#32 Eugénia Cunha - “Como nos tornámos Humanos?”
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José Maria Pimentel
Bem-vindos. Eugénia Cunha é a convidada deste episódio. A convidada é professora
catedrática de Antropologia Biológica na Universidade de Coimbra e desde há um
mês é diretora do Instituto de Medicina Legal de Lisboa. Tornou-se conhecida,
nos últimos anos, sobretudo pela sua atividade na esfera da antropologia forense.
Uma área que se presta muito à atualidade noticiosa, seja quando se
tenta resolver crimes antigos, seja quando se faz, Por exemplo, o levantamento
de restos mortais de personagens históricas. Mas não foi sobre isso que
falámos. A outra área de especialização da convidada é, na minha opinião,
ainda mais interessante. Trata-se da evolução humana. Foi então para falar sobre
isso que a convidei à boleia do livro que publicou há alguns
anos chamado Como nos Tornámos Humanos. A Psicologia Evolutiva, como se lembram,
já foi falada no podcast, aliás é mais do que um episódio,
e aliás ainda hei de voltar a esse tema no podcast, mas
desta vez quis mesmo ir às raízes do problema, isto é, até
à Biologia, e responder a perguntas como, por exemplo, como surgiu o
Homo Sapiens, com que outras espécies humanas convivemos, porque é que andamos
eretos e temos um cérebro grande, por exemplo, entre outras várias outras
perguntas. Espero que gostem. Pronto, e como lhe estava a dizer há
pouco, este tema da introdução humana é um tema que eu acho
muita piada, mas nem sempre achei. Quando me lembro de ser miúdo
e aprender isto na escola, até achava um tema um bocado árido,
porque era dado daquela forma um bocadinho... Não é dado? Continua a
ser dado, provavelmente. Não é dado. Como?
Eugénia Cunha
Não está sempre a mudar, não há conhecimento cristalizado, o grande problema
é mesmo esse. Uma nova descoberta ou uma reanálise de uma descoberta
feita anteriormente pode mudar tudo. E, portanto, tem que haver uma grande
flexibilidade e não dizer que as coisas estão perfeitamente estabelecidas, é assim,
é assim, é assim e ter que assumir também que há muitas
coisas que nós não sabemos, nós só vamos ter acesso sempre a
uma pequena parte das pessoas que viveram do nosso passado, portanto nunca
vamos ter acesso ao puzzle todo, às peças todas. Estamos a lidar
com um puzzle em que vamos encontrando peças. Essas peças podem ser
fósseis, podem ser aquilo que as pessoas pensam mais que os fósseis
são só ossos, mas não é verdade, não é? Nem todos os
ossos são fósseis, nem todos os fósseis são ossos e muitas dessas
peças nós jogamos que encaixam e depois aparece outra e nós vamos
lá e afinal era no lugar onde estava aquela tem que se
tirar aquela e pôr lá. E por isso não é. E depois
aqui na evolução humana Há, por parte de alguns, uma grande sede
de protagonismo e há aquela coisa, vamos anunciar o mais antigo, o
primeiro, o primeiro enterramento, o não sei o quê... E à custa
disso às vezes anunciam-se coisas que não são verdade. E depois... Formas
temporárias. Sim, ainda agora na África do Sul, houve agora, quer dizer,
ano passado, há dois anos, não este ano, descobertas que afinal não
são tão importantes, mas não são de modo algum tão importantes
Eugénia Cunha
é o Lieberger, que está relacionado com essa descoberta e com uma
outra descoberta do Australopithecus Sediba, que é a última Australopithecus a ser
descoberto foi considerado pela Forbes, uma das... O ano passado, há dois
anos, também já não tem em ação, uma das 50 pessoas mais
influentes do mundo, como é que é possível? E nenhuma dessas descobertas
é tão importante como se pensava.
Está a
ver o que é que se consegue quando se consegue o protagonismo
e se vai para ali fora, etc, etc, etc. Sim, sim.
Eugénia Cunha
Os Denisovianos não são conhecidos através de fósseis, só são conhecidos através
da ADN. Ou seja, o que há é um dente, um lar
e o afalange proximal. E foi possível retirar de lá a ADN
e desse ADN ver se que nem era Neandertal, nem era Sapiens,
era uma outra espécie. Portanto, quer dizer que há 50 mil anos
havia pelo menos três espécies diferentes. Os Denisovianos, que não têm nome
científico, só têm o nome da gruta, os Neandertais e nós. E
agora prova-se que já Sabíamos cruzamentos entre Neandertais e homens modernos e
agora cruzamentos entre Neandertais e Denisovianos e como a genética evolui bastante,
consegue-se também chegar para trás e ver quem eram os ancestrais desses.
Ou seja, apesar de Denisovianos, Neandertais e homens modernos se encontrarem esporadicamente,
quando nós dizemos que existiam, por exemplo, aqui na Península Ibérica havia
o rio Éber, o rio Jornal Norte e o rio Terçu, não
estavam todos no mesmo sítio, mas volta e meia haviam, assim. Claro.
Mas haviam alguns que cruzavam, outros não, como agora acontece, não
Eugénia Cunha
sim. Há muitas teorias para a origem do homem moderno que têm
vindo a resumir a duas grandes, a origem africana e as origens
multiregionais. A africana já não é tão radical como era, portanto, não
há dúvida que os fósseis mais antigos dos sápianos, dos sábios, homem
anatomicamente moderno, homo sápianus, sápianos são africanos, neste momento os mais antigos
são de Marrocos, com 300 mil anos, Isabel Irude.
Eugénia Cunha
Depois, tudo que era mau, pejorativo, como se a gente quisesse insultar
alguém, ou ser o Neandertal, certo? Ainda hoje, no senso comum, isso
é. Ainda há uma maneira. O astralapiteco ou o Neandertal, na mente
das pessoas,
é sempre
qualquer coisa. Era quase equivalente. Amorrou, ou estúpido, ou qualquer coisa, não
é? E ele tinha uma capacidade cognitiva... Tinha
Eugénia Cunha
Nós continuamos com uma capacidade cognitiva, quer dizer, temos algumas coisas que
não têm paralelo, certo? Agora, que eles conseguiam pintar e que conseguiam...
Já se sabe que as grutas, algumas delas eram da autoria deles.
Tinha, portanto, capacidade de abstração, certo? Que a capacidade de abstração é
impossível de imaginar sem uma linguagem. Não era a nossa linguagem que
estamos aqui a ter hoje, etc, mas isso quer dizer que foram
subestimados, tinham capacidades cognitivas. Agora, não vamos poder saber se tinham as
capacidades que nós temos, não me parece. Mas não terá sido por
isso que eles não vingaram, certo?
Eugénia Cunha
eu acho que tem a ver com o que acontece quando uma
massa populacional grande chega ao pé de outra, que é menor, demograficamente
em desvantagem, e depois traz vírus e bactérias, por exemplo, que os
locais não estão preparados. E, portanto, basta uma taxa de mortalidade diferencial
diferente, pouquinho, só que em algumas gerações uns acabam e outros
continuam. Claro, exatamente.
Essa foi uma das hipóteses que eu apanhei. Eu acho que é
uma das grandes hipóteses. O que é que aconteceu quando chegámos ao
Brasil e etc. Houve sempre uma mortalidade grande, portanto...
José Maria Pimentel
Essa questão da idade do gelo tem piada porque, para mim, Olhando
para isto, um dos puzzles é o facto do homo sapiens, ou
sapiens sapiens, ou como queremos chamar, o homem anatomicamente moderno, ter surgido
em África, eu ia dizer 250, mas pelo visto há 300 mil
anos, ou mais, nós na verdade não sabemos, e ter estado à
espera... Ele não saiu logo. Até há 60 mil anos, estava eu?
Não, agora
Eugénia Cunha
exatamente. Na Indonésia, nas Filipinas. A Indonésia é uma zona muito importante
na evolução humana e que tem desde o Homo Eretus até o
Sapiens, certo? Naturalmente eles não estiveram sempre, sempre, sempre, sempre ali. Alguns
deles, vamos acreditar que só daqui é que se mexiam? Não.
Não, claro que
eu percebo. Os que estavam em algumas ilhas acredito que sim, mas
por exemplo a Ilha das Flores na Indonésia que não era ilha
quando foi habitada, estava presa ao continente, acha o quê? Que não
houve um fluxo contrário? Quando elas... Se fosse uma ilha sim, mas
não era uma ilha, certo? A primeira grande navegação da história da
humanidade é a Austrália, não é?
Eugénia Cunha
Não tem, não, mas estamos a falar do africano-africano mesmo. Mas ali
naquela zona, por exemplo, perto de Israel, do corredor africano, do corno
da África, da Arábia Saudita... Zonas charneiras, se há de ser. Eu
considero Israel, onde estão os Cafzé e o Sekul, que são fósseis
muito importantes, onde estão os primeiros enterramentos conhecidos até hoje como uma
continuidade da Norte África. Percebe? É quase igual. Claro. Percebe? Portanto, essas
pessoas que ali estavam, nesse corredor vamos dizer que não houve uma
entrada por aí também. Claro que houve. As outras pessoas que estavam
ali também entraram. Da mesma maneira que ninguém pensa em Gibraltar como
um corredor, deve ter sido, mas muito difícil de passar porque ainda
hoje é, certo? Ninguém faz uma travessia de Gibraltar. É difícil, as
correntes são contra, mas entraram. Porque acha que não houve ninguém do
Norte de África que entrasse para a Península Ibérica? Claro que houve.
Claro que houve. Há coisas que nós não podemos é prová-las. Assim,
olha, está a ver aqui? Um dia a genética vai mostrá-lo. Certo?
Eugénia Cunha
O continente americano é a última a ser. Há uma grande polémica
sobre quando. Eu trabalho muito no Brasil e penso que poderá ser
o Brasil a dar os fósseis mais antigos, mas ainda estamos para
ver as datações e essas coisas todas. Mas pode ter sido... Costa
de Marfim, Salvador, é... Ou Recife... É Recife, não é? Desculpa, é
Recife. É a distância mais curta, são 500 km. Não me diga
que isso não é possível fazer em períodos em que os níveis
médios das águas do mar estejam mais baixos. É, certo. Mas pode
ter sido feito por mar, ou seja, desde a América do Norte,
pela costa até cá baixo, está a ver? Ou pode ter sido
pelo outro lado, pela costa da Califórnia, de onde eu vim agora,
pelo outro lado, percebe? Portanto, temos aqui várias hipóteses. Claro. Agora, as
massas continentais não tiveram sempre a mesma posição. E a deriva dos
continentes continua, não é?
Eugénia Cunha
É a mais antiga. Então, esses fósseis norte-americanos, quando estudados, se é
que deixam, que agora está-se aí um bocado fundamentalista, nem tudo pode
ser estudado, o contributo genético é diverso. A alusia, que é 11.500
anos, tem africano e europeu. Há outros que têm claramente asiático e
europeu. Portanto, quer dizer que já entram de várias maneiras e já
diversos. Exato. Que é interessante. Pois,
Eugénia Cunha
Há alguma descontinuidade, ou seja, as peças arqueológicas mais antigas do mundo,
modernas, são africanas. Está difícil isso, percebe? Depois de argumentar isso. Há
os primeiros habitantes às portas da Europa que é de Manisi, na
Geórgia, que têm 1, 8 milhões de anos, têm, estamos a falar,
da outra primeira saída, 600
centímetros
cúbicos, de 500, 600, alguns.
Eugénia Cunha
sim. Sim, mas isso é um raciocínio lógico, certo? É difícil desmontar
isso, certo? Sim. Agora, o que eu queria dizer é que o
comportamento moderno que estava dependente, que está, naturalmente está, estamos todos dependentes
do cérebro, que é o órgão mais complexo do universo, do cérebro,
o comportamento moderno mais antigo do mundo está em África. As provas
do comportamento moderno mais antigo, certo? E antes de sair, produziram-se ali.
E depois então, agora não vou dizer que os... Mas os Neandertais
afinal também já pintavam grutas, não é? E por isso, depois, quando
saem, já encontram pessoas com, como é que eu ia te chamar,
culturas diferentes, não sei, e eventualmente outra espécie, e agora já ninguém
discute essa coisa, se era a mesma espécie, se era uma espécie
diferente, que também eu acho que não é relevante.
José Maria Pimentel
Mas uma outra tena era essa, era vamos pegar o nosso ramo
e andar para trás. Sim. O salto do galho, bem que nós
estamos para o galho ligeiramente mais grosso, não se deu, não foi
um belo dia em que houve aquele salto, aquilo é um contínuo.
E nós olhando, por exemplo, olhando para o Homo Sapiens para nós,
com o atraso é que nós podíamos ir no tempo até apanhar
o... Até nascer um bebê Homo Sapiens, por exemplo, e ele seria
absolutamente igual a nós, não haveria diferença nenhuma se ele fosse transplantado
para o mundo moderno. Há 100 mil, ou estáis 300... Era? Acho
que
Eugénia Cunha
Aqui há várias coisas. Primeiro, não houve só uma tentativa para o
Homo sapiens, ou uma tentativa para o bipedismo, ou uma tentativa para
o desenvolvimento cerebral, nada disso. Há muitas tentativas e algumas delas falharam.
Ou seja, não houve só um caminho para ficarmos bipedistas, não houve
só um caminho para tudo que conseguimos. Houve várias pessoas a tentarem,
ou várias, não quero chamar pessoas, houve várias tentativas, algumas que abortaram
e outras foram bem-sucedidas. Não houve só um caminho, toda a gente
seguiu o mesmo caminho. Provavelmente chegámos lá de várias maneiras, uns melhor,
outros piores e outros caminhos que não deram mesmo em nada. Isso
é uma coisa importante. Depois, aquilo que me estava a falar, o
ritmo de crescimento moderno, como o nosso, um bebê que nasce com
uma altricialidade secundária, ou seja, uma enorme dependência dos produtores a ponto
de não sobreviver se não tiver com a cabeça no limite de
compatibilidade fetopélgica, ou seja, o parto imensamente difícil porque a cabeça tem
que continuar a crescer cá fora, portanto o cérebro cresce quando? Durante
os nove meses de gestação e durante os 12, cresce sobretudo, e
durante o primeiro ano de vida, 21 meses, certo? E aí, portanto,
estava a perguntar desde quando é que isso acontece? É a sua
pergunta? Sim, está contigo a pergunta, sim. Isso é que é um
bebê moderno. Exato. É ter um ritmo de crescimento moderno. Porque depois,
repare, quando chega aos 8 anos já tem praticamente 10 anos o
cérebro de tamanho adulto. Não cresce como o nosso corpo. Claro. O
nosso corpo cresce na... Sim? O nosso corpo cresce na adolescência e
o nosso cérebro já está mais que crescido na adolescência. Por isso
é que os bebés têm a cabeça grande. Estavam a perguntar isso.
Desde quando é que isso acontece? O primeiro hominíneo que tem um
ritmo de crescimento mais parecido connosco é o ereto. Mas não é
o nosso ritmo de crescimento. Começa a viver mais devagar. Começa a
ter uma agitação mais prolongada. Começa a ter uma infância mais prolongada.
Um desmame mais prolongado. Que vai culminar tudo isso com uma maior
longevidade, certo? Mas ainda não somos nós. Essa pergunta tem uma resposta
difícil, mas eu acho que há 300, 400 mil anos, acho que
sim. Agora, essa coisa do transplantado leva-me para a biologia sintética e
para outras... Transplantar no
Eugénia Cunha
Claro que sim. Sabia que agora a presença de neandertais denisovianos numa
gruta, um dos últimos artigos, não sei se este ano ou do
ano passado, já não me lembro, não encontraram nada de fósseis deles,
não. Foi mesmo nas paredes encontraram ADN da presença deles lá. Portanto,
como já se conhece o ADN dessas espécies, agora já é possível
procurar se esteve lá ou não. É interessantíssimo, não é?
Engraçado, sim.
Portanto, há de facto descobertas que nós não conheciamos. Há
José Maria Pimentel
há. Não, claro que não, porque é que eu disse que era
uma pergunta mal dita. Acredito que já alguém a tentou. Havia uns
mitos dos cientistas. É sempre com cientista soviético isso. Sim, sempre, sempre.
Envolve sempre cientista soviético. Os chineses, agora também. Agora os chineses, pois.
Bom, mas voltando para encerrar o capítulo da saída da África, ainda
há um outro ponto interessante disso, outra hipótese que tem que ver
com aquela minidade do gelo e um período em que, supostamente, a
ser verdade esta tese, a nossa população tinha diminuído brutalmente e isto
imediatamente pelo limiar da saída da África. Da segunda saída da África?
Da segunda, estamos a falar sempre da segunda homo sapiens, não é?
Sim, da segunda. Sim, da segunda. E que quase provocou a extinção
e que houve números como
Eugénia Cunha
um esquimó. E um nórdico. Sim. Lá, pronto. Há mais diferenças, não
é? Portanto, o Stephen Jay Gould, eu uso sempre isso, do Polgar
do Panda, que é um livro que eu gosto muito ainda, apesar
de já ser falado, 82, falado quando é que é esse livro?
Não, dá imenso tempo, não sei quando é que é esse livro.
77, 82, por aí.
Eugénia Cunha
Porquê que isso aconteceu? Agora, como eu disse, a genética tem uma
evolução fantástica e consegue fazer, está a conseguir, estudos muito difíceis que
é tentar ver qual é a modificação da variabilidade. Acho que foi
Martin, alguém... Não, não é Martin, é outro. Martin foi quem escreveu
na Nature sobre isso, agora, sobre isso. Ver qual é a diferença
nas últimas duas, três gerações. Isso é muito difícil de ver. Porquê?
Porque nós não conseguimos acompanhar duas, três gerações, por motivos óbvios da
nossa longevidade limitada. É um estudo longitudinal, entende?
Eugénia Cunha
A evolução não abrandou, não. O cérebro pode ter diminuído um bocadinho,
há coisas que estão mesmo diferentes, mas em termos de genética, a
engenharia genética, a genómica, etc., têm vindo a mostrar, portanto, têm vindo
a tentar fazer estudos dos últimos 30 a 60 anos, que é
muito interessante verificar, o que é difícil é termos resultados no nosso
período, percebe o que eu quero
José Maria Pimentel
Agora está na moda, mas nós vemos que, por exemplo, nos países
nórdicos não há praticamente intolerância à lactose, ou não havia, agora se
calhar já há alguma, e se fomos para a China, por exemplo,
quase toda a gente tem intolerância à lactose porque eles não produziam,
historicamente, produtos derivados do leite.
Isso é muito interessante.
Tem muita piada. Aliás, a história disso tem uma séria graça, uma
vez apanhei uma coisa sobre isso, que era Nós, algures na evolução,
não na nossa, muito atrás disso, há uma seleção natural a favor
da intolerância à lactose dos adultos para proteger as crias, porque senão
as pessoas não chegavam à adultos. É uma hipótese. Ou pelo menos
é uma hipótese. É Uma hipótese, sim. Ou seja, houve essa evolução
e depois nós revertemos essa evolução quase artificialmente com a agricultura. E
depois
José Maria Pimentel
Sim. Aliás, essa é outra... Agora fazendo aqui, vou fazer um atalho,
mas esse ponto é giro, embora seja... Já não é bem biológico,
mas mantém-se na esfera da evolução, que há uma tese que eu
acho que é relativamente consensual, pelo menos é razoável, de que, embora
isto justificasse esse abrandamento da evolução, é no fundo a tese de
que, a partir do momento em que o cérebro se desenvolveu e
nós fomos capazes de criar cultura, cultura humana, ou seja, a
Eugénia Cunha
porque não nos sofremos em quase nada. Sim, sim, eu sei. Eu
entendo isso, mas não nos especializamos na sobrevivência, porque não precisamos, mas
especializamos noutras coisas, puxamos pelos neurônios e são mecanismos retroativos.
Se tivéssemos
agora aqui, pronto, temos a certeza que sobrevivemos, não temos nada para
fazer, não, fazemos muitas outras coisas, certo? Claro, sim. Entende? Portanto, isso
aplica, Se fosse só uma questão de comer, dormir e mais nada,
mas nós felizmente conseguimos desenvolver inteligência muito para além, não é? Claro,
sim. Mas provavelmente
Eugénia Cunha
Pois. Está muito centrado nesse. Isso tem tudo a ver com uma
estratégia evolutiva, com uma estratégia forrageadora, como eu costumo dizer, quer dizer,
para encontrar a comida. Recoletor, não é? Recoletor, exatamente. Porque para ir
buscar o alimento, precisamos dele para nutrir o quê? Precisamos dele, sobretudo,
para nutrir o órgão mais caro do nosso corpo, qual é?
Eugénia Cunha
teoria que explique completamente o bipedismo. Estamos a falar que a energética
do bipedismo e a termorregulação são duas das teorias, quando juntas, que
mais explicam porque é que nos tornámos bípedes. Foi isso que estivemos
a dizer.
Exatamente. Certo. E
agora, se houve outras vantagens, sim, o carregar, quer as crias, quer
os alimentos,
sim, a
visão, que é maior, um maior campo de visão, sei lá, temos
várias. Mas não venho a dizer que foi por causa disso que
se tornámos bípedos, não, mas depois houve ali várias
José Maria Pimentel
Se nós construíssemos uma girafa de raiz, não faríamos um animal com
aquele pescoço ultra longo, não é? Aquilo mostra que ele foi gradual,
o pescoço foi esticando, esticando, esticando, até... Esticando, se alvo seja, não
é como... Como é que se chamava o... Lamarck. Não é como
Lamarck, exatamente, esticando, se alvo seja. Mas é... Estamos a dizer isto
por causa do tinkering? Estávamos a falar do parto, era a questão
do parto, exatamente. O que eu apanhei em relação ao parto, era
que havia essa tese clássica do parto ter sido dificuldade e ter
se tornado mais prematuro por nós sermos eretos e termos o cérebro
grande. Mas o que eu apanhei, isto é um artigo da BBC,
estou a vender pelo preço porque comprei, era que havia várias investigações
que mostravam que isso estava muito longe de ser a história toda
e que, por exemplo, havia indícios de que o parto, quando nós
éramos caçadores-reletores, ou seja, pré-revolução agrícola, era muito mais fácil do que
é agora. Não havia essas dificuldades. Hoje em dia, com toda a
tecnologia que nós temos, continua a ser uma coisa muito difícil. Na
Idade Média ou na Antiguidade morriam como tortos, era incrível, não
José Maria Pimentel
seja, a tese basicamente simplificando é nós, pós revolução agrícola, começámos a
comer muito mais hidratos de carbono com os amidos, com tudo que
seja massa, trigo, arroz, que no fundo são plantas que nós domesticamos
com muito amido. Essa dieta da mãe, da progenitora, faz com que
o próprio bebê aumente de tamanho e com que torne mais difícil
a saída pelo canal
de nascimento. Sim, sim, sim.
É uma tese gira, é uma tese interessante. Exatamente. Mas é isso
José Maria Pimentel
Claro, e é sempre... Tudo isto é parcelar. Antes de passarmos à
nossa última rubrica da recomendação do livro, havia ainda um... Quer dizer,
havia muito mais coisas, obviamente, mas havia um ponto ainda interessante, que
nós só tocámos ao de leve, que é a questão do cérebro,
e que está relacionado, provavelmente, com o bipedismo, provavelmente também estará relacionado
com a descoberta do fogo. Sim,
Eugénia Cunha
Cooking hypothesis, está provável. Não, não dou. Eu falo sempre disso, ele
é muito eloquente quando fala e tem livros bons, faz um grande
negócio com os livros todos que faz, mas também, acho que também
escreve algumas coisas engraçadas. O fogo veio permitir cozinhar os alimentos, veio
permitir diminuir as toxinas, coisas que nós não tínhamos proteção natural vai
permitir diminuir os forços da mastigação vai permitir diminuir toda esta zona
central da face portanto, diminuindo a face, aumento da...
Eugénia Cunha
Exatamente, sim. Tem um mecanismo, que não sei explicar, que acho que
é distinto. Mas isso tudo tem a ver com a maior mobilidade,
que eles também são muito móveis, não é? Mas pronto, eles podem
ter ciclos vitais relativamente pequenos. Os ciclos vitais são as áreas que
eles se deslocam sempre e conhecem
sempre, não
é? Nós podemos fazer mais. E isso sempre se associou à primeira
saída da África, à perda da cobertura pilosa, ao aparecimento das gândas
sudoríparas como as nossas, isso tudo que é muito difícil de provar.
Claro, claro.
Mais uma vez. E a
José Maria Pimentel
Sim, não, é um encontro, é um encontro, não é preciso. Sim,
é fácil. Ok, obrigadíssimo, foi uma ótima conversa. Espero que tenham gostado
do episódio. Queria aproveitar para vos pedir um favor. Vai fazer um
ano desde que lancei o 45 Graus e ao longo destes 12
meses tenho, felizmente, tido cada vez mais ouvintes e o número de
pessoas a darem feedback e a fazerem sugestões tem também vindo a
aumentar. Mas por muito útil que seja o feedback individual, e é
o muito, fico sempre na dúvida sobre se será uma amostra representativa
da totalidade dos meus ouvintes. Por isso queria pedir-vos um favor. Deixo
na descrição deste episódio o link para um inquérito. Ficava-me muito agradecido
se pudessem responder. São 6 perguntas, demoram 3, 4 minutos a responder
e nem precisam de responder a todas, só há aquelas a que
vos apetecer. Muito obrigado por participarem e por me ajudarem a perceber
o que vai na cabeça de quem ouve desse lado. E por
falarem em agradecer, obrigado a quem tem apoiado no Patreon, em particular
ao Gustavo Pimenta, ao João Vítor Baltazar, ao Salvador Cunha, à Aina
Mateus, ao Ricardo Santos, ao Nelson Teodoro e ao Paulo Ferreira. Até
ao próximo episódio. Legendas pela comunidade Amara.org