#40 Adolfo Mesquita Nunes - “O que significa ser politicamente um Liberal-clássico?”
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José Maria Pimentel
Bem vindos! Algumas notas rápidas antes de passar ao episódio. Está a
partir de agora online o site oficial do 45°, cujo link deixo
na descrição deste episódio. Lá podem encontrar todos os episódios já publicados,
bem como seguir a publicação de novos episódios e obter toda a
informação relevante sobre o podcast. Façam uma visita. Neste site encontram também
uma nova forma de apoiar o podcast. Para além da ligação ao
Patreon, está agora disponível um botão que permite fazer um contributo pontual,
no montante à escolha, através do Paypal. Como sabem, fazer este projeto
independente representa um investimento grande de tempo e dedicação e estas plataformas
são uma forma muito fácil para qualquer ouvinte, se gostar do projeto,
claro, se tornar patrono ou mecenas do podcast. Aproveito para agradecer a
todos aqueles que têm apoiado este projeto. Passando agora ao episódio de
hoje. Esta é a primeira de uma série de conversas sobre ideologias
políticas ou orientações políticas, se preferirem. A motivação para estes episódios vem
de uma insatisfação minha, por sentir que devia haver mais conversas de
fundo sobre a política e menos discussões sobre f diversa da política
cotidiana. Decidi então gravar uma série de episódios sobre o tema. O
meu objetivo é perceber melhor quais as ideias principais das ideologias políticas
mais representativas e, sobretudo, quais as soluções que propõem para o mundo
do século XXI. O objetivo é, então, o mesmo de sempre no
45°, compreender. No entanto, uma vez que em qualquer ser humano a
visão política mistura um diagnóstico da realidade sobre o que é com
concepções sobre o que deve ser, estas últimas inevitavelmente subjetivas, não seria
possível obter da conversa com um único convidado uma perspectiva imparcial. Nem
seria, aliás, desejável tentar fazê-lo. Por isso tomei a opção de alargar
o leque de convidados e procurar conversar com um conjunto heterogêneo de
pessoas com orientações políticas diferentes, excluindo os extremos, que possam conjuntamente dar
uma perspectiva complementar e abrangente das diferentes filosofias políticas atuais. Isto, claro,
sem nos esquecermos de que a visão de cada convidado é, e
ainda bem, sua e pessoal, e não propriamente a posição oficial de
uma determinada ideologia. Tentei agremiar um leque de convidados o mais diverso
possível, mas com duas coisas em comum na minha perspectiva. Não só
um posicionamento político conhecido e sustentado, mas também disponibilidade para um diálogo
intelectualmente honesto e aberto. Ora bem, e se digo que nenhum convidado
é portador de uma visão imparcial, o mesmo tenho claro que admitir
em relação a mim próprio enquanto interlocutor destas conversas. Achei por isso
que valia a pena começar, antes de passar ao som da conversa,
por explicar-vos qual é o posicionamento político que me sinto mais próximo.
É uma descrição um pouco longa, mas o que vale a pena.
Nestas conversas que gravei, assumo um posicionamento político próximo do chamado liberalismo
clássico. É, para mim, a formulação mais eficaz para chamar a atenção
para que ela continuasse a ser, para mim, a variável chave em
política e que não parece ter a importância devida em Portugal. A
liberdade do indivíduo, sobretudo no que diz respeito às liberdades civis e
à liberdade económica. Dito isto, na verdade, a ideologia que me é
mais familiar é o chamado liberalismo social. É aliás este o bairro
político em que sou normalmente colocado naqueles testes de bússola política que
todos já fizemos na internet e que vale o que vale em
claro. Em Portugal, o liberalismo social, sobretudo na tradição europeia com que
mais me identifico, a britânica mais precisamente e de Stuart Mill em
particular, não tem grande correspondência na tradição política. Um partido desta área
tenderia a ficar um pouco à direita do PSD, em questões de
economia, e perto, ou à esquerda, do PS, em questões sociais e
de costumes. E o que defende então o liberalismo social? Esta corrente
é herdeira, lá está, do liberalismo clássico, na medida em que coloca
a liberdade do indivíduo em primeiro lugar, mas acrescenta-lhe algumas nuances importantes.
Por exemplo, socialmente é igualmente ou até mais progressista, já na economia
é menos liberal e mais centrista, embora não deixe de defender uma
menor intervenção do Estado na economia do que é típico no nosso
país. Estas diferenças surgem porque há a preocupação do liberalismo clássico com
as chamadas liberdades negativas, isto é, a ausência de limitações externas sobre
a vida de cada um, o liberalismo social junta, sem retirar o
papel principal às primeiras, a preocupação com as chamadas liberdades positivas, como
o direito à educação, por exemplo, que só podem ser completamente asseguradas
por via da intervenção do Estado. É que não basta dar ao
cidadão liberdade económica, liberdade de expressão e liberdade para viver, como entende,
é também preciso garantir que esse cidadão está em posição de poder
usufruir sem restrições dessas mesmas liberdades, porque a um pobre iletrado ou
uma pessoa doente, por exemplo, de pouco vão servir a liberdade económica,
a liberdade de expressão ou a liberdade sexual, por muito que sejam
garantidas naquela sociedade. Estes princípios do liberalismo são então as fundações da
minha maneira de ver a política, pois colocam em primeiro lugar o
respeito pela liberdade do indivíduo e, portanto, promovem também a possibilidade de
progresso social e, não menos importante, defendem a consciência da responsabilidade pessoal
de cada um de nós. Este último ponto é crucial. Para o
liberalismo, a liberdade individual não vem sem um preço a pagar, porque
numa sociedade em que as liberdades são garantidas, também é esperado que
o cidadão age enquanto, não o único, claro, mas o principal responsável
pelo seu destino. Para além destas ideias de liberdade, A minha visão
da política assenta ainda em três outros princípios essenciais, diferentes, mas para
mim todos ligados de uma forma ou de outra à ideia da
primazia da liberdade individual. São eles a racionalidade, o cosmopolitismo e a
humildade epistemológica. Um nome pesado, mas que já vou explicar. Primeiro, a
importância da racionalidade é a importância de pensar a política fundamentando as
nossas opiniões em factos. Significa isto a defesa da ciência baseada em
evidência e a coragem de aceitar que em política o que deve
contar é a verdade dos factos e não aquilo que sentimos ou
que gostávamos que fosse a realidade. Significa também pensar a longo prazo,
isto é, ter a coragem de reconhecer que há medidas que temos
que tomar hoje para assegurar o amanhã e que inversamente não faz
sentido tomar medidas que implicam serem as gerações futuras a pagar a
conta. Em segundo lugar, o cosmopolitismo é, por seu lado, uma visão
do mundo tendencialmente internacionalista e antinacionalista, o que, para mim, é um
decalque direto do reconhecimento da liberdade do indivíduo e da noção de
que o outro, o estrangeiro, não é nem mais nem menos do
que nós. Finalmente, a humildade epistemológica é uma expressão que roubei a
David Brooks e que significa, na prática, moderação. Implica reconhecer que em
todos os temas, mesmo quando se discute temas que nos são caros,
como para mim a liberdade individual versus o coletivo, por exemplo, estaremos
sempre a discutir dois bens em confronto, duas verdades parciais. Podemos, naturalmente,
achar que um vale mais do que o outro, mas não nos
devemos nunca esquecer de que existe este trade-off em qualquer escolha. A
esta noção, de que a política é um confronto de verdades parciais,
junta-se o facto de reconhecer que a realidade é tão, mas tão
complexa e incerta que não podemos nunca presumir sermos os donos da
verdade. Por isso temos a obrigação de pensar duas vezes antes de
propor medidas drásticas. É de resto, sobretudo, por causa destas limitações a
que nenhum de nós é imune, que a democracia e o debate
político são tão importantes porque permitem confrontar perspectivas e, mais do que
garantir a escolha certa hoje, assegurar que mais cedo ou mais tarde
as escolhas erradas serão corrigidas. Estes três princípios que enunciei, a racionalidade,
o cosmopolitismo e a moderação, assim como a defesa da liberdade individual
a que lhe está subjacente, nunca estiveram completamente implementados, naturalmente. Longe disso.
Mas hoje estão especialmente sob ameaça, sobretudo pelos populismos tanto de esquerda
como, mais ainda, de direita. Por exemplo, a nova era da chamada
pós-verdade É uma verdadeira entrada a pés juntos sobre a racionalidade científica.
O regresso em força da xenofobia e do medo do que é
diferente, por seu lado, representam a antídoto do multiculturalismo e a moderação
é hoje cada vez mais rara num debate político cada vez mais
estremado em muitos países, não tanto em Portugal, felizmente. Ao mesmo tempo,
o princípio de que a liberdade do indivíduo deve prevalecer sobre uma
lógica de grupo está também ameaçado pela nova onda de justicialismo social
e de censura recriminatória sobre o que se diz e as palavras
que se usam, um movimento supostamente progressista, mas que ameaça tornar-se exatamente
no seu oposto, e que já agora choca também de fredo com
a racionalidade e, sobretudo, com o mínimo de humildade epistemológica. Nestes tempos
interessantes, parece-me, portanto, cada vez mais importante não só que cada um
defenda os princípios em que acredita, mas, sobretudo, que se promove o
diálogo e a troca de ideias e, o mais possível, o debate.
Foi isto mesmo que tentei promover com estas conversas. Espero que gostem.
Depois deste longo introito, está na altura de anunciar o primeiro convidado.
É ele, Adolfo Mesquita Nunes, que se assume politicamente como, nas palavras
do próprio, próximo do liberalismo clássico. Significa isto que eu e o
Adolfo temos uma visão política relativamente próxima. Talvez não na intensidade mas
pelo menos no sentido da orientação política. Foi uma coincidência mas acaba
por ser uma maneira engraçada de começar esta série. Julgo que resultou
numa conversa bem interessante em que deu para ir ao fundo desta
filosofia política sem o deixar tentar quando achei necessário de fazer de
advogado do diabo. Adolfo Mesquita Nunes é advogado, foi deputado e secretário
de Estado do Turismo no Governo PSD e CDS e é atualmente
vice-presidente do CDS e vereador da Câmara da Covilhã. Militante e o
partido político de direita tem um posicionamento particular em matérias de costumes
para aquela área política. Fez parte, por exemplo, da campanha pelo sim
ao aborto e apoiou o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Deixo-vos
então com a primeira conversa desta série sobre política. Espero que gostem.
Há algo aqui que não foi propositado da minha parte, embora possa
parecer, que é... Eu acho que estou a começar esta série, provavelmente,
com a pessoa de todas aquelas com que eu irei conversar que
está mais próxima do meu próprio posicionamento político. Embora tenhamos de certeza
muitos pontos de divergência. Com certeza. Mas é quase uma coincidência, não
acontecerá sempre. Ainda assim, quer dizer, há pontos de diferença e há,
como tudo é uma tensão entre valores diferentes, dá para... Eu próprio
tenho várias dúvidas e, portanto, é interessante fazer advogado de diálogo. Mas
se calhar começava, era por te perguntar o seguinte, até eu próprio
não tenho a certeza disso, tu definir-te e és como o quê?
Como uma espécie de...
Adolfo Mesquita Nunes
e que te queiras de alguma maneira identificar com ela. Eu costumo
olhar para o mundo e tentar perceber em que é que as
minhas ideias podem ser úteis no mundo e não ao contrário, tentar
adaptar o mundo às minhas ideias. E por isso, muitas das vezes,
há que ceder, há que contemporizar, há que consensualizar. O que é
para mim importante, a prova dos nove, se quiseres, é que nunca
perca o fito, nunca perca o objetivo, nunca perca
para onde é
que eu quero chegar e que cada contemporização que eu faça eu
tenha a plena noção do que estou a fazer e que não
me iluda. Não, não, o ser liberal também é isto. Não, não,
não, eu estou a contemporizar porque é necessário é necessário para conseguir
aprovar isto, é necessário para que esta reforma não seja revertida daqui
a mais anos. Eu tenho escrito muito sobre esta noção de moderação
porque me parece que ela neste momento é radical. Acho que há
pouca gente neste momento a definir-se como moderado e aliás acho mesmo
que a palavra moderado está um sentido muito pejorativo na nossa vida
política e é pena.
José Maria Pimentel
contrário. Sim, sim. Bom, então, Está confirmado, eu também me definiria como
liberal clássico, portanto confirma-se essa proximidade, embora haja, depois aqui, provavelmente algumas
diferenças. É interessante explorar e, sobretudo, o meu objetivo com este episódio
também é, independentemente dessa questão, desse diálogo, desse debate, dessa troca de
ideias, é também perceber o que é que distingue a esquerda e
a direita, sobretudo na tua concepção. Se calhar é interessante começar por
aqui. Tu, suponho que partilhes da minha visão, como um liberal clássico
hoje em dia, partilha quase inevitavelmente da visão de que a definição
da orientação política através do único eixo é limitada, no sentido em
que tu te sentirás de direita em algumas coisas e de esquerda
naquilo que se convencionou a chamar de esquerda em outras, como seja
por exemplo questões de costumes ou questões sociais. Qual é então o
teu modelo? Tu partilhas daquele modelo com dois eixos, que tens o
eixo econômico e o eixo social, barra de costumes na outra dimensão
ou tens alguma alternativa? Qual é o modelo, esquecendo que nenhum modelo
é perfeito, é sempre uma limitação, mas qual é para ti o
modelo que explica melhor?
Adolfo Mesquita Nunes
Não, é verdade, é verdade. Mas um liberal chega a essa bifurcação,
se tu quiseres, através de um valor que é transversal ou pode
ser transversal
aos
dois, que é o valor da liberdade. E Levando muito a sério
o valor da liberdade, cultivando-o, tu de facto, parece-me, que em distinções
muito clássicas de esquerda-direita, como aquelas que vigoram cá, tu vais ter
em determinadas matérias aproximações a pessoas de esquerda. Estão nos antípodas daquilo
que tu pensas noutras matérias também de liberdade. E, portanto, eu diria
que a classificação de liberal é melhor aplicada numa outra bifurcação que
não esquerda-direita. Entre uma sociedade aberta, livre, aqui a liberdade é um
valor primordial, fundacional, e uma sociedade mais fechada que procura proteger-te das
liberdades dos outros, que procura proteger-te da concorrência, que procura proteger-te aquilo
que te desafia. E, portanto, entre uma sociedade aberta, se quiseres, e
uma sociedade fechada. Curiosamente, eu acho que essa é, neste momento, a
grande questão política dos nossos tempos. Porque com o mundo globalizado, que
nesse sentido foi um sucesso do liberalismo, o mundo globalizado, com inovação
permanente, com concorrência permanente, surgimento diário de novas ideias, novos produtos, novas
pessoas, novas etnias a entrarem pela tua casa, pelo teu país, pelo
teu continente. A pergunta que temos que nos fazer é como é
que nós lidamos com isto? Como é que nós lidamos com o
novo, com aquilo que nos desafia, com aquilo que nos interpela? E
então aí eu acho que há duas divisões que se fazem e
que são duas divisões que são transversais. Há pessoas à esquerda que
estarão comigo na defesa de uma sociedade aberta, aberta ou novo, e
que acham que aquilo que temos que fazer é adaptarmos-nos à mudança.
E haverá pessoas à direita que não concordam tanto comigo, que acham
que a obrigação de um Estado é proteger-nos da mudança e tentar
adiar-lo o mais possível porque ela vai colocar em casa o nosso
status quo. Acho mesmo que esta é a grande questão do nosso
tempo, é como é que nós reagimos à mudança. E os partidos
estão a ter dificuldade em responder esta pergunta, precisamente porque dentro do
seu seio têm as duas respostas a conflituar. Há pessoas que se
sentem mais próximas de uns, há pessoas que se sentem mais próximas
de outros. Já os partidos populistas, se tu quiseres, estão a responder
essa pergunta e a responder de forma muito organizada. E por isso
dão uma sensação aos eleitores de que estão a falar exatamente dos
problemas que as pessoas sentem. Estou a corresponder, sobretudo, àquilo que eu
acho que é o sentimento dominante, que é medo. Medo. Medo. O
que é que me vai acontecer neste mundo tão desafiante.
Adolfo Mesquita Nunes
à esquerda e à direita, porque me parece que a obrigação de
um Estado é criar condições para que o teu contexto de nascimento
seja o mais irrelevante possível nas tuas condições de vida, nas tuas
condições de sucesso, aquilo que me preocupa quando chega à política é
como é que nós criamos condições para que as pessoas vivam melhor
e subam na vida. E, portanto, é através das liberdades económicas, sendo
que as liberdades políticas estão garantidas, como é evidente. E, portanto, eu
aproximo da direita porque é na direita que, tradicionalmente, as liberdades económicas
são melhor compreendidas.
José Maria Pimentel
Sim, e provavelmente, eu diria, pelo menos a maneira como eu vejo
isso, é que nessa luta entre liberdades económicas e liberdades sociais, se
quiseres, elas às vezes estão em conflito, mas se uma gera outra,
são as económicas que geram as sociais e não o contrário. Estou
de acordo e, aliás, até acho que há
José Maria Pimentel
O individualismo, aliás, eu corro o risco de ser chato porque estou
sempre a trazer esse tema, estou sempre a falar disto durante as
conversas, que é a questão das diferenças culturais entre países que estão
estudadas, sobretudo por um tipo holandês que é o Ofsted e ele,
e uma das dimensões é o binómio coletivismo-individualismo e é a única
que tem uma explicação clara, é que quanto mais desenvolvido se torna
o país, economicamente, mais individualista ele se torna. E é que individualista
é uma coisa positiva. Individualista significa que tu valorizares o indivíduo enquanto
tal. Significa, por exemplo, tu teres empatia tanto para com aquelas pessoas
que te são próximas, como para com aquelas que te estão distantes,
que é uma coisa que numa sociedade coletivista não existe, mas numa
sociedade coletivista estás preocupado com o teu coletivo, com a tua... O
que for, quer dizer, com o teu bairro, com a tua igreja,
com a tua família, com os teus amigos, mas não estás preocupado
com o tipo que está na cova da mora a passar dificuldades
porque é de outro coletivo, é uma coisa diferente. Enquanto o individualismo
tem essa... Por isso concordo completamente contigo nesse aspecto. Embora isto obviamente
seja uma simplificação, mas progresso económico gera preocupação com o indivíduo, quer
dizer, o movimento humanista, tudo isso está relacionado com isso e isso
gera o casamento, da maneira, na acessão contemporânea. Eu costumo dizer que
o casamento é uma coisa que tem mudado muito
José Maria Pimentel
Agora, por trás disto, há uma espécie de paradoxo que, em relação
ao qual eu tenho alguma visão, mas achava graça saber a tua
opinião, que é a questão de, muito bem nós concordamos nesta espécie
de prevalência da liberdade, quer dizer, no fundo neste posicionamento meio ambivalente
em relação a este eixo que existe hoje em dia, mas aconteceu
uma coisa no século XIX, ou seja, no pós-Revolução Francesa, em que
este liberalismo clássico ficou perdido no meio e tu tiveste uma recomposição
do espectro político em que tiveste uma esquerda e uma direita que
são diferentes em diferentes países nos Estados Unidos é diferente porque é
mais para a direita do nosso ponto de vista e no Reino
Unido também em certo sentido em França é um modelo mais parecido
com o nosso, Alemanha tem as suas especificidades, mas para todos os
efeitos que tu tens. Normalmente partidos à esquerda que defendem igualdade e
uma abertura social e partidos à direita que normalmente defendem uma abertura
económica mas são mais conservadores socialmente. Com cambiantes há diferença. Agora, tende
a haver este clustering, tende a haver este clustering entre estas duas
posições em relação ao qual quem se reconhece mais no liberalismo clássico
fica meio perdido, mas é um facto que ele tende a acontecer.
Porquê que tu achas que ele tende a acontecer?
Adolfo Mesquita Nunes
a colocar a pergunta a partir de uma pessoa que és tu
e eu, que coloca, que se identifica como liberal e coloca a
liberdade como valor essencial, fundacional. E estás a partir do pressuposto que
a esquerda que fala de liberdades morais sociais e que a direita
que fala em liberdades económicas, o fala com a mesma noção de
fundacional que tu tens, mas não fala. Nesses dois campos a liberdade
é algo instrumental, é utilitário. A direita, nesse sentido, é favorável às
liberdades económicas porque acha que resulta, não é porque acredita. Não lhe
encontra uma dimensão moral e ética como tu e eu a encontramos
na liberdade. Da mesma maneira, a esquerda encontra na liberdade, em matérias
morais e sociais, um instrumento para criar fricções e para desafiar as
instituições conservadoras da sociedade. E, portanto, é um meio, é um instrumento.
À exceção de com certeza, não estamos a generalizar que é sempre
uma coisa horrível. Para um liberal, a liberdade não é apenas algo
utilitário. Tem uma dimensão ética e tem uma dimensão moral. A dimensão
ética de que tu não podes viver a tua vida pedindo aos
outros que a sustentem, que a suportem. Que tu não podes ser
feliz à conta daquilo que os outros têm que te dar, que
tu tens de fazer pela tua vida. Pelo menos para aqueles liberais
clássicos que olham para a liberdade no seu conceito negativo. Sim, quando
Adolfo Mesquita Nunes
Exatamente, e portanto tem, e
por
isso é que a liberdade é tão desconfortável, por isso é que
há tão poucos liberais, porque é muito fácil olhar para a liberdade
na sua dimensão positiva, que quase se confunde com o direito, mas
raros são aqueles que conseguem olhar para a liberdade na sua dimensão
negativa porque ela tem uma enorme dose de responsabilidade e a responsabilidade
é uma coisa que há muita gente que não gosta. Portanto, mas...
Tentei responder à tua pergunta. Eu acho que essa direita e essa
esquerda não são verdadeiramente liberais, portanto têm um conceito de liberdade que
é meramente instrumental ou utilitário, o que ainda assim se ele for
adotado ele é resultado, ótimo. Como é que um liberal chega? Bom,
eu nunca tive crises existenciais a esse respeito. Achei sempre que o
meu espaço era na direita e fui para lá que fui. E
é lá que tenho estado e muitas das vezes perguntam-me o que
é que tu fazes no CDS quando tens valores de liberdades individuais
que não são inteiramente partilhados com a esmagadora maioria dos militantes, ou
eventualmente da maioria dos eleitores do teu partido. E eu costumo dizer
sempre isto. No CDS nunca ninguém me impediu de votar como quis.
Eu duvido muito que no Bloco de Esquerda me deixassem votar a
favor de uma privatização. O que dá conta, de facto, de que
eu estaria mal era nem em partidos de esquerda, porque o que
aliás faz sentido é que o bloco de esquerda não tivesse nas
suas fileiras alguém a votar a favor de privatizações só porque está
a favor do casamento entre pessoas do mesmo sexo, não é? E
também o casamento entre pessoas de mesmo sexo, para dar este exemplo,
foi legislado em 2010. Até 2010 o PS negava-o. Portanto, só o
Partido de 2010 é que o aceita. O que significa que todos
os partidos vão fazendo as suas evoluções e vão mudando. Estou confortável
num espaço político, nunca senti problemas com isso, agora admito que gera
uma crise existencial que nos faça perguntar, mas afinal qual é o
nosso espaço? E por isso há muitas vezes a tentação de vamos
então criar o nosso espaço, vamos criar um partido liberal, vamos criar...
Adolfo Mesquita Nunes
não estou... Não quero ser mal entendido, não quero mesmo nada ser
condescendente, acho que ninguém tem que ser liberal e, portanto, um conservador
não tem que ser liberal, um socialista não tem que ser liberal.
O que eu acho importante, e acho mesmo, até porque considero que
a existência de partidos liberais é quase um oxímono, é que haja
liberais espalhados nas várias formações políticas e que possam ou servir de
travão para coisas que não interessam ou servir de impulsionador para reformas
que sejam importantes. Devia haver mais liberais e acho um erro pensar
aquelas pessoas, acho um erro não, cada um faz o que quer.
Mas para mim é um erro a ideia de que eu vou
para um partido quando o partido estiver pronto para me receber. Concordo,
concordo. Isso não existe. Em lado nenhum, repara, a tua própria existência
É forçada. Tu não és trazida apenas quando a tua família está
pronta para te receber. Tu não tens uma única palavra a dizer
sobre esse assunto. Tu chegas, nasces. Nada é assim e, portanto, acho
que é uma visão que muita gente tem, mas é uma visão
altamente comodista.
José Maria Pimentel
Eu partilho disso, só para fazer um apontamento antes disso. E se
tu disseste, é interessante porque eu acho que ser liberal nesta seção
que nós estamos a falar é realmente muito contraditório com a natureza
humana no sentido em que nós o que procuramos instintivamente é a
segurança. Segurança que no sentido de... O mundo é tão caótico, aquilo
que te rodeia é tão caótico, a tua vida, a vida dos
outros, a interação com os outros, que o mais normal é tu
procurares segurança e não uma espécie de abertura total. A abertura, essa
espécie de abertura, evolutivamente, por exemplo, é muito difícil ver como é
que isso foi. Embora seja boa para a sociedade em geral, mas
para o indivíduo é difícil uma pessoa desejar isso. Mas, repara,
Adolfo Mesquita Nunes
num contexto em que tu és minoritário, a liberdade pode ser provavelmente
o valor que mais segurança te dá. Isto é, que num contexto
minoritário, seja ele qual for, estamos a falar, pode ser minoritário étnico,
minoritário cultural, minoritário religioso, da orientação sexual, o que tu quiseres, é
a segurança que te dá a liberdade de poderes viver como queres,
independentemente de tu não cumprires com a norma maioritária. Por isso é
que eu digo muitas vezes, que é um desafio interessante para os
católicos, que durante décadas, porque eram maioritários, pelo menos maioritários social e
culturalmente nessa sua dimensão, que puderam sempre através do Estado organizar a
sociedade, eles vão com o tempo tornar-se cada vez mais liberais. Porque
como essa maioria, do ponto de vista social e cultural, se está
a esbater, aquilo que mais lhes vai garantir a possibilidade de viverem
como querem, de educarem os seus filhos como querem e de poderem
ser e exercer a sua fé como querem, é precisamente no regime
liberal que lhes diga cada um vive como quer. Porque senão, eles
têm que passar a chave à próxima maioria que vier. E se
a próxima maioria que vier for a agnóstica ou a TAIA, eles
vão ter que lhes passar a chave que eles um dia tiveram
e quiseram impor aos restantes. Portanto, eu concordo inteiramente que a segurança…
por isso é que eu falei de medo ao princípio da nossa
conversa. Eu acho que o medo é o sentimento dominante.
Adolfo Mesquita Nunes
do que... É, e isso tu tens de conseguir... Tu tens, quer
dizer, os políticos liberais têm de conseguir responder a este medo e
têm que inspirar segurança. E acho que aquilo que os populistas fazem,
se eu tivesse de identificar um traço em comum, era precisamente a
noção de segurança. Não só segurança em matéria criminal. Há países onde
é essa a grande questão, a criminalidade. E, portanto, segurança no sentido
de termos um líder que sabe para onde vai, que nos vai
proteger e que vai por os interesses do nosso país em primeiro
lugar. Isto é muito comum a populistas de esquerda ou direita. Alguém
que vai defender, no matter what, e com todas as suas forças,
contra toda a gente, os nossos direitos, ou as nossas... E que
saiba o caminho. Que não há... Não tem
José Maria Pimentel
dúvida. Por exemplo, isto tem paralelos com a nossa própria vida. Imagina
que tu ponderas todas as decisões do teu dia durante o resto
do dia tu vais ponderar todas as decisões que vais fazer vou
de carro, não vou de carro, como peixe, como carne isso vai
te criar uma... Vai ficar altamente desconcertado, vai ficar quase infeliz porque
a necessidade de ter que ponderar tudo gera-te uma insatisfação em si
mesmo. O que nós fazemos no fundo é ter uma espécie de
detalhes e tentamos ponderar mais ou menos aquilo que achávamos mais importante.
Como sociedade acontece um bocado a mesma coisa. Quando há uma sociedade
com pessoas muito diferentes, em que tu vês posições a serem defendidas
publicamente muito diferentes, estilos de vida muito diferentes, há uma espécie de
reação natural, natural no sentido de ser compreensível, não quer dizer que
seja correto a grande parte da população, a querer alguém que lá
está, que simplifique, que saiba o caminho, que diga, ok, Eu sei
que é ABC, independentemente do que ele está a dizer fazer sentido,
não é? Por isso é que essa abertura é contraditória com a
nossa natureza.
Adolfo Mesquita Nunes
Nada, pelo contrário. Vamos lá ver. Os liberais acreditam profundamente naquela que
é a organização espontânea da sociedade, portanto que a sociedade se vai
organizando e vai criando corpos intermédios a que, enfim, onde as pessoas
com liberdade sempre de sair concedem parte da sua liberdade
para não
terem que se chatear com determinados assuntos. Mas é engraçado que quando
houve eleições em França e em França claramente, não sei se nos
Estados Unidos, mas penso que sim, entrevistavam as pessoas que iam votar
na Le Pen e que iam votar no Trump e entrevistavam muitos
portugueses porque é que iam votar na Le Pen. E era muito
comum aquela coisa de as pessoas dizerem, não, eu não concordo com
a N coisas dela. Não, eu sei que não concordam. Mas, e
o mas era sempre a liderança, a sensação de que, protetora, esta
ao menos não vai conceder nada. E isto assusta-me, porque tu prescindes
de valores que são para ti essenciais, e que tu reconheces que
não estão cumpridos com aquele candidato, mas estás... Porque precisas de alguém
que seja líder. E isto está a polarizar as opções. E isso
assusta-me. Assusta-me que depois qualquer pessoa que te diga nós não podemos
ceder nestes valores de liberdades, então estás feito com a esquerda, estás
feito com os comunistas, estás feito... O mundo não é binário, nunca.
E a simplificação binária para a qual estamos a conduzir o mundo
é verdadeiramente preocupante. É verdadeiramente preocupante.
José Maria Pimentel
E há um ponto onde eu acho isso é muito visível. Mas
eu gostava de fazer um atalho disso porque tu disseste alguma coisa
há bocado que eu acho ultra importante. Acho sobretudo importante porque vai
contra o meu próprio percurso. Portanto, é uma crítica em que eu
quase me revejo, que é aquela questão para que tu alertavas há
pouco, da pessoa ter muita tendência para achar que deve juntar-se para
um partido quando ele estiver pronto para nós. Quando tu juras aquele
partido que seja exatamente igual àquilo que nós queremos, que seja exatamente
o nosso reflexo, aí sim eu levanto-me do sofá e mesmo. Eu
acho que em Portugal acontece muito isso e eu tinha um bocadinho
essa visão no início e discordo cada vez mais dela, no sentido
em que acho que faz muito mais sentido tu teres... Quer dizer,
pondo a coisa de outra forma, não faz sentido ter um país
com dezenas de partidos. O que faz sentido é ter poucos partidos
e fazer-lhes esse caminho programático dentro dos partidos e não como uma
espécie de cardápio de partidos que é muito a nossa visão, que
é Ora, é que ali existem estes quatro, cinco, seis ou sete
que têm mais ou menos representação, mas nenhum deles é mesmo. Portanto,
vou criar aqui um um bocadinho diferente. E isso é uma tentação
que se percebe, mas leva, primeiro, a maior parte das pessoas nem
sequer faz isso, portanto, o que faz é não sair do sofá.
Há algumas que fazem isso e o caminho que seria melhor para
todos era entrar, no teu caso, por exemplo, entrar no CDS com
uma agenda que tem pontos em comum com muitas outras pessoas e
outros pontos que não são em comum, e tentar progressivamente, no fundo,
agramear, presumo eu, tanto persuadir como agramear o máximo de pessoas possível
Adolfo Mesquita Nunes
junto dessa... Vamos lá ver, tu tocaste em imensos pontos interessantes para
poder avançar. O primeiro é de facto esse, do qual surgiu a
pergunta, nós não podemos estar à espera que um partido esteja pronto
para nós, até porque isso é contrário à ideia de o partido
poder ser um agente de mudança, Porque então o que tu queres
dizer é ele só vai entrar, só entro quando o partido estiver
como eu quero e a partir daí também já não pode mudar
para mais lados nenhum porque senão eu deixo de estar aqui porque
já não é o partido que eu quero. E isso é completamente
contraditório com a própria natureza humana. Porque nós, eu acho que há
pessoas em política que se esquecem muito disso, eu costumo dizer, e
esta frase é polémica, a coerência é muito sobrevalorizada em política.
Concordo, sim.
Nós podemos ser coerentes aos nossos princípios, isso devemos ser, mas a
forma como nós somos coerentes aos nossos princípios obriga-nos a tomar posições
que são muito diferentes ao longo do tempo, ao longo do dia.
Nós somos pessoas que temos uma disposição de manhã e outra disposição
à noite. E isto é normal. Portanto, então, se pensarmos que os
eleitores também são assim, já deveria ser o suficiente para não querermos
embarcar em partidos que têm visões fechadíssimas e... Agora, é evidente que
os partidos têm que ter o mínimo de segurança e de valores
essenciais para as pessoas saberem quem são e saber onde estão. Um
partido não pode estar em permanente mutação de princípios, mas pode estar
em permanente evolução sobre as respostas que dá com esses princípios que
são os seus. E que às vezes geram respostas contraditórias dentro do
seu próprio partido. Eu nem estou a querer ir às questões que
normalmente acham sempre que eu tenho na cabeça, das questões fraturantes. Mesmo
em questões de organização económica, mesmo em questões sobre o que é
que é melhor para o país, o partido tem visões contraditórias dentro
de si e as duas são legítimas. Todas. É matérias concretas. Há
pessoas que estão favoráveis à privatização da RTP, há pessoas que são
contra a privatização da RTP, com o mesmo enquadramento doutrinário, com a
mesma noção do que é que é um partido de centro-direita. E
espero que haja algumas que são tendencialmente a favor ou tendencialmente contra.
Claro, e há pessoas que se aproximam num determinado ponto da história,
este pode ser um bom momento para oferecer, outros acham que não.
E portanto, isso é o primeiro ponto. O segundo é, por outro
lado, quando se entra para o partido, também não se pode entrar
com a ideia de guerrilha. Isto é, o partido não é aquilo
que eu quero, mas eu vou para lá para transformar naquilo que
eu quero. Eu não tenho essa noção. Eu vou para lá juntar
a minha voz à dos outros e fazer os consensos e fazer
as tensões que vão fazer o partido evoluir e persuadir. Mas eu
também não quero transformar o partido num partido à minha semelhança ou
muito menos num partido liberal, que é uma coisa que às vezes
as pessoas acham. Não digo sempre, não, eu vivo muito bem com
esta tensão. Claro que há determinadas matérias onde eu gostava que estivéssemos
mais para um lado, outras mais para o outro. Mas aquilo que
faz um partido é a possibilidade de governar um país, portanto aquilo
que é o seu principal objetivo, E nós governamos para a sociedade
inteira, para o país inteiro. Portanto, nós não podemos, através do partido
e da política, que eu acho que é outra noção de que
se está a perder, é que o partido tem que ir para
o governo para impor a sua vida, a sua visão, a todos
os outros. Não, nós temos que governar e temos que criar condições
para que as várias visões possam existir. Por isso é que eu
digo que sou liberal por razões éticas, mas também por razões políticas.
E uma das razões políticas é esta, o liberalismo olhando para um
mundo tão diferente, com tantas religiões, tantas disposições, tantas predisposições, tantas formas
de olhar o mundo, dentro da mesma família há tanta gente que
prioriza coisas diferentes. Qual é o melhor instrumento, qual é o melhor
sistema para podermos conviver todos, para podermos refletir esta diversidade do mundo
e vivermos em paz. É o liberalismo. É a liberdade. É a
possibilidade de cada um tentar cumprir o seu projeto de vida e
o seu projeto de felicidade. E
Adolfo Mesquita Nunes
Relativamente a partir... E o diálogo, claro. E Por isso é que
eu acho que há valores éticos muito ligados ao liberalismo que as
pessoas às vezes não associam porque acham que o liberalismo é um
individualismo vado ao extremo e não percebem que... Eu vou utilizar uma
palavra que se utiliza muito pouco em política, mas há uma coisa
que um liberal sabe muito bem, é que o Estado nunca vai
sentir amor por nós, mas as pessoas sentem amor umas pelas outras.
E os liberais acreditam profundamente na noção de família, na noção de
amor entre pessoas e que isso gera consequências sociais e culturais e
políticas, porque as pessoas ajudam, se criam redes de solidariedade, não são
tão egoístas como se diz. Mas, o terceiro ponto que é que
ele estava a dizer é a criação de partidos. Vamos lá ver.
Eu não tenho opinião, se observem a ver, muitos ou poucos, porque
acho que cada sistema partidário tem as suas condicionantes históricas e isso
explica muita coisa e não podemos, enfim, substituir um sistema pelo outro.
Eu acho que partidos excessivamente dogmáticos não fazem sentido, porque aquilo que
um partido vai fazer é governar, não é ser uma associação de
pensamento. E vai governar para o país todo, vai ter que ceder,
porque nunca vai ter a maioria muitas vezes, vive numa ordem global
onde vai ter que lidar com outros governos de outras cores e,
portanto, quem vai para um partido a achar que nunca vai consporcar-se
em nada, então está enganado, porque estamos constantemente a ter que, por
contingências, sem termos que abandonar as nossas convicções, a ter que lidar
com realidades com as quais não estamos eventualmente de acordo. Mas, um
partido que hoje surja para representar uma corrente ideológica é um partido
que tende a ser muito mais dogmático do que deveria, porque ele
vai procurar ocupar um espaço que não existe, acham eles, e vai
começar a entrar no campeonato do quem é que é o verdadeiro
x, liberal, socialista, o que quiseres, a ideologia que tiveres. E eu
acho que isso não é... É interessante para uma associação de pensamento,
não é talvez útil para um partido. E por isso é que
muitas vezes me chamam de pragmático. E sou. É tudo na vida.
Sou muito pragmático e nisso também.
Adolfo Mesquita Nunes
claramente, desde que não seja um partido, que a única coisa que
queira fazer é vi-dogmaticamente representá-lo porque às tantas dentro de ti próprio,
dentro do próprio partido, começam discussões um bocado absurdas, por exemplo. Eu
quero reduzir o IRC para 6%. 6%! O devisa era zero. Não
erra um liberal a sério. Se fosse um liberal a sério não
devia haver IRC. Para dar um exemplo caricatural. E as pessoas, algumas
delas, minhas amigas, que estão a formar partidos liberais, que não se
ofendam comigo, mas eu já lhes disse isto a eles. Mas, Portanto,
claramente o liberalismo é um espaço que está para ser ocupado verdadeiramente
por um
partido que possa ser fazer do liberalismo a sua inspiração, mas não
o princípio e o fim da discussão política. Isso estou de acordo.
Acho que por trás disso, por isso é que eu digo que
o
José Maria Pimentel
liberalismo tem um caminho difícil e é um bocadinho contraditório à nossa
natureza. Há, eu acho que, pelo menos na visão que eu tenho,
há um princípio basilar do liberalismo enquanto movimento, que surge ali no
século XVIII, se quisermos, que é a questão da liberdade de... Está
muito ligada à liberdade de expressão, no sentido da liberdade de discutir.
E tu tens, por exemplo, essa liberdade de discutir é muito chata,
quer dizer, cria uma tensão muito grande. O facto de tu teres
à volta de uma mesa, por exemplo, e quem diz à volta
de uma mesa diz, num espaço publicado, por exemplo, pessoas com opiniões
diferentes em relação ao mesmo tema e quando digo diferentes significa não
binárias, ou seja, ao longo de um eixo, alguém que é absolutamente
contra, alguém que é absolutamente a favor, alguém que tem dúvidas, isto
cria uma tensão que é muito desagradável e portanto tu tens dois
caminhos para fugir desta tensão. Ou tens o caminho... Ou entras numa
questão binária de dois extremos em que acabas por escolher um, que
é um bocadinho o populismo. Ou tens outro caminho, que é um
bocadinho mais simpático, mas que eu não acho brilhante também, que é
um bocadinho o nosso caminho português, que é dizer, sim senhor, há
esta tensão, tudo o que nós vamos fazer é ser mais ou
menos moderados. Mas aqui mais ou menos a meio e tal. Ligeiramente
para aquilo, ligeiramente para ali e criamos aqui
Adolfo Mesquita Nunes
uma espécie de consenso e não se volta a falar do assunto
porque isto é uma chatice. Eu tenho... Eu percebo isso. Eu tenho
pensado muito e tenho até escrito sobre isso. Sobre a moderação. E
escrevi um artigo há pouco tempo que o título era os moderados
são os novos apataridas. Porque acho mesmo, o artigo tem que ser
completado porque pode dar eventualmente essa impressão de que eu estou a
aparecer como aquele tipo que quer os pactos de regime e os
consensos. E não é nada disso. Porque talvez o meu artigo, quem
o lê à luz portuguesa pense isso, mas o meu artigo é
à luz global. E acho que tu vês nos fenómenos das eleições
brasileiras, como tu vês nos fenómenos das eleições francesas, como estás a
ver na questão catalã em Espanha, estamos a polarizar de tal forma
que os polos estão a levar as pessoas moderadas atrás. Há um
artigo que eu cito nesse artigo meu, da Anne Applebaum, de Atlantic,
que ela fala sobre a polarização e Ela conta a passagem do
ano que teve em 99 na Polónia com um grupo de amigos
de direita como ela, pro mercado, admiradores da Tatcha, do Reagan, entusiasmadíssimos
com o futuro e com a União Europeia e com a liberdade
de circulação e etc. E ela diz que hoje já não fala
a quase maior parte dessas pessoas, estão todas no partido do governo
na Polónia, com teses antissemitas, teses xenófobas, acreditam em todas as teorias
da conspiração que o partido cria, e ela pergunta-se como é que
isto é possível, como é que pessoas que são a favor das
liberdades de direita estão a caminhar para isto. E esta preocupação dela
é a minha que eu tenho. Eu conheço colegas de percurso, se
quiseres, ideológico, não partidário, ideológico, que eu começo a ver a avançar
para esses polos porque estão atraídos pela sensação de terem um polo
viril que possa combater o polo da esquerda. E isso assusta-me porque
estamos a ceder em princípios e aí é que eu falo de
moderação. A ideia de que isto não pode ser um concurso entre
dois polos. E há um bocadinho... A esquerda surgiu nos anos 60
e 70 com o identitarismo, com a divisão de pessoas por identidades,
substituindo quase a liberdade e a igualdade como valores fundacionais pela identidade.
E a direita agora está a querer... Está a contra-atacar, não é?
Está a contra-atacar com o contra-identitarismo no sentido de, então, vamos criar
o identitarismo que esteja mais de acordo com as nossas ideias, quando
o identitarismo
José Maria Pimentel
Mas eu acho, isso é interessante, eu percebo essa dúvida que tu
tens da maneira como isso pode ser interpretado, mas se calhar, se
calhar, aquele modelo que eu dava há pouco pode ajudar a resolver
isso porque tu tens uma coisa não falo a expressão certa, mas
uma coisa é a moderação de ideias, outra coisa é a moderação
de prática ou seja, tu, o problema, o que tu tens hoje
em dia, é a junção de uma falta de moderação. Essa resposta
é uma falta de moderação nas ideias, associada a uma falta de
moderação na prática. Que é a resposta, no fundo, a essas meias
tintas que são desagradáveis e ao caos que é o mundo. Agora,
aquilo que eu defendo, e acho que partilharás disso, é não ter
moderação de ideias mas ter moderação de prática. Ou seja, não ter
moderação de ideias significa pensar sobre um tema e não ter receio
de assumir uma posição em relação a ele. Uma posição clara, dizer,
eu em relação a isto tenho noção da tensão que está subjacente
mas a minha posição é a privatização ou a insolidação, o que
seja. Mas depois ter a noção justamente de que aquilo resulta de
uma tensão, uma tensão entre verdades parciais, entre diferentes bens, como todos
os problemas políticos, quase todos os problemas políticos, tirando, mas isso era
outra conversa, tirando alguns que têm que ver com questões fundamentais, mas
quase todos os problemas políticos são uma tensão entre diferentes bens ou
entre verdades parciais e tu tens a noção disso. Tendo a noção
disso, tens uma determinada posição, mas não deixas de ter a noção
disso E, portanto, sabes que podes não estar certo, isso é fundamental.
Saber que podes não estar certo não quer dizer que não defendas
a tua posição com convicção. Claro, mas... Eu
Adolfo Mesquita Nunes
estava a ver se lembrava do último parágrafo do artigo, mas é
qualquer coisa como isto é. Num mundo tão polarizado, se eu tiver
que ser apelidado moderado, pois que seja. Só uma coisa que para
mim é evidente, eu serei radical na defesa dessa moderação. Ah,
pronto, exato.
Radical. Porquê? Porque e ser moderado hoje, e ser radical nesta moderação
significa ser radical aos meus princípios. É exatamente ao contrário, os radicais
é que estou prescindido dos seus princípios em nome de um fim.
Porque eu acho mesmo que estão. Mas, enfim, eu tenho que desenvolver
o
artigo e à medida que estamos... Vou escrevê-lo hoje, de hoje em
amanhã, e à medida que estamos à conversa, estava a pensar no
título que vou dar ao artigo e eu acho que é um
bocadinho Brando e Tanas ou Mol e Tanas porque esta coisa de
querer fazer de mim Brando e Mol porque estou a tentar defender
a moderação com prática, que é aquilo que tu dizes. Não pode
ser confundido com colaboracionismo, não pode ser defendido com… Do contrário, mas…
É exatamente esse o risco que tu corres, é que tu começas
com a caça às bruxas, tu começas a definir se tu não
estás, eu costumo caricaturar isto, é se tu não és a favor
do Trump é porque és a favor do Michael Moore. Isso és
a favor do Michael Moore, é porque não és a favor do
Trump. Como se isto... O mundo não é isto. O mundo e
das eleições no Brasil, eu digo, que estão, enfim, em curso agora,
eu digo, acho que é uma derrota profunda da direita e da
esquerda quando aquilo que têm para apresentar como seus candidatos, com possibilidades
de vencer, são aqueles dois. É uma profunda derrota. Não podemos ir
votar nem qualquer um daqueles candidatos alegremente, rindo em folclore, a dizer
que, bom, vamos votar nestes candidatos. Eu, pelo menos, não posso aceitar
que isso esteja a suceder.
José Maria Pimentel
Claro. Eu acho que há um campo onde eu acho que esta
tensão é muito visível, sobretudo para alguém que se identifica com o
liberalismo, que tem muito que ver com esta questão que agora está
muito em voga do politicamente correto, política identitária e tudo em torno
disso. Eu, enquanto pessoa que se identifica com esses princípios tem muita
dificuldade em olhar para isso porque tu vês muitas vezes o conflito
entre lá estar, dentro da liberdade, entre duas noções diferentes ou entre
duas vertentes diferentes da liberdade. Quando tens, por exemplo, a discussão de
temas delicados relacionados com género, relacionado com raça, que é uma palavra
que não resulta bem em português, com heternia, com orientação sexual, o
que seja, ou com questões de imigração ou com questões religiosas em
que tu... O que eu sinto é a empatia com as pessoas
que são diferentes de mim e a vontade que elas tenham a
liberdade delas, mas fico muito desconfortável quando se tenta silenciar uma discussão
sobre esse tema. E sabendo eu que tenderei a discordar radicalmente da
maior parte das opiniões que vão ser demonstradas durante provavelmente essa discussão,
mas ainda assim tê-la silenciada, ter uma discussão sobre imigração silenciada ou
uma discussão sobre se, por exemplo, o terrorismo é ou não dissociável
do islamismo, por exemplo. Que é para mim uma questão ultra complexa.
Eu sei que no meio... Mas sabes o que é que eu
acho que é perigoso aí?
Adolfo Mesquita Nunes
Eu estou inteiramente a acordo contigo. O que é perigoso é que
tu tenhas que te explicar como te estás a explicar. Há um
outro artigo que eu tenho para escrever há não sei quanto tempo
que é sobre o há quanto tempo eu ando a escrever o
artigo sobre isso. Porquê? Porque é o medo de dizer uma palavra
errada que transforma a discussão noutra coisa qualquer que tu não queres.
Tu estás a querer discutir o problema da imigração, tu estás a
querer discutir o problema do terrorismo e de inspiração islâmica, tu estás
a querer discutir esses problemas e tu tens tanto receio num mundo
tão polarizado que sejas mal compreendedor que tu às tantas não discutes.
Não entras na discussão. Calas-te. Exato. Para não te chateares. Pronto. E
lá está. Os moderados e os novos apatridas. Não há discussão moderada
sobre o assunto. Tu estás a permitir que a discussão se polarize
de tal forma que tu quando vais falar e não vais agradar
a nenhum dos lados, tu vais levar porrada dos dois lados, vais
sair a pedrejar pelos dois lados e não estás para isso. Bom,
mas é que, então, os moderados, mas não há quem tenha, por
isso é que os moderados calhar vão ser os novos radicais, se
quiseres, ou vão ser os novos corajosos, porque vai ser tão fácil
estar num dos polos, porque vai estar completamente defendido, porque tens uma
clica atrás de ti. Estás com os teus. Estás com os teus
e os que estão ali no meio, a tentar dizer que uns
têm um ponto, outros têm o outro, estão a levar a pedrada
dos dois lados. Mas essa questão faz-me de facto alguma confusão. Por
outro lado, que tu, quando dizes, atenção, eu acho que o lado
lá tem que ser ouvido, sejas confundido com as pessoas do lado
de lá. Quando a única coisa que estás a dizer é eu
acho que as pessoas do lado de lá têm que ser ouvidas,
acho que temos que fazer a discussão. Mas desde quando é que
o método se confunde com a substância? Isto é um método de
vida em sociedade, ouvirmos os outros. Aliás, a democracia, quase me apetece
soltar um palavrão, é democracia, não é outra coisa senão isso, precisamente
termos que gramar e ouvir com as pessoas que pensam de forma
diferente de nós. O que é o parlamento se não obrigar-te a
ouvir o que os outros dizem? O que é a democracia se
não a proteção das minorias? Porque a maioria tem sempre poder, Quer
dizer, a maioria terá sempre forma… Por
definição, sim.
Em princípio, terá sempre forma de esmagar as minorias se quiser e
de impor. Portanto, as democracias servem precisamente para se respeitar as minorias,
porque haja um sistema em que as minorias possam falar, o estatuto
de oposição existe para isso. Portanto, de repente, nesta polarização, deixámos de
ter combates políticos para passarmos a ter combates morais, onde só um
pode vencer. Sim. Só uma ordem moral pode vencer. Eu acho isto
assustador. E
José Maria Pimentel
Sim, eu também acho, e é outro complexo, quer dizer, eu mesmo
não tenho... Tenho pensado muito sobre isso e não tenho uma resposta
definitiva, até porque isto mistura uma série de coisas, ou seja, tem
muitas causas. Agora, aquilo que me preocupa e que eu noto é
que tu, ao silenciar, o que tu estás a fazer é a
negar o diálogo a pessoas que tenham uma posição ligeiramente diferente da
ortodoxia. Pronto, estás a negar o diálogo àqueles que tenham uma posição
radicalmente diferente da ortodoxia, mas também àqueles que tenham uma posição ligeiramente
diferente. E O que isto faz é que aqueles que tenham uma
posição ligeiramente diferente da ortodoxia, os únicos que os ouvem, são aqueles
que têm a posição radicalmente diferente. São os extremos. Uma pessoa que...
Sim, eu estou a perceber. Não sei se estás a perceber, se
calhar é um bocadinho conceptual demais. Mas estou a
José Maria Pimentel
temos que trazer isso a diálogos. Eu acho que temos que estar
à vontade com ouvir opiniões que são politicamente incorretas, sobretudo porque elas
podem ter dentro delas uma opinião, não é uma coisa unívoca, é
um conjunto de várias concepções, e dentro delas pode haver concepções que
são corretas ou pode haver vontades que não estão a ser exprimidas.
A questão do terrorismo, para mim, é um ótimo exemplo disso. Porque,
obviamente, aquilo tem que ser escapulizado. Obviamente que tu tens que perceber
o que é que está por trás daquilo e não podes estar
numa de dizer os musulmanos são todos terroristas ou no outro sistema
dizer não, não, esta religião não tem nada a ver é, eu
acho que há duas coisas
Adolfo Mesquita Nunes
interessantes aí que é, por um lado a ideia de não os
deixarmos falar Isso era possível num mundo sem redes sociais e sem
outras formas dessas pessoas comunicarem. A partir do momento em que essas
pessoas comunicam com milhões, a ideia de que tu nos convidas para
uma conferência numa universidade qualquer, estás a silenciar o que quer que
seja,
é
uma ilusão. Portanto, mais vale tu combateres essas pessoas, porque essas pessoas
estão a ser ouvidas. E tu combates com as ideias, em debate.
É a primeira. As pessoas acham sempre que debater com essas pessoas
é... Estão a legitimá-las. Isso já não é critério, porque essas pessoas
estão a falar e estão a chegar a milhões de pessoas. A
segunda é que também é a única forma que tu tens de
desmontar as suas mentiras, porque muitas, muitos dos extremos, aliás os extremos
são sempre mentirosos, porque criam concepções, teorias da conspiração, unívocas, e portanto
mentem, criam homens de palha, inimigos imaginários. E a única forma que
tu tens de facto de desmontar isso é confrontá-los com as mentiras.
Tu não os podes deixar à solta e tens que os trazer
para o teu debate e tens que os trazer para as contradições,
porque há contradições, todos temos. Todos. Todos os partidos, todas as pessoas,
todas as igrejas, tudo, todos nós temos. Portanto, eu não suporto as
pessoas que fazem da sua coerência máxima, da sua integridade, o seu
critério distintivo na política. Não suporto isso.
José Maria Pimentel
É aquela frase da humildade epistemológica, que é um bocadinho isso, quer
dizer, que tens noção de que não há, não só a verdade
não é simples, como tu não podes estar correto em relação a
tudo da realidade.
Eu
queria atalhar aqui para falar de os pontos que eu acho interessantes,
porque nós tivemos, até agora tivemos mais ou menos a falar daquilo
que estamos de acordo, embora de problemas grandes, o que significa que
vale muito o brainstorming, mas eu achava também interessante tentar explorar, estando
eu falar com alguém de direita economicamente, só isto já é bom,
tipo em Portugal poder dizer que tu és direita economicamente e o
interlocutor dizer que sim. É bom porque normalmente não acontece, mas é,
não é bem direita, se é de esquerda e tal, ou de
centro. O PSD tem uma enorme dificuldade em afirmar-se como direto econômico.
Mas, enfim, acho interessante também explorar alguns pontos nos quais eu ou
acho que a esquerda tem razão ou tenho dúvidas, digamos assim. Ok,
Espero que
Adolfo Mesquita Nunes
Podes notar. Direitos sociais, evidentemente, mas com esses estás tu de acordo?
Mais ou menos. Vamos ver. Uma coisa é estar de acordo com
o ponto de chegada sobre o que é que devemos, como é
que devemos tratar ou devemos enquadrar legislativamente determinadas matérias. Mas muitas vezes
estou em absoluto desacordo com o caminho até se lá
chegar.
Eu lembro-me quando foi a votação no Parlamento da adoção por casais
de pessoas de mesmo sexo e que eu votei favoravelmente os projetos,
eu fiz uma declaração de voto dizendo que discordava em quase todas
as posições de motivos que acompanhavam o projeto. Portanto, eu estava de
acordo com a solução, que era eliminar a proibição que lá estava,
que esses casais, pessoas do mesmo sexo pudessem candidatar-se ao processo de
adoção, mas muitas das considerações pareciam-me demasiado identitárias. O identitarismo choca-me um
bocadinho porque eu acho que tu és digno pela pessoa que tu
és. E não há mais nada que tu possas acrescentar a isto
para seres mais digno. A minha dignidade, o meu valor como pessoa
é e meu como pessoa. Qualquer característica que tu acrescentes aqui, porque
sou português, porque sou branco, porque sou negro, porque sou gay, porque
sou hétero, porque qualquer outra característica é superflua e não pode dar-te
uma legitimidade acrescida. E acho que a esquerda cai muitas vezes nisso.
Substitui a liberdade e a igualdade como valores fundacionais e põe-nos na
identidade, o que depois traz imensos problemas, porque depois, cada identidade, há
micro-identidades, depois há mais micro-identidades, depois há mais micro-identidades.
José Maria Pimentel
Mas desculpa, se ter trompado. Não, não, não te preocupes. A piada
disto é essa. Há um artigo, um paper que saiu recentemente, eu
apanhei o artigo sobre o paper, muito interessante, sobre justamente a questão
do politicamente correto e a relação da defesa dessas questões, antes de
ser identitárias, no fundo, de questões de direitos e características de personalidade.
E a conclusão a que eles chegaram, que é uma conclusão preliminar,
como é evidente, porque são ciências sociais, mas é interessante, é que
tu tens dois tipos de pessoas que participam nesses movimentos. Tens um
primeiro grupo de pessoas cuja principal força motriz é a empatia pelo
outro, pelos que são diferentes, pelos que estão mal, no fundo um
bocadinho essa noção que tu estavas a espalhar e que eu partilho,
não é? De que as pessoas devem ter todas liberdade, os negros
devem ter a mesma liberdade, os gays devem ter a mesma liberdade,
as mulheres devem ter a mesma liberdade. E depois outro grupo que
tem muito mais que ver, e isto ilustra bem os fenómenos extremistas
do passado, por exemplo, ligados ao comunismo, muito mais ligado a nós
que fazemos parte de uma minoria qualquer, por exemplo, queremos estar longe
dos outros, queremos que nos deixem em paz, queremos silenciá-los, queremos que
não nos ofendam, uma série de coisas relacionadas com isso. É muito
interessante porque isso não só permite perceber as duplas motivações para o
ressurgir destes fenómenos, como também, acho eu, permite dar alguma luz sobre
porquê que fenómenos como o socialismo, por exemplo, socialismo aqui falo não
do nosso Partido Socialista, mas do socialismo enquanto movimento, redundaram em ditaduras,
em fenómenos extremos. Eu achei muito interessante isso, por acaso.
Adolfo Mesquita Nunes
E há uns artigos do Tony Jout sobre identitarismo muito interessantes também,
e onde ele de facto convoca para as consequências do identitarismo na
forma como estamos a organizar socialmente e como estamos a expulsar a
liberdade como critério
e
a igualdade entre pessoas e que nos estamos a categorizar a todos
e as consequências que isso está a ter. E de facto, depois,
claro, legitima. Legitima, entras, provoca o tal contra-identitarismo que é... Então, agora
também quer fazer uma marcha hétero, agora também quer fazer a marcha
do homem branco, que é uma coisa também verdadeira. É tão absurda.
É absurda. Porque, apesar de tudo, há uma parte de reivindicação de
direitos que envolve ativismo, que envolve marchas e que envolve chamar a
atenção e que envolve provocar, que é uma coisa que às vezes
as pessoas que estão confortáveis com a sua vida não se consegue
aperceber que elas estão confortáveis com a sua vida porque elas não
precisam de fazer marchas nenhuma.
Adolfo Mesquita Nunes
Sim, E é uma coisa muito típica agora, não é? Com que
temos um governo de esquerdas e onde tantas vezes legislam de forma
que seria suscetível de provocar manifestações na rua se fossem legisladas por
governos de direita. E a direita não se mobiliza e não se
movimenta. Mas isto tem várias explicações, uma delas eu vou pisar, vou
pôr o pé em rama verde porque não tenho como demonstrar isto,
mas muitas das manifestações consideradas espontâneas em Portugal têm tudo deserto espontâneo.
Portanto, os partidos de esquerda estão infiltrados, entre aspas, com toda a
legitimidade, em milhares de movimentos associativos. São eles que os criam. Eles
são, quer dizer, eu lembro-me de... Às vezes temos a ver a
mesma pessoa, que é um militante de um partido de esquerda, é
também o presidente da comissão do Tentes, não sei do quê, mais
da associação dos amigos do bairro, não sei do quê, e portanto
tu vês que é o partido que está claramente a criar aquelas
associações para depois as dominar. E portanto a esquerda ocupa a rua
em Portugal. Ocupa a rua de forma bastante mais eficaz do que
a direita. Talvez porque a direita, pelo menos de uma certa parte,
mais individualista, tenha mais dificuldades em fazer isso ou não tenha tido
estratégia para o fazer. O que não acontece quando começas a ter
organizações mais populistas, essas sim, começam a utilizar as táticas comunistas, se
tu quiseres, de
José Maria Pimentel
Exatamente, porque justamente conseguem ter esse mito agregador e essa noção coletivista
de um grupo que consegue agir. Eu acho isto... Este é um
tema que me preocupa, até porque acho que é um bocadinho o
dilema do liberal numa seção mais láctea. No outro dia estávamos a
falar em day off do Tiago Cavaco e da conversa que eu
gravei com ele, e uma das coisas que eu percebo, sendo ateu
ou agnóstico, independentemente da definição, em relação à religião, é a questão
de que Uma das características da religião, independentemente do mito que está
por trás, é que é agregadora e permite agir. E permite criar
valores comuns a partir dos quais tu podes agir e podes ter
uma moralidade assente naquilo. E eu acho que para um liberal isso
é um grande desafio, não é? Porque se tu és racional, se
questionas, se tens uma visão até abstrata em certo sentido, uma visão
teórica, depois é difícil mexer-te porque nós movemos-nos é pelas emoções, certo
sentido? É verdade. Gosto um bocado do meta agora. Não, Mas
Adolfo Mesquita Nunes
Sim, que não existe, acho eu. E aspiracional, que é outra que
eu existe, que eu oponho, mas ponho sempre em itálico. A última
pessoa que eu acho que a Direta conseguiu fazê-lo foi a Thatcher,
porque o fez precisamente com a noção que fazia sentido na altura
de empowerment e, portanto, quando ela fala do capitalismo popular é que
tu podes ser dono da tua própria casa, tu podes ser dono
de ações de uma empresa pública, tu podes lutar por ti. Houve
ali algo de inspiracional que a direita em Portugal não tem tido,
e eu costumo dizer, as contas certas não entusiasmam o espargo. Não
há ninguém que saia de casa para votar em contas certas a
não ser que se viva num momento de tal instabilidade, que foi
o que aconteceu, em que de facto isso é um valor por
si próprio. Mas quando estamos em tempos de aparente normalidade, podemos ver
se estamos ou não, mas em aparente normalidade isso não motiva ninguém
para votar.
José Maria Pimentel
O centrista americano dirte-te à... Olha, lembro-me de ver o Farid Zakaria,
por exemplo, a dizer isso. Que ele obviamente tenta posicionar-se... Farid Zakaria,
um típico de jornalistas... Sim, sim, não sei quem é. Não, eu
estou a explicar, não é para ti, é para quem não está
a ouvir. É jornalista da CNN e ele tenta lá estar a
posicionar-se mais ou menos a meio, equidistante e, obviamente, tem sido muito
difícil nos últimos tempos, porque ele vai passando cada vez mais por
um democrata e ele diz, até provavelmente com essa intenção, mas explica
que quando foi para os Estados Unidos foi, né, era Reagan e
que ele era um grande fã do Reagan e das políticas dele.
Eu acho que no Reino Unido tu dificilmente ouvirias o mesmo em
relação à Thatcher. Talvez. Não
José Maria Pimentel
no caso, verso o caso português, ou seja, eu acho que a
minha visão em relação ao problema fundamental da parte económica, sobretudo em
Portugal, é que tu tens o Estado, o papel do Estado é
relativamente fácil de defender, sobretudo no seu lado positivo.
Ou seja,
o lado de... Para dar os exemplos mais óbvios e alguns dos
quais que eu até gostaria que tivéssemos tempo para discutir porque até
concordo com eles. A questão da educação, a questão da saúde, o
papel do Estado aí. O papel da iniciativa privada é muito mais
incerto. Esta palavra de incerteza é fundamental, ou ambíguo, se quiseres. Ou
seja, tu não sabes o que é que vai dar e os
benefícios vão tardar a manifestar-se, não é amanhã. Se o Estado intervier,
o resultado é sentido amanhã. Se tu deixares a iniciativa privada funcionar,
aquilo vai demorar a... A ação
José Maria Pimentel
Sim. Um problema da... Isto está relacionado com o que nós estávamos
a falar. Mas aquilo... Em
primeiro
lugar, obviamente, o que partilharás disto, é fundamental. Eu acho que o
melhor país é aquele em que diferentes posições, e no caso posições
de esquerda e direita, são defendidas da forma mais aguerrida possível, no
diálogo mais franco possível, ou seja, não é um país em que
só existe aquele em que eu concordo. Isto é uma destas lapalissadas,
mas é importante ter essa noção, ou seja, um país onde o
consenso se faça só num lado é mau até para esse próprio
lado. Por exemplo, um dos problemas do capitalismo hoje em dia é
o facto de já não ter o bloco soviético para servir de
contraponto, de até
José Maria Pimentel
repara no seguinte, e isto tem que ver com aquela espécie de
humildade epistemológica. Aquilo que nós temos hoje em dia é mais produto
do mundo capitalista do que do mundo socialista. Se é 60-40, se
é 90-90, se é 95-10, se é 99-1. Se é 95-5 ou
99-1. Agora, é uma síntese entre as duas coisas. E o Estado,
por exemplo, ambos reconhecemos o papel importante do Estado e que é
um papel diferente, por exemplo, e este é um ponto importante para...
É um ponto que nos podia passar estando a ter uma conversa
entre duas pessoas que têm uma posição relativamente idêntica, mas é um
ponto muito importante que é A sociedade em que nós vivemos hoje
em dia e o papel que o Estado tem e que, vou
arriscar, ambos partilhamos em... Ambos apoiamos em parte, era um papel muito
diferente daquele que existia no mundo do liberalismo clássico em que o
Estado era uma miragem em muitos aspectos. Ou seja, houve uma síntese
Houve uma síntese entre os dois modelos que, sem dúvida nenhuma, tem
mais do modelo capitalista e apron, na minha opinião, ainda bem que
tem, mas foi beber, por exemplo, a proteção dos trabalhadores, no liberalismo
clássico era praticamente zero. E tu tens redes
Adolfo Mesquita Nunes
Ou seja, ou ter um... Às tantas, o conceito de Estado Social,
que é criar condições para que aqueles que estão mais vulneráveis possam
sair da situação de vulnerabilidade o mais rapidamente possível
ou
não saindo tenham dignidade de vida, alargou-se de tal forma que tem
empresas públicas, atua na economia, regula, não interfere, portanto... Temos organismos públicos
em todo o lado. Exatamente, portanto, Agora, o liberalismo clássico não é
avesso a redes de segurança, claro que não é. E aliás, foi
o liberalismo clássico e foi o capitalismo que permitiu que as condições
de vida das pessoas fossem melhores do que aquelas que eram. Completamente
José Maria Pimentel
Isso é uma demais do que isso, desculpa. Os princípios, obviamente que
os princípios são os mesmos, mas eles próprios, ou por outra, são
quase os mesmos. Mas o movimento socialista, por exemplo, informou inevitavelmente parte
daquilo que é a nossa concepção liberal, no sentido em que é
uma concepção que tem uma noção social, ou seja, não só focada
nas liberdades negativas.
Adolfo Mesquita Nunes
Repara, como é evidente, quer dizer, nós vamos nos contaminando todos, não
é? Portanto, claro que sim. Não é? Sim. Portanto, não me custa,
mas olha, Recomendo a do livro, porque eu acho que o trago
é auxílio para esta conversa, o Liberdade para Escolher, do Milton Friedman.
Foi um programa de televisão, que depois se convertiu em livro, e
que procura, na década de 70 e 80, procura aplicar os princípios
liberais a questões dilemáticas do ponto de vista da economia, provando que
eles conseguem ter melhor repercussão na qualidade de vida das pessoas, no
progresso, no crescimento, do que os princípios socialistas, de alguma maneira desmontando
o contra-intuitivismo que é o liberal. Porque os princípios liberais são de
alguma maneira contra intuitivos. A edição que eu tenho é muito antiga,
da publicação da Europa América, mas saiu há pouco tempo uma edição,
não me lembro de que editora, mas eu recomendo vivamente. Boa. Não,
José Maria Pimentel
eu vou te fazer uma última pergunta, tu demoras o tempo que
quiseres e quando acabares terminamos. Porque não queria deixar de falar disso,
que é um ponto importante neste... Que eu sinto uma grande tensão
entre aqueles dois bens que eu falava há pouco, ou as duas
verdades parciais. A questão da educação. Na educação tu tens, por um
lado, a questão, de um lado, enquanto liberal, eu sou sensível à
questão da liberdade de escolha e de tu poder escolher para onde
é que os teus filhos vão estudar, por exemplo, e, por outro
lado, igualmente fundamental, a questão da iniciativa privada na condição da escola
estar muito associada à inovação, à falta de inércia e por aí
em diante. Por outro lado, a questão de igualdade de oportunidades, ou
seja, tu creres que possa haver mobilidade social por as pessoas terem,
por um miúdo. Percebes?
Adolfo Mesquita Nunes
eu acho que não consigo conceber um sistema de ensino, sistema nacional
de ensino, se tu quiseres, ou de educação, que não tenha componentes
de liberdade de escolha privada. Não consigo conceber, e não consigo conceber
que alguém possa ser prejudicado por escolhê-las, e não consigo conceber que
a educação privada seja apenas para os privilegiados que o podem. E
a concepção que se tem em Portugal é que os privados existem
apenas para substituir o Estado quando ele lá não está. E, portanto,
tem um papel meramente supletivo, altamente dispensável no dia que o Estado
quiser. Não é a minha visão. Essa visão permitiu a criação dos
contratos de associação, que é um instrumento imperfeito de liberdade de escolha,
do meu ponto de vista. E, portanto, sujeto a nível de críticas.
Mas, mesmo dentro da área socialista, tu tens que criar e ensuflar
o sistema de autonomia e de liberdades de escolha que nós não
temos neste momento, o que significa que tu perpetuas pobreza, perpetuas, não
dás igualdade de oportunidades. E, portanto, quando me dizem que o sistema
público garante automaticamente tudo isso, eu estou em profundo desacordo. Até