prisão de Stanford, que recomendo. E pronto, vamos à conversa, não sem antes lembrar, como sempre, que podem apoiar o podcast desde apenas 2 dólares em patreon.com.br Luís, bem-vindo ao podcast. Esta é uma área que, como eu estava a dizer há bocado, eu acho isto ultra interessante, esta área da psicologia social, mais ou menos por coincidência, eu não tinha falado sobre ela, embora já tivesse falado de maneira tangencial, sobretudo porque eu acho que é mais ou menos irresistível porque influencia-nos a todos, independentemente do nosso contexto pessoal ou profissional, influencia-nos completamente a todos, Desde logo porque todos agimos em grupo, todos somos sociais, isso aliás é uma coisa engraçada. O além de pensar a certa altura, mesmo uma pessoa introvertida, por exemplo, passa grande parte do seu tempo a lidar com outras pessoas, mesmo que seja introvertida, quer dizer, só um ermita puro é que não tem... Toda a gente está sujeito a isso. E liga uma série de áreas práticas, por exemplo, é muito utilizado em tudo que lida com gestão, por exemplo, a área do marketing, uma série de coisas que lidam com isto, até a política, quer dizer, há uma série de coisas que lidam com isso e depois tem que ver muito com, por exemplo, o nosso inconsciente, os enviesamentos cognitivos do nosso inconsciente e depois tem uma coisa que para mim é irresistível, eu tenho alguma, deve ser alguma perguiça intelectual que eu tenho alguma apetência por este tipo de explicações porque muitas vezes, eu acho que para quem vê de fora pode parecer uma área de estudo que se debruça sobre coisas um bocadinho prosaicas, mas que tem um poder explicativo para determinados fenómenos incrível. Por exemplo, talvez já vamos falar sobre isso, a história da... Em inglês é a Group Think, não sei o que... Pensamento de grupo? O pensamento de grupo, por exemplo, que está estudado, por exemplo, naquele caso da banheira dos porcos, chave ao erro, com o Kennedy. Quer dizer, que é um evento político de uma significância brutal e que é explicável, pelo menos em grande parte, por causa, ajuntamente à luz destes conselhos da Psicologia Social. Mas, enfim, eu estava a explicar-lhe há bocadinho que isto não é uma entrevista e vou começar por fazer uma pergunta que é um bocado de entrevista, mas para começar acho que é sempre melhor ser o convidado a explicar, ou a convidada neste caso a explicar a área. E, portanto, se puder explicar assim rapidamente o que é que é a psicologia social, para eu não ser impreciso, é mais fácil e depois avançamos
Luísa Pedroso de Lima
daí. Então, a definição técnica é que é uma área da psicologia e, portanto, que estuda o comportamento humano, mas que estuda, em particular, de que forma é que as outras pessoas afetam o comportamento humano? Quer quando estão presentes, quer quando nós estamos a pensar neles, como estava a dizer há um bocadinho, as pessoas introvertidas são capazes de ser das pessoas que pensam mais sobre as relações sociais. Pois, até porque são difíceis para elas, não é? Exatamente, e portanto dão muito sentido e pensam muito sobre essas situações que as outras pessoas até podem não pensar. Portanto, não quer dizer que seja só sobre os relacionamentos existentes ou sobre as situações de interação que existem, também podem ser ações de interação imaginadas ou implícitas de outras pessoas. Mas, portanto, a Psicologia Social é isso. É um campo vastíssimo e, como estava a dizer, acho que isso passa um bocado com todas as áreas da psicologia, como nós todos somos pessoas, não é? Achamos que sabemos, percebemos muitas das coisas que se passam connosco. E, portanto, às vezes estamos a dizer coisas de psicologia que as pessoas acham que são banais, no sentido em que ah, já, eu já tinha intuído
José Maria Pimentel
isto, não é?
Luísa Pedroso de Lima
E às vezes é verdade, outras vezes as explicações da psicologia são, que nós provamos, são um bocado contra-intuitivas, mas eu acho que tem a ver com isso. Claro que não é uma... Se fosse, sei lá, astrofísica, nós podemos viver uma vida inteira sem pensar em astrofísica, não é? Mas em psicologia eu acho que é difícil uma pessoa viver sem pensar as suas relações com os outros.
José Maria Pimentel
A Luísa agora falou de uma coisa engraçada, porque deve ser um bocadinho uma mágoa para quem trabalha nesta área, porque nós temos, aliás, é outro dos nossos enviesamentos cognitivos, ver aquilo que existe e o que não existe. Portanto, quando a investigação mostra, no fundo, confirma aquilo que a pessoa já intuía, é como se aquilo valesse pouco, quando na verdade vale tanto como se desmentisse, porque está a acrescentar conhecimento independentemente dele coincidir com aquilo que gera a nossa intuição ou não. É mais giro quando não coincide. É
Luísa Pedroso de Lima
mais giro, mas também é mais difícil de vender, digamos. Sim. Por exemplo, tudo aquilo que a Psicologia Social estuda muito como a redução da dissonância.
José Maria Pimentel
Dissonância cognitiva. A redução da
Luísa Pedroso de Lima
dissonância cognitiva. O facto de nós comprarmos uma determinada coisa, a seguir vamos encontrar muito mais vantagens do que tínhamos encontrado quando estávamos indecisos entre aquele produto e outro e se estávamos indecisos é porque não era evidente. Não era muito melhor que o outro, não é? Mas principalmente se investimos muito dinheiro, se ficamos a pagar prestações do carro a seguir, é um bocado difícil viver e pensarmos que aquele não era tão bom como a outra marca com a qual nós estivemos mesmo para comprar.
José Maria Pimentel
Eu lembro-me de ver essa, de lembro-me de apanhar isso a certa altura, foi uma coisa que nunca mais me esqueci essa. Para a
Luísa Pedroso de Lima
economia tem imensa coisa, não
José Maria Pimentel
é? Pois tem, pois tem.
Luísa Pedroso de Lima
Porque quanto mais nós investimos numa relação, mais nós não queremos sair dela.
José Maria Pimentel
Claro, exatamente. Já investimos imenso. E isso é... Existem as
Luísa Pedroso de Lima
falências, muitas vezes são isso. É muito difícil as pessoas que viram que investiram tanto e tanto tempo num determinado projeto, a certa altura, terem consciência de que aquilo não vai dar mais. Claro,
José Maria Pimentel
exatamente. Mas há um lado disso que tem que ver até com uma certa sanidade mental, não é? A distância cognitiva aplica-se muito a isso. Posso dizer
Luísa Pedroso de Lima
que o Nal 5 totalmente.
José Maria Pimentel
Não é? Aliás, eu lembro de ouvir a Luísa falar daquela questão das ilusões, até era uma coisa que depois lhe queria perguntar, porque acho que há uma grande dificuldade em nós nos auto iludirmos, mas a verdade, conscientemente, mas inconscientemente, nós auto iludimos-nos nesse exemplo que a Luísa falava, que a pessoa, por exemplo, uma coisa que nós fazemos tipicamente é convencermos-nos que a decisão que tomámos, quando estávamos lá está assim no entroncamento entre duas decisões, a decisão que tomámos, e portanto, lá está na dúvida, a decisão que tomámos era a melhor. Claro que não era, mas se nós não nos convencêssemos disso estávamos travados. Exatamente, como é
Luísa Pedroso de Lima
que conseguíamos pagar durante anos a prestação do
José Maria Pimentel
carro? E tudo, sei lá, como é que conseguíamos viver, não é? Se a pessoa pensar, nós estamos os dois aqui sentados num sábado a gravar, quer dizer, todas as decisões que nós tivemos que tomar para estar, bem, ao longo da vida para estar aqui, quer dizer, todas as... O curso que escolhemos, o que decidimos começar a fazer, de tudo, desde o macro até à própria organização da agenda no fim de semana, quer dizer, se a pessoa tivesse a olhar para trás e achar, bom, se calhar, se eu vou reverter aquela decisão, não é? Não, é verdade. Era uma inconstância. Nós
Luísa Pedroso de Lima
formos olhar objetivamente para a nossa vida, há muitas coisas que são muito deprimentes, não é? Sei lá. Obrigado. Pensarmos quem é que são as pessoas com quem nós nos casamos, quem é que são as pessoas nossos melhores amigos, foram coincidências, não é? Que encontramos naquela turma, ou que encontramos naquele bairro, ou que encontramos naquela universidade, não sei. E pensarmos que a pessoa ideal para ser nosso amigo, ou nosso companheiro, ou companheira, está no outro lado qualquer e que nós nunca nos cruzámos com essa pessoa, é
José Maria Pimentel
terrível. Claro, claro, exatamente.
Luísa Pedroso de Lima
É bom pensarmos que aquela é mesmo a pessoa ideal para nós e não pensarmos muito nestas coisas, nestas realidades da vida, pensarmos mais na maneira como as construímos.
José Maria Pimentel
É uma limitação grande até, por exemplo, a questão dos amigos, por exemplo, que é mais... Quer dizer, que se aplica a um maior número de pessoas, muitas vezes é uma coisa completamente acidental, quantas vezes nós conhecemos... Isso é outra conversa, mas quantas vezes é que nós de repente conhecemos alguém que nos abre as portas a uma determinada realidade, ou que não conhecíamos, ou uma determinada maneira de ver o mundo, ou o que seja, e nós pensamos, nós tivemos acesso a isto e às vezes pode alterar a vida, alterar a vida isto é, no fundo significativamente a nossa maneira de pensar foi uma coisa completamente furtuita, por acaso, conhecemos esta pessoa nesta fase da vida se tivéssemos conhecido muito antes tinha sido melhor, mas também podíamos nunca ter conhecido e nunca, certamente, nunca conheceremos determinadas pessoas que trariam essa vantagem E as interações sociais são engraçadas nesse sentido porque há um... Continua a haver, mesmo com televisão, com todos os meios de comunicação e com as redes sociais, há um tipo de interação que só é possível ter presencialmente. Ou seja, há um tipo de partilha que só é possível ter até com intimidade, e portanto não há nada que substitua isso, que é engraçado. Não há nada que... Há
Luísa Pedroso de Lima
uma coisa que por acaso preocupa-me um bocadinho. Isso o quê? O impacto das redes sociais e das interações mediadas por computador. Porque acho que, quer dizer, se nós vivemos num mundo racional, daqui a uns tempos quase que nós não precisamos de contactar com as outras pessoas para o nosso cotidiano.
José Maria Pimentel
Ah, é? Por acaso a mim não preocupa-me zero isso.
Luísa Pedroso de Lima
Não, a mim me preocupa um bocadinho. Porque acho que
José Maria Pimentel
a nossa pulsão pelo contacto... Contacto físico, contacto presencial, é tão grande, sei lá, para mim estar a gravar isto presencialmente é... Aliás, eu já gravei algumas conversas à distância por Skype ou Zoom, que é outro software e não tem nada a ver. Às vezes é a única solução, mas não tem nada a ver o tipo
Luísa Pedroso de Lima
de... Não, eu concordo totalmente, mas o que me faz impressão é que quando nós estamos a ter interações mediadas por computador ou pelos telefones, nós podemos pensar, certo? Antes de responder. Sim. Portanto, não temos de responder de imediato. E na interação com outra pessoa, nós, mesmo que seja um silêncio, isso faz parte da comunicação, certo? Exato. E nós treinarmos muito a escrita ou treinarmos muito o escrever no computador e tal, em vez de num momento isso, preocupa-me no sentido das pessoas deixarem de ter capacidade de num momento, exprimirem aquilo que querem exprimir.
José Maria Pimentel
Para perceber.
Luísa Pedroso de Lima
Perder essa capacidade de serem espontâneos ou de perderem a capacidade de, num momento, empatizarem com outra pessoa, sentirem que a outra pessoa está a sentir desconfortável. Está a ver? E isso preocupa-me um bocadinho porque nós vivemos não só das interações íntimas importantes, mas treinamos essas interações íntimas nas interações mais superficiais que nós fazemos durante o dia. Sim, sim. Uma espécie de ensaio. Portanto, com a senhora da loja, com onde vamos comprar o pão, com o sítio onde vamos tomar o café, entramos no autocarro, não é? Temos interações com as outras pessoas que nos vão treinando de alguma maneira para outras coisas. Se tudo isto é... Se nós passamos a comprar, por exemplo, na internet. Estou a perceber onde é que... Certo. Está a ver, há muitos... As centros comerciais nos Estados Unidos foi quem vendeu, os centros comerciais estão a falir porque as pessoas compram agora predominantemente online, certo?
José Maria Pimentel
Pois, isso é engraçado. Eu não estou a estar a pensar numa coisa que... Agora não me estava a ocorrer quando a Luísa começou a falar, mas está um bocadinho se calhar relacionado com isso. Tem a ver com essa... Eu não acho minimamente que o terreno das relações íntimas esteja em risco, não acho, em relação a isso não sou nada pessimista, mas essas relações mais superficiais que depois eu não estava a pensar era nisso e é interessante de facto isso servir de ensaio, quase um ensaio para as relações íntimas. Isso vai diluindo. Eu até gosto que se vá diluindo em certo sentido, quer dizer, hoje em dia faço muitas vezes as compras até do supermercado, online, e eu acho que aquilo para mim claramente é um aumento de sanidade mental, mas percebo que no limite, num mundo em que não houvesse supermercados, a pessoa nunca ia ao supermercado, por exemplo, uma coisa tão corriqueira quanto isso, e não tinha que ter aquela interação com as pessoas.
Luísa Pedroso de Lima
Tinha uma máquina para tirar o café. Exato.
José Maria Pimentel
E no supermercado há muitas coisas, porque há aquele lado civilizado de estarmos os dois a olhar para a mesma prateleira e estar um à frente do outro, ah, bom, te peço desculpa, não sei, chega para o lado, há a história da caixa, há um monte de coisas ali ultra superficiais que são uma espécie de ensaio para o resto. E as redes sociais, eu pensava até que era disso que a Luísa ia falar, agora lembremos do supermercado, porque houve um fenómeno aqui há uns anos no supermercado, que me lembrei, no Pingo Doce, salvo erro, que está muito relacionado com os temas da psicologia social, que é a desumanização, ou desindividualização, que foi aquele, lembra-se de certeza daquela vez que houve uma promoção, acho que no 1º de maio no Pingo Doce ou alguma coisa do género e aquilo eram hordas de pessoas a atropelar-se umas às outras e é um fenómeno muito engraçado porque é essa questão da desindividualização, ou seja, é nós deixarmos de ver os outros como pessoas e passamos a vê-los como... Quer dizer, nem sei como é que se pode definir, pode ser como um grupo como um grupo impreciso de pessoas, mas no fundo não são seres humanos e portanto estamos ali, em vez de haver lá está essa coisa de que nem é só boa educação, é quase humanidade da pessoa ter a inconsideração que tem uma pessoa ao pé, estar a passar por cima dela. Mas houve isso? Houve, sim, houve atropelos. O problema era
Luísa Pedroso de Lima
estar aberto ou não no 1º de maio, não é?
José Maria Pimentel
Mas tudo houve uma enchente de tal, não sei como, até porque na altura eu nem tinha sabido disso, que houve uma enchente de tal que gerou assim atropelos deste género. E as redes sociais também geram um fenómeno muito parecido, esse para mim é o lado mais pernicioso, de desindividualização em que nós vamos, Por exemplo, um tipo escreve uma coisa qualquer no Facebook, a pessoa vai lá, ou um artigo do jornal, ou o que seja, e a pessoa, em vez de estar a vê-lo como uma pessoa e da mesma forma que estaria a ver se tivesse a ter aquela interação presencialmente, passa a assumir, passa a tratar-lo como se não fosse uma pessoa e diz as maiores enormidades, aquelas coisas que a pessoa vê nas caixas de comentários, as pessoas travam-se ali de razões e insultam-se brutalmente de uma forma. O insulto não foi inventado pelas redes sociais, longe disso, mas é completamente diferente, ou seja, é muito diferente quando nós estamos a... Está até por causa disto, esta questão da linguagem corporal, o tom de voz, como se diz as coisas, há uma série dessas coisas que se perdem nas redes sociais e que levam a esse comportamento de desindividualização. É assim que se diz,
Luísa Pedroso de Lima
não é? Pode ser desumanização ou pode ser desindividualização. Ah é? Ah, bom. São duas coisas diferentes. Ah, então... Desumanização é interagir com pessoas como se elas não fossem pessoas. Desindividuação tem a ver com considerar as outras pessoas todas como iguais, não respeitar a individualidade. Sim, um grupo indivíduo. Sim, como se fossem todos iguais. Pois, a desumanização eu acho que em certa medida é pior porque nós não estamos a considerar a outra pessoa como pessoa, não é?
José Maria Pimentel
A pessoa, não
Luísa Pedroso de Lima
é? E portanto estamos lhe a negar emoções tão complexas como as que nós temos, estamos a negar as necessidades tão complexas, não é? Por exemplo, quando tem numa associação de voluntariado as pessoas que estão a dar comida aos sem-abrigo e acham que não faz mal, que a sopa vá fria, pá, porque estamos a dar a sopa então, como é que é, não é? De certa maneira estamos a achar que aquelas pessoas não são tão pessoas como nós, não é? Sim, sim, sim. Portanto, nestes pequenos pormenores, isso está associado às vezes à classe social mais baixa, não é? As pessoas acharem que pessoas de classe social mais baixa não têm os mesmos tipos de necessidades ou gostos que as pessoas de classe social mais altas. E, claro, para as pessoas que vivem como sem abrigos, toxicodependentes e não sei o quê, são grupos que são claramente vistos como pessoas, não tão pessoas como nós. E, portanto...
José Maria Pimentel
E, ao mesmo tempo, são tratados, claro, é um bocadinho das duas coisas, também são tratados como um grupo indivíduo, não é assim? Sim, são todos iguais. Uma coisa difusa com... Como nós, os chineses, não é? Que nós somos
Luísa Pedroso de Lima
todos iguais. Portanto, isso é desindividuação. Podemos não desumanizar mas desindividuar-te, não é? E qualquer dos dois é complicado para a interação. Aliás, a existência, simplesmente, da fronteira entre aquilo que é o meu grupo e o outro, não é? Simplesmente o fenómeno básico, que é um fenómeno básico de categorização. Nós arrumarmos as coisas em gavetas e em categorias, e portanto as pessoas também, e que é um recurso de sobrevivência, nós não conseguiríamos... Exatamente, sim. Não conseguimos funcionar no nosso mundo se não arrumássemos as coisas em categorias de objetos e as pessoas em categorias, mas ao mesmo tempo isso que é uma necessidade cognitiva básica, porque não conseguimos processar a informação individual de cada pessoa, não temos recursos para isso, É ao mesmo tempo uma barreira na comunicação, porque ao nós definirmos a diferença entre os meus e os outros, estou de alguma maneira a dificultar a comunicação com outro, porque ponho em cima da outra pessoa todo o estereótipo que eu tenho acerca daquele grupo e aí vem a... Pode haver desindividuação. Exatamente, sim.
José Maria Pimentel
Eu acho isso ultra interessante, eu acho que há uma fase em que a pessoa não está... Quer dizer, uma fase, a pessoa é miúda, não está alerta para isso, mas há uma fase em que acha que isso é inegavelmente mau, quando na verdade isso é, o Blastar, como eu estava a dizer, é um mecanismo até evolutivo que é essencial. Se nós não agrupássemos e não criássemos estereotipos ou pré-conceitos no sentido literal, não conseguimos fazer absolutamente nada. E o nosso inconsciente... Depois é aquela questão que é muito tratada também nesta área, embora isto esteja ligado também um bocadinho à neurologia, que é o facto do nosso inconsciente, não no sentido do Freud, mas nesse sentido mais contemporâneo, funcionar de maneira muito diferente do nosso consciente. Nós temos uma série de processos inconscientes que são automatismos de decisão rápida e que se baseiam nesse tipo de estereótipos. A pessoa tem e tem que o fazer para conseguir agir no mundo. Depois o que é preciso acrescentar por cima disso é ter o discernimento, ou pelo menos poderia dar desta forma, o discernimento para a pessoa perceber, ok, eu tenho este estereótipo que faz sentido, não é irrazoável ter este estereótipo porque de facto ele baseia-se, quer dizer, em média isto até tenderá a ser verdade. Mas também há estereótipos que são enviazados. Mas vamos admitir que por momento aqueles que não são, e há muitos que são perfeitamente razoáveis, mas eu tenho que tratar esta pessoa que está à minha frente como um indivíduo. E há aqui um conceito estatístico, normalmente dou para ilustrar isto, que é nós podemos saber... Imagino, por exemplo, os homens em média são mais altos que as mulheres, por exemplo. Isto é absolutamente verdade, não há dúvida nenhuma em relação a isto. Aliás, tem até um exemplo melhor do que este, que um amigo meu no outro dia dava. Os homens em média correm mais rápido que as mulheres. Está mais ou menos estabelecido, não é? Mas o que nós temos na prática são duas distribuições, cada uma com a sua média, mas que se sobrepõem em grande medida. Portanto, se eu agora sair ali à rua e parar uma senhora na estrada e depois parar um homem do outro lado e os puser a correr, Eu não faço a mínima ideia de quem é que vai correr mais rápido, porque são dois indivíduos. Quer dizer, o poder explicativo daquela média, que no fundo é um estereótipo, o nosso inconsciente faz aquilo de uma maneira um bocadinho mais heurística, mas aquele... O facto daquela média divergir não quer dizer nada em relação às duas pessoas que estão à minha frente, porque aquilo são...
Luísa Pedroso de Lima
A média é tirada de uma população muito maior. E também porque as médias que nós agarramos para criar esses estereótipos são aqueles que nos fazem mais sentido, não é?
José Maria Pimentel
Pois, mas isso é a questão, que também é interessante, do enviesamento do estereótipo, porque não está necessariamente certo.
Luísa Pedroso de Lima
Porque nós não nos lembramos de todas as informações que nos dão sobre determinados grupos sociais. Aquelas que nos fazem mais sentido lembramos-nos mais do que aquelas que nos fazem menos sentido. E, portanto, isso tende a perpetuar o estereótipo, porque mesmo que a pessoa seja confrontada com informação que vai contra aquilo que está a pensar, isso não é necessariamente uma razão para a pessoa mudar o seu estereótipo. A primeira coisa que faz, aliás, é tentar descredibilizar quem lhe dá a informação contrária àquilo que está à espera, não é? Até
José Maria Pimentel
porque é desconfortável, não é? É ultra desconfortável.
Luísa Pedroso de Lima
Mas isso que diz faz imenso... É verdade, não é? Quer dizer, nós não podemos fugir ao estereótipo e ao peso que automaticamente eles têm nas nossas decisões, sem pensarmos. Mas podemos estar à alerta. Exatamente. E podemos saber e tentar não estarmos a enviazar naquelas decisões porque sabemos que podemos estar a ser sexistas ou racistas. Sim, ou o que seja. E nem tem que ser...
José Maria Pimentel
Ou racistas. Exato, exato. Ou até pode não ser. Muitas vezes são coisas mais corriqueiras do que... Como é que eu ia dizer? Discriminações desse tipo, não é? São
Luísa Pedroso de Lima
coisas que as pessoas às vezes nem sequer têm razão, nem sequer têm consciência do que estão a fazer. No outro dia estava uma aluna de doutoramento, espero que não fique zangada, ela estava a apresentar o projeto e pediram-me para eu discutir o projeto dela e ela começa, eu fiz lá umas sugestões e uns comentários e ela disse-me, ah, muito obrigada professora pelos seus comentários, não estava à espera que uma professora sénior fizesse comentários tão interessantes. Ela disse isto com elogios. Exato. Isto é uma microagressão, certo? Porque ao mesmo tempo está a desqualificar a categoria onde me colocou, não é? Mas ela não tinha...
José Maria Pimentel
Mas qual era a lógica? Eu nem percebo qual era a lógica.
Luísa Pedroso de Lima
Então, ela não estava à espera que uma professora mais velha lhe fizesse comentários interessantes. Mas porquê é que não ouvia fazer comentários interessantes? Porque tinha um estereótipo idadista e, portanto, acho eu... Ah, era já passada? Era isso? Era a ideia? Sim, pois, eu sou um bocado
José Maria Pimentel
mais velha e, portanto... Sim, mas na academia... Eu estava
Luísa Pedroso de Lima
habituada a discutir com pessoas mais novas que lhe dão sugestões interessantes. Certo. Pois, está bem, está bem. As pessoas mais velhas, ela não estava à espera que lhe dessem sugestões interessantes.
José Maria Pimentel
Mas na academia é uma... Quer dizer, até esperaria que valesse mais a experiência nesse caso do que... Quer dizer, o mais velho é alguém que sabe mais do que nós à partida, não alguém que está passado, que já está... Não é?
Luísa Pedroso de Lima
Pois, não sei, Mas está a perceber o que eu estou a dizer? Certo, certo. Portanto, isto é totalmente inconsciente. As pessoas não têm a noção... Há categorias sociais face às quais nós temos muita consciência que existem estes estereótipos, não é? Como o caso, sei lá, dos ciganos, ou negros, ou às vezes, homens e mulheres, porque às vezes nem sempre nós temos consciência que estamos a ser sexis. Mas há outros estereótipos que não estamos tão alerta para isso e, portanto, eu posso me controlar relativamente, quando estou numa situação com um negro, eu posso ter a ideia de, ok, eu sei que há este estereótipo e eu vou me controlar para o meu comportamento não ser minimamente discriminatório relativamente a esta pessoa, certo? Mas se eu não tenho consciência de que discrimino faça aquela categoria social, não posso pôr em causa, não posso tornar menos automáticos os processos que são automáticos.
José Maria Pimentel
E ao lado disto, agora deixe-me... O Atalian estava à espera que a conversa fosse para aqui, mas isto é interessante, porque eu tenho alguma... Tenho uma relação um bocadinho ambivalente com toda esta questão da... Quando se passa do lado científico, digamos assim, para o lado político da coisa, porque socialmente a coisa não é muito fácil de gerir porque existem de facto as duas realidades, ou seja, a pessoa tem noção e aquilo que eu procuro fazer sempre é isso, é a pessoa tem um estereótipo, que pode ser ou não enviasado, essa é aquela que falámos há pouco, mas vamos admitir que ele até nem é, ou pelo menos a direção não é, ele não é enviasado na direção, pode ser enviasado e muitas vezes é na potência, digamos assim, ou seja, na escala, a pessoa tem muitas vezes, como nós temos muita dificuldade em ter julgamentos gradativos, depois tentamos a fazer coisas de preto e branco, não é? Os negros são todos criminosos e os brancos não fazem nada, por exemplo, não é? Agora, vamos imaginar, por exemplo, o caso dos chigueros é um caso muito interessante, porque é um caso que eu acho que hoje em dia nós temos. Também criámos um politicamente correto à falta de melhor expressão para isso, que não parece também que sempre seja útil, porque existe um estereótipo que pode ser exagerado, mas que tem que ver claramente com um problema de grupo e existe, e existe um grupo que é um problema real, como o grupo ali existe, existe um problema de integração social. É um grupo
Luísa Pedroso de Lima
que vive claramente à parte...
José Maria Pimentel
Exatamente, e o problema, aquilo que me assusta um bocadinho é quando nós ao rejeitarmos o estereótipo, ou por outro, ao rejeitarmos o preconceito aberto e dizer há um tipo que toca a minha porta e é cigano e eu lhe vou abrir a porta, só porque se ele é cigano são todos assim, ao nós rejeitarmos isso, depois também facilmente o debate público rejeita qualquer tipo de discussão sobre esse tema E depois o que isso faz é, como as pessoas razoáveis, não podem discutir, porque não querem parecer que estão a ser preconceituosas, eu nem posso dizer. Uma coisa tão simples como é a que estamos a falar politicamente é muito difícil para alguém no mainstream, porque alguém dirá, ah, mas que preconceito. Em termos de grupo, claramente existe um fenómeno de diferenciação. Ele não existe, é necessariamente ao nível do indivíduo, que é uma coisa diferente. Mas ao eliminar o espaço de decisão pública, o debate, a troca de ideias sobre isto, depois o que nós fazemos é... Os únicos que podem vir falar sobre isto são os inimportáveis, são os Andrés Venturas e afim, são aquelas pessoas que estão-se nas tintas e não estão preocupadas com soar desbocados e vão dizer uma coisa mais... Vindo mais
Luísa Pedroso de Lima
para trás, porque não quero entrar por aí, para a investigação. O que a investigação diz é que mesmo que não haja nenhuns valores associados, simplesmente classificar uma pessoa como A e outra como B, se pedir às pessoas para distribuírem recursos pelo grupo A e pelo grupo B, eu que fiquei no grupo A, mesmo que não saiba o que é que significou o grupo A ou o grupo B, dou mais recurso ao grupo A. Ah, claro, sim, sim. Portanto, são as experiências chamadas de grupo mínimos do Tashfel e dos colaboradores dele nos anos 70, que o que eles fizeram foi... Tinham, portanto, universitários que estavam e os universitários que estavam a fazer umas provas de preferências artísticas e depois a uns tantos aleatoriamente disseram que eles ficavam no grupo CLE e aos outros disseram que ele ficava no grupo
José Maria Pimentel
Kandinsky, ainda por cima, desde a mesma altura,
Luísa Pedroso de Lima
nem sequer disseram que...
José Maria Pimentel
Sim, estou a perceber, nem sequer a nomenclatura remetia para a grande diferença. Disseram-lhes
Luísa Pedroso de Lima
umas matrizes, agora, quanto é que vocês acham justo que as pessoas recebam pela participação neste estudo, sendo que todos fizeram a mesma coisa, não é? E davam-lhes daquelas matrizes... É economista, não é? Certo, sim. Daquelas matrizes em que se dá o dinheiro que dá a outra de cima, tipo dominó, em que para dar 10 a 10, para dar 10 a 10, tinha-me de dar 9 a 10. Havia assim uma série de dominós em que as pessoas escolheram. Não podiam escolher quanto é que davam, mas tinham de escolher dentro daquelas alternativas. E as pessoas preferiam ganhar menos dinheiro desde que ganhassem mais do que a outra pessoa. Quer dizer, preferia eu ganhar 5 desde que você ganhasse 3. É a diferença relativa, não é? Do que ganhar 10 se o outro ganhasse 12, não é? Portanto, eu prefiro ficar objetivamente prejudicada que
José Maria Pimentel
eu não sei quem são,
Luísa Pedroso de Lima
só sei que não são do meu. Portanto, isto é para dizer que o fenómeno de categorização tem um peso enorme, porque nós a seguir construímos na nossa cabeça alguma coisa que faz com que o meu grupo, com certeza, que vale mais do que o outro. Não me interessa o que é que é Cleo Kandinsky, isso não me diz nada para a minha
José Maria Pimentel
felicidade, mas é o meu. É ao contrário, no fundo, sim. É do grupo para o... É da existência do grupo. É
Luísa Pedroso de Lima
do grupo para a justificação.
José Maria Pimentel
E não da justificação para a... E agora,
Luísa Pedroso de Lima
claro que se nós vivermos numa sociedade em que, à partida, ainda por cima me dizem que o outro grupo não vale, mais fácil se torna a minha justificação.
José Maria Pimentel
Claro, sem dúvida, sem dúvida nenhuma, quer dizer, não tenho nenhuma dúvida, concordo completamente com isso. E se é...
Luísa Pedroso de Lima
As fronteiras, dizia-me no outro dia um amigo meu, que o maior pecado é a categorização. É aquilo que dificulta mais, facilita mais a vida a toda a gente, não é? Porque não seria possível sem isso. Mas é aquilo que constrói as diferenças e a desumanização, a desindividuação, tudo isso é a categorização, é nós acharmos que o outro não é como nós.
José Maria Pimentel
Então, mas, bem, a Luísa agora disse uma série de coisas que me apetece que eu escrevo, porque são, há várias coisas diferentes. Estava aqui a escrever para não me esquecer. Essa experiência é Gira, mas é uma experiência que também parece, intuitivamente, isto pode ser a arrogância do ignorante, mas parece-me intuitivamente ter aí dois fenómenos embutidos. Um é esse e outro é um fenómeno que existe da psicologia humana e da psicologia social, mas não da questão dos grupos, ou seja, mais que ver com a nossa relação com os outros, que é o facto de, por exemplo, a nossa felicidade, o nosso bem-estar, isso está estudado, diz respeito não à nossa riqueza em termos absolutos, mas à nossa riqueza relativa, ou seja, o meu... Porque isso está relacionado com as expectativas, não é? O meu bem-estar, por isso é que as pessoas na idade média não eram mais infelizes do que nós necessariamente, porque tinha tudo que ver com aspectos. E isso acontece entre países, por exemplo, os países... A infelicidade entre os países muitas vezes tem a ver com a iniquidade na distribuição do rendimento e não com o nível do rendimento. Se eu viver aqui em Portugal, por exemplo, a pessoa, eu não fico deprimido quando vou à rua é porque não estou a pensar no magnata do Silicon Valley nos Estados Unidos. Se eu vivesse ao lado dele todos os dias andava-me felicíssimo porque era muito mais rico do que eu, não é? E, portanto, esse lado da... Isso parece uma coisa completamente irracional, economicamente, eu lembro de ouvir esse exemplo, já não me lembrava de quem é que tinha feito, até numa cadeira de comportamento consumidor, salvo eu, e parece-nos não fazer sentido nenhum, mas na verdade até faz sentido, porque o nosso bem-estar tem que ver com... É estranho aí ser feito tão cruamente, mas o nosso bem-estar tem que ver com a comparação correta ao pé de nós. É inevitável e, portanto... Temos uma
Luísa Pedroso de Lima
oportunidade para comparar e nós aproveitamos. O meu vizinho, se eu
José Maria Pimentel
for aumentar 100% e o meu vizinho for aumentar 200%, para a minha felicidade, aquilo pode ser mau. É um bocado ridículo isto, mas é verdade. Aquilo pode ser mau. E em relação à questão dos grupos, há um exemplo um bocadinho mais cru, que é da... Como é que chama? Da Baron Cave, se não me engano, que foi feito com um grupo de miúdos nos Estados Unidos. Roberts Cave, desculpe. Não é o Baron Cave. E esse exemplo tem muita graça porque... O que é curioso nesse exemplo, aquilo é... Eles fazem, lá está de uma maneira cristalina, que conseguem controlar para o tipo de variáveis que pudessem estar a poluir aquelas experiências, mas todos nós já tivemos isso, já sentimos isso na prática, que é dois grupos que apenas por estarem a conviver em grupos, equipas de trabalho, sei lá, grupos, trabalho de grupo na escola, o que sabe, a pessoa antagoniza-os e isso. Isso parece-me uma dificuldade porque eu tenho alguma, quer dizer, moleste à parte, tenho alguma, quase naturalmente, alguma atenção a esse fenómeno, atenção no sentido de o rejeitar, mas não é muito fácil lidar com essa situação, porque se a pessoa se rejeitar, se a pessoa rejeitar esse fenómeno, que às vezes não é nada de especial, quer dizer, não é propriamente, não é uma coisa extrema de vamos bater no grupo adversário, mas é, ah, eles são os preguiçosos e nós é que trabalhamos a sério, este tipo de conversa, mas se a pessoa não alinhar nisso, se a pessoa rejeitar completamente essa conversa do grupo que está inserido, também acaba por ser rejeitado pelo próprio grupo, não é? Eu
Luísa Pedroso de Lima
percebo o que está a dizer, é uma espécie de um jogo social, não é? É, não é? Às vezes estamos a tomar café e nós dizemos, ah lá vem os do marketing
José Maria Pimentel
e tal, e tal, mas não tem
Luísa Pedroso de Lima
aqui a pinta que nós temos de tirar cafés e tal, que eles riem-se de acima, nós somos muito melhores a pôr o açúcar. Pronto, é um disparate, não é? Toda a gente sabe o que estamos a falar, mas toda a gente percebe que é o que nós temos que fazer, não é? De alguma maneira, esta identificação com o grupo é fundamental para nós conseguirmos construir quem é que nós somos.
José Maria Pimentel
Exatamente, esse para mim é o grande... E
Luísa Pedroso de Lima
termos orgulho de quem somos.
José Maria Pimentel
Exato, esse é o grande puzzle, o puzzle agora puxando a coisa para uma coisa mais relacionada até com a ética, com a maneira como conduzir a nossa vida, digamos assim. Por um lado, os grupos estão associados a uma série de coisas até perniciosas e de fenómenos de que nós estávamos a falar agora, de oposição a outro grupo, de desumanizar ou desindividualizar outra pessoa e os outros grupos, quer dizer, tudo aquilo que está fora é mau. Por outro lado, nós enquanto seres humanos precisamos dos grupos, não só precisamos da integração social porque somos animais sociais, mas também, essa é uma das coisas interessantes e que está relacionada com a sua investigação, a integração social está relacionada não só com o bem-estar, mas com a própria saúde e com a longevidade, que é incrível. Eu lembro de ter falado com a... Eu comentava isso há bocadinho em off, quando gravei uma conversa sobre nutrição, aquilo que nós... Uma das coisas que nós falámos é aquele estudo das zonas azuis. Não sei se são cinco zonas no mundo onde as pessoas são incrivelmente longevas, têm uma longevidade brutal. E o que é interessante desse estudo é que as duas primeiras variáveis... A conversa era sobre nutrição, atenção! As duas primeiras variáveis aplicativas têm que ver com as relações sociais. Só a nutrição com que nós nos preocupamos tanto e eu próprio me preocupo bem em terceiro lugar, que é incrível. Eu acho que isso é completamente contraintuitivo.
Luísa Pedroso de Lima
Essa intuição já existia há muito tempo, de que as relações sociais são positivas para a saúde. Agora, a investigação tem sido muito consistente e há relativamente pouco tempo houve uma senhora que juntou as centenas de estudos bem feitos sobre essa matéria E fez isso que está a dizer, comparou coisas que nós sabemos que nos fazem mal e que façam os quais, sei lá, a Direção Geral de Saúde e as Direções Gerales de Saúde deste mundo inteiro gastam imenso dinheiro a prevenir, como seja o tabaco, o álcool, a obesidade, e foi comparar os riscos associados à mortalidade precoce por as pessoas consumirem muito álcool, beberem muito álcool, comerem mal ou fumarem muito ou estarem expostas a grandes níveis de poluição atmosférica com as pessoas estarem sozinhas. E a falta de integração social é mais problemática para a saúde do que qualquer destas coisas.
José Maria Pimentel
É incrível! É incrível!
Luísa Pedroso de Lima
Teve um impacto, eu acho, muito grande.
José Maria Pimentel
Teve menos do que devia ter tido, porque há muita gente que acha que não sabe isso.
Luísa Pedroso de Lima
Olha, em alguns países, por exemplo, em Inglaterra, criaram o Ministério da Solidão.
José Maria Pimentel
Criaram o Ministério mesmo? Ah é? Curioso. Criaram uma coisa
Luísa Pedroso de Lima
que chama-se Ministério da Solidão, que não é um Ministério propriamente dito, não tem existência física. Há uma ministra da solidão
José Maria Pimentel
que
Luísa Pedroso de Lima
o que ela faz é eles terem de pensar, qualquer decreto dos outros, tem de pensar se isso promove ou não a integração social. Qualquer decreto que os outros ministros estejam... Pode ter propostas ela própria, não é? Mas a grande ideia é que a solidão pode ser consequência de uma série de outras políticas, políticas de habitação, políticas de saúde, etc. E, portanto, criaram ministros da solidão. Foi um propósito daquela deputada Cox, em Inglaterra, que ela morreu, foi assassinada e ela fazia parte, ela tinha tido uma depressão e tinha criado um grupo de trabalho no Parlamento Inglês sobre a solidão. E quando depois ela morreu e fizeram, continuou, o grupo de trabalho continuou e quando apresentou o trabalho, então a Teresa May constituiu o Ministério da Solidão como uma como uma forma de dar visibilidade a este problema, porque isto é uma epidemia, não é? Porque ao mesmo tempo que as pessoas parece que estão todas mais conectadas umas com as outras, cada vez se sentem mais sozinhas e isto é um bocado terrível. Se calhar também por comparação, por esses mecanismos de comparação. A gente abre o Facebook, as outras pessoas estão todas sempre a fazer
José Maria Pimentel
coisas mais interessantes. Sim, sim, sim, completamente. Quase de certeza, intuitivamente quase de certeza. Por acaso não falámos disso há bocado, mas é outro dos problemas. Aquele fenómeno do magnata de Silicon Valley, de repente ele vem parar aqui à casa do lado no Facebook, ou que seja, não é? Ou a pessoa que tem uma grande vida. Nós colocamos
Luísa Pedroso de Lima
fotografias de nós nunca antes sem fazer nada, enrolados no sofá a ver televisão com ar miserável. Sim, sim,
José Maria Pimentel
sim, completamente sim. São os highlights do... Ou seja, não só as pessoas que nós conhecemos, pois o melhor delas, como também nos abre a porta a um monte de pessoas com quem não interagiríamos e de quem temos acesso só ao melhor, não é? E muitas vezes até ao melhor um bocadinho fictício.
Luísa Pedroso de Lima
Portanto, quem tem problemas de autoestima...
José Maria Pimentel
É muito pior, claro. Complicinação, sem dúvida nenhuma. Não sei qual é a resposta para isso, porque apesar de tudo eu acho que... Quer dizer, fora de alarmismos, acho que os retrosteias têm um lado muito útil. E, portanto, fazer a coadjutura do círculo entre uma coisa e outra, sinceramente, é algo que eu ainda não consigo fazer muito bem.
Luísa Pedroso de Lima
Passamos a vida a fazer isso com outros aspectos da nossa vida, mas claro que as redes sociais têm imensas coisas boas, não é? Claro. As redes do WhatsApp, sei lá, de grupos de amigos ou de famílias ou de não sei o quê, têm imensas vantagens. Claro que há outras que são perversas, não é? Ou mesmo o funcionamento das redes sociais é perverso em termos de concentração. Por exemplo, está a trabalhar. Está no WhatsApp do grupo dos pais das crianças que está na sua escola. E a mãe da Teresinha escreve-me a dizer que esqueci-me do chapéu da minha filha. E eu a dizer, não sei se hoje... Quer dizer, a pessoa está a trabalhar e estamos sempre a... E distraem imensamente. Nós não conseguimos fazer multitasking. Essas aí não são redes... E depois voltar a concentrar...
José Maria Pimentel
Sim, sim, sim. Exatamente.
Luísa Pedroso de Lima
Também era um tempo não desprezível. E, portanto, essa parte, em termos de concentração... E não são redes que sejam importantes para nós, não é? Quer dizer, pode ser importante esta rede dos 30 pais dos meninos da mesma turma, pode ser que seja importante para organizar o pique da escola ou não sei o quê, não é? Mas depois aquilo é utilizado pelas pessoas de uma maneira que se torna difícil de ser útil. É, até
José Maria Pimentel
porque me parece que não... Até neurologicamente, ou seja, fazendo até a relação com esta questão do bem-estar e da longevidade, não deve esse tipo de interação, de certeza que não acende os mesmos interruptores. Que a interação... E portanto uma vale muito mais do que a outra. Mas esta questão da solidão é um problema que de certeza é pior no Reino Unido, que é um país mais individualista no sentido sociológico do que Portugal, nós temos, embora tínhamos casos de solidão, e se calhar até se tornam piores por causa disso, para os próprios, mas acabam por serem em menor número porque há uma integração familiar tipicamente grande. Porque lá está, quem não está integrado se calhar ainda é pior, ainda se sente pior porque está mais sozinho ainda, mas pelo menos em termos de números o fenómeno não é tão grande. E ele parece-me, intuitivamente, ele parece-me ter duas manifestações diferentes. Há um lado, eu nem sei qual é que estará mais relacionado com a saúde. E a Luísa fala disso no livro, no fundo, em estar às pessoas para se voluntariarem, fazerem parte de grupos, quer dizer, whatever, tudo o que implica estar com pessoas. Mas há um tipo de integração que é mais típica de países coletivistas como Portugal, que é a nossa integração familiar, num grupo de amigos muito coeso e que provavelmente já vem de muito atrás, mas que é uma integração em pequenos números, não é? No fundo, nós até podemos passar o nosso dia num grupo, quer dizer, o nosso dia a dia, passar quase sempre a conviver entre seis ou sete pessoas, mas convivemos muito intensamente com elas e, portanto, não precisamos de alguma coisa, temos ali um braço amigo, não temos nenhumamente desintegrados. Depois há outro tipo de interação que é mais típica, mais característica desses países mais individualistas, que é esse tipo de grupos maiores, não é? Para usar o exemplo mais extremo, se calhar, aquela coisa dos AA groups, não é? Dos grupos alcoólicos anónimos dos Estados Unidos, por exemplo, ou de voluntariado. Quer dizer, no fundo nós estamos a conviver com um grupo muito mais alargado de pessoas que conhecemos pior, mas não deixam de nos ajudar o respaldo de um grupo. Qual destes dois é que está, se calhar não se sabe, mas relacionado com a questão da longevidade e da saúde? Não se sabe, mas são três
Luísa Pedroso de Lima
tipos de coisas diferentes. Uma é ter alguém a quem eu possa contar coisas sobre mim,
José Maria Pimentel
íntimas,
Luísa Pedroso de Lima
que eu tenha... Que até, sei lá, coisas que eu não fico muito orgulhosa de ter feito, mas que eu saiba que aquela pessoa não vai deixar de gostar de mim. Portanto, ter uma relação suficientemente próxima e de confiança com alguém que eu sei que posso contar tudo àquela pessoa e ela vai continuar a aceitar-me. Isso não acontece com toda a gente mesmo no grupo familiar, certo? Sim, sim, sim, claro, absolutamente. E, portanto, e isso não precisamos ter muitas pessoas dessas, basta ter uma ou duas pessoas na nossa vida, se tivermos mais... Não,
José Maria Pimentel
até há quase um contracento. Não, é, pronto,
Luísa Pedroso de Lima
mas não precisamos ter muitas pessoas assim, mas são super importantes porque é um tipo de intimidade. Depois temos a parte da família, os grupos de amigos conhecidos, das turmas, dos colegas de trabalho, esse tipo de coletivos com quem nós nos damos com alguma intimidade, não é? Porque comemos juntos com estas pessoas, com alguma regularidade, não é? Encontramos-nos e as pessoas conhecem um bocado da nossa vida, não é? Na nossa família acompanham-nos e tal.
José Maria Pimentel
Sim, entre o campo temos uma interação positiva, libertamos aqui umas coisas no cervo e tal. Sim, é
Luísa Pedroso de Lima
porreiro, desde Corrabai, não é? Porque também estamos só a falar de lá, porque também foi daqui um bocadinho que eu gostava de falar do Corrabai. Claro, sim. E depois temos os outros grupos, que é a empresa,
José Maria Pimentel
os jantares de empresa. Sim, o clube de futebol, o partido político.
Luísa Pedroso de Lima
Sim, não é? Aqui estão mais distantes e que são importantes para nós, mas nós não temos essa relação quotidiana. Esses grupos o grupo cultural, as aulas de dança, não sei o quê, estão um bocado no misto, estão um bocado entre esses grupos familiares e esses grupos mais gerais, não é? Podem ser muito importantes e principalmente para quem está em estados de solidão crónica, podem ser uma boa maneira das pessoas voltarem a ter alguma relação com alguém. Aliás, aquilo que se costuma agora chamar prescrição social, os médicos dizem, chamar prescrição social, não é? Os médicos dizem, olha, vá para o...
José Maria Pimentel
Vá socializar.
Luísa Pedroso de Lima
Vá fazer voluntariado. Que é para estar integrado, porque se vai socializar, o que é que é isso?
José Maria Pimentel
Sim, sim, claro.
Luísa Pedroso de Lima
Não é lá para aquelas aplicações de dating, não é? Qualquer dia há aplicações para se ter amigos, não é? Mas... Não é isso. Portanto, eu vou aonde? Vou para o jardim e começo a falar com a pessoa do lado. É um bocado esquisito, certo? Agora, se eu vou fazer voluntariado e vou descascar batatas para dar às crianças não sei de onde. E eu estar lá, outro ao lado, outra pessoa a descascar cenouras, ao fim de um bocado estamos a conversar sobre qualquer outro, não é? Sobre filhos ou o que seja, não é? E portanto, não é necessário que esse espaço crie, não é só por ser, fazer parte dessa associação de voluntariado, ou dessa ação desportiva, ou não sei o quê, é porque isso cria a possibilidade de criar interações de nível de intimidade maior que essas.
José Maria Pimentel
Pois, é a condição necessária para depois partir para essa...
Luísa Pedroso de Lima
Sim. Agora, O que há um enviesamento muito na psicologia, há um enviesamento enorme individualista, e a psicologia social é um... Toda a gente reconhece a importância, mas depois quando estamos a falar de investigação nos processos de saúde, há muito pouca investigação sobre os processos psicossociais que levam isso à saúde. Nomeadamente, por exemplo, estamos a estudar, como uma aluna de doutoramento, os grupos de apoio para cuidadores informais. Cuidadores informais em Portugal ainda não têm uma dimensão enorme, não é? E... Eu não sei o... Não sabe o que é que são cuidadores informais? Não. Cuidadores informais? Sim, são membros da família que tomam conta de alguém que está doente, quer dizer... Ah, ok. A mãe que toma conta do filho que está com paralisia genital...
José Maria Pimentel
Já percebi, já percebi, sim, sim.
Luísa Pedroso de Lima
A mulher que toma conta... Ou o marido que toma conta da mulher que está com Alzheimer, que não são pagos.
José Maria Pimentel
Já percebi, sim, sim. E que tem
Luísa Pedroso de Lima
a sua vida toda condicionada pelo facto de serem cuidadores. E há uma série de intervenções em grupo para diminuir o stress do cuidador. E pronto, parece que têm resultados. Mas não há nada que estude isso enquanto processo de grupo, percebe? Olham para ali apenas como nós pusemos estas pessoas em grupo, vinham cá durante não sei quantas semanas e pronto, ao fim não sei quantas semanas estão melhores. Nós ensinávamos-lhe umas coisas sobre relaxamento, ensinávamos-lhe umas coisas, nomes, não sei o quê. E não se estuda quais são os fenómenos de grupo que ajudam a que as pessoas de facto fiquem melhores. Exatamente sabendo que os processos de grupo são importantes. Usam coisas como o tipo de personalidade da pessoa, as estratégias de coping, não sei o que, que são variáveis individuais outra vez. Ambas são importantes. É, mas era preciso saber o que é que funciona.
José Maria Pimentel
Mas não se estuda, eu achei que sim.
Luísa Pedroso de Lima
Não, a maior parte disto é uma coisa muito pragmática. Mas porquê?
José Maria Pimentel
O que é que está por trás dessa decisão?
Luísa Pedroso de Lima
Porque quem orienta a maior parte destes grupos de apoio são ou psicólogos clínicos ou enfermeiros. Então
José Maria Pimentel
estão mais orientados para o cuidado individual.
Luísa Pedroso de Lima
Exatamente, E é esse o framing que têm na cabeça. E isso poderia funcionar de forma melhor se as pessoas não só dessem práticas de relaxamento, mas que ensinassem as pessoas, sei lá, alguns skills sociais ou ajudassem a ter maior identidade com aquele próprio grupo, a perceber maneiras de se contactar uns aos outros nas alturas em que precisassem, não sei. Mas se trabalhassem as veias...
José Maria Pimentel
Claro, O lado do grupo é ultra relevante. Estão
Luísa Pedroso de Lima
em grupo mas depois tratamos como fossem um mais um mais um, não é? Mas o grupo é um bocadinho mais químico.
José Maria Pimentel
E essa relação já levou à questão do grupo, quer dizer, psicologia social e psicologia da personalidade, por exemplo, até é uma coisa em relação à qual eu fiquei com grande curiosidade, porque acho que depende muito da situação. Mas já lá vamos. Ainda em relação aos grupos, queria perguntar outra coisa, mais do ponto de vista da... Quer dizer, daquilo que no fundo a pessoa pode fazer com essas conclusões, que eu acho que também é interessante. Eu, pessoalmente, eu sinto alguma dificuldade em... Como é que eu ia dizer? Em pôr isto em prática, ou por outra, vejo se calhar algum... Também alguma desvantagem, no sentido em que se nós partimos do pressuposto de que a interação em grupos é positiva, em grupos grandes, a pessoa depois... Como é que eu vou dizer isto? A pessoa também há outro lado, há outra variável da equação que para mim é particularmente importante, que é o facto de a interação em grupos maiores, admitindo que ela é boa, e se calhar, até pela resposta da Luísa, até nem parece ser a mais importante de todas, no fundo parece ser o caminho para a interação mais próxima, a interação em grupos grandes, eu não sei se isto até é estudado, faz-se inevitavelmente, faz-se sempre pelo mínimo denominador comum. Ou por outra, qualquer interação se faz pelo mínimo dominador comum. O mínimo dominador comum, quando se alarga muito o grupo, vai se tornando cada vez mais básico. O exemplo mais fácil, se calhar, é para ilustrar isto é o de um país. Um país, a nossa cultura enquanto portugueses, tem que ser feita por um mínimo denominador comum. Bem, pode não ser comum a todos os portugueses, mas, pelo menos à maioria. O que isto produz são coisas muito básicas, muito elementares, não é? Não podemos... Enquanto que nós os dois fôssemos amigos, o nosso mínimo denominador comum, ou os vários mínimos denominadores comuns nos vários campos eram muito mais elevados, eram números muito maiores porque tínhamos muito mais conteúdo, conseguíamos ser muito mais de alta resolução, se quiser, e menos de baixa resolução. Valores e... Exatamente, o problema dos grupos, isso já é uma pergunta um bocado pessoal, mas aquilo que para mim é difícil nesse tipo de coisa, outro exemplo bom é o exemplo de um partido político. Então, nós em Portugal que lidamos muito mal com a ambigüidade, por exemplo, só ter um partido político, nós assumimos que as pessoas pensam todas o mesmo. Ou aquelas pessoas, tipo, é do PSD, é do PSD, é tudo igual, ou seja, veste aquela cartilha a 100%, que não faz sentido nenhum, é um absurdo completo, e a pessoa, para entrar lá, sente essa necessidade de convergir para aquele mínimo denominador comum e quase ignorar aquilo em que pensa diferente. Para alguém com um pendor um bocadinho individualista no sentido... Individualista no sentido da... Não é do sentido egoísta, é no sentido das relações entre indivíduos e não das relações entre grupos, é um bocadinho difícil depois de integrar esse tipo de grupos na prática. Não sei
Luísa Pedroso de Lima
se... Há duas coisas aí, pelo menos.
José Maria Pimentel
Parece que vem a psicóloga agora.
Luísa Pedroso de Lima
Há várias coisas. A primeira é que, é verdade, que quanto mais largos são os grupos, menor é esse conteúdo e maior é a parte emocional. Isso, exatamente. Torna-se muito importante essa parte
José Maria Pimentel
emocional. Eu vivo muito nessa parte emocional. Eu como sou um bocado racional, quer dizer, não sei...
Luísa Pedroso de Lima
E vive de alguns sincronismos, como por exemplo, sei lá, cantar o hino nacional.
José Maria Pimentel
Isso, exatamente.
Luísa Pedroso de Lima
Ou jantarmos um jantar de Natal cada um na sua casa, não é? Um sincronismo de nacionalidade, é isso, não é?
José Maria Pimentel
Exatamente, sim. Coisas não explicadas, não é? E não são racionalizadas.
Luísa Pedroso de Lima
Mas que têm uma grande força porque nós sabemos que fazemos isso e quando estamos no outro lado qualquer e não passamos o Natal e não comemos o bacalhau e não estamos com a família aquilo é esquisito. E pronto, há essa parte do sincronismo e depois também há estes grandes grupos, quando nós fazemos alguma coisa por eles, dão significado à nossa vida, quer dizer. Quando nós queremos, uma das razões de ser feliz não tem a ver só com as relações com os outros, mas também tem a ver com nós fazermos alguma coisa que nos transcenda.
José Maria Pimentel
Exato. Uma identidade de grupo, não é?
Luísa Pedroso de Lima
Grupo, e portanto, fazer alguma coisa que é mais importante do que o meu umbigo, e portanto trabalhar para o meu grupo, ou para o meu país, ou para não sei o quê, dá um sentido à vida que pode ser muito importante em termos de bem-estar psicológico, porque não vivemos só de, sei lá, de ouvir uma música gira e ficarmos mais alegres. E
José Maria Pimentel
também não vivemos só das interações um para um, ou de grupos pequenos, que são mais de troca direta.
Luísa Pedroso de Lima
Porque isso faz-nos sentir que nós estamos ligados com outras pessoas, que nós podemos não saber quem são, mas com os quais nós fazemos coisas que são mais do que nós, não é? Fazemos parte de uma cadeia, de uma coisa que é...
José Maria Pimentel
Quando joga a seleção, não é? E a pessoa vai ali para o Marquês, por exemplo. Claro, um absurdo, não é? A pessoa não iria se não tivesse lá mais um milhão de pessoas.
Luísa Pedroso de Lima
É, eu gosto de dar o exemplo também dos voluntariados, porque é o exemplo disso, a pessoa faz alguma coisa, porque ser voluntário, há uma série de estudos que mostram isso, que ser voluntário, pronto, em princípio faz-se bem a alguém, os voluntariados são para voluntariados ambientais, por exemplo, e para as praias, não sei o quê. Mas as pessoas fazem alguma coisa que é importante para além daquilo que elas são. E fazem isso porque decidem, não é? Não é uma coisa que alguém me empurra para fazer. É um grupo a que eu pertenci. Decidi ir fazer parte daquele das brigadas do mar que limpam praias ali, não sei o quê. E, portanto, resolvo uma vez por mês ir lá fazer isto. Isto é uma coisa que eu decido, portanto é super importante em termos de autoimagem, porque é uma coisa que eu faço porque quero, ninguém me está a obrigar, não é para ganhar dinheiro, não é para nada. Portanto, tem uma parte da autonomia. Depois tem essa parte, normalmente, de relacionar com outras pessoas, faço parte de um grupo, normalmente não fazem voluntariado sozinhas, embora acho que agora já há uns voluntariados online que eu não percebo dizer que é isso. E depois tem essa parte de estar a contribuir para alguma coisa que é importante, não é? Preservação das praias portuguesas, não é? É um valor que me transcende a mim próprio e, Portanto, quando penso depois no que é que eu fiz de bem no fim do dia, é uma coisa que não é só, epá, fui ver aquele filme que era super giro. Não, dediquei uma tarde a fazer alguma coisa que vai fazer diferença. Sim,
José Maria Pimentel
e da qual eu faço parte e que também me define, não é? Aquela questão
Luísa Pedroso de Lima
dos valores partilhados. E portanto, esses grandes grupos têm isso, não é? Esses grandes, que não são tão íntimos, mas que nos ajudam a dar significado à nossa vida. Pois,
José Maria Pimentel
é verdade, mas aquilo que eu tenho alguma dificuldade em partilhar, em alguns casos, é, embora noutros claramente não, é que isso é, lá está, como a Luísa dizia, é um nível muito mais emocional e até irracional no sentido de não ser racionalizado, não é? Quer dizer, é uma coisa que a pessoa não está... Por exemplo, porque é que nós dois somos portugueses? Provavelmente temos alguma dose de patriotismo. É o que eu sou um bocadinho, se a pessoa for racionalizar, não faz grande sentido para não dizer que não faz nenhum, não é? Ou seja, na prática... Mas por outro lado, do ponto de vista, e este para mim se calhar é o... É a grande... A equação que é difícil resolver na prática, é que nós... Na prática é preciso ter algumas dessas ilusões. Por exemplo, havia uma frase, não sei de quem que era, é de um autor conhecido, que ele dizia... Se eu pensar na pessoa, na melhor pessoa que eu poderia ser, a melhor pessoa que eu posso ser é a tratar as pessoas que me são próximas da mesma forma que trataria um desconhecido. É a melhor pessoa que eu me imagino a ser. Mas se eu tratar os meus amigos, um desconhecido, da mesma forma que trato os meus amigos, não vou ter amigos. Alguém dizia esta frase e tem muita piada, não é? Uma pessoa que... Porque não vai ter amigos. Porque a amizade faz-se justamente de um tratamento
Luísa Pedroso de Lima
humano. Ah, é justamente fazer diferente.
José Maria Pimentel
É um tratamento preferencial, não é? O que é que eu espero do meu amigo? Sim, sim, sim. Espero que ele me trate preferencialmente. Se ele me tratar como trata toda a gente, não é meu amigo, não é? E vice-versa. E isso é um paradoxo um bocado difícil de resolver, não é? Porque não faz sentido, mas é assim.
Luísa Pedroso de Lima
Mas... Pois, não sei o que lhe diga.
José Maria Pimentel
Também não estava à espera que lhes desse uma resposta. Mas é tramado, não é? Eu acho que é
Luísa Pedroso de Lima
um bocadinho difícil resolver isso. Sim, mas nós nunca podemos tratar um desconhecido como tratamos um amigo, não é? Porque o amigo conhece a nossa vida. Quando essa pessoa estava a dizer isso, tratar os desconhecidos como os amigos tem a ver com isso que estava a dizer, considerá-los como pessoas, como pessoas que têm mesmo as necessidades que nós e não as tratar mal, mas não de dar os beijinhos a todas as pessoas quando entramos no autocarro.
José Maria Pimentel
Ou seja, não tratar...
Luísa Pedroso de Lima
Existem depois as normas sociais que regulam as interações.
José Maria Pimentel
Não implica fazer mal às pessoas necessariamente, mas a amizade das relações sociais fazem-se desse tratamento preferencial e de lealdade. Complicidade. E a questão da lealdade, por exemplo, que é uma questão que entra muito no grupo e que a lealdade pura, a pessoa sair a defender aquela pessoa apenas por ser nosso amigo, é outra das diferenças entre as culturas mais coletivistas como a nossa e as culturas mais individualistas como as do centro e norte da Europa, é uma coisa que na prática não é racional. Há um exemplo que é muitas vezes necessário no podcast, é uma experiência que se faz sempre quando tem um ambiente meio multicultural, que é dar um exemplo de nós estávamos a conduzir com... Imagina, eu íamos hoje no carro, eu ia a guiar, eu vou ser o culpado, portanto vou pôr-me na posição de quem vai a guiar, ia a guiar, eu ia ao lado, reparava que eu estava em excesso de velocidade, mas não dizia nada, dizia nada, só estávamos a falar, eu pensava, isto é a decisão dele e tal, eu ia em excesso de velocidade e de repente batíamos contra uma pessoa, ou seja, atropelávamos alguém.amos ao tribunal e em tribunal o juiz perguntava-lhe se eu ia encher-se a velocidade. Alguém de uma cultura como a nossa tenderá, tenderia a mentir ou pelo menos ocultar. Atenção que eu não disse que a pessoa tinha morrido. Certo. É uma das... Normalmente as pessoas perguntam isto, essa parte fica omitida da descrição. Mas normalmente alguém de uma cultura como a nossa tende a... Tenderia, confrontado com aquela situação, por lealdade fraternal, por lealdade entre amigos, tenderia a ficar calado. Enquanto num país mais individualista, tenderia a falar, porque realmente, racionalmente, quer dizer, eu atropelhei alguém, eu ia encher-se a velocidade. Quer dizer, isso à partida é maior do que uma espécie de lealdade que é uma coisa completamente grupal, não é? Mas por outro lado... E ter que
Luísa Pedroso de Lima
contratar o outro, o nosso amigo, não
José Maria Pimentel
é? Se ele apanhou
Luísa Pedroso de Lima
com o carro, se tivesse morrido ou não, apanhou com o carro. Seria
José Maria Pimentel
o plano que ele estava a fazer. Certamente não ficou ileso, mesmo não tenha morrido, não ficou ileso. Agora, numa cultura como a nossa, nós tenderíamos a tomar o lado do nosso amigo e não dizer nada. É?
Luísa Pedroso de Lima
Já foi feito o estudo com mais ou menos coletivistas, não
José Maria Pimentel
sei. Quer dizer, eu nunca... Estou a ofender pelo preço porque comprei. Mas não acha que sim, tu intuitivamente não acha que nós somos muito mais propensos para isso.
Luísa Pedroso de Lima
Mas também lhe queria dizer que as relações sociais têm o outro lado, o lado mau.
José Maria Pimentel
Pois, eu ia lhe perguntar isso, eu sei que queria falar sobre isso.
Luísa Pedroso de Lima
Porque as pessoas, porque as relações familiares não são só um sítio maravilhoso, são um sítio onde as pessoas sofrem muito. Claro.
José Maria Pimentel
E a pressão social para comportamentos, por exemplo? O
Luísa Pedroso de Lima
grande abuso são os abusos de pais sobre filhos e não sei o que, abusos sexuais neste país e nos outros são feitos dentro da família, pessoas que as pessoas conhecem, não é? A violência conjugal, não é? É uma coisa horrorosa, mas arremto todos os anos, este ano, não sei já quantas mulheres é que morreram, mas foram seguramente mais de 50 mulheres que morreram vítimas de relacionamentos sociais familiares próximos, não é? Portanto, A família pode ser um lugar de enorme sofrimento.
José Maria Pimentel
Sim, e há relações despóticas dentro das famílias. Sim. E mesmo entre os grupos de amigos, aliás, a Luísa fala disso também no livro, aquela questão de... E todos passamos por isso já, há muita incitação, os grupos fazem-se muito até por lá está, e isso está muito relacionado com essa questão da lealdade e de gerar uma cultura específica do grupo de comportamentos de homogeneidade ou de copos ou de droga, ou o que seja. Sim, sim, todos bebem, todos não se bebem.
Luísa Pedroso de Lima
E portanto isso, os grupos podem levar a doença. Exatamente.
José Maria Pimentel
Para além dessa desindividualização intra-grupo, não é? No fundo, esse mínimo denominador comum conduz a isso. Nós fazemos isso. A lealdade
Luísa Pedroso de Lima
ao grupo é uma coisa... Mas, quer dizer, é por lealdade ao grupo que as pessoas também nas empresas trabalham mais do que deviam, ficam até mais tarde do que deviam e quando estão envolvidas num projeto, não é? O que é bom é ter-se lealdade à equipa e à empresa, para as pessoas gostarem do que é que estão a fazer e nessa condição as pessoas fazem, são muito mais produtivas e são maravilhosos empregados, não é? Devolvemos nós ter equipas...
José Maria Pimentel
É não, absolutamente sem sentido.
Luísa Pedroso de Lima
Bom para todos, para as empresas e para
José Maria Pimentel
o senhor, não é? Portanto,
Luísa Pedroso de Lima
trabalhar o espírito e equipa e trabalhar a lealdade à empresa é uma maneira de construir também felicidade no trabalho, porque as pessoas passam muito tempo no trabalho, não é? E não se vê em
José Maria Pimentel
bem, que tem quase o que costumam fazer. E ela está em culturas mais coativistas, porque o Japão é um bom exemplo disso, as pessoas por esse comprometimento dedicam horas exageradas muitas vezes ao trabalho por haver essa espécie de dever de grupo. E há outra coisa que a Luísa fala também, que está relacionada com isto, e que nós aflorámos mais ou menos no início da conversa, que é a questão das... Esta é a questão do grupo no sentido da identidade, não é? Da identidade que nos dá e de... E muitas vezes de ilusões que a pessoa precisa de ter. Lá está o patriotismo, é uma ilusão, não é? Esta coisa de ser português é em grande medida uma ilusão, porque nós construímos uma série de valores que supostamente nos tornam diferentes dos outros. E em grande medida é uma ilusão. E a pessoa, e muitas vezes fazer parte de grupos implica essa ilusão. E nós não temos dificuldade nenhuma em rejeitar alguns fenómenos desses, como sendo a ilusão preniciosa, como por exemplo o jihadismo, por exemplo, aquelas pessoas que vão para o Estado Islâmico porque aquilo lá está, lhes dá essa identidade, aquela identidade de repente dá-lhes sentido à vida, dá-lhes um rumo à vida. Nós olhamos para aquilo e acho que não teríamos dificuldades em estar de acordo que é um exagero, uma ilusão completa que não resistiria ao mínimo de informação e para além de que é pernicioso, porque depois faz mal a outra. Mas há outros casos de ilusões que já são um bocadinho mais cinzentas e das quais todos partilhamos. E às vezes... E precisamos, só que há um paradoxo aqui, que é se nós soubermos, nós não nos conseguimos auto-eludir, não é? Não conseguimos? Eu acho que não, conseguimos. Posso lhe dar um exemplo, é um tema que eu gosto, o tema da religião, por exemplo. A pessoa, para ser crente, tem que ser crente, não pode querer ser, se não acreditar não pode fazer-se acreditar. É claramente um terreno em que é uma fonte de bem-estar, não só, é particularmente propenso a efeitos de ordem positiva ou negativa, não é? Tem um lado bom e um lado mau, claramente, mas tem um lado bom e negavelmente, mas que depende da celosão. Quer dizer, não posso fazer-me... Eu não posso... Se eu não for crente, não posso tornar-me crente por achar aquilo, ou posso? Não é? Não posso iludir-me a mim próprio. Eu acho
Luísa Pedroso de Lima
que não. Quer dizer, há muitas pessoas que... Vamos lá ver, entrar num grupo pode ser só vestir... Pode ser vestir um bocado a farda do grupo, não é? E portanto eu posso ser... Posso parecer que sou do grupo sem ser, sem ter os valores do grupo. Eu posso vestir a farda de escuteiro e não ser, e não sentir verdadeiramente de escuteiro.
José Maria Pimentel
Mas aí estou desintegrado, ou não? Sim, estou,
Luísa Pedroso de Lima
tenho que estar a fazer... E há pessoas que estão na igreja porque isso é o que é suposto estarem, porque a família vai, porque os vizinhos não sei o que, o que é que diria não sei quem se não fosse e, portanto, as pessoas podem ter os rituais religiosos e dizerem que são católicos ou que religião estivemos a falar e na prática terem deixado de acreditar. Pode acontecer, não é? Mas conscientemente
José Maria Pimentel
eu acho que... Eu acho que
Luísa Pedroso de Lima
o que entra... Acho que as pessoas que fazem isto podem fazer isto muito conscientemente, exatamente porque sentem a pressão do grupo e não querem ter de se confrontar para serem diferentes.
José Maria Pimentel
Porque ser diferente é muito chato. É chato, é chato. E tentas
Luísa Pedroso de Lima
justificar e tentas explicar e não sei o quê. E, portanto, isso é o que acontece imensas vezes com os jovens. É como aquele amigo que é vegetariano. Coitado. Ou vegan, pois, não é? Que tentas explicar quantas vezes o que é e porquê, mas não comes. Exato. Não te apetece comer chouriço? Tens aqui esta farinha. Uma vez, qual é o problema? Uma vez. Qual é o problema?
José Maria Pimentel
Tentas explicar e a pessoa...
Luísa Pedroso de Lima
E a pessoa tem que explicar. E há muitas vezes nas próprias famílias, na altura da adolescência, na entrada na universidade várias vezes me deram a falar comigo a propósito dos grupos e assim, com a ideia de que está a ser mais difícil para eles manterem as ligações à igreja e à comunidade religiosa, que foi sempre parte tão importante da vida deles, mas estavam em, sei lá, em Torres Novas, ou sei o quê, aquilo faz sentido, e depois vêm viver para Lisboa, e é diferente. Começam a dar-se com pessoas que têm ritmos de vida diferentes, mas quando vão lá, que se virem em Lisboa num domingo, não vão à missa. Mas se forem em Torres Novas, vão à missa. Em primeiro lugar suponho eu que é porque não quiserem ter a discussão com os pais de que são católicos, não são católicos, perderam a fé. É tão mais fácil conformar-se àquilo que é esperado de nós, não é? É verdade, mas... E portanto as pessoas podem viver durante uns tempos esta vida. Ah,
José Maria Pimentel
era o que eu ia dizer, mas durante uns tempos, não é? Ou seja, isso não é o ponto de equilíbrio, não é? Isso é uma transição para algores, que depois pode reverter para o ponto de origem ou pode acabar... Sim,
Luísa Pedroso de Lima
eu concordo sim, que as pessoas de alguma maneira vão ter de resolver
José Maria Pimentel
isto na sua cabeça. Até por causa da questão da dissonância cognitiva.
Luísa Pedroso de Lima
Sim, a consistência do que aquelas pessoas são. As pessoas não têm... Podemos ter maneiras diferentes de ser, mas coisas tão diferentes como eu acredito e eu não acredito, uma coisa que é o contrário da outra, parece difícil manter, mas nós conseguimos viver muitos anos com isto, num contexto. Vou à missa e noutros contextos não vou. Depois o que é ter fé? Eu posso ir pensando que ter fé é diferentes coisas. Exato, vou relativizando. Vou relativizando. Ter fé é uma relação minha com Deus, não tem nada a ver com ir à igreja. Posso reduzir a dissonância de muitas maneiras, fazendo explicações super complexas. Nós
José Maria Pimentel
não chegámos a explicar, desculpe, no início não chegámos a explicar a dissonância cognitiva, que as pessoas podem não saber o que é. Veja lá se eu estou a definir. Bem, a maneira como eu a definiria é uma dissonância, lá está, é um desfasar entre aquilo que é o nosso comportamento e aquilo em que nós acreditamos, no fundo.
Luísa Pedroso de Lima
É nós termos ao mesmo tempo duas ideias contraditórias sobre aquilo que nós estamos a fazer, quer dizer, e por em causa uma ideia que nós gostamos de ter, que somos pessoas...
José Maria Pimentel
Completamente coerentes, não é? Exato. Que nós
Luísa Pedroso de Lima
pensamos uma coisa e fazemos aquilo que estamos a pensar. E, portanto, nós achamos que o ambiente é importante, nós reciclamos. E, portanto, o facto de deitar as cápsulas da Nespresso todas para o lixo. Para o lixo orgânico. Normal, não é? A certa altura nós temos
José Maria Pimentel
de pensar porquê que, se eu acho que sou ambientalista, faço isto? Que
Luísa Pedroso de Lima
eu não vou... O sítio da Nespresso está muito longe para reciclar. E, portanto, arranjo uma justificação que eu consigo fazer, que ao mesmo tempo me sinta bem, com o facto de achar que sou ambientalista e o facto de ter um comportamento claramente não ambientalista,
José Maria Pimentel
não é? Ou ao contrário, também posso fazer o contrário, que é deixar de ser ambientalista. Ou seja, posso fazer convergir o meu... Posso fazer convergir as ideias para o... Eu acho que acontece, não aconteceria nesta situação, mas posso... Por exemplo, o caso da igreja, acho que é um caso em que isso deve acontecer muito, no sentido de... Acho que isso só pode acontecer inconscientemente, não conscientemente, é a pessoa ter... A pessoa ter um determinado comportamento e a maneira de resolver essa dissonância entre esse comportamento e aquilo que era uma nossa tendência para uma ideia diferente é fazer convergir, no fundo convencermos-nos de que aquilo que acreditamos está alinhado com aquele comportamento.
Luísa Pedroso de Lima
Há um psicólogo que diz que nós não somos nada bom a prevermos aquilo que as pessoas fazem, mas as pessoas são muito boas a explicarem depois de fazer, a acharem boas justificações para aquilo que eles têm a fazer.
José Maria Pimentel
Isso é a questão da consciência. A consciência é um grande mistério, e cada vez mais se define a consciência como uma espécie de repórter. Chega a situações, é bom, ento vamos aqui, peço desculpa que eu incendo e tal, vamos aqui. E isso deve ter sido porque não sei o quê. Em vez de estar a justificar a coisa tanto mal. Há um tipo de... A Luísa conhece certeza, que embora isto seja mais até utilizado na área da gestão, que é o Cialdini, um psicólogo americano que tem um livro sobre a persuasão que pega em muitas coisas desse género. Já não sei se ele fala de adicione cognitiva por nome lá, mas há muitas estratégias de persuasão que utilizam isto, que é a pessoa... Se nós fizermos uma coisa qualquer, depois vamos ter a necessidade de nos tornar coerentes com aquilo. Chama-se
Luísa Pedroso de Lima
a técnica do pé na porta, não é?
José Maria Pimentel
Ah é? Não sabia.
Luísa Pedroso de Lima
Pede-se um pequeno favor e a pessoa diz que sim e é seguido. Gradualmente.
José Maria Pimentel
É, exatamente. Aliás, eu dava um exemplo do que tinha que ver, acho que dava vários, mas havia um que tinha que ver com placares de, até aqueles que eles cabem nos Estados Unidos, quando há candidatos. Nós temos os autodós, não é? E eles muitas vezes têm
Luísa Pedroso de Lima
aquilo no... Aquelas espécies de pessoas vestidas com um placar à frente e outro à trás? Não.
José Maria Pimentel
Ah, sim, também! Mas não era isso que eu estava a falar. Estava a falar daqueles placares que eles põem no jardim da frente. Ah, sim. Está a ver? Aquela coisa que... E então era... Eles testavam duas coisas. Uma, eles pediam diretamente às pessoas que podiam pôr e havia uma taxa de relação brutal. E outra, em que eles pediam para fazer qualquer coisa antes, para pôr qualquer coisa antes, que era muito mais fácil, a pessoa dizia que sim. E depois quando eles chegavam a pedir para pôr o placar, a percentagem de pessoas que diziam que sim era muito maior. Porque lá está, é essa questão do pé na porta, nunca tinha ouvido essas expressões bastante piadas. A questão do pé na porta. E isso acontece, eu acho que isso acontece socialmente, por isso é que isto é ultra interessante, acontece muitas vezes coisas que me parecem estar relacionadas com isto, mas podem ser formas diferentes de dissonância cognitiva. Bem, há outro exemplo até mais giro do que este que ele dá no livro, que é... Este caso acho que é muito conhecido, é de uma seita, alguns nos Estados Unidos, e esse nunca me esqueci. Eles acreditavam, era daquelas seitas extremistas que acreditavam que o mundo ia acabar. Portanto, eles... Conhece o exemplo? Vou só contar rapidamente para quem está a ouvir. Como é que eles se chamam?
Luísa Pedroso de Lima
Festinger foi mesmo, eu não sei.
José Maria Pimentel
Ah, foi o psicólogo que estudou, exatamente. Foi o Festinger que fez. Pronto, só para explicar rapidamente para quem ouviu. Se eu tiver a dizer alguma coisa mal, depois corrijam. Era uma seita que acreditava no fim do mundo e que acreditava que o mundo ia acabar, iam ser salvos, no fundo, os que estavam na Arca de Noé, só a dizer, não é? Aqueles que faziam parte daquela sete e, portanto, todos eles vendiam tudo, lá está, rejeitavam completamente os grupos às quais pertenciam, maridos, mulheres, muitas vezes, e fechavam-se. Entretanto, é suposto que está a meia-noite, o mundo acabar. O mundo não acaba, passam vários minutos da meia-noite, já não tem terceira e terceira meia-noite, e entretanto a pessoa que era membro da sete e que supostamente tinha o telefone com Deus ou com o emissário finge que recebe um telefonema, recomeça a falar e diz Bom, isto na verdade, Deus ficou tão impressionado com o nosso empenho, não é? Que salvou o resto da humanidade e agora a nossa missão é evangelizar o resto da humanidade. Isto obviamente era uma treta, não fazia sentido nenhum, mas para aquelas pessoas que tinham tomado aquela decisão a única maneira de eles se tornarem coerentes era acreditarem nisto, não é? Porque senão iam se suicidar ou alguma coisa qualquer. E essa
Luísa Pedroso de Lima
até... É engraçado porque esse psicólogo especial, o Fesstinger, achou que era uma boa oportunidade para ele estudar exatamente o que é que acontecia quando as pessoas fazem estas previsões e se empenham tanto numa previsão que depois não acontece. Como é que ele estudou? Ele foi lá, ele fez-se
José Maria Pimentel
membro da CETA. Ah, fez-se membro! Fiz-se
Luísa Pedroso de Lima
membro da CETA, porque ele dizia, explicou que, quer dizer, se o mundo acabasse, pronto, ok.
José Maria Pimentel
Não tinha nada a perder, exato.
Luísa Pedroso de Lima
Se não acabasse, Ficava a saber em primeira mão como é que as pessoas reagiram àquela situação. E, portanto, as pessoas... Ao contrário do que racionalmente seria expectável, não é? É se... Tem-se uma... Está-se numa ceita que diz que o mundo vai acabar e está tudo à volta do mundo ir acabar e depois não acaba racionalmente as pessoas dizem, esta ceita é uma treta, certo? Mas o que aconteceu não foi que as pessoas até se tornaram mais entusiastas da própria ceita porque se sentiram responsáveis por passar a boa nova e responsáveis porque tinha sido pela sua fé e pela sua oração que eles tinham salvo a humanidade. Uma coisa espantosa, não é? E era a única maneira. E era a única maneira de dar sentido a tudo. E, portanto, por isso é que há tantas coisas que a gente investe e que depois, obviamente, certo, o paralelismo é um pouco tosco, mas é aquele programa que há agora de casamentos, não é? Parece que aquilo está a dar tudo para a torta, eu não sei, não tenho visto, a vez em quando passo por lá. Quem diria? É para ver como é. Mas... E depois haviam especialistas que sabiam encontrar as pessoas certas. E ninguém se questiona que aquele especialista... Aquilo está tudo a dar para a torta e esses especialistas lá continuam como especialistas a dar conselho.
José Maria Pimentel
Isso acontece muito, sim, sim.
Luísa Pedroso de Lima
Mas pronto, as pessoas, à medida que estão tão envolvidas na situação, ocorre telefonar a dizer vocês, são os tretas, não é?
José Maria Pimentel
Mas eu não acho um exemplo assim tão tosco, porque é um bocadinho isso, não é? Quer dizer, a única maneira de continuar aquilo é racionalizar os erros, não é?
Luísa Pedroso de Lima
Exatamente, é aquela visibilidade toda. Expuseram a sua vida para toda a gente poder ver uma coisa tão íntima como uma relação de casamento, não é? E ainda por cima, os gajos não lhe encontram a pessoa certa. E continua lá. E ou continua a fazer aquela fita, não sei, precisa muito da redução da dissonância, não é?
José Maria Pimentel
O que eu acho interessante neste exemplo é que ele tem uma relevância enorme na prática. Há muitas coisas que são versões menos tramadas disso, é uma versão ótima porque é quase um caso puro, parece uma coisa clínica, parece que se fez uma experiência, mas há muitas coisas na nossa vida que nós fazemos na prática isso. E parece-me também que há fenómenos com alguma diferença dentro deste chapéu da dissonância cognitiva. Por exemplo, essa questão de uma coisa que eu reparo muito, e até está muito dentro dessa analogia do pé da porta ou do gradual, não é? Parece um bocadinho aquela coisa da lagosta, não é? Que se deixa cozer porque a água vai aumentando gradualmente. E esse fenómeno de comprometimento, por exemplo, uma coisa que eu lembro de um amigo estar a contar um fenómeno que se passava na empresa dele e eu lembro, e eu já reparei muito, depois vim a reparar ou vim a reinterpretar muitas coisas, fenómenos de grupo que acontecem muito nessa base, que é, ele dizia, por exemplo, o chefe dele contava uma história qualquer, agravava-se de uma coisa qualquer, e era uma história destas inverosíveis, do género desta, quer dizer, que provavelmente não era verdade. Ele dizia isto numa reunião e ninguém dizia nada, porque a pessoa... Eu digo que ele é completamente inverosímil, mas não era, na prática, era quase completamente inverosímil, quer dizer, é uma possibilidade remota da pessoa, daquilo ser verdade. E era o chefe e tal, portanto ninguém ia... Ninguém dizia nada. A partir do momento em que as pessoas não disseram nada, tornaram-se cúmplices dele. Tornaram-se cúmplices no sentido daquilo, não é à segunda vez que a pessoa vai rejeitar. Sou estranho, não é? Ia-me sentir desconfortável. Portanto, a partir desse momento as pessoas tornam-se cúmplices e aquilo já era um desconforto grande. E a única maneira de resolver esse desconforto é passar a acreditar na história, porque nós já fomos cúmplices dela antes, não é? Quer dizer, nós na primeira vez que o tipo contou a história, na segunda, na terceira, na quarta e na quinta, nós estivemos cúmplices. A única maneira de continuar a ouvir a história em paz é nós passarmos a acreditar nela inconscientemente, não é? Obviamente não podemos fazer isto conscientemente, mas inconscientemente é a única maneira de resolver essa dissonância. Não sei se isto faz sentido para... Do ponto de vista académico. Podemos fazer de outra
Luísa Pedroso de Lima
maneira, acharmos que não íamos... Se a pessoa é um chefe, não é? Mas voltar calado, eu sei que isto não é verdade.
José Maria Pimentel
Essa é a mais racional, não é? Eu sei que isto
Luísa Pedroso de Lima
não é verdade, mas deixa-me cá rir e não voltar a levantar, porque no fim tem avaliação de desempenho, não vou estar aqui a chatear. Pronto, ele gosta de contar estas piadas, coitado do gajo. É um ato de caridade, quase me arrepio com esta piada e não estar a levantar. É outra maneira de justificar. Posso não mudar o meu comportamento. Mudar o comportamento dá sempre mais trabalho do que justificar ficar na mesma. Exatamente. Se há uma lei da psicologia, é a lei do menor esforço. É
José Maria Pimentel
a lei da vida, quase é.
Luísa Pedroso de Lima
Nós fazemos tudo para poupar esforço e mudar é... Mudar dá trabalho.
José Maria Pimentel
É um bom resumo dessa questão, porque é um bocadinho isso. E esse exemplo lá está de novo, esse exemplo da seita é ultra-extremo. Se eles admitirem que estava errado, implicava pedir desculpa às pessoas todas e refazer uma vida que se tinha deitado de bordo a fora de modo próprio, que senão era completamente impossível. E há muitas coisas... Por exemplo, a família também entra muito... Nós, em relação aos nossos familiares, temos uma alinencia muito grande, não é? Nós... E justificamos muitas vezes os defeitos inevitáveis das pessoas que estão connosco, justificamos-os porque elas nos são próximas, não é? E às vezes vem alguém de fora e diz-nos uma coisa que é completamente evidente em relação a alguém que nos é próximo e nós até rejeitamos aquilo inicialmente quando na prática é inegável. Nós
Luísa Pedroso de Lima
na nossa família, não sei se o Zé Maria tem irmãos, mas na nossa família podemos dizer mal dos irmãos aos outros, não é? Sim. Mas se vier uma pessoa de fora a dizer mal do meu irmão, isso quer dizer, não pode ser. Eu posso dizer aquilo, mas os outros de fora não podem dizer.
José Maria Pimentel
É bom o patriotismo, não é? A questão do patriotismo está relacionada com isso, não é? É,
Luísa Pedroso de Lima
e a intimidade que eu tenho no grupo, não é? A intimidade que eu tenho com as outras pessoas, que sei que posso reconhecer defeitos às minhas irmãs e elas me podem reconhecer de feitos a mim, mas alguém de fora dizer mal das minhas irmãs, isso é outra história. Isso é um insulto.
José Maria Pimentel
Isso, exatamente.
Luísa Pedroso de Lima
Eu é realismo. Exato. Eu é ser amiga dela.
José Maria Pimentel
Até porque pode querer dizer-me mais alguma coisa. Exatamente. Ela pode querer dizer-me alguma coisa a mais.
Luísa Pedroso de Lima
Os mesmos comportamentos podem ter conotações diferentes, não é?
José Maria Pimentel
Quando nós estamos, não sei. Não podia deixar de falar de uma das experiências mais giras desta área, que é aquela experiência do do solomanache, do comprimento dos fios. Eu já tinha ouvido falar dela uma vez numa cadeira. É uma experiência... Eu acho muito curiosa porque... Bem, lá está, esta explica-se muito rapidamente. Savoirre é uma sala cheia de pessoas que vão... Que têm que dizer o que vêem, no fundo. Ou Responder uma pergunta em relação a uma imagem que é projetada. E na experiência projeta-se uma série de coisas completamente evidentes, toda a gente responde no mesmo sentido e de repente projeta-se uma imagem, ou não sei se eram os próprios fios ou cordas, em que havia duas com um comprimento e outra com um comprimento diferente, e de repente à volta da mesa toda a gente diz que elas têm o mesmo comprimento e chega à pessoa que está na experiência mas não sabe que é a única que está na experiência e por ver toda a gente a dizer uma coisa que vai contra aquilo que os sentidos delas estão a ver acaba muitas vezes por dizer que se há a ver três cordas ou três fios do mesmo tamanho, quando na prática um dos fios era evidentemente de tamanho diferente. E isso tem que ver com a questão da conformidade, que ainda não tínhamos falado, ou seja, é assim que se diz em português, não é? Conformismo, sim. Conformar-me-nos no fundo à impressão do grupo. E o que é giro nisto, o que eu achei giro, isto é giro sobretudo porque, ao contrário das tuas experiências, não há aqui nenhuma figura de autoridade. Não há aqui ninguém que esteja, no fundo, a pressionar-me, ou não é, para usar o exemplo do concurso outra vez, não há o especialista em casamento, não há ninguém que esteja a fazer, que tenha autoridade enquanto especialista naquilo, que esteja a dizer que são três filhos, são pessoas iguais a mim. Portanto é completamente livre nesse sentido. E depois, acho que só houve erro, eram três quartos ou dois terços das pessoas que responderam que os filhos tinham o mesmo comprimento. E o que era giro ali é que depois, entrevistadas, havia pessoas que reconheciam que tinham visto um comprimento diferente mas que se deixaram levar... Quer dizer, já acontece-nos em coisas menos... Em exemplos menos preto no branco, mas acontece-nos muitas vezes deixar-nos levar pelo grupo e dizermos coisas que depois percebemos que não faziam sentido. Mas o que é mais gênio, o que eu achei mais interessante é que havia pessoas que tinham convencido mesmo que aquilo tinha... Que os três fios tinham o mesmo comprimento. É incrível isso!
Luísa Pedroso de Lima
Ou pensaram que tinham percebido mal a instrução. Ah, é também. Que a culpa era delas, porque não tinham percebido bem o que é que...
José Maria Pimentel
Que giro,
Luísa Pedroso de Lima
sim. Sim, mas a interiorização da culpa e a mudança que depois pode levar a coisas como falsas memórias, não é? As pessoas construírem.
José Maria Pimentel
Exato, sim. Esse tribunal é da tramada também. Exatamente,
Luísa Pedroso de Lima
porque as pessoas depois podem pensar mesmo que viram coisas que não viram. Lá
José Maria Pimentel
está, resolver adicionança cognitiva outra vez.
Luísa Pedroso de Lima
Fizeram e ficaram a pensar, e ficaram a dizer coisas que não aconteceram com elas. Há um estudo desses de submissão à autoridade, mas sem ser as coisas mais extremas do Milgram.
José Maria Pimentel
Sim. O Milgram é o dos choques elétricos. É, os choques
Luísa Pedroso de Lima
elétricos. Em que há um investigador que contrata estudantes universitários para fazer um estudo que é ter de escrever no computador uma coisa que o outro está a editar. E o experimentador diz, olha, está aqui este computador, é o único que eu tenho, mas por amor de Deus, não carregue no botão alto, porque isto está estragado E se carregar no botão alto, destruímos os dados todos. E eles lá começam um dita e o outro escreve, e a certa altura o computador cracha. Já estou
José Maria Pimentel
a ver onde é que isso vai! Entra
Luísa Pedroso de Lima
o experimentador a dizer que horror! Eu disse-lhe para não carregar na tecla alto e você carregou e não sei o quê. E ele tem uma série de manipulações. Ora o gajo que está a dizer que sim senhor, aquele carregou. O outro diz que não viu, qualquer coisa assim. Como é que aconteceu?"
José Maria Pimentel
E ele depois
Luísa Pedroso de Lima
no fim pede à pessoa para escrever uma declaração de que a culpa foi dele e depois ainda lhe pede, mas diga, quando ele assina a declaração, diz-lhe, mas então diga-me lá, o que é que você estava a escrever para carregar na tecla alta? Estava aqui o que escreveu, ou estava-lhe a editar esta frase, não sei o quê.
José Maria Pimentel
Ou seja, para tocar numa tecla... Para reconstruir.
Luísa Pedroso de Lima
E pronto, E as pessoas não tocaram, ninguém tinha tocado, não é? Mas há 25% de pessoas, ou não sei o quê, que quando o outro diz que o viu tocar, são capazes de dizer não, devia ser quando eu estava a escrever Alegria, que estava aqui e o meu dedo deve ter passado ali. Portanto, as pessoas são capazes de reconstruir... Faltam incriminar. Faltam incriminar, reconstruir coisas que não fizeram e, portanto, construírem ativamente falsas memórias por, naquele caso, submissão a uma autoridade e por construção deste...
José Maria Pimentel
Giro, não conhecia essa. É assustador. É assustador, é. E isso, por exemplo, em tribunal, isso... Por isso é que muitas vezes as confissões são desacreditadas por causa disso. Na outra, eu estava a ver uma série, uma série que está na Netflix, que se chama Making a Murder, se não me engano, e ela se aturou a uma confissão de um miúdo que tinha um ligeiro atraso mental, ou seja, pode ser descrito como um cair muito abaixo da média ou o que seja, e ele está numa situação em que ele é suspeito de ter cometido o crime e há três ou quatro inspectores, não, acho que eram dois ou três que os estão a pressionar cada vez mais, a dizer que tu fizeste aquilo e começam e depois sem querer a dar ingredientes do que no fundo é o que está implícito aí também, de como aquilo podia ter acontecido e ele acaba por confessar uma coisa que depois, na verdade, ficam muitas dúvidas porque parece uma situação desse género, em que ele está... Ele auto-convence que arregou no alto, não é? E depois muitos truques, depois aquilo também tem outros truques, como por exemplo dizer diz lá, diz lá que já te vais embora e depois fica tudo bem, uma coisa desse género, não é? E ele no fundo convence que vai dizer o que as pessoas querem ouvir e quer sair daquela situação e vai ficar tudo bem, não é? Portanto, para uma pessoa que tem um QI baixo, vai ficar tudo bem, significa, não percebe a nuance do que tudo bem não significa que vai ficar tudo bem.
Luísa Pedroso de Lima
Sim, mas mesmo sem irmos para estes casos tão extremos, mesmo em reuniões em que há votações, não é? Sim, braços no ar, sobretudo, não é? Sim, que nós não... Mandaram-nos uma documentação, montes de coisas na véspera, então a gente não ia ficar a noite toda a ler as coisas que me tinham mandado e depois os outros estão a dizer que está bem, eu também digo que está bem, não é? Isso acontece imensas vezes. Sim, sim, é incrível. Imensas vezes e, portanto, quando se vai perceber porquê é que foram tomadas determinadas decisões e quem é que as votou, até se chegar à conclusão de que foram decisões por consenso, mas não havendo ninguém que se opôs. Não houve de facto uma discussão a sério e como ninguém também leu aquilo muito a sério, há imensas decisões em órgãos importantes, sei lá, falo de universidades, que muitas vezes são tomadas sem haver reflexão e por via do conformismo, que ao fim e ao cabo é uma espécie de confiança. É uma lógica de confiança, que é uma base do relacionamento social, não é? Eu confio que estão todos... Até pode não ser para não querer fazer figuras, não é? Não querer ser no frente, não estar a perder tempo, não sei o quê, porque depois lá vem aquele que tem sempre dúvida e pá... Chato, exato. Agora já sei que não vou almoçar a horas, não é? Isto estava a correr tão bem, estava quase a acabar, tinhas de começar, não é? Para não gerir essa pressão, não é? Pode ser uma das razões, mas outra razão pode ser, pá, toda a gente via isto, toda a gente viu, eu devo ter sido a única que não tive ontem à noite a olhar para os papéis. Exato, exato, completamente.
José Maria Pimentel
Aliás, já me aconteceu em casos desses, eu estar exatamente com esse tipo de insegurança, pensar, bom, ninguém está a dizer nada e de repente dizer e perceber-se que estava toda a gente na mesma situação, só que ninguém tinha falado ainda. E provavelmente se eu não tivesse falado, outra pessoa que fosse no meu lugar, o assunto tinha passado. E tinha passado nessa que cala a concentração. E o grande problema disso, em termos de decisão, isto percebe-se perfeitamente que nós que nós façamos isso, É uma questão de pragmatismo e de simplificação e de confiança nos outros. Mas na prática nós estamos a confiar na inteligência coletiva e ao confiarmos na inteligência coletiva estamos justamente a boicotar a inteligência coletiva, porque só se decide uma pessoa.
Luísa Pedroso de Lima
E se aquilo estiver mal e tivesse sido mal lido ou se não sei o que pela pessoa que propõe, exatamente porque confia. Porque vai para aquele grupo, estão lá mais seis ou sete pessoas, com certeza que se isto tiver algum... Depois logo vem aí, depois as pessoas todas confiam que aquele fez bem o seu trabalho, é todo um jogo de enganos.
José Maria Pimentel
É, é um jogo de enganos, é
Luísa Pedroso de Lima
assim. É aquela coisa, como falou há um bocadinho, da baia dos porcos. Pois não chegámos a falar dessa,
José Maria Pimentel
basicamente é um caso, se me lembro bem, em que eles acabam por decidir, é reunido o Conselho de Guerra ou uma coisa assim do género, pelo Kennedy, e eles acabam por tomar uma decisão errada e que depois se percebe no fundo a ver. Muitas pessoas na sala que estariam... Eles
Luísa Pedroso de Lima
resolveram fazer um ataque a Cuba.
José Maria Pimentel
Exato.
Luísa Pedroso de Lima
E arranjando refugiados, pessoas que estavam lá nos Estados Unidos que eram cubanos, e acharam que aquilo ia ser muito fácil,
José Maria Pimentel
chegavam lá e eram estantinhos. Em três tempos, então estavam ali.
Luísa Pedroso de Lima
E foi pessoas inteligentes que planearam aquilo e não fizeram aquilo que os militares todos têm a obrigação de fazer, que é um plano de contingência. E se aquilo não correu bem? Eles nem sequer tinham o plano de contingência, eles estavam tão confiantes de que o Che Guevara, o que fizeram com o Castro... O Che Guevara, sim. Aquilo não...
José Maria Pimentel
Porque foi mesmo no início, não é? Aquilo
Luísa Pedroso de Lima
foi mesmo no início. Aquilo não ia funcionar e que eles não estavam organizados e que chegavam lá e as pessoas iam recebê-los como heróis, finalmente salvaram, que não pensaram sequer... Mas depois, quando se foi entrevistar as pessoas que tinham participado, depois daquilo, já para contar a história, chegaram lá e foi um grande desastre, não foi verdade, não os receberam em triunfo, pelo contrário,
José Maria Pimentel
ficaram presos. E, portanto,
Luísa Pedroso de Lima
aquilo foi uma grande humilhação americana. Mas, quando se falaram com as pessoas, com os generais e as pessoas que estavam envolvidas no planeamento dessa ação, quase todas as pessoas tinham dúvidas.
José Maria Pimentel
Só que não expressaram. Só
Luísa Pedroso de Lima
que não expressaram porque acharam que eram os únicos que tinham esta dúvida. Não, pronto, está toda a gente tão confiante e este grupo é tão importante e é tão secreto e estamos a fazer uma coisa tão importante que não vale a pena estar eu a ser o que vem levantar questões. E pronto, e depois a seguir quando foi a crise dos missais em Cuba, eles já fizeram isso de outra maneira, não é? Porque exatamente o Kennedy quis que as pessoas, por exemplo, técnicas muito simples de grupo, mas que fazem quando são decisões importantes, que evita isto. Por exemplo, subdividir o grupo em dois e as duas pessoas terem de pensar em soluções alternativas, os dois subgrupos terem de pensar em soluções alternativas ou chamarem alguém de fora para avaliar o que estão a fazer, ou alguém que tem de se fazer da advogada do diabo e pôr-se...
José Maria Pimentel
Tem esse papel
Luísa Pedroso de Lima
dentro do grupo e tem alguém de fazer esse papel para obrigar o grupo a pensar e melhorar os argumentos e encontrar falhas, não é? Portanto, isso são técnicas que eles depois desenvolveram e que se faz para evitar o pensamento de grupo, que é uma coisa que acontece muito nos grupos coeso, que as pessoas confiam muito umas nas outras e ainda mais
José Maria Pimentel
quando estão em situações de ameaça. É quase um efeito colateral, muitas vezes é um efeito colateral, muitas vezes tem que ver com a autoridade, quase a pessoa está sob sentir-se coagida a não dizer nada, mas noutros casos é simplesmente um efeito colateral de uma coisa boa que é o grupo ser muito coeso. Isso até acontece em famílias também. É, e
Luísa Pedroso de Lima
se As pessoas não quererem correr o risco de serem os únicos que são diferentes, não é? Porque isso é um...
José Maria Pimentel
E acharem que estão errados. O que é... Eu acho que... Há coisas às vezes que são... Que me fazem impressão por serem praticamente importantes, como aquela que estamos a ver com a relação entre a socialização e a saúde, que me parece ser muito pouco conhecida, outra é a importância da inteligência coletiva. Eu acho que já falei disso até aqui no podcast, há uma experiência que se faz, há vários tipos, há uma que tem que ver com uma suposta missão à lua e não sei o quê, e a pessoa tem que ver com... Não sei se a Luisa já aprendeu isso alguma vez, conhece? Sim. Tem de encontrar as coisas que... Exatamente, é preciso ordenar a lista do mais importante para o menos importante, cada um faz a sua lista e depois faz o mesmo exercício em grupo. E em grupo, a versão em grupo não só tende a ser melhor do que a que nós fizemos, como é melhor do que qualquer pessoa fez. E isto na prática, o que significa que, salvo as situações específicas, por mais inteligentes que nós sejamos, nós em grupo conseguiremos sempre ir mais longe num processo de
Luísa Pedroso de Lima
tomada de decisão. Depende das tarefas, não é? Há tarefas em que isso é verdade e há outras tarefas, por exemplo, nesse caso em que a solução é complexa.
José Maria Pimentel
E ambígua.
Luísa Pedroso de Lima
Sim. Agora, se for uma coisa muito trivial, se for uma resposta muito trivial, é uma perda de tempo
José Maria Pimentel
a decisão em grupo. Mas há situações em que é pior, quer dizer, perda de tempo tem a ver com eficiência, não é? Nós podemos estar a gastar tempo demais para chegar ao mesmo. Mas há situações também em que... Também existem situações em que é pior, existem situações em que há uma pessoa que está certa contra todos os outros, há casos desses,
Luísa Pedroso de Lima
não é? Ah, e que não consegue convencer os outros. Isso, isso também acontece. E acontece também situações em que o grupo polariza para o lado em que estiverem as pessoas, quer dizer, se as pessoas estiverem já bastante, sei lá, se forem já bastante racistas, em grupo ainda ficam mais racistas, se as pessoas forem menos, se forem pouco racistas, em grupo ainda ficam menos, não é? Portanto, o grupo, Nesse caso, ficam mais confiantes da bondade da decisão. E fazem todos falando e vão
José Maria Pimentel
se acabar com o documento. Eu acho que num caso destes, como o da Baía dos Porcos, o que acontece ali é um caso muito complexo e é um caso em que é praticamente impossível que alguém se lembre de tudo. No fundo o que está a ver em causa é uma pessoa só, e ali pronto, não seria uma mas seria no fundo um grupo mais pequeno do que seria desejável é impossível que se lembre de tudo e às vezes há coisas completamente banais que a pessoa pode esquecer plano de contingência é uma coisa evidente, não é? Quer dizer, se acontece-nos no dia a dia, não é? Se eu tiver, sei lá, quase ir às compras, se eu for às compras sozinho Olha, até por acaso não é um mau exemplo, ia corrigir. Vou às compras sem lista. Se eu for sozinho, vou quase com certeza esquecer de algumas coisas. Se for acompanhado, vou me esquecer de menos. Se for duas pessoas de menos, três pessoas, provavelmente já não me esqueço de nada, não é? Porque há no fundo... É impossível eu lembrar... O que é que era? O que é que nós íamos buscar? Ah, esquecíamos do targete. A pessoa esquece de tudo, não é? Uma coisa é evidente. Queria só fazer aqui mais uma pergunta disto e depois acabar com a história da relação entre isto e a personalidade, que é giro, sobretudo porque a pessoa com quem eu conversei sobre personalidade é a sua prima, embora eu não soubesse, então é só, então ainda é possível ter mais pior. Mas ainda em relação a isto, eu gostava de saber a sua opinião em relação a isto, porque é um, esta é uma área para mim particularmente frutuosa em termos de exemplos que eu me vou lembrando. Eu ao ler sobre psicologia social lembro-me de uma série de coisas, de experiências de vida, e por exemplo, um fenómeno de grupo que eu noto, e que entretanto fui explicando à luz disto, não sei se isto é relativamente estudado, é o que acontece, por exemplo, imagino... Imagino, por exemplo, a Luísa estar na faculdade e vai lá alguém falar, por exemplo. Se calhar até melhor que seja de outro área, sejam os mais diferentes possíveis. E acontece ali, pode acontecer duas coisas diferentes de fenómenos do grupo, em termos da relação com a audiência. Primeiro, a pessoa está a falar e nós estamos na audiência e começamos a ver que a audiência está a dar uma resposta positiva. A partir daquele momento nós temos uma tendência para ir com o resto da audiência e ficar a gostar do que estamos a ouvir. Se por... A não ser que tenhamos uma posição já de raiz, ou faça o que está a acontecer à nossa frente. Pode ser numa peça de teatro, o que for, ou no shows de stand-up comedy, ou o que seja. Se for ao contrário, se a audiência estiver contra, aquilo vai nos influenciar a nossa opinião. Eu já vi acontecer isto e já vi, por exemplo, este teve um fenómeno em que eu tinha estado a assistir a uma coisa que era uma espécie de peça de teatro com um grupo e o grupo teve uma reação ultra positiva em relação àquilo. Era uma coisa só de uma pessoa. E depois falei disso com uma pessoa conhecida e ela tinha estado numa situação semelhante em que o grupo, por algum motivo, tinha reagido mal. E ela tinha ficado com uma opinião e eu tinha ficado com uma boa opinião. E eu depois percebi que a minha opinião era grandemente enviazada pelo... Embora a minha opinião fosse um bocadinho matizada, ou seja, não era completamente positiva, mas tinha sido influenciado por aquilo. Este é uma das coisas que eu acho interessantes e que é claramente o fenómeno social. E outro que é, imaginamos a mesma coisa, mas aqui há saída, a pessoa está num grupo e de repente, o que eu imagino que acontece é uma pessoa, por exemplo, manifesta-se por contra, dizer, ah, eu não gostei nada daquela pessoa, daquela professora que falou daquilo, não gostei. E há outra que alinha pelo mesmo diapasão, vai pelo mesmo sentido. A partir desse momento começa a formar-se uma tendência e a pessoa inconscientemente tende a ir com aquela e quem estiver contra já sente que está a minoria, não é? No fundo é um bocado isto que falávamos. É, é. Não
Luísa Pedroso de Lima
é? É, e o que disse antes também, de verdade eu uma vez vi um jornalista que estava a entrevistar um crítico de arte e que lhe perguntava mas diga-me lá como é que é você assim, está na frente, quando tende a fazer uma coisa de uma exposição e é colocado perante um quadro, como é que você sabe se gosta ou se não gosta? E ele disse, isso não acontece, eu nunca sou colocado perante um quadro como uma experiência única, Eu já li sobre o pintor, eu já sei o que é que ele fez, fizeram outras experiências, e portanto eu já vou olhar para ali formatado por muitas coisas que eu sei, E é isso que estava a dizer, não é? Nós quando... É difícil percebermos, não sei que sejam coisas muito evidentes que vão contra os nossos valores. Exato. E tal e tudo para isso. É muito claro que nós não estamos a gostar, não é? Ou gostamos. As outras maneiras, estamos numa zona cinzenta e que vamos buscar aos outros que nós respeitamos ou que por alguma razão estão connosco naquela sala. O ambiente sobrepõe-se à nossa personalidade ou
José Maria Pimentel
àquilo que são valores que nós temos.
Luísa Pedroso de Lima
Em termos de espetáculo é muito melhor estar alinhado com os outros e a rir quando os outros estão, do que os outros estarem a rir e nós a... E que seca, não é?
José Maria Pimentel
Quer dizer... Vai influenciando, não é? Mas não devia, não é? Por isso é que há aquelas... Aquela malta que é contratada para estar a bater palmas. Exatamente, exatamente. Nos espetáculos, exatamente por causa disso. Exatamente o
Luísa Pedroso de Lima
que é para fazer.
José Maria Pimentel
Mas isso é um bom atalho para a última pergunta, que é exatamente por causa da personalidade. Porque a psicologia da personalidade, no fundo, parte do pressuposto, não necessariamente, não quer dizer que a pessoa que atua nessa área acredite nisso piamente, mas no fundo parte do pressuposto que a principal variável é a personalidade, ou seja, nós temos inevitavelmente personalidades diferentes e portanto vamos agir de maneiras diferentes por causa dessas diferenças de personalidade. A psicologia social está exatamente a perspectiva oposta, quer dizer, nós no fundo na última análise somos todos iguais ou todos pelo menos muito parecidos e, portanto, confrontados com os três fios, com um tamanho diferente ou com o tipo que está a dizer, carregamos no alto, ou colocados no... Não falamos da experiência da prisão de Stanford, por exemplo, mas confrontados com como... Em que somos... Numa situação em que somos colocados num grupo de polícias ou de prisioneiros, nós independentemente das nossas diferenças de personalidade vamos agir em reflexo da situação e não em reflexo da nossa personalidade. A minha curiosidade em relação a isto é, obviamente, que nenhuma das versões puras é verdade, a verdade está a algúres entre uma coisa e outra. Na sua visão, onde é que está a verdade? Ou...
Luísa Pedroso de Lima
Sou psicóloga social, não é? Claro,
José Maria Pimentel
mas não tenho dever de ler... Isso é o dever de lealdade ao grupo?
Luísa Pedroso de Lima
É um enviasamento de formação, porque li muito mais coisas para o meu lado do que para o outro, e portanto não posso defender honestamente a perspectiva da personalidade. Mas a personalidade também, sim. Ou seja, consoante a situação, não é desculpe interrompê-lo, mas consoante a situação, há situações em que apagam mais a nossa personalidade e
José Maria Pimentel
outras que têm menos impacto, imagino eu. E
Luísa Pedroso de Lima
que nós construímos também personagens diferentes em várias situações. O que é que nós somos nos testes psicológicos de personalidade, não sei se já há uma média dessas coisas todas, não é? Porque os testes de personalidade e a ideia de uma personalidade que depois passa pelos testes de personalidade, os Rochards, e que nos dão uma narrativa sobre quem é que nós somos, como se fossem ao fundo da nossa alma, do nosso ser, não é? O
José Maria Pimentel
que nos dá algum aconchego também, não é?
Luísa Pedroso de Lima
Exatamente, é como quando vemos os horóscopos, não é? De lá sempre há alguma coisa que a gente reconhece, mas não estou a querer ser má. Sim,
José Maria Pimentel
não está a querer comparar.
Luísa Pedroso de Lima
Mas, quer dizer, ao fim e ao cabo é uma coisa um bocado abstrata e nós depois somos, nós somos pessoas em contextos muito específicos, não é? E provavelmente eu estar aqui a conversar consigo ou estar a conversar com um aluno meu ou estar a conversar com os meus amigos, se calhar não estava exatamente na mesma postura do que estou aqui. Há traços que eu acho que se mantêm ao longo das várias pessoas com quem eu estou. Por exemplo, há um traço que eu acho que faz parte da minha personalidade, o que seja isso, que tem a ver com o humor. Se calhar não disse aqui muitas piadas, não disse muito. Disse algumas. Disse algumas. Sabe, portanto, há contexto em que isso pode ser, ou quanto numa reunião do científico não digo piadas, isso não quer dizer... E portanto, há contextos em que as normas da situação se sobrepõem ao comportamento individual, não é? Não é? As normas da situação impõem-se àquilo que é o meu comportamento. E não conheço suficientemente o campo dos estudos da personalidade para saber se eles fazem estudos em contextos diferentes.
José Maria Pimentel
Aí, no fundo, cruzou-se os dois campos. Mas imagino que a Luísa seja confrontada, por exemplo, quando estão feitas experiências em tempo. Por exemplo, voltando ao exemplo do resto dos fios, houve ali pessoas... Ou o exemplo do alto, da Terra do Alto. Houve pessoas que se mantiveram. Naquelas que se mantiveram, por exemplo, seria muito interessante... A ideia que eu tenho do que eu li sobre isso é que quando se tentou destrinçar isso não se encontrava diferença... Não era uma variável significativa. E não é uma variável significativa. Não é uma variável significativa, não é? A questão da personalidade. Eram mais
Luísa Pedroso de Lima
diferenças de valores, no caso do milgram, eram mais diferenças de valores
José Maria Pimentel
Ah, eram? Em respeito pela vida humana. O milgram dos choques elétricos? Sim, que
Luísa Pedroso de Lima
não iam porque... Mas eu acho que também, não querendo falar da personalidade abstratamente, mas nos grupos nós somos empurrados para termos determinada personalidade.
José Maria Pimentel
Sim, essa é outra coisa interessante também. Sim,
Luísa Pedroso de Lima
sim. À medida que o grupo se vai desenvolvendo, nós vamos criando um
José Maria Pimentel
papel, uma persona naquele
Luísa Pedroso de Lima
grupo, que é diferente, se calhar, num outro grupo. Se calhar, num grupo tenho mais o papel de cuidar das outras pessoas, mas aí no outro grupo não. E faço, tenho outro papel de organizar. Porque ao nível das próprias interações do grupo, um grupo só funciona bem se as pessoas forem diferentes, não é? E ao longo das interações as pessoas vão se ajustando àquilo que o grupo precisa e aonde sentem melhor.
José Maria Pimentel
Onde sentem, lá está, com propósito, não é? Isso acontece imenso, claro. Aliás, até a um nível banal, não é? Nas nossas interações do dia-a-dia, não é?
Luísa Pedroso de Lima
Sim, sim, sim. E, portanto, eu acho que há personalidades no grupo e que, às vezes, quando estamos a gerir grupos, temos de ter cuidado porque há pessoas que são super manipuladoras e que gostam de fazer de vítimas e não sei o quê, e que podem ser chatas para o grupo, não é? Porque gostam de controlar as relações entre as pessoas, etc. E há outras pessoas, sei lá, que são sempre negativos, que estão... Ipa, isto vai correr mal, não devíamos fazer isso, não sei o quê, estão sempre... Não é? E há os outros otimistas e é bom que haja diferentes papéis no grupo. Agora, se aquelas pessoas são sempre pessimistas em todos os lugares da sua vida, ou se naquele grupo porque é toda a gente tão para a frente, a pessoa se sente na obrigação de pôr uns travões ao grupo, se calhar não tenha certeza, não é? Pois, eu também não tenho. Quer
José Maria Pimentel
dizer, o problema próprio é que tenho... Mas provavelmente é a ilusão, numa certa consistência de personalidade. Eu sinto quando, se estiver numa situação em que falo menos do que o meu normal, eu tenho noção do que eu estou a fazer e porque é que eu estou a fazer. Não estou a cantar na biblioteca, porque não é o... Mas há outro lado que é a pessoa não ter noção do que está a fazer. Mas independentemente disso, depois existe a questão da ação. Ou seja, aquilo, uma coisa são as nossas personalidades, valores ou atitudes no sentido... Acho que tem um sentido um bocadinho diferente na literatura, não é? No sentido daquilo das nossas opiniões e do que nós achamos, outra coisa é aquilo que nós fazemos, não é? A maneira como nós... Mas
Luísa Pedroso de Lima
sabes, é, Mari, há uma coisa que eu... Não é, acho, tenho a sorte. É que para nós crescermos é preciso desafiarmos-nos para fazermos coisas diferentes.
José Maria Pimentel
Pô, essa é outra questão interessante, sim, sim. Mas se nós formos
Luísa Pedroso de Lima
sempre, se estivermos sempre iguais a fazer as coisas da mesma maneira, acho que não crescemos. Claro, claro, claro. E, portanto, os grupos e os diferentes contextos em que nós estamos dão-nos a oportunidade de experimentar sermos coisas diferentes e isso é muito enriquecedor mesmo que haja uma personalidade para se envolver nessa personalidade.
José Maria Pimentel
Sim, sim, sim, sim. Exatamente. Até quanto mais... Qual é aquela expressão quando nós usamos as duas mãos? Ambidestros. Quanto mais ambidestros nós fomos, melhor. E às vezes temos que nos esforçar para agir em situações que nos são desconfortáveis, para ganhar essa ambidestreza, se não não tínhamos. Bom, enfim, isto já vai longo. Luísa, então agora é consigo. Recomendar o livro e fechamos isto. Já tinha esquecido o livro.
Luísa Pedroso de Lima
Eu pensei, não tinha esquecido o livro. Pensei no livro que me acompanha sempre, sempre que eu vou para fora de Portugal mais tempo, sempre com... Que é o livro de poemas do Albert Queiro. Que não tem nada a ver com as relações sociais, porque o Albert Queiro era... Mas que tem a ver com o desfrutar do aqui e agora, desfrutar das sensações, do vento na cara, do mar e daquilo que a gente tem à volta e eu acho que é uma maneira fantástica de nós
José Maria Pimentel
limparmos muita coisa. Sim, é uma conta para a meditação e para o budismo. Boa, está bem. Obrigadíssimo, Liz. Foi ótimo. Gostaram deste episódio? Se encontram o valor no 45°, existem várias formas de contribuir para a continuidade deste projeto. Podem avaliá-lo na aplicação que utilizam, seja ela o iTunes, Spotify, Stitcher ou outra, e podem também partilhá-lo com amigos e comentá-lo nas vossas páginas ou redes sociais. Se acharem mesmo que merece e puderem fazê-lo, podem ainda tornar-se mecenas deste podcast através do Patreon ou do Paypal. Com esse apoio estão a contribuir para a viabilidade deste projeto, que passa a ser também um bocadinho vosso. Para além disso, obtêm em troca vários benefícios como, por exemplo, o acesso ao backstage do podcast e também a possibilidade de sugerir perguntas aos convidados. No fim do dia, já se sabe, são os ouvintes que tornam possível um projeto destes. Ouvintes como Gustavo Pimenta, João Vítor Baltazar, Salvador Cunha, Ana Matheus, Ricardo Santos, Nelson Teodoro, Paulo Ferreira e Duarte Dória, entre outros mecenas, a quem agradeço e cujos nomes podem encontrar na descrição deste episódio. Até à próxima!