#41 Daniel Oliveira - "O que defende um social-democrata (na acepção original) no sec XXI?"

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José Maria Pimentel
Bem-vindos. Este é o segundo episódio da série de conversas que estou a gravar sobre ideologias políticas ou orientações políticas, se preferirem. Podem encontrar no episódio que publico separadamente deste uma introdução a esta série, que é útil para compreender. Nesse episódio explico a minha motivação para gravar esta série de episódios, a lógica subjacente à escolha dos convidados e também a minha própria orientação política tendencial, que é claro, útil para perceber os pontos que eu próprio tento transmitir ao longo destas conversas. O convidado deste segundo episódio é então Daniel Oliveira, o que não faz chorar, nas palavras do próprio, como se fossem necessárias apresentações. Daniel Oliveira é jornalista, foi dirigente do Bloco de Esquerda e é um ativista e comentador político reconhecido ligado à esquerda, assumindo-se como um social-democrata na ascensão original do termo e não no sentido PSD. Mais recentemente, o Daniel tem se dedicado também ao podcast Perguntar Não Ofende, que aproveito para recomendar. É um programa de entrevistas barra conversas, não muito diferente do formato do 45 Graus, mas com um âmbito mais restrito, uma vez que se centra, quase exclusivamente, em temas e convidados ligados à política. O Daniel é quase o convidado ideal para esta série, porque junto ao facto de ser uma pessoa de esquerda, sem reservas, e com uma visão fundamentada, o facto de não estar atualmente ligado a nenhum partido, o que lhe dá uma liberdade de pensamento ainda maior. Acabámos por conversar principalmente sobre aquilo em que à partida discordaríamos, sobretudo temas ligados à economia, mais do que sobre, por exemplo, liberdades sociais em relação às quais estaríamos claramente mais de acordo. O Daniel é, aliás, o tipo de convidado com quem é um enorme prazer conversar. Mas também um desafio constante foram vários os pontos que discutimos que me deixaram a pensar. Sobretudo, ficou teaser, mesmo no final da conversa, a questão do resgate da Troika, em que a posição do Daniel me deixou pensar seriamente no grau de democraticidade das medidas que foram adotadas naquela altura. E pronto, vamos à conversa não sem antes lembrar, como sempre, que podem apoiar o podcast desde apenas 2 dólares em patreon.com barra 45 graus. Daniel, bem-vindo ao podcast. Fico mesmo contente de tê-los aceitado o convite. Obrigado, eu convido-te. E eu queria dizer isto a gravar porque é relevante para o facto de eu ter convidado e para o contentamento com o que está a dizer, como estava a falar ainda em off. Eu acho que isto tem interesse partindo da noção do posicionamento político de quem conversa e o meu posicionamento político é perto do liberalismo clássico, whatever that means e já lá vamos. Eu tenho muito gosto em que estejas aqui porque tu... Não estou a fazer este elogio para te pressionar, mas é para... Mas pressiona-me. Para pressionar a tua prestação. Se forem para elogios, não faz mal. É, mas assim... Tu és um... Comento isto com montes de gente. Tu és o comentador de esquerda que eu mais aprecio, basicamente por duas razões, que são as razões que eu mais... Espero que não seja porque
Daniel Oliveira
eu sou a esquerda que a direita gosta.
José Maria Pimentel
Não, não, não, nem acho que seja. Não, não sou. Não acho que seja. Não, acho mesmo que não sou. A esquerda que a direita gosta é... Sei lá... O Rui Tavares. O Rui Tavares, exatamente. Que eu gosto muito também. Sim, sim. Sim, o Rui Tavares é um bom exemplo da esquerda que a direita gosta. Mas há duas características que eu vejo nos teus textos que para mim são as melhores características intelectualmente que as pessoas podem ter neste tipo de matérias, que é coragem intelectual, ainda agora há 30 segundos estávamos a falar da questão das touradas, que é a pessoa não ter medo de dizer uma coisa que sabe que vai fazer com que aqueles que gostam de nós possam deixar de gostar de nós. E se deixarmos de fazer isso como comentadores deixamos
Daniel Oliveira
de ter qualquer... Mas há muita
José Maria Pimentel
gente que faz esse
Daniel Oliveira
cálculo. Se limitarmos a ser uma caixa de ressonância da opinião das pessoas que nos leem, que ainda somos um caixote vazio para o qual se grita lá para dentro
José Maria Pimentel
e se ouve o mesmo, não tem interesse. Só que é tentador, não é? Isso é tentador no curto prazo.
Daniel Oliveira
Sobretudo é tranquilo.
José Maria Pimentel
É tranquilo, exatamente. Embora não dê grande pica, mas pronto. E associado a isso, uma coisa que é parecida mas é diferente, que é honestidade intelectual, ou seja, uma coisa que eu sempre vi nos teus textos e que me agradou, como mesmo muitas vezes não concordando com eles, é pouca tendência para simplificações, aquele chamado argumento do espantalho, com os argumentos do adversário, esse tipo de coisa que mina muito. E não fazer isso não quer dizer que tu vais chegar a uma conclusão com a qual eu partilho, mas quer dizer que existe aqui espaço para ter uma conversa racional.
Daniel Oliveira
Deixa-me só dizer-te isto. Há um exercício, e foi com o tempo, nós vamos construindo o nosso próprio estilo enquanto comentadores, que não é exatamente o que nós sempre fomos, não é? Eu já estou a escrever como colunista há 15 anos no Expresso, juntámos a capital há 17 anos. E que é, eu passei a fazer sempre um exercício e cada vez mais, que é tentar que as pessoas entrem na minha cabeça. Quero isto dizer, quando quero expor uma opinião, tentar fazer o percurso argumentativo que está dentro da minha cabeça, para permitir que as pessoas acompanhem com todas as suas contradições, ou seja, muitas vezes assumindo os buracos que tenho na própria argumentação, as falhas, que as pessoas sigam e discordem, mas que consigam perceber o que é que me leva a chegar àquela conclusão. Nem sempre consigo,
José Maria Pimentel
evidentemente. Sim, sim. Até porque às vezes há uma tendência da pessoa, se já o te converso, mas a pessoa quando está... Quando tu escreves um texto sobre uma ideia que está muito dematurada na tua cabeça, às vezes saltas e tapas... É verdade. Que para ti não são essenciais, mas para quem está a ler são. Mas enfim, isto é só o preâmbulo, era só para explicar porque não é isso que nos traz aqui. Eu já expliquei no episódio anterior qual era a minha ideia com esta série que eu estou a gravar sobre política mas se calhar complementando um bocadinho essa explicação, o que eu sinto, eu sinto isso para mim próprio e imagino que muitos ouvintes sintam o mesmo, é que... E no fundo isto é verdade por quase todos nós, quer dizer, nós nascemos a meio do filme, em certo sentido, não é? Como nós, independentemente das décadas de diferença que possamos ou não ter, nós todos nascemos quando uma série de debates já aconteceram no passado. E Portanto, por muito que nós leiamos, por muito que nós tentemos nos interarmos disso, esses debates já estão para trás. E então o debate político que é feito no dia a dia, embora tenha isso muitas vezes por trás, muitas vezes ignora aquilo. Quer dizer, uma pessoa que não tem esse cuidado muitas vezes está a seguir um debate sem perceber o que é que está por trás daquilo. É, deixa... Eu desculpa, eu interrompo mesmo nos meus... À vontade, Eu estou sempre a interromper também.
Daniel Oliveira
Uma das coisas que eu tenho sempre defendido, mesmo para quem tem... Não sei muito bem o que é que é isto que eu sou, se é publicista... Eu gosto da expressão publicista, que é uma que ninguém usa cá, talvez por isso é que eu acho que é a melhor, porque é a que está menos contaminada, sempre me fez impressão quem dá a opinião não se filiando numa tradição. Isto quer dizer, ou seja, nós não temos que ser porta-vozes de um espaço, ou seja, somos contraditórios, não somos pré-fabricados. Agora, eu filio-me numa tradição, que é isso exatamente, que é o que permite que nós apesar de aparecermos no meio do filme, temos alguma coisa a ver com o filme. Não somos meros leitores, não estamos apenas a ver o filme e apanhamos umas coisinhas daqui e outras dali. Eu filio-me numa tradição exatamente porque há um filme anterior a mim e eu assumo que não sou, assumo e tenho insistido sempre, não sou independente. E isto de querer ser independente significa a minha opinião, apesar de ser minha, apesar de ter uma autoria, filia-se num conjunto de opiniões coletivas, é tributária, é melhor do que se filia, tributária de uma história. E sendo tributária de uma história, tem de veres para com essa história, mesmo que depois lhe troque as voltas.
José Maria Pimentel
Desculpa. Não, Não fizeste bem a interromper. E isso tem que ver também com outra... Se calhar já lá vamos, porque eu fiz uma pergunta antes disso, mas há outra... Há um problema, um defeito... Um defeito de fabrico do debate político que é nós estamos tipicamente a misturar duas coisas. Estamos a misturar uma questão de eficácia, de determinada medida, ou seja, a privatização dos transportes vai conduzir ou não ao aumento do PIB, ao aumento do bem-estar daqui a 20 anos. Isto é uma questão de eficácia com uma questão ideológica que é uma questão de qual é o país em que eu quero viver. E muitas vezes as coisas estão misturadas. E embora a primeira possa ser quase científica, a segunda não é. A segunda tem a ver com o país em que nós queremos viver. E o país que nós
Daniel Oliveira
queremos viver... Até porque o próprio conceito de eficácia não está desligado de um outro. Não está, não está. Eficácia
José Maria Pimentel
para quê? Exatamente, claro que sim. Eles não estão desligados. Mas no limite mesmo, admitindo que eles pudessem estar, quer dizer, num caso...
Daniel Oliveira
Eu não tenho dúvida que algumas medidas que a direita liberal propõe são boas para o crescimento económico. Pois, exato. A questão é para quem? Sim, claro. Minha questão é, para o crescimento económico de quem? Ou seja, o olhar, a forma como eu olho para o conjunto da sociedade implica que não basta darem-me não sei quantos números para me... E não é porque eu desconfio dos números, que são a coisa com a qual temos que trabalhar evidentemente, mas eles não dizem que tipo de sociedade é que nós imaginamos, aquela em que na realidade queremos viver.
José Maria Pimentel
Isso pode ser para quem é que vai o dinheiro ou para quem é que vai esse acréscimo de riqueza. Riqueza no sentido de rendimento acumulado, mas também pode ser para quem é que isso serve, não é? E será que isso é um fim em si mesmo? Mas enfim, vamos lá, eu quero começar por fazer uma pergunta para começar pelas fundações disto que é, são duas perguntas numa só, uma cliché e depois um twist sobre o cliché. O cliché, basicamente, o que eu acho que é um bom ponto para começar é o que é que para ti, na essência, distingue a esquerda e a direita? E o twist sobre este cliché, que eu acho que no fundo é o mais interessante disso tudo, é, admitindo que tu partilhas a minha visão de que esta dicotomia, este binómio esquerda-direita num único eixo univarial é limitado, o que é que no teu modelo mental de olhar a realidade política, não é a realidade política portuguesa, PS, PSD e afins, é
Daniel Oliveira
a política ocidental, se quiser. Eu raramente olho para a realidade política a pensar no PS e no PSD. Imagina isso.
José Maria Pimentel
Porque é muito limitativa. Olhando para a política, aquilo que é o espaço político, tensão de valores, que dimensões é que faltam para além daquilo que nós nos habituamos a pôr na esquerda e a direita? Quantas variáveis mais é que seria preciso ter para... Sim,
Daniel Oliveira
olha, na divisão esquerda e direita eu acho que vou dar outra resposta, já várias vezes me fizeram essa pergunta e a melhor resposta que eu dei foi numa escola de 7º, 8º e 9º ano e percebi que foi a melhor resposta que dei. Talvez por estar a falar com alunos de 7, 8 e 9 ano, porque estamos a falar de uma divisão tão frágil, mas tão fundadora, as duas coisas em simultâneo, que dificilmente se pode ser muito complexo a fazer essa explicação. E a explicação que eu dei é a diferença entre a esquerda e a direita é que a direita acredita que a riqueza, a riqueza no sentido do bem-estar, etc, etc, o nível de… a nossa posição social e a nossa acumulação de riqueza resulta do mérito e a esquerda não. Eu acho que esta é a grande clivagem que explica todas as outras. Ou seja, a esquerda acredita que em regra a divisão da riqueza resulta de uma injustiça, a divisão desigual da riqueza resulta de uma injustiça, enquanto a direita acredita que resulta do mérito. Isto independente não invalida que a direita perceba que há níveis de desigualdade que são insustentáveis e possa tentar esbate-los. Eu não tenho uma visão manicaísta da direita e da esquerda. Acho é que é este olhar à partida que depois determina a forma como olhamos para o papel do Estado na economia, a forma como olhamos para a redistribuição da riqueza, a forma como olhamos para o trabalho, para as relações de produção, para tudo o resto. Aliás, esta divisão é que permite ter no mesmo espaço, por exemplo, marxista, comunistas e socialdemocratas, ou até ter no mesmo espaço a extrema-direita e a direita liberal. Eu acho que esta é mesmo a única clivagem onde isso é possível, onde é possível acontecer estas duas coisas, Estes espaços estarem aqui divididos. A esquerda e a direita evidentemente não, e agora passo para a segunda, portanto, esta divisão a partir daqui, se continuarmos a discutir várias variáveis percebe-se porque é que a maneira como a esquerda olha para o privilégio resulta exatamente de considerar que é um privilégio. E o privilégio é um privilégio porque não se merece, senão não é considerado um privilégio, evidentemente. E esta para mim é a grande clivagem esquerda-direita. A partir daqui faltam várias coisas, evidentemente. Falta a questão democrática, que eu não acho que seja de esquerda ou de direita, nem sequer é, ao contrário do que muitas vezes é posto, uma questão de moderação ao radicalismo. Há democratas radicais e há autoritários centristas. Eu considero Macron um autoritário centrista e considero à esquerda e até à direita que há pessoas mais... Há liberais radicais que eu poderia considerar. Eu considero que a maior parte dos neoliberais são... Fazem parte da direita radical e no entanto podem ser democratas no sentido de acreditar na democracia formal, nas regras formais da democracia, da mesma forma como a conhece uma esquerda radical defensora da democracia participativa e que são democratas, acreditam na democracia, nos méritos da democracia. Segundo a questão, a questão do ambiente. Essa para mim é talvez a maior alteração, muito mais importante do que aquilo que costumamos falar como as questões de costumes ou fraturantes, que é o ponho-se sempre no patamar das questões de direitos humanos. Ou seja, aquilo que nós chamamos de questões fraturantes, para mim, são as questões menos fraturantes que existem. Eu não considero que há mais. A prova que não são fraturantes é que são as únicas que eu imagino que serão entre... Serão tendencialmente, não digo consensuais, porque nós assistimos neste momento a um recuo nessa matéria, mas eu acho que é uma questão... Esse é um momento histórico específico que estamos a viver. Tenderão a ser cada vez mais consensuais.
José Maria Pimentel
Sim, é aquela história da história avançar às recuas, não é? Claro.
Daniel Oliveira
Eu tenho dúvidas sobre a história avançar, mas sobre... Pois, imagino. Aliás, um texto preparado para sair exatamente sobre... Um texto tanto hiper racista, por assim dizer. Mas é seguramente... Essa é uma área que não é por acaso que eu consigo estar ao lado daqueles que neste momento são os meus maiores inimigos ou adversários políticos, que é a direita neoliberal. E podemos estar mesmo lá nessa questão, o que demonstra, aliás, que ela não é uma questão fraturante. A questão fraturante é o trabalho e a economia. Isso é que são as questões
José Maria Pimentel
fraturantes. Não é fraturante com a direita liberal, mas é fraturante com outras. Sim, mas o
Daniel Oliveira
que eu estou a dizer é que não são, nunca foi por isso que se fizeram revoluções, nunca foi por causa disso que se fizeram… Ou seja, a grande questão fraturante é sempre a mesma. É sempre a mesma. É a distribuição de recursos. Essa é que é a grande questão fraturante. Essa é que levou a guerras. Não foi a religião que levou a guerras. Foi a... Foi a... Foi a... Foi muitas vezes tapada com outros argumentos. Mas a questão da divisão de recursos, seja entre nações, seja entre cidadãos, é que é a questão fraturante. Essa questão, portanto, eu não o ponho, ponho como uma questão de direitos humanos e os direitos humanos, do meu ponto de vista, poderás encontrar é à esquerda e à direita e até nos sítios mais insuspeitos, pessoas com posições muito diferentes. A questão ambiental muda tudo. O facto de nós termos percebido, os que perceberam, há uma parte das pessoas que ainda não perceberam, que o planeta é mesmo, que os recursos do planeta são mesmo finitos e o planeta tem um limite, levanta questões absolutamente novas, quer à esquerda, quer à direita. À esquerda, o discurso progressista ligado à industrialização, muito ligado ao movimento comunista.
José Maria Pimentel
Materialista, sim.
Daniel Oliveira
Que levantam problemas novos que não foram equacionados, que não estavam em cima da mesa e então a direita neoliberal, por isso mesmo, destrói todas as suas convicções, na minha opinião. A ideia de que o planeta tem limites e é finito tem um significado, é que os poderes públicos têm que definir esses limites e isso deixa imensos problemas a grande parte da teoria neoliberal, do debate neoliberal sobre... Ou seja... Não
José Maria Pimentel
concordo completamente com isso. Ah não, pois imagino que não concordo.
Daniel Oliveira
Mas o limite, o nosso limite não pode ser mesmo destruir o planeta, não dá para esperar por essa altura, não é? Não reequilibra. Depois de destruir o planeta não dá
José Maria Pimentel
para reequilibrar. D'acord,
Daniel Oliveira
d'acord. Não podemos ceder-nos para depois recuar. Não é possível e já não é possível. Eu nem sei, aliás, se não passamos já esse limite.
José Maria Pimentel
Não é claro se já passamos
Daniel Oliveira
esse limite. E se já passamos, aí os neoliberais têm toda a razão, porque é indiferente, é para destruir, é para continuar, não faz mal. Não faz mal nenhum. Agora, perdido por 100, perdido
José Maria Pimentel
por 1000 e pronto. É o fim do mundo e perdemos, não é? Mais
Daniel Oliveira
100 anos, menos 100 anos, ou seja, por isso. Eu acho que a questão ambiental é talvez a maior alteração que aconteceu. Depois a questão democrática, mas essa sempre existiu. E eu, aliás, sou cuidadoso apesar de dar muita importância. A questão democrática para mim é uma questão central. É curioso como muitas pessoas leem o pré-fabricado e acreditam, portanto, é, ele como vem da esquerda radical, a democracia. Pelo contrário, eu acho que A questão democrática está no centro de quase todas as coisas que eu escrevo. Não apenas a democracia formal, mas também a democracia formal, até porque foi por aí que eu fiz um corte com o meu passado político, uma passada de juventude política. Agora, a questão, mesmo a questão democrática é uma questão ela própria que pode ser passageira, no sentido em que em momentos históricos diferentes nós esperamos coisas diferentes da democracia. E ela pode nos dar mais ou menos coisas. E agora há um novo debate, mas que eu acho que tem tudo a ver com estes debates todos, que é a questão nacional. E é aí que eu... É a questão da nação, do Estado-nação. Certo. E é aí que eu entro em rotura com uma parte razoável da minha esquerda. Porque tu és Estado... Sou um soberanista. É só porro de Estado e nação. Sou um soberanista. Sou um soberanista, sim. Eu insisto muito na expressão soberanista e nunca utilizo a palavra nacionalista porque eu não sou um nacionalista. Para mim a questão não é a questão da nação, para mim é a questão do estado nação. É a
José Maria Pimentel
questão da democracia nacional. É
Daniel Oliveira
uma questão da soberania democrática. Ora, ou seja, eu poderia ser outra coisa se fosse possível. Ou seja, eu quero isto dizer. Eu, em defesa da soberania democrática, que significa, para mim, o poder tem de estar onde está o povo e onde o povo pode exercer através da democracia, é essa a minha posição. Portanto, Eu sou contra toda a delegação de poderes para instâncias distantes da soberania popular. E isto levanta-me um problema. Eu poderia até ser um federalista europeu, se achasse que isso era sequer uma possibilidade. Como eu acho. Eu já fui, já fui um federalista europeu, exatamente com as mesmas convicções que tenho hoje. A
José Maria Pimentel
direcção é da ordem do realismo, não da ordem do... Ou seja, considerem-se,
Daniel Oliveira
realismo e cautela. Eu não estou disposto a abandonar o que tenho por aquilo que é altamente improvável. E o processo, o problema dos europeistas, de esquerda, é que os europeistas de esquerda estão disponíveis para retirar ao Estado de Nação, onde construímos o Estado Social, onde construímos o Estado de Direito, onde construímos o Serviço Nacional de saúde, escola pública, tudo o que a esquerda conquistou, tudo sem exceção, foi no Estado Nacional. E abandonar essa arena para ir para campo aberto, por assim dizer, onde é altamente improvável sequer que se consiga salvar a democracia. Mas eu compreendo, por exemplo, que um liberal, um hayekiano, por assim dizer, seja um federalista europeu. Aliás, porque o Hayek desenvolveu alguma teoria sobre as vantagens do federalismo e, portanto, faz todo o sentido. Custa-me mais perceber como é que a esquerda social-democrata pode ser nos tempos que correm hoje e com os dados que tem à frente e perceber o que é que... Aquilo que pode e não pode ser uma União Europeia, ser um europeísta. E aí nesta clivagem, é uma clivagem que tem um momento histórico, não é fundadora, mas que provavelmente vai ter efeitos quase fundadores à esquerda, na minha opinião.
José Maria Pimentel
Bom, pelo que tu respondeste já temos... 30 assuntos. Já temos um pouco de um dretepo ao episódio inteiro, basicamente. Um apontamento sobre o final, eu não sou nada fã do... Não sou nada, isto é, não sou particularmente fã do AIEC. Sim, sim. Pelo contrário. Pois eu também não, como não sou. Imagino, imagino, mas acho um bocadinho... Quer dizer, intelectualmente somos mais pequenos do que o...
Daniel Oliveira
Eu sou literariamente um fã do Tocqueville, por exemplo. Do AIEC nem literariamente sou
José Maria Pimentel
um fã. Pois, também não é a suposta. Bom, começando, eu estive aqui a apontar para ver se não perco nada, embora isto seja tudo relacionado. Tens aí uma série de coisas interessantes, começando pela explicação inicial. Eu acho uma boa explicação para diferenciar esquerda e direita naquilo que é a manifestação prática dessa diferenciação no aspecto político. Como eu não me revejo no espectro político, discordo dela, mas acho que tem um poder explicativo grande. Eu é que discordo dela porque eu não me identifico com o espectro político. Por exemplo, a questão meritocrática, por exemplo. É absolutamente verdade que muita da direita olha para isso dessa forma. No fundo, simplificando, quem não tem dinheiro é porque é preguiçoso. Basicamente... Evitam chegar a essa conclusão, mas no fundo ela está lá. A quem a diga. Evitam
Daniel Oliveira
dizê-lo porque a vantagem do sistema democrático é que a maior parte das pessoas não têm dinheiro, portanto têm que ter o seu voto. Exatamente, pois, justamente, justamente. Que fique claro, eu não acho que a direita, por natureza, queira que as pessoas sejam pobres, ou seja, eu acredito que quem é de direita está de boa fé e quer que todas as pessoas tenham a melhor qualidade de vida possível e amereçam. E quer criar as condições para que toda a gente tenha aquilo que merece. Eu não tenho um olhar moral sobre a direita e a esquerda, Evidentemente, mas não tenho uma visão maniqueísta das pessoas que querem...
José Maria Pimentel
Sim, a visão que as pessoas direitas são imorais. E que querem o mal dos outros, não? Sim, que existe. Existe uma visão dessa visão na esquerda. Sim, estou absolutamente
Daniel Oliveira
convencido que a maior parte das pessoas que são de direita e que pensaram no assunto acham, estão absolutamente convictas, que isso é o melhor para o conjunto... Que aquilo que defende é o melhor para o conjunto das pessoas, incluindo os pobres. Sim. Agora,
José Maria Pimentel
a minha objeção a isso, falando pessoalmente e para discutir um bocadinho, para descascar um bocado isso, pessoalmente eu não vejo isso dessa forma. Não se trata de achar... Primeiro, eu vou até mais longe do que tu, porque não só isso não é verdade, de facto, porque há um peso enorme daquilo que vem atrás de nós, quer dizer, a maior variável explicativa do nosso sucesso na vida, quer dizer, sucesso material, tem que ver com os nossos pais, basicamente, e o meio que nós nascemos, não há dúvida nenhuma, e depois a própria meritocracia é uma ilusão. A tua conclusão é que tiras de IA. Espera aí, já lá vou. A meritocracia é uma ilusão, ou seja, o que é que é o mérito? Que história é essa do mérito? Não é nada, quer dizer... Primeiro nós... O que é IA é uma espécie de loteria genética, em grande sentido, não é? Tipo, tens sorte de nascer inteligente ou tens o azar de nascer burro, em grande medida. Para não falar depois dos outros constrangimentos todos que existem ao longo da vida. Eu não
Daniel Oliveira
tenho a menor dúvida que tive que trabalhar, não tanto por razões económicas, mas por razões do meio familiar, cultural em que nasci, eu tive de trabalhar metade do que as pessoas que conseguiram o mesmo que eu e que vêm
José Maria Pimentel
de outros meios. Sim, claro, exatamente, absolutamente. Quer dizer, no fundo... Metade
Daniel Oliveira
do trabalho já estava feito.
José Maria Pimentel
Exatamente, exatamente. E há outras que tinham ainda mais trabalho feito do que tu. Isso é absolutamente
Daniel Oliveira
natural. Juntar a isto dinheiro, sim.
José Maria Pimentel
Exatamente, isso é absolutamente natural. Embora eu acho que a evidência prática vai mais até no sentido de ser mais importante o teu, a tua educação do que provavelmente o dinheiro que tu tens.
Daniel Oliveira
E aquilo que hoje se chama networking, ou seja,
José Maria Pimentel
tu moveres-te nos sítios onde as oportunidades já estão. Completamente. E pessoas que... Tudo isso. Estou absolutamente de acordo. A meritocracia é em grande medida, em grande medida, não totalmente uma ilusão. Agora, qual é o problema para mim na prática? O problema é qual é a alternativa. A meritocracia em certo sentido é uma ilusão, mas se tu tiveres um sistema alternativo em que não tens, não estás a dar os incentivos às pessoas para trabalharem, para se esforçarem, vais ter um cenário que é muito pior do que este. Não é porque as pessoas que se esforçam sejam melhores. É por isso mesmo que eu não
Daniel Oliveira
sou um igualitarista. Ou seja, eu não defendo que toda a gente, independentemente do que faz ou deixa de fazer, deve viver da mesma maneira e ter os bens proscuros. O que eu defendo é que há uma parte muito razoável que tu tens que corrigir, por isso sou um defensor do Estado Social. O Estado Social, não sou a favor de um Estado Social caritativo, um Estado Social para os pobres, sou a favor de um Estado Social universal, gratuito e universal para todos, que corresponda a um rendimento indireto, igual em Portugal, por exemplo, segundo os números já antigos, mas imagino, talvez tenham mudado um pouco, mas andará por aqui, pensa-se que a Escola Pública e Serviço Nacional de Saúde correspondem a 27%, correspondiam, ou seja, se fossem privados, corresponderiam a 27% do rendimento, portanto pagam 27% dos salários das pessoas, ou seja, as pessoas se não tivessem aquilo, tinham que em média usar 27% do seu salário, claro que depois isto forma bastante desigual. Portanto eu defendo este, se quisesse, este salário indireto que garante o mínimo que eu considero essencial para viver em dignidade, a que junta as reformas, ou seja, as pessoas terem a certeza de que vão ter uma velhice com qualidade de vida, que tem a saúde e a educação para os filhos garantida e impostos altos, que redistribuam uma parte dessa riqueza. Não defendo que as pessoas devem receber todas o mesmo. Não defendo que o Estado tenha 100% de imposto e redistribua conforme… eu acho que tem que haver incentivos até porque acredito no que… também concordo, exatamente, porque estas coisas não são extremadas.
José Maria Pimentel
Claro, sim, sim. Eu concordo
Daniel Oliveira
que as pessoas precisam de alguns incentivos, sendo que eu não acho que o dinheiro seja o único, mas ele é relevante. Sim, não é o único, certo. Mas ele é relevante, evidentemente. O socialismo tentou substituir isso com fotografias nas estações de comboio dos melhores funcionários do mês. Não resultava, não é? Não chega. Agora, por isso é que eu tenho como os melhores exemplos aquilo que existiu e que está a ser destruído nos países escandinavos, em que sequer escrutório. Uma vez estive em Reykjavik e um arquiteto dizia-me, aquele senhor que vive ali em frente, na casa ali em frente, é pintor, mas não é artista plástico, é pintor de casa. E ganha mais ou menos metade do que eu ganho. Isto para mim é uma sociedade equilibrada. Ou seja, não é que ganhe o mesmo, mas que o arquiteto ganhe o dobro do que ganha um pintor de casa. O dobro faz alguma diferença no tipo de vida que tens, mas eu acredito mesmo que sociedades mais igualitárias são sociedades onde mesmo o arquiteto vive melhor do que aqui. Vive melhor não fechado dentro da sua casa, mas vive melhor, vive com mais conforto geral.
José Maria Pimentel
Sim, sem dúvida. Até porque as sociedades igualitárias ou equitativas, ou o que é que eles queremos chamar, têm essa igualdade ou essa distribuição mais harmoniosa, depois de uma série de efeitos indiretos sobre a segurança, sobre uma série de coisas...
Daniel Oliveira
Há um livro, que eu não sei se tenho aqui nesta biblioteca, não acho que tenho no escritório, que eu estou sempre a citar, apesar de ser um livro de estatísticas. É estranho eu estar a citar um
José Maria Pimentel
livro... Então deixa-me interromper-te aí, porque eu esqueci-me... Há uma rubrica sempre no podcast que eu me esqueci de falar, que é a pessoa que recomendar um livro. O teu vai
Daniel Oliveira
ser esse. Então vais ter que me interromper... Vou ter que... Vais ter que me deixar ir buscar o livro para dizer aos autores. Espera-se um bocadinho. Então ainda é essa a tua rubrica... Não era um livro que eu pensaria, mas acho que vem... Porque é um livro de estatísticas, praticamente. É feito, aliás, por um epidemiologista. Isto é do Richard Wiklson e Kate Pickett. Ele é, deixa-me dizer-te, o Eccleston é… trabalha na área da epidemiologia e da
José Maria Pimentel
história da economia. Epidemiologia e história da economia? Exatamente.
Daniel Oliveira
E a Kate Pickett é antropologia biológica, ciências de nutrição e também epidemiologia. Portanto, trabalham em áreas que não diriam que fizeram um livro político, que teve imensa importância quando saiu, que foi neste século já, não é? Tiveram bastante… pois foi em 2009, teve bastante importância no debate no Reino Unido. Porquê? Porque eles fazem um estudo… é engraçado porque isso é sobretudo um estudo científico com base numa recolha exhaustiva de números, onde eles chegam a… eu já citei isso em dois ou três textos meus, porque eles chegam a uma conclusão interessante. Nos países do primeiro mundo, eles concentram-se e a partir do momento… ou seja, nos países que têm riqueza suficiente para podermos falar de redistribuição… Exato. Nos países do primeiro mundo, A primeira conclusão é básica, é quase fácil de todos nós intuirmos. Vive-se melhor... O que determina a qualidade de vida não é a riqueza, é a distribuição dessa riqueza, ou seja, vive-se melhor em países dentro deste espectro de países do primeiro mundo, mais pobres que distribuem melhor do que em países mais ricos que distribuem pior. A conclusão mais extraordinária é que os ricos vivem melhor nos países que distribuem melhor do que nos países mais ricos. E a conclusão, eles chegam a essa conclusão fazendo um cruzamento de dados. Fazem cruzamento de não sei quantas coisas com o PIB, o PIB per capita. E depois, e quando eu digo não sei quantas coisas, é obesidade, maternidade infantil, taxas de encarceramento, taxas de suicídio, é só uma brutalidade variável de saúde e não só de saúde, qualidade de vida e comparam com o PIB. Fazem isso num conjunto de países do primeiro mundo e fazem isso nos Estados Unidos para fazer uma espécie de contra...
José Maria Pimentel
Ter ali uma contraprova
Daniel Oliveira
num país que apesar de tudo tem a mesma realidade pelo menos jurídica, política. E a conclusão... E depois fazem a comparação com os índices de desigualdade e concluem que há baixíssima correspondência entre o PIB per capita e estes indicadores e uma quase decalcada coincidência nos índices de desigualdade. Ou seja, de onde concluem, por exemplo, que o Reino Unido, estando no topo, no PIB per capita, tem dos piores números dos países desenvolvidos em quase todas estas áreas. Em quase todas estas áreas. Sim, e
José Maria Pimentel
os Estados Unidos, provavelmente. E os Estados Unidos também.
Daniel Oliveira
Pelo contrário, os países escandinavos, e não só, estão quase sempre nos primeiros lugares. E tem um dado ainda mais interessante que ultrapassa aquilo que é óbvio, que é o que dá de vida, etc. Tem um inquérito feito em vários países com uma pergunta muito simples. Confias nos outros?
José Maria Pimentel
Ah, a Capital social, já falei disso. Apenas isso. Sim, sim, sim.
Daniel Oliveira
É que não é confias no Estado, confias no democrâmio, confias nos outros. E há uma coincidência quase absoluta entre, nos países com maior igualdade, entre a resposta positiva e quase absoluta nos países com maior desigualdade, na resposta negativa. O que é fácil de perceber, A ideia de comunidade, a ideia de confiança e de empatia depende da ideia de comunidade. Nós sentimos empatia por aqueles que são, com os quais nós nos relacionamos. Sociedades muito desiguais não têm na realidade uma comunidade. As pessoas não se cruzam nos mesmos ciclos, não andam nas mesmas escolas.
José Maria Pimentel
Vemos o Brasil, por exemplo. Não
Daniel Oliveira
andam nos mesmos transportes públicos. Não precisamos ir ao Brasil, vamos em Portugal. Sim, sim, sim. Não se cruzam, não se cunham, não sabem sequer. Uma das coisas que eu verifico no Brasil muito mais, evidentemente, mas em Portugal, é que a elite monta os devezes a falar do povo, o exemplo que arranja é sempre a empregada doméstica ou taxista, porque não se cruzam, ou seja, com pessoas com os quais têm, ou os funcionários da empresa, se for o caso, com pessoas com as quais têm relações hierárquicas, de alguma forma. Sociedades igualitárias as pessoas têm um sentido... Ora, e mais facilmente confiam em geral nos outros. Ou seja, eu acho que o elemento central para a qualidade, para aquilo que eu considero uma sociedade saudável, é uma sociedade igualitária que não asfixie a ambição. E é por isso que eu sou um social-democrata e não sou um comunista. Que não, eu acho que a ambição é… eu acho, aliás, que o ser humano tem permanentemente em si e as sociedades permanentemente em si quando as pessoas dizem, por exemplo, o ser humano é por natureza individualista e ambicioso e as outras pessoas que acham que o ser humano, por contrário, tende para a cooperação, é na cooperação. As duas são verdadeiras. Eu, aliás, acho que vivemos permanentemente numa tensão.
José Maria Pimentel
Numa tensão entre as duas, claro.
Daniel Oliveira
E, exatamente, uma das coisas, uma das grandes, porque eu me considero um social-democrata, é que eu acho que a social-democracia foi aquela que melhor equacionou esta tensão entre as duas. Entre a ambição pessoal. Eu não preciso sequer falar dos outros, eu tenho ambição pessoal. Eu sou uma pessoa ambiciosa e isso não esmaga obrigatoriamente a minha capacidade de ser solidário ou até de utilizar a minha ambição para ser solidário. A capacidade de uma sociedade conseguir ir equilibrando esta tensão entre as duas coisas que me leva a defender que o socialismo sempre teve ilhas de capitalismo e o capitalismo tem ilhas de socialismo e sempre teve e tem que
José Maria Pimentel
ter. Eu até acho que devem ser ilhas um bocadinho... Mas o que é que você está a perceber? Deve ser aqui que falam as ilhas razoáveis, não é? O que é
Daniel Oliveira
que chamas ilhas de...? Eu vou-te dar um exemplo que é engraçado, porque é um exemplo metafórico. Sim. A Wikipedia é uma ilha de socialismo. Já estou a perceber. Que prova que um conjunto, um conjunto é quase uma parte resolvável da humanidade, consegue cooperar sem ter nenhum ganho privado, a não ser a vantagem da cooperação. A conclusão foi que a Wikipedia, foi feita, não sei se isto ainda é verdade hoje, mas há muitos anos, foi feito um estudo que dizia que os erros da Wikipédia e da enciclopédia britânica eram mais ou menos os mesmos.
José Maria Pimentel
E um pequeno grupo de pessoas alimenta a Wikipédia, não é? Em Portugal era meia
Daniel Oliveira
dúzia de pessoas, quase. O que eu digo é, este processo de cooperação, O que a Wikipédia tem, que é curioso porque a Wikipédia foi a única que não foi privatizada, no sentido de não foi transformada numa máquina de lucro, por vontade do seu criador, e não por acaso, é a única que sobrevive. É a única coisa que foi fundada no advento da internet e que sobrevive. E, portanto, eu dou um exemplo. Eu acho que a Wikipedia não é um absurdo numa sociedade capitalista. Eu acho que a sociedade capitalista, aliás, está cheia de ilhas destas, de cooperação entre as pessoas que não visam lucro. Dizer isto não é dizer as pessoas não querem enriquecer. Não é dizer que as pessoas têm várias dimensões. E que o meu problema com a situação política no Ocidente, não só no Ocidente, a situação política global hoje, é que o capitalismo está a esmagar e a dizimar todas as outras dimensões do ser humano. Ou seja, já praticamente... Eu aos anos escrevi um texto a contar uma história, já não me lembro dos promenores, mas foi cá em Portugal em que as funerárias queriam... Eu acho que é uma boa história por ser absurda, não é? As funerárias queriam processar as mutualistas, os primeiros mutualistas. O primeiro sindicalismo nasceu, a maior parte das pessoas não sabe isso, nasceu no mutualismo, nasceu sobretudo no mutualismo para funerais, para pagar funerais. Foi a primeira vez que os operários se organizaram, os trabalhadores se organizaram, foi para pagar o mínimo do mínimo, já que não podiam ter uma vida com dignidade, para terem uma morte com dignidade. E ainda sobram algumas mutualistas dessas. E as funerárias querem, queriam processá-las porque elas não fazem preços faires, justos. Têm preços demasiado baixos porque as pessoas passam o tempo a descontar. Ou seja, este é um bom exemplo só para perceber como nós assumimos que a função toda da vida é o mercado. Que tudo na vida tem como função o mercado. E que tudo que não cumpre essa função é antinatural. Acho, aliás, que isso entrou nos domínios praticamente todos da nossa vida. Hoje, por exemplo, e eu largo isto, por exemplo, a escola, sempre que ouvimos falar da escola, ouvimos falar da sua educação às empresas. Essa educação às empresas porquê? Eu não nasci para uma empresa. Eu quando nasci, não nasci para ser trabalhador.
José Maria Pimentel
Nasci para ser pessoa. Eu vi o episódio com o Miguel Tama justamente
Daniel Oliveira
sobre isso. Estou de acordo com o que estás a dizer. A escola não tem que se adaptar às empresas. Isso não quer dizer que não tenha isso em conta. Que isso é um dos domínios da vida das pessoas. Agora, eu sou, por exemplo, completamente contra o ensino profissional. Completamente contra o ensino profissional até o 12º ano. As escolas não servem para preparar profissionais. Não há uma parte da população que tem como função ser canalizador e a outra ser cidadão. Eu não... Quando eu estou a dizer que... Deves ter... Eu sou contra... Estamos a falar de um princípio genérico. Depois que exista formação profissional durante o ensino, não tenho nada contra que as pessoas no meio também estejam... No meio do que recebem... Tudo o que recebem também estejam a ser preparadas para fazer coisas, incluindo coisas que gostam, eu não estava aqui a discutir o sistema de ensino, só aqui a discutir o princípio geral, independentemente de todos os princípios gerais, pois devem ser temperados com algum pragmatismo sobre a realidade. Olhamos para as universidades e acontece exatamente o mesmo. As universidades foram basicamente tomadas pelo mercado. Tomadas pelo mercado e o tempo acabará, aliás, com todas as ciências, com o asfixiar de todas as ciências que não tenham funções mercativas. Mas já está a acontecer. A criação das universidades transformarem-se em fundações, a entrada das empresas dentro das universidades, o que significa que financiam, evidentemente, coisas que vão dar lucro e não financiam as outras. Ou seja, e eu posso continuar a multiplicar. Multiplico quando falamos de cultura e as pessoas falam, é, da bilheteira, e se teve bilheteira e se não teve bilheteira, então se as pessoas...
José Maria Pimentel
Mas qual é a alternativa a isso? Atenção, eu não estou... Uma das funções do Estado é garantir que nem tudo é mercado. Ou seja, que há coisas que não têm... E há uma função da sociedade civil também. Não têm nenhuma função
Daniel Oliveira
de mercado e têm funções sociais que sempre tiveram, aliás. Porque o caminho da mercantilização de tudo é suicida.
José Maria Pimentel
Não tem qualquer
Daniel Oliveira
futuro. Nem para o mercado. O mercado não sobreviverá. Vamos, por exemplo, pegar em algumas indústrias. Sem. Turismo, por exemplo. Não, ou outras criativas. Não há.
José Maria Pimentel
Mas por isso é que eu acho que a coisa se autorregula, percebes? É justamente por isso. Não, mas o problema é que não
Daniel Oliveira
se autorregula, porque há funções que não têm nem sequer indiretamente funções de mercado.
José Maria Pimentel
Claro que sim. Acho que se autorregula mais do que tu achas. Tem uma acolheção no mercado
Daniel Oliveira
do antropólogo que estuda ciganos? Nenhuma! Nem agora nem nunca. E mais, eu nem digo que só nunca que estuda ciganos. Isso tem aliás um problema, é quase tudo o que fazemos é para quem tem capacidade financeira. Ou seja, o que eu estou a querer dizer com isto? Eu, bem, posso continuar a multiplicar isto por tudo, basicamente. Há aliás um discurso, uma ética do mercado e um discurso do mercado que se vai tomando conta de tudo. Hoje os milhares vão para as associações de estudantes para ter currículo, para ter empenho para uma empresa. Tomam conta de todos os domínios da vida. Sim, sim, sim. E o que eu acho, exatamente, é que nós vivemos num momento em que se está a esticar a corda para um lado que vai inevitavelmente acabar por correr mal. A única razão porque Eu sou um pessimista, em geral sou um pessimista. Tenho consciência que é uma estupidez ser pessimista. Tão estupidez como ser otimista. Sim, eu
José Maria Pimentel
sou otimista por isso. Eu cito muito o título
Daniel Oliveira
do Gramsci, o livro do Gramsci, estou sempre a citar porque acho que é a posição correta, que é o pessimismo da razão, o otimismo da vontade. Que eu acho que é uma boa síntese do que devemos ser. E eu tenho um pessimismo da razão e depois tento... A idade começa a ser sempre, à medida que vamos ir, ser cada vez mais difícil do otimismo da vontade, até porque a esperança de vida vai diminuir e a vontade vai ter cada vez mais desimportância na nossa vida. Mas, sendo um pessimista, eu tenho consciência de que a história nunca acaba e, portanto, puxa de um lado, puxa do outro, vai para um lado, vai para o outro. Estamos, na minha opinião, num momento de esmagamento de todos os domínios da vida, que não sejam os domínios do mercado, que não correspondam à natureza humana, como demonstram, aliás, como estamos aqui a demonstrar os dois. Exatamente. Eu faço um podcast e tu também fazes um podcast, que não tem como função, nem agora, não sei do teu caso, mas imagino que nem depois, vir a ter efeitos econômicos na nossa vida. Exatamente. O prazer partilha. Tu és uma ilha de socialismo, não sabes, mas és uma ilha de socialismo.
José Maria Pimentel
Eu sei, mas eu não lhe chamo ilha de socialismo. Embora não tenham grande problema com ela. Uma coisa, eu acho que dissiste, quando eu gravei a conversa com o Adolfo, uma das coisas que eu lhe dizia já perto do fim é que uma das razões pelas quais eu não gosto de dizer simplesmente que me identifico com o liberalismo clássico é que o liberalismo clássico tem muitas coisas em que é ultra diferente daquilo que eu acho, porque entretanto passaram 200 anos e hoje em dia há uma série de coisas que eu acho que devem existir numa sociedade que o papel do Estado no cenário tópico liberal clássico
Daniel Oliveira
é basicamente zero. Eu devo dizer-te que eu disse isto antes de começarmos o podcast, eu tenho um problema com a palavra liberal.
José Maria Pimentel
Pois, pois, está bem. E o meu único
Daniel Oliveira
problema é que cabe lá demasiadas coisas, ou seja, desde o que...
José Maria Pimentel
Senhor Artemil, vá por aí.
Daniel Oliveira
O problema é que eu estou em revolução francesa. Mas o meu ponto é
José Maria Pimentel
esse. O meu ponto é esse. O que eu quero
Daniel Oliveira
dizer é que a minha questão, eu por exemplo, eu tenho um problema, aliás é uma coisa com a qual estou sempre a tropeçar nos meus textos. Eu não gosto da utilização da expressão neoliberal. Sim, eu também não. Porque ela fazia... Não, não, mas ela existe. E ela tem um remetente, tem destino a talhos bastante claros. Pois, só que depois estendeu-se a muitos que não deviam, não é?
José Maria Pimentel
O meu problema é que eu acho que o neoliberalismo é que se estendeu a muitos que não deviam, não é? O problema é que eu acho que o neoliberalismo é que se estendeu a muitos que se calhar não deviam, eu próprio. Agora,
Daniel Oliveira
eu não gosto porque ela está marcada pela sua utilização banal. Ou seja, não é porque tenha sido utilizada abusivamente, mas como foi utilizada assim num clima de confronto político muito agressivo quando eu utilizo a expressão neoliberal diz, ah, lá está ele, olha o Manelo Negra. Sim, exato. Ou olha o... Mas eu utilizo-a por uma razão, não tenho outra, porque a palavra liberal eu não a entrego à direita. Porque... E fazes bem. Não entrego, não dou assim bandeja, digo, o liberalismo é muita coisa. É muita coisa, cabe lá muita coisa dentro. E portanto eu tenho aliás um problema que um dia destes eu já comecei, Houve uma altura que eu utilizei a expressão ultraliberal para não utilizar neoliberal porque apesar de
José Maria Pimentel
tudo ultraliberal é mais genérico. Eu não chamo-me ordoliberal porque
Daniel Oliveira
eu não utilizo essas palavras que a maior parte das pessoas não
José Maria Pimentel
conseguem perceber. Ah, ok. É por isso que agora me fizeste me sentir agora.
Daniel Oliveira
Tenho vários amigos ideológicos que utilizam a expressão ordo liberal. Eu evito, por uma razão, não é compreensível para... E portanto, como não é compreensível para a maior parte das pessoas, acaba por ter exatamente a mesma função neoliberal. É um insulto, pronto, não quero dizer outra coisa. Ora, eu quando utilizo a expressão neoliberal não a quero utilizar como insulto, até porque eu evito cada vez mais utilizar categorizações que sejam insultuosas, a não ser em casos em que têm que ser utilizadas como insulto. Sim. Eu muitas vezes ouço pessoas, eu acabo já, ouço muitas vezes pessoas dizerem não vejo porque utilizam a palavra fascistas para tudo e quando eles aparecem eu utilizo a palavra fascista com muitíssima aproximação. E sempre que me vem com essa taca, eu digo para a mãe ler os meus textos, eu utilizo
José Maria Pimentel
a palavra fascista.
Daniel Oliveira
Eu nunca utilizei a palavra fascista para falar de Alpen, que me lembro que posso ter utilizado num momento de entusiasmo, mas nunca a utilizei com rigor em textos pensados e utilizo-o para o Bolsonaro sem hesitar durante um assunto. Sim, claro. Mas tenho uma das razões para nós podermos utilizar a expressão neoliberal é não a utilizar a tortilha direita. A tortilha
José Maria Pimentel
direita. Exatamente. Sim, sim. Não, vou dizer-lhe, eu estou a gostar imenso do que estás a dizer. O meu único problema só que com o tempo é que um amigo meu usa a expressão de abrir parênteses e nós já temos aqui uma série de parênteses. Ah, sim, sim, sim. Eu uso a sua parêntese. Eu quero ver se os feches todos. Quero ver se os feches todos. Bem, tu chamaste a atenção para um ponto que é importante ter aqui, claro. Há uma amplitude, um contínuo de... Voltando àquele início, à distinção que tu fizeste entre igualdade e liberdade alegadamente meritocrática do outro lado, há um contínuo e tu não estás obviamente no extremo da igualdade e eu também obviamente estou muito longe de estar no outro extremo. A minha objeção a isso é, primeiro há uma... Costuma-se dizer que as pessoas liberais e economicamente são... Têm o chamado pessimismo antropológico. Eu não me identifico zero com isso, eu tenho um otimismo antropológico. Eu também
Daniel Oliveira
não me identifico zero com isso porque eu tenho um pessimismo antropológico. Tenho um pessimismo, uma das razões por defender o papel social do Estado, eu defendo o contrato social.
José Maria Pimentel
Eu acho que isso faz muito mais sentido, na verdade. Eu defendo
Daniel Oliveira
o contrato social porque não acho que se deixarmos as coisas equilibrarem-se naturalmente isto vai correr bem, acho que vai correr mal. Portanto, eu sou um pessimista. Eu sou muito mais pessimista do que o general Librais.
José Maria Pimentel
Exatamente, justamente, eu acho isso. Portanto, nesta conversa está coerente, embora possa não estar coerente com a generalidade das pessoas. A minha objeção a isto, na prática, é sempre uma questão de, voltando àquilo que eu falava há pouco, de qual é a alternativa. E voltando àquela questão dos incentivos, eu identifico com quase tudo o que disseste. A questão do capital social, por exemplo, que é o nome desse fenómeno que tu falaste, que eu falei com o Pedro Magalhães um dos primeiros episódios, é dos temas mais interessantes que existem, que cruzam economia, sociologia, psicologia, e é um fator de previsão do sucesso económico dos países em termos de bem-estar brutal, e é um grande problema em Portugal, por exemplo, estou completamente de acordo com isso e com a importância disso também, embora também tenha que ver com outras coisas como o grau de coletivismo versus individualismo de uma sociedade, mas também tem que ver com isso. Portanto, estou completamente de acordo, a questão da mortalidade, quer dizer, do efeito da igualdade ter uma série de ramificações positivas. O caso do Brasil é um problema enorme de desigualdade e os Estados Unidos têm muitos problemas com isso. Agora, a questão, por exemplo, na realidade portuguesa, há uma coisa, e isto tem um lado de formação profissional, obviamente, não é sendo eu economista, mas aquilo que me faz impressão é que a esquerda é cobarda em muitas coisas politicamente, a direita também. É normal, porque tu não queres abrir mão dos valores seguros que tens e, portanto, não queres falar o mínimo possível dos defeitos que isso possa eventualmente ter. E o que acontece muitas vezes na prática é que tu tens cenários em que seria desejável ter mais incentivos, por aquilo que eu falava antes, a ausência de incentivos implica que as pessoas não se mexam. Imagina uma empresa, uma organização, o que quer que seja, com 100 pessoas a funcionar com incentivos económicos. E eu não vou dizer que quem ganha mais naquela empresa tem mais mérito porque já expliquei que eu não estou de acordo com isso. Agora, se eu as puser todas a ganhar o mesmo, eu sei que não defendes isso, mas se eu as puser a ganhar o mesmo, o que significa que o futuro daquilo vai ser em publicimento, enquanto se eu tiver incentivos... Eu não acho que quem se vai sair melhor, quem se vier a sair melhor com esses incentivos sejam as pessoas com mais mérito, mas se eu não tiver aqueles incentivos eu não vou ter um crescimento. Em Portugal, grande parte da posição da esquerda é de rejeitar incentivos aos professores. Sem querer, não gostava de falar muito da atualidade, mas...
Daniel Oliveira
Mas pode-se introduzir aqui alguma... Eu vou dizer uma coisa, eu não gosto da ideia dos incentivos por uma razão. Eu não vejo, não gosto muito da razão, ou seja, dos incentivos financeiros conforme os resultados de cada um. Há razões até práticas, muito eu tenho muitas dúvidas sobre, mas muitas e por experiência. Sim. E isto, sou sempre mal-entendido quando defendo isto, acho que a avaliação feita nas empresas em 90% dos casos é uma treta.
José Maria Pimentel
E tens razão. É a formalização. A questão é alternativo. Pois
Daniel Oliveira
não, mas eu acho que é alternativo. Percebes? Eu acredito numa coisa, eu não acredito no igualitarismo, acredito na regra para trabalho igual, salário igual. Sim. Isso acredito. E acredito que tu podes promover as pessoas que trabalham melhor. Promover na carreira, fazer com que elas vão fazer mais coisas, outras coisas, dando-lhe outros desafios. Eu não estou a falar de um sistema burocrático em que saltas, eu acho que mais do que o dar-se mais dinheiro por resultados individuais de cada um. Até porque isso parte de um princípio que eu tenho dúvidas, mas isto são discussões sobre gestão que eu não domino, porque não é a minha área. Eu não sei se a competição interna das empresas é a melhor forma de elas funcionarem bem. Tenho, pelo menos por experiência, tenho bastantes dúvidas em relação a isso. Sim, sim, concordo. Acredito que as pessoas devem ter perspectivas de progressão, ou seja, que uma pessoa que se esforça muito mais do que as outras, deve mais do que uma palmada, uma palma de dinheiro nas costas, sentir que isso depois vai ter uma noção de carreira. Isso eu compreendo perfeitamente e acho que há muitas falas. A que eu gosto mais não é a do patrão ir distribuindo o dinheiro conforme ele acha. Eu acho que aquela pessoa... Porque nem sempre... Nós também partimos do princípio que quem decide isso decide apenas com critérios de mérito. E isso não é verdade, não é? Ah, eu já trabalhei com pessoas que são, sem dúvida nenhuma, o melhor para a equipa, as melhores pessoas para a equipa, mas são as mais chatas para mim, porque são as que contestam mais, são as que... E ou não acreditam assim tanto na bondade humana para acreditar que é uma parte das pessoas. Põem de lado essa parte. Portanto, eu gosto mais da ideia das pessoas terem carreiras mínimas dentro de alguma estabilidade profissional. Eu acho normal que um tipo que se esforça, que chega ao fim da sua vida profissional, no topo da sua carreira profissional, um tipo que não se esforça, não saia dali. Eu acho totalmente irrealista pensar uma sociedade onde todos... Como é que chama a curva...? Gauciana? Exato. Agora bloqueio. Onde está tudo no meio, vai dizer. Não, onde está tudo na ponta positiva.
José Maria Pimentel
Claro, mas daí não há curva, sim, sim. Não há curva nenhuma,
Daniel Oliveira
Portanto, não existe. Toda a nossa sociedade e as empresas também devem interiorizar a ideia de que vão ter uma minoria de excelentes, uma minoria de maus e uma maioria de medianos. Mas
José Maria Pimentel
a questão é quem é que decide quem são os
Daniel Oliveira
excelentes, os medianos e os maus? Com certeza. Percebes o anúncio? Eu não sou a favor de... Eu, por exemplo, consigo discutir, até à esquerda já tive várias discussões sobre, como um grande defensor que sou dos serviços públicos, preocupa-me muito mal o que funciona mal nos serviços públicos e o que funciona mal no funcionalismo público e algumas das coisas têm a ver com bloqueios a algum prémio promérito. O ensino, as escolas, como é que nas escolas... Não tenho, não tenho, eu por exemplo, que acho que a avaliação nas escolas nunca correrá bem, portanto não vale a pena insistir mais no caso. Concorrência entre as escolas? Não. Só isto? O problema da concorrência das escolas é quem se lixa é o mexilhão, porque a concorrência nas escolas nós sabemos todas como é que ela é feita. Mas aí introduzes. Então como é que passa a concorrência das escolas? Deixamos escolher os alunos. Claro, mas a questão é... É assim que eu faço a concorrência nas escolas, é que eu escolho os alunos e fico a melhor escola.
José Maria Pimentel
Sem dúvida, mas tens que... Mas então introduzes. Aliás,
Daniel Oliveira
é a maior... Aliás, para mim, aliás, a história, por exemplo, quer do check-in-sino, quer da concorrência entre as escolas, é exatamente a maior demonstração da falácia da concorrência como... Porque eu tenho formas. É um bom compromisso aqui. Não, a melhor maneira é exatamente... É aliás o que aconteceu com os rankings. O resultado principal dos rankings não foi a escola terem corrigido problemas que tinham. O principal resultado dos rankings foi a escola começarem a selecionar alunos para deixar de ter problemas.
José Maria Pimentel
As que podiam, as que não podiam ficaram com todos os problemas. Eu vou usar o argumento que detesto usar, que é o argumento de dizer que a coisa foi mal feita. Não é? Parece aquele argumento...
Daniel Oliveira
Mas não, mas é que eu acho que não tinha
José Maria Pimentel
como ser bem feita. O comunismo nunca foi bem
Daniel Oliveira
aplicado. Eu acho que nunca tinha como ser bem feita. Não tinha. Mas em tantos países é feito por vontade. É feito por vontade. Vou-se-me perguntar. Mas em tantos países, eu não acho que há tantos países que possam dar os sistemas de ensino. Não estão em crise em Portugal, estão em crise em muitos países. Eu acho que há um processo também de mercantilização, de concorrência, uma lógica concorrencial entre as escolas que vem do mercado, que está a infectar vários sistemas e eu acho que em geral com maus resultados. Se me perguntar, deve haver por parte das escolas, em relação às escolas, algum tipo de benefício por fazerem o melhor trabalho com as populações que têm, eu assumo. Mas para já teria que discutir… Assume-nos uma noizinha. Não, não, não, assumo, assumo. Não, até tenho algumas ideias…
José Maria Pimentel
Não tem culpa nenhuma, não
Daniel Oliveira
existe, tira atenção. Não, não, até tenho algumas ideias de compromisso, de por exemplo observar uma pequenina percentagem na escola para que a escola possa escolher alunos, uma pequenina porcentagem, ter uns alunos muito bons que vão para aquela escola e não são daquela zona, uma coisa marginal que não altera, que não crie guetos sociais e guetos culturais nas escolas, que é a minha principal preocupação. Sim, sim, sim, é isso. Como assumo que as escolas devem ter... Eu defendo a autonomia das escolas, ao contrário da minha parte da esquerda, e defendo até a autonomia contratual, já o escrevi, já o disse várias vezes, defendo a autonomia contratual das escolas. Agora, defendo, por exemplo, que uma escola que consegue, a escola do Cerco, no Porto, quando consegue reduzir, estou a falar de Córrego, mas consegue reduzir drasticamente o abandono escolar, tem muito melhores resultados do que a escola Filipe de Lancastre, quando consegue que os alunos tenham todos 17 ou 18 nos exames. Tiveram que trabalhar o dobro ou o triplo do que teve desde o trabalho. Mais uma vez o privilégio. A escola Filipe Padua encaixa-se, provavelmente não tem que fazer nada para conseguir. Sim, óbvio.
José Maria Pimentel
E isso... Tu explicas bem fora, quer dizer, é tudo a tu. E eu não sei
Daniel Oliveira
como é que isto se avalia. E eu não sei... E tu podias dizer que foi mal feito, mas é que o problema de ser bem feito é que o bem feito, às vezes, não há um bem feito possível.
José Maria Pimentel
Não há perfeito, isso é verdade.
Daniel Oliveira
Eu acredito, eu acredito, e o problema é que o sistema de rankings, na verdade teve o efeito, agravou todos os problemas
Daniel Oliveira
que existiam. Não melhorou nenhum e
Daniel Oliveira
agravou todos os problemas que existiam. E teve aliás como uma função, e aqui eu vou ser, ultrapassar a questão do argumento lógico, em muita gente teve como principal função promover o sistema de ensino privado. Teve como única função, porque sabiam que teriam melhores resultados, porque conseguem fazer uma coisa que a escola pública não pode fazer, que é selecionar os alunos e mandar os maus alunos embora. E isso, ora, se eu conseguir desceder quem é a minha clientela, todos os serviços que têm os clientes como o seu principal serviço, conseguem isso. Sim, sim. Evidentemente, se eu tirar todos os problemas da escola, fico numa escola sem problemas. Ora, eu quero pôr o meu filho, egoisticamente, quero pôr o meu filho numa escola sem problemas, como é natural.
José Maria Pimentel
Claro, e aliás esse deve ser, eu acho que para uma pessoa, bem para qualquer pessoa, mas para
Daniel Oliveira
uma pessoa de esquerda deve ser uma altura muito difícil. Já, já, vivia, eu Já tive a minha filha, a minha filha agora já está na universidade, a minha filha já teve no sistema público, em IPSS, e numa escola privada, e numa escola estrangeira teve em todas, e em todas eu participei de alguma forma na decisão, umas vezes mais, outras vezes menos, mas em todas se me pôs esse problema é que tu perguntas o que é que tu pões primeiro as tuas convicções
José Maria Pimentel
da tua filha, a minha filha. E
Daniel Oliveira
aí, em relação a mim isso não é assim, ou seja, eu em relação a mim, tento ser na medida do possível coerente com as minhas convicções, quando toca à minha filha, tenho um pequeno problema, é que eu não sei quais vão ser as convicções da minha filha. Exatamente, sim, sim. É um bom ponto, exatamente. Agora... Respeita a liberdade da lei ultimada. Tentei, na medida do possível, e consegui, à maior esmagadora, apesar de ter rendimentos que tornariam, que era perfeitamente possível não ser assim, me leva parte do tempo, a minha filha andou na escola pública e não andou na escola pública porque eu quisesse fazer a minha filha um manifesto. É porque eu acho que é melhor para ela. E foi. Aliás, a melhor escola em que a minha filha andou foi, de longe, de longe, aléguas todas as outras, uma escola pública e a pior em que andou foi uma escola privada. Exatamente por uma razão, porque faz parte do ensino, da educação e do crescimento viver fora de uma bolha.
José Maria Pimentel
Completamente, de acordo. Eu imagino, e pensarás o mesmo, se eu tivesse andado sempre a escolas privadas, o que seria isso? Eu nunca andei, andei
Daniel Oliveira
só a escolas públicas e mesmo assim... Mas
José Maria Pimentel
as privadas só na primária, mas
Daniel Oliveira
o que quer dizer? Mas há seletivas, não é no meu tempo, as escolas privadas eram mesmo só mesmo para pessoas ricas, não é? Sim. Foi há muito, muito tempo. Uma das coisas que é um problema na hierarquização das escolas é que tendem a criar guetos ao contrário. Eu, da mesma maneira que nunca quis que a minha filha andasse num gueto de rico e quando andou saiu rapidamente porque aquilo não corresponde a nada do que eu quero que a minha filha saiba e aprenda e não é só para ser uma boa cidadã, é para ser uma pessoa inteligente, capaz de perceber o mundo em que vive e com todos os efeitos que isso tem depois na vida toda das pessoas, também não quer que a minha filha ande num lugar de pobres. É a mesma coisa, é o mesmo problema, é exatamente o mesmo problema, Ou seja, um dos problemas, eu tenho uma posição, se quisesse, um bocadinho radical em relação à escola e ao Serviço Nacional de Saúde, mas sobretudo à escola. Eu não quero proibir escolas privadas. Acho que o Estado deve desincentivar ao máximo a existência de escolas privadas. Não deve proibi-las porque não acho que… Deve ser como a Finlândia. A Finlândia não as proibiu, tornou-as indiferentes. Ninguém quer pôr um filho de uma escola privada na Finlândia, porque as escolas públicas são muito boas, porque raio é que havia de pôr uma escola privada e gastar dinheiro. Portanto, eu acho que as escolas privadas são um problema para a democracia, para a sociedade, para o mérito, para não sei quantas outras coisas. Há pessoas que estão a construir uma rede de contactos imediatamente na escola e ainda sem fazerem nada já chegaram ao topo e há outras que estão perdidas à partir. Ou seja, acho que é um problema em geral. Portanto, eu não tenho nenhum problema em assumir que não, e eu nestas coisas assumo uma posição moderada, uma posição radical, com o mesmo à vontade, no que eu puder fazer para influenciar o Estado não beneficiará em nada. Portanto, sou a favor do fim de qualquer dedução fiscal em educação, qualquer zero, zero de deduções fiscais em educação, que só beneficiam os ricos, como é evidente. Ou seja, temos o Estado a financiar esse privilégio e sou a favor, no fim, de todos os contratos da associação, a não ser aqueles que sejam absolutamente indispensáveis. Nessa matéria sou totalmente radical. Acho que o Estado deve pegarem todo o dinheiro que tem, todos os recursos que tem para a escola pública do Estado. O resto não deve impedir que exista, mas é um assunto, por exemplo, eu defendo que o Estado, quando se está a discutir os manuais, e agora se está a discutir os manuais estamos a ir a uma coisa muito específica, desculpa, mas quando o Estado está a discutir se vai pagar os manuais também ao privado, obviamente que não, obviamente que não, só paga manuais para quem anda na escola pública. Ou seja, o Estado não tem que contribuir em nada para que as pessoas fiquem, queiram que os seus filhos andem na escola privada. Esta é a expressão... Eu não sou um prohibicionista, não sou um radical, portanto, esta é a posição que eu defendo. O Estado tem ações positivas em relação à escola pública e à escola privada, o sistema se quer continuar a existir, continua a existir, mas trata-se de si. Sim.
José Maria Pimentel
É assim, nós não estamos muito em desacordo neste ponto. Eu acho que há essencialmente duas dimensões deste problema. Uma questão é se a escola pública deve ser apenas um serviço fornecido pelo Estado ou se deve haver privados. Estou de acordo contigo, não vamos proibir obviamente os privados. É um problema em relação ao qual eu ainda não tenho uma opinião definitiva, admitindo que a pessoa pode ter uma opinião definitiva em relação a qualquer tema, mas não tenho uma opinião em relação à qual esteja ultraconvicto, mas inclino-me, és mais gostar de saber isso, para achar que nós devemos ter escola pública, maioritariamente. Porque, e isto para mim está completamente em linha com o liberalismo ou o que lhe queiramos chamar, o que é essencial é que as pessoas tenham oportunidades iguais. Eu devo
Daniel Oliveira
dizer que acho que um verdadeiro liberal é, em princípio, se há área onde não deveria discutir o papel dos tágares.
José Maria Pimentel
É na educação, completamente, no ensino. Até consigo
Daniel Oliveira
compreender que eu possa fazer a saúde na
José Maria Pimentel
educação na classe. Exatamente a minha visão. Depois, há outra questão, que é, o Adolfo falava nisso, estou 100% de acordo, que é a escola ser pública não implica que não tenha incentivos e mecanismos de concorrência. A paz podre que nós temos em Portugal, isso é que confesso que me irrita um bocado e não há muitas coisas que me irritem é que tu tens um sistema em que admites a precaria das escolas privadas mas depois não estás a pôr no sistema público o mínimo de incentivos para aquilo que corre bem ou Daniel, eu vou só dar para dar um exemplo eu andei quase sempre a escolas públicas mas era muito esse efeito que tu falavas que são escolas públicas mas depois pela zona onde estão na prática acabam por ter um engasamento só económico. Eu estudei grande parte da minha...
Daniel Oliveira
No Pedro Nunes. Pedro Nunes era uma escola pública mas era uma
José Maria Pimentel
escola pública com grande sucesso social.
Daniel Oliveira
E eu o apanhei. Isso é um problema que é muito difícil... Eu por exemplo, esse não sei como é que se resolve, porque isso está ligado a uma desigualdade, que é a desigualdade da distribuição... Está a montante disso, não é? Da distribuição territorial das pessoas e eu não sei muito bem como é que se resolve. É a mesma uma coisa que eu não sei como é que se resolve. É, o problema está... A questão é que
José Maria Pimentel
o problema está a montante. Mas isto para dizer, eu presenciei, e suponho que tu tenhas presenciado o mesmo, muitos casos de professores, francamente, maus, que eram tratados de forma exatamente
Daniel Oliveira
igual aos ótimos professores que eu tive, porque não havia o mínimo mecanismo no sistema. É o mínimo. Eu vou dizer-te, eu acho que há duas... Nós temos sempre à procura da resposta, aliás é muito típico da forma como se discute política hoje e deste tempo. Qual é a maneira de resolver este problema? E raramente pensamos que uma, há várias, duas, há problemas que se vão resolvendo. Temos que, é uma coisa que se costuma dizer, temos que resolver de uma vez por todas. Ah, sorry, raramente se resolve de uma vez por todas. E há várias coisas que acho sobre isso, que não resolvem o problema mas podem ajudar a resolver. Uma, eu acho, e mais uma vez uso a Finlândia como um bom exemplo, no que toca à escola pública, uma das razões porque a decência é em média má é porque a profissão não tem prestígio, não tem a ver com dinheiro, não vou dizer que os professores ganham bem, mas comparativamente com outros funcionários públicos não ganham mal, estão com outras atividades, tendo em conta que estamos em Portugal, não ganham mal, não tem a ver, tem a ver com prestígio. E a Finlândia, por exemplo, resolve isso de uma maneira. Porque é que os médicos têm uma vida de cão, também não os do SNS têm uma vida especialmente má, também não ganham bem e continuam a ser uma profissão para a qual é difícil chegar, as pessoas... Muita gente quer ser médico mesmo que saiba que o que lhe espera não é propriamente uma vida encantadora.
José Maria Pimentel
Varia muito de especialidade por especialidade. Mas sobretudo os que vão trabalhar para o Serviço
Daniel Oliveira
Nacional de Saúde. Agora o Serviço Nacional de Saúde começa a não variar muito de especialidade porque é mau em todo lado. Porque é uma profissão com prestígio social. E porquê é que é uma profissão com prestígio social? Não é seguramente porque o médico, à partida, o professor é uma profissão bem preciosa. Era uma profissão, aliás, que tinha muito prestígio social. Porque era difícil de lá chegar. E uma das maneiras para mim de resolver isso não é depois. É ser uma profissão para a qual é difícil de chegar. Isto
José Maria Pimentel
é o primeiro ponto, provavelmente, para os professores maus quase desaparecerem. Mas eu acho que está... Se quiseres digo isto depois e continuas, mas acho que na questão da medicina o problema é um montante desse, que está mais na raiz. Ou seja, porquê é que é difícil lá chegar? É difícil lá chegar porque houve muita procura, porque havia muitos iniciativos financeiros. E não só. E também
Daniel Oliveira
por uma questão cultural. É uma pescadinha de rabo na boca. É um bocadinho, sim. Porque tem prestígio social. Mas
José Maria Pimentel
podemos chegar mais ao rabo, qualquer vez.
Daniel Oliveira
A única maneira de tu resolveres o problema agora é começares, agora sobretudo, não tens falta de professores, é começares a ter mecanismos, não é só que seja, que haja poucos lugares, porque isso não quer dizer que seja difícil de lá chegar, quer dizer que poucos lá chegam, não é a mesma coisa. É tornar processo de seleção e formação que crie um espírito de corpo e de orgulho profissional que contribua para o brio profissional. E isso, a primeira condição é os políticos deixarem de falar dos professores como falam. Eu acho que não há nada, ninguém fez tão mal à escola pública do que os políticos para resolverem os seus problemas na escola pública, alguns reais, acharam que a melhor estratégia era falar mal dos professores da população, porque limitaram-se a piorar um problema que já existia. E eu acho... Pois, mas é que eu... Isto é o primeiro ponto, isto é o primeiro passo. A partir do momento que faças este, a outra é dar autonomia à escola, permitir que elas tenham projetos, permitir que muitas corram mal, provavelmente tão mal como corram hoje, mas pelo menos aquelas que têm boas lideranças podem fazer coisas que as outras não fazem. E podem. Não precisas de instituir isso. Há escolas que sem tudo lhes tens dado nenhum benefício financeiro, sem lhes tens dado nada. Apenas deste, latitude às lideranças, às boas lideranças para fazer coisas e os professores gostam de lá trabalhar e querem lá trabalhar, não ganham mais por trabalhar lá. Porque as pessoas não... O dinheiro é importante, mas as pessoas também gostam de trabalhar num sítio onde as coisas funcionam bem, onde sentem que o seu trabalho é valorizado, onde dá um bom ambiente de trabalho e isso passa
José Maria Pimentel
também na vida das pessoas. Claro, claro, não se deixa a dinheiro, atenção.
Daniel Oliveira
Eu acho que isto são passos prontos. Vai resolver? Não, é um caminho. Esta é a primeira... E isto aplica-se a muitas outras coisas. Estamos aqui a falar da escola pública, mas acho que... Pois aplica, por isso é que eu não mudei de tema, porque acho que isto... Aplica-se a muitas outras coisas. Eu acho que este é um primeiro passo,
Daniel Oliveira
que é a valorização social dos professores. Que não é fazer discursos e campanhas e publicidades, não é disso que eu estou a falar, é dar um espírito de corpo. É
Daniel Oliveira
impressionante como tu olhas para trás, em várias profissões para as quais hoje não ligas nenhum e tinham prestígio social, uma das razões é porque tinham espírito de corpo. Porque era difícil lá chegar... Vou-te dar um exemplo, uma mais absurda, dos Correios. Tantos, os Correios eram uma empresa, eu estou a dizer isto porque a minha família, uma parte da minha família era dos Correios. Era uma empresa familiar no sentido. Isto é uma coisa muito pouco peritocrática, não é? Os filhos dos funcionários tinham preferência para ser funcionários. Isto é uma coisa muito pouco peritocrática. Estão a dizer, não é nada justo. Não, mas era bom, porque criavam um espírito de coro. Tinham orgulho de ser descorreio. Tinham orgulho de ser daquela empresa. E, portanto, reviam-se naquela empresa e isso tinha resultados nos resultados da empresa. Curiosamente, ou seja, tu violares a regra do mérito, tinha vantagens para a empresa e para o mérito dos próprios trabalhadores. Ou seja, o que eu quero dizer com isto? Não é... Eu não tenho nenhuma solução milagrosa para resolver aquilo que nós instituímos ser um problema na educação. Dizer, nós instituímos e no entanto todos os dados nos dizem o oposto. A nossa escola nunca foi tão boa como é hoje. Nunca foi tão boa. Nós construímos também... Eu hoje sento-me sobre as universidades, me dá vontade de rir quando as pessoas falam do velho tempo, a Universidade Portuguesa era patética, patética, há 40 ou 50 ou há 60
Daniel Oliveira
anos, era patética, não tinha qualquer relação com o exterior, era uma coisa de uma elite
Daniel Oliveira
em que o maior mediocre já tinha emprego garantido, porque bastava chegar à universidade. E, portanto, nós também olhamos para o passado com umas lentes muito estranhas. A escola hoje é melhor do que a escola no meu tempo. É melhor, não tem a menor do que eu quero. E,
José Maria Pimentel
no entanto, é mais mercado. Desculpa a provocação.
Daniel Oliveira
Não, não, não, não. Eu por acaso acho que o pequenino... Tem mais mercado, mas pode não ser por causa disso. Eu agora, apesar de estar a falar da universidade, agora tinha passado para a escola. A escola mesmo, a escola secundária
Daniel Oliveira
e primária, são hoje muito melhores do que
Daniel Oliveira
eram no meu tempo. Muito melhores. Com imensos problemas que têm a ver com realidades novas às quais a escola não se adaptou e provavelmente não sabe como é que se há de adaptar e nós não sabemos como é que se há de adaptar. Agora, eu também acho que é importante nós não vivermos em drama permanente, ou seja, parece que Portugal é o único país que conseguiu dados de saúde e de educação em 40 anos que outros países demoraram 100 anos e que não parou nunca de falar horroros de
José Maria Pimentel
tudo o que tudo tinha feito, que também é uma coisa que me faz muito impressionado. E a saúde foi mais rápido do que isso. A saúde foi mais rápida. Está a dizer 40 anos porque passaram 40 anos. Não, foram 20, foram 15.
Daniel Oliveira
É quase um milagre o que conseguiu fazer no Portugal e ninguém dá grande valor. As pessoas de direita... Os ateus só pensam em Deus
José Maria Pimentel
quando vão morrer.
Daniel Oliveira
A direita só pensa nas vantagens do Estado Social quando tem uma doença grave e vai ao Serviço Nacional de Salud.
José Maria Pimentel
Eu não acho nada que os ateus se apreendam a Deus quando vão morrer. Um ateu coerente não pensa nunca.
Daniel Oliveira
É aquilo que se costuma dizer sobre os ateus. Somos falsos. É falsa direita. Só se lembra que o Estado Social é muito útil, às vezes as pessoas de direita falam muito mal do Estado Social, mas no retoque ao serviço da sociedade absoluta, pois, eu percebo, é quando precisas realmente. Também,
José Maria Pimentel
nós não falámos disso ainda, mas direita num país pobre, entre aspas, pobre comparado com os seus vizinhos. A
Daniel Oliveira
direita não, mas a direita liberal, eu sempre disse, a direita liberal num país pobre é fenómeno académico e intelectual. Exatamente, sim, sim, tenho perfeita noção disso. Quando as pessoas acham que o PSD devia ser muito liberal, eu dosato me arriro, mas porque querem que tenha 5%?
José Maria Pimentel
Exato, claro. Esse é o problema. Mas, voltando, falando daquilo que tu... Do exemplo que tu deste da educação e fazendo-lhe um aponte para um ponto que eu acho muito importante de ter sempre presente e que acho que tu partilhas é, como em tudo, há aqui uma tensão entre os dois bens. Ou seja, tu tens uma tensão entre, por exemplo, o exemplo dos correios, é um exemplo muito interessante e eu ia me apressar a dizer que isso era um exemplo mau, mas na verdade não é um exemplo mau. É o exemplo...
Daniel Oliveira
Eu acho que era uma coisa injusta.
José Maria Pimentel
Não, não, claro, só que porquê que ele funcionava bem? Porque a verdade é que a meritocracia, que eu acho um mau nome, mas pronto, é o nome que existe, vamos usar esse. A meritocracia é uma coisa boa, mas não é a única coisa boa, nem tem só vantagens. E, portanto, há aí claramente muita tensão. Como tudo. Como tudo. Exatamente. Acho que é Uma
Daniel Oliveira
das razões porque eu gosto muito de política é porque nunca nada está certo.
José Maria Pimentel
Justamente, exatamente. Eu gosto muito dessa expressão da tensão entre dois bens porque tudo em político, ou quase tudo, é isso. E a pessoa tem que ter noção disso e tem que ter uma humildade epistemológica para perceber que pode estar errado e que não está no ponto certo.
Daniel Oliveira
Não é que pode estar errado, é que está errado.
José Maria Pimentel
Pode estar pouco errado ou muito errado, mas está errado de certeza por alguma coisa. E em relação à questão da educação, à questão dos professores que tu falavas, o que tu disseste eu acho que tem algum poder explicativo a questão de funcionarem como um corpo, como... Já não sei qual foi a expressão que usaste há pouco, dos professores
Daniel Oliveira
terem orgulho... Terem brilho e terem orgulho na sua profissão.
José Maria Pimentel
Orgulho na sua classe, exatamente. Isso é verdade, mas para mim há uma coisa que existe antes disso e que... Obviamente estou a puxar o abraço um bocadinho à minha sardinha, mas que tem a ver justamente com a questão da concorrência. Com tu sentires que aquilo que tu fazes tem um pagamento, tem um retorno. Aquilo que tu fazes tem um retorno. Por exemplo, na medicina, para o bem e para o mal, haverá vários motivos pelos quais a medicina, e é muito difícil, lá está, ir à calda ou ao rabo da pescadinha, para usar o teu exemplo de lá há pouco. Mas há várias coisas, há uma questão até
Daniel Oliveira
cultural... Mas tu não acreditas, por exemplo, que alguém vai ser melhor professor porque lhe pagam mais se ele for melhor professor. É altamente improvável que isso aconteça assim. Eu não
José Maria Pimentel
disse que... Mas não é só pagar, não é? Ou qual é... Ou seja...
Daniel Oliveira
Diferenciado! Ou seja... A questão tem muito a ver com... Eu acho que é aquela expressão que
Daniel Oliveira
as pessoas utilizam muito, que é... Eu não sei se já ouviste, mas então na função pública ouve-se muito, que é... Comeram a carne, agora roiam os ossos. É uma expressão que o povo utiliza. Agora uma carne agora, sobretudo fim das carreiras, não é? As pessoas dizem, pois comeram uma carne agora arraiem os ossos. Ou seja, eu dei tudo, agora não dou nada porque não recebi nada em troca. E isto é Geralmente, eu acho que há um ambiente de brutal frustração, por exemplo, no funcionalismo público. E acho que isso tem a ver com várias coisas, algumas até do que tu disseste. Uma, as pessoas sentirem que não faz diferença, ou seja, que se elas trabalharem bem isso não é reconhecido. Devo dizer que eu acho que isso acontece, sobretudo quando nem trabalhando bem isso tem efeitos, não é só para elas, é para os outros. Ou seja, acho que em meios mais pequenos, mesmo que não haja retribuição, se elas trabalharem bem e se tiver efeitos na comunidade e nos outros, e isso for reconhecido pelos outros mesmo, sem nenhum benefício especial, As pessoas não sentem a frustração de que estamos a falar.
José Maria Pimentel
A camara de autocracia não é só o
Daniel Oliveira
dinheiro. O meu melhor professor de sempre, acho eu, foi o meu melhor professor de sempre, que não foi diferenciado, o meu pior professor de sempre ganhava o mesmo. E é evidente que ele sentia, ele não sentia essa frustração por uma simples razão, porque ele era tão bom que com 80 anos já reformado teve direito a um jantar de 10 alunos com 200 ou 300 pessoas. E isso para ele seguramente, eu não estou a ser poético, estou a dizer, Eu sei que isso para ele tinha um valor igual ou maior do que o rendimento. Porquê? Porque não estava tomado por esse ambiente de frustração de o que eu faço não serve para nada. Isto que eu tento fazer bem não serve para nada. Portanto, eu acho que há outras coisas para além da competição, que é as estruturas não estarem feitas, construídas de tal maneira, e estou a falar toda a função pública, não estou a falar da educação, em que qualquer tentativa de fazer bem e diferente é rapidamente aplacada e tu não consegues fazer nada. Por exemplo, a burocratização da vida dos professores, eu acho que é um problema grave, porque, ou seja, tudo o que significa tu impedires que a minoria que se distingue, não estou a falar dos professores em todo o lado, A minoria que se distingue tenha espaço para fazer coisa, enchendo-o de papelada, de burocracia, de... Tudo o que significa isso é matar a vantagem que tu não podes dar financeira, mas que podes dar em autorrealização das pessoas. Que é, pelo menos eu que gosto de trabalhar, não peço mais nada, deixem-me trabalhar. Não peço mais nada, não peço que me paguem mais. Eu acho que há imensas gente assim. Eu não peço que me paguem mais, que me distinguam do tipo que não faz rigorosamente nada do ponto de vista e ganham o mesmo que eu. Eu só peço que me deixem ter prazer no que faço. E eu Acho que nem todas as profissões são assim, mas a de professor seguramente e outras dependem imenso. É impossível ser bom professor sem ter a prazer de ser bom professor. Há outras profissões que não é assim, que nós podemos fazer sem grande prazer e ser muito bons. O professor isso é impossível.
José Maria Pimentel
Tudo tem alguma dose de criatividade. Criatividade
Daniel Oliveira
é impossível. E, portanto, eu acho que aí a maior distinção é tu deixares que as pessoas tenham prazer e, portanto, não fazeres programas que as pessoas têm que dar a correr e, portanto, não têm qualquer espaço para fazer coisas diferentes. Ou seja, acho que isso faz muito mais, por exemplo, reduzires os programas para metade, fará muito mais para os bons professores do que pagar-lhes mais, que é deixe-os respirar e fazer coisas giras. Acho que isso tem um efeito muito maior. Eu não estou a reduzir a injustiça evidente, que eu próprio já senti a ver, de um professor que chega e limita-se a ler o manual, ganhar o mesmo que um professor que puxa por tudo por si e cada aluno para ele é uma batalha. É injustício, o mundo acha injustício, não é? A questão é, quando me derem uma solução melhor, eu tenho a mesma coisa. Eu acho que é injusto se houver uma solução realizável, não hiper-burocratizada, que não se criem ainda novos problemas na escola, ótimo. Não tenho nenhum problema com isso. O problema é que todas as soluções que eu conheço até agora, limitaram-se a acrescentar tensão na escola, burocracia na escola e, portanto, a deixar que os bons professores tivessem ainda menos tempo para fazer as coisas que... Portanto, se é para piorar o problema, deixa estar lá a injustiça. E portanto, eu apedico isto a tudo o resto. Sim. Eu apedico isto a todo o funcionalismo público. Eu acho que a maior frustração que sinto, os bons funcionários públicos, não é sequer salarial conta, mas não é essa. É. Mas será que ninguém me deixa... Deem-me aqui um espaço para eu fazer as coisas que gosto e elas terem resultado. Eu chegar ao fim e dizer que não há nada mais frustrante de alguém que tenta fazer as coisas bem. Aquelas coisas que as pessoas chegam-se cheias de sonhos, já ouviste de certeza. Chegam a uma profissão cheia de sonhos e depois vão-se extinguindo. A maior parte das pessoas que chegam a uma profissão esta e profissões cheias de sonhos não é de sonhos que vão ser ricos. É porque as coisas têm um efeito, é de sentirem prazer no que fazem, mudar. E quando toda a máquina é feita, não.
José Maria Pimentel
É se tira sim, teria que ter um propósito. Não distingue. Uma das
Daniel Oliveira
razões porque eu defendo a autonomia das escolas é sabendo que tem graves riscos e graves perigos e é porque acredito que estruturas mais pequenas, apesar de tudo, é possível que mais professores tenham espaços para o fazer. E sobretudo para mim É um problema que o Estado tem sempre, é esta tensão também que tem que viver sempre, que é entre a burocracia e a criatividade. Porque sempre que tentamos aliviar a burocracia há alguém que se lembra, é lá, até este ajuste direto vem por aqui. Curiosamente nós temos as pessoas a exigir duas coisas sempre em simultâneo, um Estado mais eficaz e cada vez com mais mecanismos de controle. Paciência, não é possível. As duas coisas são impossíveis. As duas coisas são impossíveis. Cada vez que pedem mais um mecanismo de controle é mais lento. E eu não estou a dizer que os mecanismos de controle não são possíveis. Mas é o preço a pagar. Temos que explicar às pessoas que há aqui um equilíbrio que significa que sim, há coisas que vão correr mal, há gente que vai abusar do sistema e vamos paralisar o sistema por causa disso ou não? Isto é uma discussão, mais uma vez, é uma discussão onde nunca se tem razão. Sim, vou
José Maria Pimentel
terminar rapidamente a questão da educação que havia que passar para as coisas que tu falaste no início. Sim. Eu acho que nós não estamos tão em desacordo assim, eu estou completamente de acordo contigo que
Daniel Oliveira
há muito mais do que o salário. Eu sou, sabes que eu tenho fama de ser um radical, mas eu acho mesmo que sou um moderado. Eu
José Maria Pimentel
também acho que és. Eu também fui quando disse no início.
Daniel Oliveira
A minha fama é radical. Não,
José Maria Pimentel
é mais da forma do conteúdo, acho que.
Daniel Oliveira
Eu Não há nada, eu acho mesmo, eu prefiro, eu detesto moderados na forma, radicais no conteúdo, prefiro os radicais na forma e moderados no
José Maria Pimentel
conteúdo. Sim, aliás, disse isso na conversa com o Adolfo, está a dir tantos danos de lilas. Mas enfim, tem relação a isto, quer dizer, eu acho que a questão do dinheiro existe, está longe de ser só isto, era só uma manifestação da concorrência. Em relação aos médicos existe... Eu à bocado ia citar aquela do... Há uma frase do Afonso Damai nos maias, lá está quando o neto, o Carlos Damai, vai para a medicina, que ele diz qual é a coisa do género. Na altura a medicina não tinha a reputação que tem hoje em dia. Sim, sim, é uma profissão de talhante. Exatamente, e ele dizia, e a família queria todo aquilo fosse para a direita, e ele dizia que num país onde a principal ocupação é estar doente, não há melhor função do que ser médico. Ou seja, há um lado cultural da importância dos médicos aí. Mas também há um lado que de longe não é tudo, mas é um lado importante que é o facto de, na medicina, hoje em dia, um bocadinho menos, mas com todos os defeitos que a prática privada tem, havia ali um incentivo para a pessoa saber que se eu for melhor, eu vou enriquecer. Enriquecer não é mau. Se eu for melhor, vou enriquecer. Não é o único objetivo de ser melhor. Para mim, pessoalmente, não é o meu principal objetivo na vida. Claramente, se não estava a fazer este podcast. Mas é um objetivo da mesma forma. Sim,
Daniel Oliveira
eu acho que a ambição de ter conforto... Tem que
José Maria Pimentel
haver essa diferenciação.
Daniel Oliveira
Eu tive essa ambição, não é uma coisa determinante das coisas que eu fiz, mas teve algum peso.
José Maria Pimentel
Exatamente, justamente, é isso mesmo. E isso está na equação e o que acontece é que quando tu tratas... Há aqui uma tensão, evidente, porque os grupos são importantes, mas quando tu tratas um grupo todo de forma igual, como acontece tipicamente, lá está, no sindicalismo, e o sindicalismo tem muita importância e pode aí existir aqui uma tensão. O perigo, o que acontece aí é que tu retiras este elemento. Exatamente, o problema
Daniel Oliveira
é que é, uma das coisas que eu às vezes não percebo, Eu fico contente por achar que o sindicalismo é importante, porque é praticamente impossível encontrar pessoas na direita que não é que o defendam, é que o compreendam. Porque eu acho que não há uma questão…
José Maria Pimentel
Cada vez mais difícil. Afetam-se tantas coisas que nós devemos ao sindicalismo.
Daniel Oliveira
Não, não é mais. É exatamente acreditar quando as pessoas dizem… As pessoas irritam-se muito com os sindicatos porque, quando eu digo, os sindicatos cumprem a sua função de criar uma tensão entre
José Maria Pimentel
dois lados para conseguimos chegar a uma posição de equilíbrio. Eu não queria viver num mundo onde não houvesse sindicatos. Quando as pessoas esperam
Daniel Oliveira
que o sindicato defenda o mérito individual, é o mesmo que esperar que o advogado de defesa diga que o seu cliente é culpado. Claro, evidente. Ou seja, eu acredito que o sindicalismo é necessário. Uma das críticas que tenho feito à esquerda, e não é uma crítica ao sindicalismo, é uma crítica à esquerda, é que a esquerda não é a versão partidária do sindicato. E eu faço esta crítica à esquerda. À esquerda, Bloco de Esquerda e PCP, à esquerda, que é muito lá dos centros do meu espaço político, a esquerda deve representar o conjunto dos cidadãos, o que por vezes implica estar em desacordo com os sindicatos, por exemplo, a função pública, por uma razão. Quando a esquerda discute o Estado, não está a discutir a função pública, está a discutir o papel social do Estado. E isso às vezes implica entrar, ter posições diferentes dos sindicatos e isso não devia ser um drama. Não devia ser um drama nem para os sindicatos nem para a esquerda. Os sindicatos estão a cumprir a sua função. O papel dos sindicatos professores não é definir políticas de educação, é defender os
José Maria Pimentel
interesses dos professores. Claro, o programa de Plano de Olho de Água como juiz ter uma opinião diferente do Ministério
Daniel Oliveira
Público. Claro, não tem nenhum problema, ou seja, e eu espero, e infelizmente muitas vezes há um processo, E até é fácil de perceber, não tem a ver com nenhum desvio moral, tem a ver com o sindicalismo no privado perdeu tanta força, porque o sindicalismo nasceu muito tarde em Portugal. As pessoas falam de sindicatos em Portugal, os sindicatos em Portugal são fraquíssimos comparado com a maior parte dos países europeus. Muito
José Maria Pimentel
frágil. Os sindicalistas nasceram muito ligados ao Estado.
Daniel Oliveira
Muito frágil, muito frágil. O Estado tem tal importância no sindicalismo e naturalmente o sindicalismo tem em Portugal, como em toda a Europa teve, muita importância na esquerda, que é natural que haja um processo de contágio. É natural. Eu lembro-me de ser do Bloco e já sabia que o Bloco não queria ter posições muito, sobre educação muito erradas, porque os professores tinham um grande peso e isso é assim, não vale a pena uma pessoa dizer, não, mas devia ser diferente. Ah, devia ser diferente, mas os partidos não se atiram tipo, ah, não, aquiria, eu vou me suicidar a bem desta causa e depois acabaram todas as outras, porque eles se suicidou. Portanto, os partidos também têm um lado pragmático que não é criticável. Se não tivesse, é. Tem que ter, tem que ter. Os partidos têm... Quando se fala, ah, os partidos só fazem para sobreviver. Os partidos não sobreviverem não vão conseguir cumprir a sua agenda. A questão é sempre onde é que isso se para. E eu acho que tem faltado o mínimo de equilíbrio, portanto acho mesmo que os partidos têm que começar a ter discurso, um discurso. Nissa Geringonça foi bastante decepcionante, desse meu ponto de vista, que é a esquerda ter um discurso sobre o Estado, não é sobre os funcionários públicos, é sobre o Estado e o Estado social e a eficácia do Estado e isso por vezes implica mexer em algumas coisas. Não acho que implique maltratar os funcionários públicos, pelo contrário, implica valorizá-los, mas por vezes implica que há divergências, como é natural. O Estado
José Maria Pimentel
existe para lá dos funcionários públicos. No fundo é o ponto que estás a fazer. Tem mesmo que existir. O Estado existe para todos, incluindo os funcionários públicos, mas para todos. Sim, é um ponto importante. Passando, voltando muito atrás, àquilo que tu lincaste no início. Tu falaste no ambiente. O ambiente é um ponto, eu não estou nada em desacordo contigo, aliás, já fiz um episódio justamente sobre as alterações climáticas. Para mim, eu percebo, é certo que a direita, mesmo a direita económica, está tendencialmente do outro lado da questão, sobretudo em países como os Estados Unidos, em Portugal não é bem assim. Houve que atentar-se cá também. Como pois, houve que atentar-se cá, mas para mim não faz
Daniel Oliveira
nenhum sentido... Acabaram de fazer um papel... Alguns acabaram por hoje em dia... Fizeram um papel patético, não é? Um papel patético.
José Maria Pimentel
Basta ir ao Google e encontrar...
Daniel Oliveira
Pré... Colocaram-se no mesmo lugar dos antivacinas e dos... Sim, sim, sim. Isso é uma coisa pré-científica e... É curioso, é assim.
José Maria Pimentel
É verdade. Eu não vou dizer nomes, mas basta ir ao Google e encontrar-se artigos antigos.
Daniel Oliveira
Não precisas te afastar muito do meu jornal. Sim. Nem sequer precisas sair da mesma
José Maria Pimentel
página. Eu sei, eu sei de quem falas. Eu também vi. Mas para mim isso é absolutamente anti-científico. Não podia estar mais contra isso. Quer dizer, é um absurdo. Não é incompreensível. Eu não te vou interromper outra vez, mas não é incompreensível. Não é, não.
Daniel Oliveira
Não é incompreensível porque é verdade que da mesma maneira que a globalização levanta problemas insolúveis à esquerda, esta globalização, as alterações climáticas levantam problemas insolúveis à direita com uma diferença, é que a globalização apesar de tudo é um fenómeno humano, alterável. Portanto, nós podemos dizer outra globalização é possível, não podemos dizer outro aquecimento climático, outras alterações climáticas são possíveis. Portanto, é um fenómeno que o homem tem responsabilidades, que o homem pode parar, mas que o homem não pode... Está muito limitado. Portanto, eu compreendo essa resistência. Eu compreendo perfeitamente essa resistência, que é a resistência de abandonar alguns paradigmas, algumas certezas que se tinham, e há sempre uns que resistem mais do que outros e outros que fingem que não há contradição. E há.
José Maria Pimentel
Eu acho que não vou ser hipocritanista, acho que é evidente, ou desonesto intelectualmente, é evidente que existe, que é direito a ter um problema que a esquerda não tem, no sentido em que, como tu dizias no início, isso impõe limites ao capitalismo, mas não acha que tenha de todo que ser assim. É só, como em muitos problemas, introduzir uma variável simples na equação. Variável tempo. A partir do momento em que tu introduzes a variável tempo, não é minimamente incompatível com o capitalismo. A questão é, o somatório isto influi diretamente no somatório dos resultados futuros. Quer dizer, pode não ter influência nos resultados de hoje e da manhã, mas tem influência nos resultados de tudo. A partir do momento em que tu introduzes essa variável, é certo, clássico... Mas certa
Daniel Oliveira
variável só existe de uma maneira, com a intervenção... Sim, sim, estou de acordo, sim, sim. Ou seja, é uma variável que não surge... E é uma variável muito poderosa. Ou seja, os liberais, conheço os liberais, não são malucos, infelizmente são muitos hoje em dia, defendem a regulação do Estado, defendem o papel regulatório do Estado. Não vou nunca fazer, essa é uma área em que deve haver uma relação de saco. O problema é que este tem uma profundidade muito maior e, portanto, como tem uma profundidade muito maior, não é só uma profundidade maior, vou pôr a coisa de uma forma absolutamente radical. Entre o fim do mundo e a democracia, o que é que escolhias? Ou seja, a primeira coisa é que é mais importante que tudo o resto. Não é muito habitual existir na nossa história qualquer coisa que nós dizemos. Suplanta todos os outros valores, todos os outros objetivos. E, portanto, ao limite, eu não estou a defender evidentemente isto, mas ao limite até uma ditadura era aceitável para impedir o colapso do planeta. Até uma ditadura. Sim, estou a perceber. Não estou a defender, evidentemente.
José Maria Pimentel
Percebe, claro, claro. Até cá acho que não é necessária.
Daniel Oliveira
Agora, não é necessária nem eficaz e isto levanta uma hierarquia. Mas à esquerda também levanta outro tipo, menos
Daniel Oliveira
poderosas, menos imediatas, mas também levanta, até me levantou de mim. Eu mentiria se dissesse que o ambiente era mais. Eu minto-se de ser que o ambiente é, nas coisas que eu escrevo e que eu penso, é a minha prioridade. Não é? É mentira, não é? Se quiser ser honesto, não é por uma questão de hábito. Sim, e porque é um tema chato. É um tema aborrecido, chato, que não tem... Que tem muito menos história, tem menos poesia também. Sim, muito menos. Não tem pessoas, que é o que começa logo por aí, ou tem pouco pessoas,
José Maria Pimentel
que é aquilo que eu gosto. Trouxe o tema do Vodcast Pai no 20º episódio e disse logo, este é o tema mais importante que estou a falar.
Daniel Oliveira
E no entanto, é o tema mais importante, é indiscutível que é o tema mais importante. E isso obriga, por exemplo, quando a esquerda discuta centralidade, a esquerda, a que eu pretendo, discuta centralidade do trabalho, que é outro, nós não falámos aqui das colivagens à esquerda, mas é uma colivagem fundamental à esquerda. Da esquerda pós-moderna, ou daquilo que queiramos chamar a esquerda identitária, da qual eu não faço parte. Eu sei, eu queria falar disso também, mas pronto… Então podemos saltar para isso. Não, não, mas… Já falámos do ambiente. Sim, está resolvido. É o tema mais importante, já gastaste 5 minutos com
José Maria Pimentel
ele. Está resolvido.
Daniel Oliveira
Mas pronto, ou seja, a centralidade do ambiente no debate político obriga a esquerda a repensar-se totalmente. Claro, sim, sim. Até quase a repensar-se esteticamente, não é só ideologicamente, politicamente, programaticamente, esteticamente até. Sim,
José Maria Pimentel
exatamente. Qual é, no fundo, qual é a proposta de vida, quer dizer, qual é a proposta de missão que propõe. Obviamente que isto implica a intervenção do Estado, em sentido que nenhum puro liberal de livro poderia defendê-lo. Agora, o que acontece é qualquer liberal moderado defende a intervenção do Estado. Qualquer liberal moderado tem dúvidas em relação a vários pontos da intervenção do Estado, ou seja, pode decidir que é a favor com dúvidas ou contra com dúvidas, por exemplo, salário mínimo, tenho uma série de dúvidas em relação a esse tema. Porquê? Porque eu não sei, nem tu. Agora, alterações climáticas, isto é ciência. Atenção, eu não defendo que se deva calar os opositores, é a pior coisa que se pode fazer. Defendi, aliás,
Daniel Oliveira
quando eles cá vieram, pelo Direto
José Maria Pimentel
a Falar. Mas isto é ciência, pá, quer dizer, não... Bom, mas enfim, o
Daniel Oliveira
assunto é pouco que importante. Acho que o Estado não os deve ouvir, não é? Portanto, acho que o Estado não os deve ouvir no sentido de quem deve ouvir tem poder de tentar influenciar a opinião
José Maria Pimentel
pública... Mas a ciência Não é democrática.
Daniel Oliveira
Não é democrática a ciência, não é? Portanto, o Estado deve ouvir o que é o consenso científico e o consenso científico é o que é, não é o outro.
José Maria Pimentel
Tu falaste também da questão da democracia e da nação. A questão da nação não é particularmente importante em Portugal, pelo menos por ora, há umas reemergências desse tipo.
Daniel Oliveira
Só não é importante porque nós damos
José Maria Pimentel
como adquirida. Exato. E é. Damos porque é grandeza.
Daniel Oliveira
Nós estamos a esvaziá-la sem nos apercebermos. Pois estamos, sim. Estamos a esvaziá-la, ou seja, a soberania do Estado vai ser esvaziada sem esvaziar a simbologia nacional. E isso tem permitido que as pessoas não se apercebam, que é cada vez mais irrelevante em quem votam. Sim.
José Maria Pimentel
Mas deixa-me falar de outra coisa que nós não falámos e eu acho importante. Era uma pergunta que eu gostava de fazer, quer dizer, gostava de ouvir a tua opinião em relação a isto, porque muitas vezes estes eixos de análise ou eixos de atividade não são completamente distantes, ou seja, o eixo da economia, por exemplo, há o modelo clássico de orientação política, que é ter economia num dos eixos e sociedade, ou qualquer coisa do género.
Daniel Oliveira
Esquerda, direita, conservadores,
José Maria Pimentel
liberais. Isso, exatamente. E depois há outros variantes sobre isso, até mais interessantes. O eixo da economia não é puro, ou seja, ele não é completamente independente do outro eixo. Claro, claro. E isso é muito interessante. Por exemplo, um caso onde eu me sentia muito...
Daniel Oliveira
Eu acho imensa graça dizer para aquelas pessoas Ah, eu por mim... Eu gosto das propostas sociais da esquerda e das propostas económicas da direita e disse, pá, o problema é que elas têm que fazer uma na outra, não dá para fazer isso assim. Não quer dizer que tenhas que comprar o pacote completo. Mas não é indiferente,
José Maria Pimentel
se pões mostarda em cima do bolo de bolacha, quer dizer, não funciona. Claro, mas atenção que para mim elas são mais independentes do que para ti, na medida em que eu economicamente me sinto mais liberal e socialmente me sinto mais liberal também. Mas isto apontando nos dois sentidos. Agora, uma situação em que eu pessoalmente me senti... Eu assumo a
Daniel Oliveira
contradição, mas se ainda tivermos tempo vamos lá. Eu assumo a minha contradição e vivo com
José Maria Pimentel
ela. Pois, quer dizer, não sei se é mais contraditório a tua posição ou a
Daniel Oliveira
minha socialmente. Não, não, eu digo que assumo a contradição
Daniel Oliveira
porque acho que ela é até maior e menos profunda do que parece e é uma contradição com a qual a
Daniel Oliveira
esquerda tem que viver, que é a autonomia dos indivíduos nas suas opções sexuais, nas suas orientações sexuais e opções sexuais, são duas coisas diferentes, em relação à família, em relação à igreja, contribuiu para a atomização da sociedade, que é típica das sociedades capitalistas, ultra-liberais. Eu não vou deixar defender a liberdade individual, sermos felizes por isso. Tenho que viver com
José Maria Pimentel
essa contradição. Achas que há um valor superior... Quer dizer, encostado à parede?
Daniel Oliveira
Não, não, há uma coisa... Eu quando digo que não sou da esquerda identitária, eu não estou a querer dizer que considero que a questão económica e social é mais importante do que, há alguma coisa mais importante do que com quem é que eu vivo e com quem é que eu tenho relações sexuais, é mais importante que o meu salário, bolas. É uma coisa muitíssimo importante, a discussão não é essa. São duas em simultâneo para mim. Uma, nem tudo o que é mais importante é o que é mais importante para a política. Ou seja, porque a política não trata de uma das coisas que nós julgamos, que muitas pessoas julgam que trata, não trata. A política não trata da felicidade, não é essa a sua função. A política trata da nossa liberdade e das nossas condições para se conseguirmos ser felizes, pela possibilidade improvável de conseguirmos ser felizes. A segunda é que a política não está desligada do momento histórico em que vivo. Ou seja, eu não existo na política fora do meu tempo. Deve ser a frase que eu disse mais vezes na vida de discussões políticas. É política ter razão antes de tempo ou não ter razão nenhuma. Aquela pessoa, ah, ele teve razão antes de tempo, ora, lamento. Então, nasceu no tempo errado e não devia estar a fazer política, devia fazer outra coisa qualquer. Ora, este é o tempo das derrotas à esquerda em matéria socioeconómica, no sentido que damos aqui. Se me disseres, em países como o Brasil, em que os evangélicos ganham o peso que ganham, em que assistimos a um retrocesso brutal, não é tão as questões chamadas e identitárias para mim ganham uma importância extrema. O que eu acho, aliás disse isso num podcast em que estava no teu lugar e o Miguel Valde Almeida no meu. Sim, eu ouvi, ouvi. O que eu acho é que a esquerda, quando abandona, quando não dá prioridade às questões económicas e sociais, perde a maioria social. Quando perde a maioria social perde a liderança dos processos políticos e quando perde a liderança dos processos políticos também perde no outro terreno, que é o terreno dos direitos LGBT, dos direitos das mulheres, etc,
Daniel Oliveira
etc. Ou seja, que o campo, o território onde a esquerda tem que fazer o seu combate, porque é nele que tem maioria social, eu não tenho dúvidas nenhumas que a
Daniel Oliveira
esquerda é, em quase todo lado, maioritária nas questões económicas e sociais. E, portanto, é estúpido não ser aí que faz o seu combate. E quando faz esse combate eu venço, tenho toda a oportunidade, porque tenho o poder, para garantir direitos LGBT, direitos às mulheres, ou seja, a minha questão não é eu considerar que a questão económica social é mais importante que as outras. É duplamente uma coisa, uma, na política é mais eficaz trabalhar nisso, duas, é aí que a esquerda ganha. E seja, é estúpido que a esquerda se vá para... Não é por acaso que a direita nos tenta sempre levar para outro terreno, porque sabe que neste é minoritário e por isso quer estar sempre a falar dos direitos dos homossexuais e não é... Eu digo, ah não, não é porque eu sou a última coisa que se ferei e não preciso sequer de o dizer, é homofóbico, pelo contrário, sou provavelmente até mais libertário e libertino do que a maior parte das pessoas que falam sobre esse tema. A questão para mim não é essa. E depois tem outras questões que têm a ver com a própria ideia de identidade, que leva a um debate para mim também complicado do ponto de vista do que é que é a esquerda e do que é que a esquerda deve ser. Ou seja, eu acho que a esquerda não deve ser uma soma de grupos identitários. A esquerda deve conseguir construir um chapéu onde cabe de longe a maioria e onde também cabem todas estas minorias identitárias. E não é que elas tenham que se subjugar. Não é uma questão de subjugar, os homossexuais também são trabalhadores. As mulheres também são trabalhadoras. Os negros também são trabalhadores. Significa que eu encontro um espaço de combate político onde cabem as várias minorias numa maioria social e onde, graças à vitória que eu consigo através dessa maioria, também consigo conquistas nessas áreas. Os momentos de maior conquista LGBT, das maiores conquistas das minorias étnicas e das mulheres foi quando a esquerda teve no poder. E foi quando a esquerda teve o poder, não foi com essa agenda. Quando a esquerda teve o poder, com uma agenda política ligada às questões económicas e sociais.
José Maria Pimentel
No fundo, politicamente, talvez esta é a distinção do político versus vida pessoal, que eu acho muito relevante para isto, politicamente qual é a principal variável? Neste momento. Pode vir a ser outra. Claro, claro, neste momento histórico, mas não tem que ser a principal variável da pessoa. Sim, sim. Ah não, não. É a principal variável política.
Daniel Oliveira
Eu nem sei se é a minha principal, para mim provavelmente a
José Maria Pimentel
principal variável não é essa.
Daniel Oliveira
Tem a ver com, eu acho que aliás, a esquerda começou a perder, E não foi por acaso, ou seja, isso não aconteceu porque ela se distraiu. É porque houve uma parte da esquerda que queria abandonar a questão económica e social. Cria!
José Maria Pimentel
Mas isso também tem o seu tempo histórico. A Clímba, o
Daniel Oliveira
Tony Blair, queriam abandonar essa agenda. E por isso é que se refugiaram na outra. Para poder continuar a distinguir-se da direita, Claro. Podendo ceder em todas as questões que eram fundamentais. Mas tu deste a
José Maria Pimentel
resposta para isso, tem a ver com o tempo histórico em que isso aconteceu. Claro, com certeza. Foi um tempo histórico em que isto está a
Daniel Oliveira
acontecer. Como? Porque essa esquerda continua, no leve da maior parte dos partidos, da esquerda.
José Maria Pimentel
Claro, mas a decisão de inversão de direção de rumo foi tomada numa altura em que o consenso de Washington, o exterior havia, tinha sido Reagan e a taxa de reunião. Foi a grande derrota da esquerda. A grande resistência da esquerda. Ou
Daniel Oliveira
seja, essa maioria. Por isso é que eu responsabilizo o crescimento da extrema-direita, eu tenho sempre responsabilizado, há atos muito diferentes de país para país, mas historicamente, para a frente, responsabilizo o centro-esquerda que abandonou, entregou à extrema-direita uma bandeira que ainda por cima não lhe pertence, não lhe pertence no sentido é que ela não fará nada por ela. É puramente retórico. Que estão a ver com, e isso vemos muito, por exemplo, em França. Em França, a Frente Nacional pegou nas bandeiras da esquerda, a única diferença é que nos trabalhadores não cabem a estrangeiro. Atenção,
José Maria Pimentel
isso sim. Que não é um promenor. É verdade. Isso não é especialmente diferente do que se passou nos anos 30.
Daniel Oliveira
Não, não é. Há várias coisas. Eu não acho que o resultado vai ser o mesmo. Não é o mesmo. Porque a história não. Ao contrário do que as pessoas dizem, a história se repete. Não, a história nunca se repete. Pois não. A história tem sempre semelhanças, encontra-se semelhanças em ciclos parecidos, mas não se repetisse. Era muito fácil prever
José Maria Pimentel
a aslera. Claro, basta ver o que previu quem disse essa frase. Exato. Para perceber que a história se reclamou. Ele estava errado. Mas enfim, Eu estou de acordo que a economia surge primeiro, que a economia é uma variável que tem... É a principal variável e eu acho isso também, do meu ponto de vista, acho exatamente a mesma coisa. Acho que lá está, que essa inversão que aconteceu, aconteceu num determinado tempo histórico, por acaso não... Acho que o fenómeno do populismo é tão mais complexo do que isso. Mas também não quero ir por aí porque quiser outra conversa. Eu invito a utilizar,
Daniel Oliveira
aliás, a expressão populismo.
José Maria Pimentel
Pois, qual é a expressão populista mesmo? Pois, não sei. Não, não, o texto de
Daniel Oliveira
magia, porque é uma coisa muito específica, pelo menos tento distinguir quando falo de populismo de... Sempre que utilizo a expressão populismo, se quer falar de uma determinada coisa, fala de populismo de direita, porque é diferente. Eles são de natureza diferentes. O populismo de direita e o populismo de esquerda são de natureza diferente e o populismo de esquerda, no qual eu não me revejo, tem algumas coisas interessantes, do meu ponto de vista no seu discurso. Ou seja, o discurso dos 99% contra o 1% do Occupy Wall Street é um discurso populista. Desse ponto de vista, o Bernie Sanders tem um discurso populista que eu acho interessante. Acho que tem perigos, acho que tem cuidados, mas que não é despropositado. O problema é que a expressão populismo passou a ser utilizada como uma caracterização moral, um discurso que não nos agrada, que é a popularidade dos outros. Quem utiliza essa expressão aqui foi Jaime Nogueira Pinto no meu podcast, então estou a citar o Jaime Nogueira Pinto, mas que ele próprio estava a citar, outra hora. É a popularidade dos outros. Eu acho que o populismo de direita, que é um populismo que tem três vértices enquanto... Ou seja, a esquerda tem o discurso populista, do povo e a elite. Sendo que a elite é uma elite económica, não é uma elite como a extrema-direita utiliza, que é aquela elite onde cabe toda a gente que eles não gostam,
José Maria Pimentel
ou seja, o jornalista, a elite intelectual, normalmente do ponto de vista do extremo-direita. Exato, que é o discurso anti-intelectual. Exatamente. A esquerda utiliza... De novo, é muito parecido com
Daniel Oliveira
os anos 30, não é? Sim, completamente. A esquerda utiliza-o com base na sua origem marxista clássica. Mas tem um julgamento moral. Com certeza, com certeza que tem. É impossível ter um discurso político mobilizador que não tenha uma vertente moral. É impossível, é impossível. Não tens na história, nunca aconteceu. Percebo o que queres dizer, mas... Não estou a dizer que é bom ou
José Maria Pimentel
que é mau. Mas acho que também percebes o que eu quero dizer. Percebo,
Daniel Oliveira
mas é inevitável. Uma coisa é, nós estamos aqui a conversar num podcast, outra coisa é mobilizares um país por uma molécula social. E eu aí consigo compreender dentro, desde que haja atenção para... Se
José Maria Pimentel
eu digo moral, não sei, a jogatina dos 9 mil pessoas, vou usar um chavão.
Daniel Oliveira
Sim, mas é inevitável. É inevitável. Não há discurso político sem isso. Nunca existiu na história um discurso político sem isso. O discurso político mobilizador não é morno, não é estritamente racional e apela à emoção das pessoas. A questão não é ser morno ou ser quente. O problema é sempre que tu ires olhando para as fronteiras que passas e que não passas. Se não passas a fronteira da diabolização dos outros, o que não quer dizer que tu negues que os outros estão do lado oposto ao teu. A
José Maria Pimentel
esgotana é a deabilização dos outros. Eu não acho.
Daniel Oliveira
Acho que a esgotana está dentro do limite. Acho, ou seja, eu acho que há... A esgotana é o exemplo, não é mais... Isto é sempre muito difícil, mas eu acho que há fronteiras que são as fronteiras que apelam ou não apelam ao ódio. E apelar ao confronto não é a mesma coisa que apelar ao ódio. A esquerda tem esta, enquanto a extrema-direita sempre teve… é uma coisa triangular, se tu quiseres. São três… é o povo, é a elite e os outros. Os outros estão abaixo. E é isso que torna o populismo da extrema-direita e o populismo da esquerda moralmente incomparáveis. Porque o populismo, mesmo que se critiquem os dois, eles são moralmente incomparáveis. Porque o populismo da extrema-direita é um populismo que ataca os mais fracos, os que têm menos possibilidade de se defender. Enquanto o populismo da esquerda, mesmo criticado, mesmo quando se excede, eu acho que muitas vezes se excede no discurso, não acho que seja o caso do Bernie Sanders, mas acho que em outros casos é, é um discurso que tem como alvo quem tem poder para se defender E isso acho que faz alguma
José Maria Pimentel
diferença. Claro, do ponto de vista do discurso, eu totalmente de acordo.
Daniel Oliveira
Então eu vou... Aliás, acho que qualquer pessoa, nem precisa... Basta o senso comum. Tu ouves o Bernie Sanders e ouves o Donald Trump e só com um total... A
José Maria Pimentel
moralidade é que tu podes dizer que aqueles discursos são comparáveis. Claro, eu preferia a comparação com o Zerfa do Trump, mas não acho bem o Trump bem fascista. Não, eu
Daniel Oliveira
não disse fascista, eu disse populismo de extrema-direita. Eu acho que a expressão fascismo, acho que até agora, eu provavelmente usei a... O Néo,
José Maria Pimentel
como é que se diz? Néofascista, não foi do Bolsonaro. Néofascista,
Daniel Oliveira
sim. Se alguém for procurar, seguramente, tem de ter utilizado alguma vez a expressão fascista para alguém, mas acho que a única vez que eu a utilizei de uma forma metódica, permanente, para falar num fenómeno político, foi em relação à extrema-direita grega, bem, esses nem fascistas são, estão a falar disso, são neonazis, é uma coisa ainda diferente, não é? Sim, sim. E foi a relação do Bolsonaro. Não utilizei a relação do Trump, apesar de eu achar que há, evidentemente, mas isto não é a mesma coisa que dizer que é fascista, Há sonoridades fascistas. Há lives de fascismo. Há lives de fascismo, discurso quer de Le Pen, quer do Keepe, quer do Trump. A iconoclastia do Trump é muito típica do... Não chega a dizer que há sonoridades e lives de fascismo para dizer que é um fascista. O Bolsonaro só não será fascista no sentido em que fascistas foram os italianos, pronto, só se quisermos chegar
José Maria Pimentel
a esse grau de rigor. Não, não, fascista
Daniel Oliveira
já resolves o problema. Bom,
José Maria Pimentel
Daniel, vamos terminar. Eu vou só fazer a pergunta que queria fazer há pouco. Desculpa. Não, não há problema. Eu gosto das conversas assim desorganizadas. Espero que depois que eu ouvires tenha a mesma opinião. Que aguente. Exato, que aguente. Eu, enquanto... Gostava de ter a tua opinião em relação a isto porque foi uma... Lembro que foi uma altura em que eu senti sensações muito ambivalentes em relação ao que se ia passando. Nos idos de 2012, 2013, a alturas da intervenção da Troika, havia um discurso do governo da altura que era um discurso aparentemente liberal e que perfilhava, no fundo, aquilo que vinha da Alemanha. Era na altura em que a Malta não gostava da Merkel, agora já gosta. Não, continua a não gostar.
Daniel Oliveira
Continua a não gostar porque acho que várias coisas que ela está a tentar resolver ela contribuiu de forma decisiva para
José Maria Pimentel
elas passarem. Claro, mas havia alturas em que se chamava fascista a Merkel e depois não
Daniel Oliveira
foi o suficiente. Foi uma coisa que nem nunca sequer me passou. Imagino que não, claro, claro. Até não tenho nenhum problema em dizer. Merkel é uma democrata, agora, os democratas nunca são democratas nas terras dos outros, são sempre democratas na sua terra. Inglaterra era uma grande democracia e nem por isso ela não deixa de ser uma potência imperial criminosa e nada democrática, nemndia,
José Maria Pimentel
nem África. É o problema do Estado-nação e da democracia. A democracia é sempre em casa. Exatamente, e há o coisa do Lenny Roddy que eu falei... É
Daniel Oliveira
por isso mesmo que eu acho que o projeto europeu não tem qualquer futuro. A ideia de que alguma vez os alemães respeitarão a democracia
José Maria Pimentel
em Portugal ou na Grécia. Agora fiquei com vontade de falar disso, que era outro tema. Posso continuar, desculpa. A pergunta é muito simples. Aquilo que, na altura, tu tinhas esse discurso ordo-liberal, para usar a expressão que eu já usei há bocado, ou seja, um discurso muito típico da direita alemã, da visão alemã da economia, que é um discurso que tem uma dose grande de liberalismo econômico, com o qual eu me identificava, e acho que houve várias coisas que tentaram ser feitas em Portugal, algumas foram feitas, outras não, que eram muito importantes e que o nosso misto de ineficácia com cobardia política me levava a que não tivessem sido feitas, mas depois tinhas sobre isso uma camada moral sobre a economia que para mim está muito mais no outro eixo, no eixo que tem muito mais paralelismos com a sociedade que é aquela coisa do ter um déficit é quase prevaricar, ter um déficit, o Estado tem que ter as finanças zero, como as finanças de casa, bem comportadas, não é? Estás a ver onde é que eu quero chegar? E para mim aquilo era, aquilo era, tinha um elemento com o qual eu identificava...
Daniel Oliveira
Aquilo era o liberalismo num país pobre. O liberalismo num país pobre só pode ser moralista. Mas a Alemanha não é um país pobre. Não, não. A Alemanha tinha um discurso colonial em
José Maria Pimentel
relação aos outros. Mas eles perfilham aquilo, eles
Daniel Oliveira
fazem aquilo em casa. Quem fez por
José Maria Pimentel
acaso? A inflação. Quem fez foi...
Daniel Oliveira
Inflação. Eles perfilham aquilo a pensar na sua própria economia, com as características que a sua própria
José Maria Pimentel
economia tem.
Daniel Oliveira
Claro, claro. Se tivesse a economia portuguesa faria o contrário sem nenhum problema. Se há coisa que os alemães chamam dessas coisas é bastante pragmático. Muitíssimo pragmático. Eu acho que o discurso moralista que mais me incomodou, devo dizer, não foi o vindo da Alemanha. É isso eu acho, que aliás tinha laivos de xenofobia. Tinha laivos. Ah, claro, sim. Tinha laivos de xenofobia dos países do sul que não sabem, que são desorganizados. Aliás, como em Portugal tu ouvias em relação aos gregos. Exatamente. Ou seja... E à madeira, até à madeira. Até à madeira. Até
José Maria Pimentel
quando houve a coisa... Estavas sempre a assistir
Daniel Oliveira
a isso em relação... Por isso é que nós não somos os gregos. Exatamente. Os europeus não são os portugueses. Eu não acho que os alemães sejam… essa é uma das grandes divergências que eu tenho, o discurso parece que os alemães têm ali no seu DNA qualquer coisa, não acho que tenham, eu conheço bastantes alemães, não acho que tenham, acho que têm características nacionais específicas que têm a ver com a sua história, mas nunca não são individuais de cada político. Agora, o discurso mais moralizador foi interno e foi duplamente moralizador e num caso absolutamente assustador. Um é que é eu… Se eu disser isto as pessoas acham que eu chamei-se Salazarento ou Pazos Coelho e não chamei. Mas havia ali um traço de linguagem que tinha a ver exatamente com essa ideia. Para já há comparação entre a vida doméstica, a economia doméstica e a economia dos Estados, que é estúpida e que ninguém que perceba minimamente de economia pode sequer tê-la, e muitos economistas o tiveram, não acreditando no que estava a dizer. Porque, pronto, vamos explicar, teríamos que explicar o beá-bá, não é? As pessoas morrem, os Estados não, faz alguma diferença, portanto as pessoas têm de pagar as suas dívidas até morrer, os Estados não morrem. As pessoas, não há ninguém, não há nenhuma família que fique com problemas por ter excesso de dinheiro. Isso pode acontecer nos Estados, ou seja, nada é comparável. Nada é comparável. As pessoas não imitem moeda, pronto, coisas desse género. Pronto. E muito mais. Houve um discurso moralista e esse discurso moralista resultava de uma coisa, é que o discurso ultraliberal num país com as características de Portugal só pode ser um discurso ideológico e moral, não pode ser um discurso pragmático, porque ele é absurdo do ponto de vista pragmático. Um país com a dimensão e com a economia portuguesa, ele é absurdo. Se nós aplicássemos a Portugal a agenda neoliberal, Portugal colapsava. E colapsava Portugal... Eu dou um exemplo melhor. Cabo Verde resolveu privatizar os seus transportes aéreos internos. O que aconteceu? Houve uma empresa estrangeira única e em monopólio. Ou seja, porque aí o Bolsonaro... Mas quem é que acredita que pode ter uma economia de mercado totalmente livre num arquipélago com 300 e tal mil habitantes? Pronto, ou seja,
José Maria Pimentel
é algum discurso moralista. Esse é um problema do capitalismo de certa dimensão.
Daniel Oliveira
Claro, faz toda a diferença. Quando as pessoas dizem, ah, os Estados Unidos, desculpa, quer dizer, não temos os Estados Unidos, e eu acho que os Estados Unidos não claramente bem, mas pronto, mas mesmo isso não é comparável. Outra coisa, e isso leva-nos para debates, por exemplo, o apoio à cultura, não sei quantas outras coisas, que um país da dimensão de Portugal não pode abdicar, os Estados Unidos não deviam abdicar, mas não tem o mesmo efeito, não tem o mesmo efeito. Há nichos, aqui não há nichos, não há espaço para nichos. E a outra coisa é um discurso muito da elite portuguesa, que é, vem cá os estrangeiros pôr-nos na ordem, e que é um discurso que é o bom retrato do atraso de Portugal. Haver alguém que o diz, que o escreve e que continua a ser tratado como se... Continua a poder estar na política. Nós tivemos um secretário de Estado que o escreveu, o Bruno Macens, com responsabilidades nessa área, que o escreveu preto no branco. Espero que venham e que ponham isto na ordem. Mas isto estava... Isto na comunicação social, nos comentadores, esteve presente permanentemente a ideia de que os outros é que nos têm que pôr na ordem. Isto é uma coisa que está tão presente na elite portuguesa. O patriotismo é um sentimento em Portugal estritamente popular. Sempre foi um sentimento estritamente popular.
José Maria Pimentel
Os estrangeirados, uma série de sinoplas... Tudo o resto
Daniel Oliveira
sempre foi, e não é porque fossem abertos ao mundo, não. É porque era uma elite subalterna. Sempre foi uma elite subalterna. Não é porque estivessem... Que estivessem... Fossem muito mais internacionalizados do que os outros e portanto… não, não, é o oposto. Do que
José Maria Pimentel
os outros do que…
Daniel Oliveira
Do que o povo, do que o resto do povo. Não, é porque…
José Maria Pimentel
Mas é muito por aí. Não, não, não, quando eu
Daniel Oliveira
digo internacionalizado significa… é uma posição subalterna em relação ao exterior. É uma posição de desligamento de uma comunidade nacional que tem a ver com a desigualdade no país e que ficou muito evidente nessa altura. Que é a conversa da piolheira, que nós vivemos numa piolheira, que é uma conversa… O que é que dizia a piolheira? Era o Garreto, não é? Também, isso até… e aí na esquerda é muito popular este discurso, em alguma elite intelectual de esquerda também é muito popular este discurso. É uma das razões porque eu apesar de não ser do PCP, já saí do Partido Comunista há muito tempo, mas é uma coisa que me ficou do tempo do Partido Comunista, que é Eu tenho uma ligação, até por razões evidentes, à, se quiseres, à elite intelectual portuguesa. Não estou a dizer que sou da elite intelectual portuguesa, mas não cabe a nenhum de nós dizer isso sobre si próprio. Mas tenho uma ligação forte a isso. Mas a única que me interessa é a elite engajada e que fez uma escolha, porque a elite intelectual portuguesa é muito parecida com a elite económica portuguesa, desde o ponto de vista, é provinciana, totalmente deslumbrada e com pouquíssima ligação com a comunidade em que vive. Muito pouca ligação. E isso explica, aliás, a sua falta de patriotismo. Pois explica, pois explica, mas a questão
José Maria Pimentel
é onde é que está o ovo e a galinha, não é? Quer dizer, esse comentário do Macens pode ter imutido as duas coisas diferentes. Uma coisa é dizer que o estrangeiro, que os estrangeiros são melhor do que nós.
Daniel Oliveira
E a outra é dizer que não acreditam na democracia. Não, não, não, calma. Não, não, é que é mesmo. É dizer que é preciso um estrangeiro vir cá para resolver um problema, é dizer, nós,
José Maria Pimentel
a democracia portuguesa. Mas não é necessariamente isso, porque se pode não estar a dizer isso. Eu preciso da
Daniel Oliveira
proteção de um estrangeiro para fazer aquilo que os portugueses não querem que eu faça. Porque é isso. Porque os portugueses não queriam. Os portugueses não querem a reforma
José Maria Pimentel
neoliberal como a Seix desejou. E que o Paço desejou. Não querem. Há uma... Digamos que isso levado ao extremo é claramente antidemocrático. Esse argumento eu concedo. Mas, a partir do momento que tu estás integrado na União Europeia, bem ou mal, cedeste parte da tua soberania e tiveste um problema que... Quando disseram isso da última vez eu disse quando? Quando é que foi que eu cedi? Ah não, foi muito mais gerido esse processo. Quando é que eu cedi? É que Eu não
Daniel Oliveira
me lembro de alguma vez ter cedido. Por
José Maria Pimentel
favor, não vamos para aí agora. Sim, ficamos mais a bordo aqui. É que essa era outra questão. Que por acaso tinha muita piada de discutir, mas pronto. Mas eu percebo o teu argumento, mas o que é facto é que tu tens vários erros que foram cometidos e tu tinhas ali uma oportunidade para resolver parte desses problemas confrontado com instituições europeias das quais tu fazias parte. É um facto. Essa
Daniel Oliveira
é outra discussão porque eu acho que a intervenção estética não teve a ver nada com
José Maria Pimentel
isso. A intervenção estética tinha
Daniel Oliveira
uma única função e cumpriu. Sim. Que era garantir que Portugal... Garantir que se institucionalizavam as dívidas de Portugal e da Grécia à banca francesa e alemã. Exatamente. E passar para as instituições europeias essa dívida, porque ela tem instrumentos de cobrança que evidentemente a banca não tem. Acho que foi a única função. Foi um resgate à banca francesa e alemã.
José Maria Pimentel
Sem dúvida. Esse era o principal objetivo e há outros com estabilidade de preço e afins. Com certeza. Evidentemente. Agora, com esse objetivo de caminho fazia-se uma série de coisas que do ponto de vista deles eram importantes para esse objetivo e que na minha opinião eram coisas boas e o que é facto é que nós fazemos parte dessas instituições com um processo democrático muito mais generoso. Tenho um
Daniel Oliveira
desafio para fazer a todas as pessoas que querem fazer essas reformas. Apresentam-nos a votos, ganham ou perdem. Claro que sim, claro. É que é o nisso que sou, do ponto de vista democrático, sou mesmo intransigente. Mas
José Maria Pimentel
a questão é que tu até podes... Faz parte da democracia europeia. Tu até podes explicar
Daniel Oliveira
às pessoas que o preço de não fazer essas reformas é um confronto com a Europa que pagará caro, pagará as caras. E as pessoas decidem, mas têm que ser elas
José Maria Pimentel
a decidir. Podia fazer um referendo? Era isso o
Daniel Oliveira
propunho de facilitar-se o referendo? Não, não é um referendo. Não, não, é vais a votos. Não, acho que é uma ideia. Atenção. Com esse programa dizendo, vais a votos com esse programa dizendo isto, a democracia europeia não existe. É uma falácia, nunca existiu, não vai existir e portanto... Concordo, eu concordo. E portanto, como eu sou um democrata, acho que todas as decisões têm que passar pelo crivo democrático. Tu até podes dizer, este foi o nosso compromisso com a Europa. Então, vais a votos e dizes, nós temos isto para cumprir com a Europa. Sim ou não? E Outro virá a dizer, nós não vamos cumprir os nossos compromissos com a Europa. E as pessoas decidem com os efeitos que isso tiver. Ou seja, o que tu não podes é partir do princípio. Isto não vai a votos porque isto já são cumpridos. Portugal pode ter abdicado da sua soberania. Não abdicou dos principais instrumentos soberanos. Um deles é, por exemplo, os orçamentos não são aprovados pela União Europeia. Lá diz-se que não está em tratado nenhum. Não está em tratado nenhum. Não houve nenhum momento em que nós dissessemos que a União Europeia tinha o direito de não permitir que orçamentos fossem aprovados. Isso seria um completo absurdo. E, portanto, nós aprovamos o orçamento, como se a Itália acabou de aprovar o seu. Inversal, o que é que aconteceu? Parece que tem o apoio da população para aprovar o orçamento, não cumpre as regras europeias. A democracia está acima das regras europeias. Claro, não é tu? E essa é a minha principal... Portanto, eu sempre que me dizem, ah, isso não pode. Pode. A prova que pode é que... Quer que eu prove o que faz, eu faço. Sim, sim. Desde que tenha o que não pode, é tu fazeres
José Maria Pimentel
qualquer coisa para a qual não tens a legitimidade do voto. Mas tu tinhas tido... Claro, eu estou 100% de acordo contigo. O processo de democracia europeia é péssima e se quiseres ir absolutamente a montante disso, até se calhar eu vou acabar a concordar contigo que aquilo não devia ter prosseguido, mas o que é facto é que ela existe, existem instituições, fracamente legitimadas, mas existem, e tu tinhas de ir de eleições. E aqui terminamos para tu agora diz o que quiseres e acabei... Quer dizer, não havia ilegitimidade da parte
Daniel Oliveira
do... Não! Para governar não havia. Por isso mesmo é que não se pode utilizar o argumento a dizer, ainda bem que a Europa vem cá. Não, não é Europa. Não é Europa. És tu. Diz que és tu. Diz que és tu que estás a governar e a decidir isso. E desse ponto de vista, diga-se, bom, na verdade, o Passo Escolar até foi honesto. Diz que queria ir para além da Troika, quando diz que queria ir para além da Troika, diz que não era por causa da Troika que estava a fazer nada daquilo. Claro que isto era mentira. Era um embalo para fazer... Claro que a troika deu peso, deu força e ele tentou aproveitar, na realidade não aproveitou assim tanto. Felizmente, grande parte das reformas que segredo querias que fossem feitas... Não, não, não, não, não sei quais é que querias ou não, mas felizmente que grande parte delas não foram feitas e infelizmente algumas que deviam ter sido feitas foram exatamente as que ficaram por fazer, como questões que têm a ver com as rendas, com o sistema energético e outras que também a Troika exigiu. E aí o governo sentiu grande pressão para as fazer.
José Maria Pimentel
Até o secretário de Estado que não. Até nisso a coisa... Bom, só um último comentário. Há um ponto em que tu tens absoluta razão, que há uma diferença muito grande entre eu ou outra pessoa de fazer um comentário semelhante a esse. Com certeza. Ou o ministro ou o secretário de Estado de fazer esse comentário. Nesse ponto de vista o Ipaca Agora dá razão ao convidado, que fica
Daniel Oliveira
sempre bem. Fica sempre bem. Desde o
José Maria Pimentel
meu visto, estou absolutamente de acordo. Daniel, muito obrigado. Obrigado, Bel. Adorei esta conversa. Foi mesmo ótima conversa. Obrigado. Gostaram do episódio? Não se esqueçam de seguir a página no Facebook e de avaliar o podcast no iTunes. Muito obrigado a quem tem apoiado no Patreon. Em particular ao Gustavo Pimenta, ao João Vítor Baltazar, ao Salvador Cunha, à Ana Mateus, ao Ricardo Santos, ao Nelson Teodoro e ao Paulo Ferreira. Agradeço também aos restantes patronos do podcast, cujo nome podem encontrar na descrição deste episódio. Até à próxima!