#32 Eugénia Cunha - “Como nos tornámos Humanos?”

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José Maria Pimentel
Bem-vindos. Eugénia Cunha é a convidada deste episódio. A convidada é professora catedrática de Antropologia Biológica na Universidade de Coimbra e desde há um mês é diretora do Instituto de Medicina Legal de Lisboa. Tornou-se conhecida, nos últimos anos, sobretudo pela sua atividade na esfera da antropologia forense. Uma área que se presta muito à atualidade noticiosa, seja quando se tenta resolver crimes antigos, seja quando se faz, Por exemplo, o levantamento de restos mortais de personagens históricas. Mas não foi sobre isso que falámos. A outra área de especialização da convidada é, na minha opinião, ainda mais interessante. Trata-se da evolução humana. Foi então para falar sobre isso que a convidei à boleia do livro que publicou há alguns anos chamado Como nos Tornámos Humanos. A Psicologia Evolutiva, como se lembram, já foi falada no podcast, aliás é mais do que um episódio, e aliás ainda hei de voltar a esse tema no podcast, mas desta vez quis mesmo ir às raízes do problema, isto é, até à Biologia, e responder a perguntas como, por exemplo, como surgiu o Homo Sapiens, com que outras espécies humanas convivemos, porque é que andamos eretos e temos um cérebro grande, por exemplo, entre outras várias outras perguntas. Espero que gostem. Pronto, e como lhe estava a dizer há pouco, este tema da introdução humana é um tema que eu acho muita piada, mas nem sempre achei. Quando me lembro de ser miúdo e aprender isto na escola, até achava um tema um bocado árido, porque era dado daquela forma um bocadinho... Não é dado? Continua a ser dado, provavelmente. Não é dado. Como?
Eugénia Cunha
É muito mal dado.
José Maria Pimentel
Não é dado quase. Sim, superficialmente.
Eugénia Cunha
E passam algumas ideias preconcebidas que não estão corretas. Depois as pessoas chegam à universidade e aquelas que querem estudar evolução humana têm algumas delas com ideias erradas. E que é difícil de abandonarem.
José Maria Pimentel
Pois, imagino que sim. Sim,
Eugénia Cunha
que é difícil de abandonarem.
José Maria Pimentel
O tema tem uma imensa piada, porque tem uma... Eu acho... Daquilo que eu me lembro, a maneira como ela era dada, era dessa maneira um bocado árida, que era quase uma sequenciação dos vários tipos. Sim, Como
Eugénia Cunha
se houvesse uma sequência unilinear, este viveu para dar origem àquele, aquele viveu para dar origem àquele e a evolução não é finalista. E nada, ninguém viveu para que nós vivessemos. Certo? É como se fosse um arbusto, uma árvore muito ramificada e nós somos um deles. Lá estamos.
José Maria Pimentel
E os outros, só conhecemos alguns. E o que tem piada é o que está... Pelo menos, na minha opinião, aquilo que é engraçado nisto é a pessoa perceber a evolução humana no contexto geral da evolução e daí percebe-se como é que a evolução funciona, mesmo assim sobra imensos mistérios e depois perceber o impacto que isso tem sobre nós hoje em dia, entre outras coisas o facto de nós termos um monte de características que estão desajustadas porque vêm dessa evolução. Isto é uma área, entre outras coisas, que eu acho que para a maior parte das pessoas há a noção de que é uma área com conhecimento mais ou menos cristalizado, mas a verdade é que se tem-se havido imensas coisas nos últimos anos.
Eugénia Cunha
Não está sempre a mudar, não há conhecimento cristalizado, o grande problema é mesmo esse. Uma nova descoberta ou uma reanálise de uma descoberta feita anteriormente pode mudar tudo. E, portanto, tem que haver uma grande flexibilidade e não dizer que as coisas estão perfeitamente estabelecidas, é assim, é assim, é assim e ter que assumir também que há muitas coisas que nós não sabemos, nós só vamos ter acesso sempre a uma pequena parte das pessoas que viveram do nosso passado, portanto nunca vamos ter acesso ao puzzle todo, às peças todas. Estamos a lidar com um puzzle em que vamos encontrando peças. Essas peças podem ser fósseis, podem ser aquilo que as pessoas pensam mais que os fósseis são só ossos, mas não é verdade, não é? Nem todos os ossos são fósseis, nem todos os fósseis são ossos e muitas dessas peças nós jogamos que encaixam e depois aparece outra e nós vamos lá e afinal era no lugar onde estava aquela tem que se tirar aquela e pôr lá. E por isso não é. E depois aqui na evolução humana Há, por parte de alguns, uma grande sede de protagonismo e há aquela coisa, vamos anunciar o mais antigo, o primeiro, o primeiro enterramento, o não sei o quê... E à custa disso às vezes anunciam-se coisas que não são verdade. E depois... Formas temporárias. Sim, ainda agora na África do Sul, houve agora, quer dizer, ano passado, há dois anos, não este ano, descobertas que afinal não são tão importantes, mas não são de modo algum tão importantes
José Maria Pimentel
como se diziam. Ah, eu acho que apanhei isso, sim. Una Lady. Exatamente, exatamente, que eles achavam que era uma espécie muito mais antiga e na
Eugénia Cunha
verdade… Apesar de nada, publicaram uma espécie sem datação, que é uma coisa absolutamente incrível, porque se nós aqui encontrávamos qualquer coisa e queríamos publicá-la sem datação, no way, completamente impossível, nenhuma revista ia aceitar isso. Aceitaram. E depois eram 2, 5 milhões de anos. Afinal, para há 250 mil anos. É isso aí. É completamente... O ter 2.500 milhões de euros ou 2.250 mil é completamente
José Maria Pimentel
diferente, certo? Claro. E aqui é quase exponencial essa diferença, nem sequer é a linha. É enorme. Por acaso é engraçado porque Eu apanhei um podcast, um documentário de National Geographic, se sabe o erro.
Eugénia Cunha
Sim, deu, deu, de Quase-Humanos.
José Maria Pimentel
Exatamente, mas se é o mesmo documentário, ele no fim não explica... Não
Eugénia Cunha
explica porque o artigo original não explica.
José Maria Pimentel
E o documentário foi feito quando ainda não sabia, provavelmente. O que descobriu,
Eugénia Cunha
é o Lieberger, que está relacionado com essa descoberta e com uma outra descoberta do Australopithecus Sediba, que é a última Australopithecus a ser descoberto foi considerado pela Forbes, uma das... O ano passado, há dois anos, também já não tem em ação, uma das 50 pessoas mais influentes do mundo, como é que é possível? E nenhuma dessas descobertas é tão importante como se pensava. Está a ver o que é que se consegue quando se consegue o protagonismo e se vai para ali fora, etc, etc, etc. Sim, sim.
José Maria Pimentel
É um bocado aquela caça às fósseis do século XIX, não é?
Eugénia Cunha
Sim, de alguma maneira ainda há pessoas que continuam assim, não é? Sim. Sem dúvida. Isso
José Maria Pimentel
é giro, mas eu apanhei uma notícia, aliás foi uma amiga que me mandou, depois eu lhe tinha falado desta conversa, uma notícia muito recente, agora há dois ou três dias, sobre o primeiro fóssil de um cruzamento entre o Neandertal
Eugénia Cunha
e o... Sim, não é? Não, Denisoviano e o Neandertal. Portanto, não temos dúvida que convivemos com os Neandertais e com os Denisovianos. Denisovianos viveram na gruta de Denisova, na Sibéria. Da Rússia, exato. Exatamente, na Rússia.
José Maria Pimentel
Só que seja.
Eugénia Cunha
Os Denisovianos não são conhecidos através de fósseis, só são conhecidos através da ADN. Ou seja, o que há é um dente, um lar e o afalange proximal. E foi possível retirar de lá a ADN e desse ADN ver se que nem era Neandertal, nem era Sapiens, era uma outra espécie. Portanto, quer dizer que há 50 mil anos havia pelo menos três espécies diferentes. Os Denisovianos, que não têm nome científico, só têm o nome da gruta, os Neandertais e nós. E agora prova-se que já Sabíamos cruzamentos entre Neandertais e homens modernos e agora cruzamentos entre Neandertais e Denisovianos e como a genética evolui bastante, consegue-se também chegar para trás e ver quem eram os ancestrais desses. Ou seja, apesar de Denisovianos, Neandertais e homens modernos se encontrarem esporadicamente, quando nós dizemos que existiam, por exemplo, aqui na Península Ibérica havia o rio Éber, o rio Jornal Norte e o rio Terçu, não estavam todos no mesmo sítio, mas volta e meia haviam, assim. Claro. Mas haviam alguns que cruzavam, outros não, como agora acontece, não
José Maria Pimentel
é? Exato.
Eugénia Cunha
E, portanto, esses cruzamentos, agora consegue-se provar que aconteceram. Mas nós... Entre esses três havia todo o tipo de cruzamentos. Claro. Rádicos, mas existiam.
José Maria Pimentel
Nós provavelmente temos sangue denisoviano também.
Eugénia Cunha
Nós temos 4% dos entros neandertais. Ainda não vi nenhum estudo que dissesse alguma coisa sobre a percentagem genética dos denisovianos, mas eventualmente sim. Nós, europeus, os africanos não têm nada dos neandertais. Pois
José Maria Pimentel
não, pois não, sim, exatamente. Os
Eugénia Cunha
neandertais nunca lá chegaram, certo?
José Maria Pimentel
O que, entre outras coisas, permite perceber onde é que eles andaram, não é? Permite validar a hipótese. Sim, Então, eles
Eugénia Cunha
nasceram na Europa, sem dúvida, e depois expandiram-se para o Ocimo Oriente, no Sequistão, por aí fora, Israel, Iraque, mas muito mais do que
José Maria Pimentel
isso. Há aqui uma série de dúvidas que eu tenho em relação a tudo isto. Já agora, para explicar até para quem nos está a ouvir, os tantos neandertais como os danisovianos desenvolveram-se na Europa, vindos de... Sim,
Eugénia Cunha
sim, de sítios diferentes. Sítios diferentes. Nós sempre sabemos muito pouco dos danisovianos, atenção, sério.
José Maria Pimentel
Pois é, uma gruta, basicamente, sim.
Eugénia Cunha
Não, estamos a falar de uma espécie que só é conhecida através dos seus dados genéticos não tem qualquer dado da sua caracterização morfológica onde vou dizer se era robusto, se não era robusto, se tinha arcada por superciliar desta maneira ou daquela não sabemos.
José Maria Pimentel
Sim, não fazemos a mínima ideia do aspecto, exatamente.
Eugénia Cunha
Podemos Saber através da genética, a cor da pele, a cor dos olhos, essas coisas todas é possível, mas outras características não.
José Maria Pimentel
Claro. E os... Em África, entretanto...
Eugénia Cunha
Sim, a evolução continuava no sentido do homem moderno, os primeiros homens modernos estão
José Maria Pimentel
lá. E nós descendemos todos desses à partida do homem que veio da África, até há uma dúvida em relação a isso. Sim,
Eugénia Cunha
sim. Há muitas teorias para a origem do homem moderno que têm vindo a resumir a duas grandes, a origem africana e as origens multiregionais. A africana já não é tão radical como era, portanto, não há dúvida que os fósseis mais antigos dos sápianos, dos sábios, homem anatomicamente moderno, homo sápianus, sápianos são africanos, neste momento os mais antigos são de Marrocos, com 300 mil anos, Isabel Irude.
José Maria Pimentel
300 mil?
Eugénia Cunha
300 mil, já está bem.
José Maria Pimentel
E daí que era 250, já está bem 300. Já temos mais de 50.
Eugénia Cunha
Depois passou para 190, depois passou para, assim, já há cerca de 300. A África Oriental continua a ser o mais forte candidato para a origem do homem E depois saíram, a segunda grande saída da África, saem da África, já tinham saído, o Amorete já tinha saído. Exatamente. Depois
José Maria Pimentel
da origem União de Artela.
Eugénia Cunha
Sim, não diretamente, mas sim. Então, quando saem vão encontrar alguns tipos de habitados e outros não. Os que já estavam habitados, naturalmente houve cruzamentos. E quando chegam à Europa, encontram os denisovianos e os... Nendertais. Eu não digo, claro, denisovianos na Europa não. Denisovianos lá na Denisova.
José Maria Pimentel
Mas na verdade não sabemos, não é? Sim, sim, sim. Pode haver mais. Pode haver, pode haver, claro, claro. A própria distribuição pode ser diferente. Os neandertais, bem, acho que hoje em dia já está completamente posto em casa. Foram
Eugénia Cunha
as ovelhas arranhadas da evolução humana. Exatamente. Foram mal... Catalogados, não é? Não, foram mal interpretados. Um dos primeiros fósseis descobertos há muito tempo, finais do século XIX, início do século XX, a reconstituição foi mal feita. E então surgiu uma figura quase sem pescoço, toda assim, toda
José Maria Pimentel
inclinada, como se fosse estúpido.
Eugénia Cunha
Depois, tudo que era mau, pejorativo, como se a gente quisesse insultar alguém, ou ser o Neandertal, certo? Ainda hoje, no senso comum, isso é. Ainda há uma maneira. O astralapiteco ou o Neandertal, na mente das pessoas, é sempre qualquer coisa. Era quase equivalente. Amorrou, ou estúpido, ou qualquer coisa, não é? E ele tinha uma capacidade cognitiva... Tinha
José Maria Pimentel
uma massa craniana até maior do que a nossa, não é?
Eugénia Cunha
Sim, mas o tamanho nem sempre... Claro, claro, eu sei. A capacidade craniana é mais pequena do que a nossa.
José Maria Pimentel
Não sabemos, no caso deles não sabemos se eram mais inteligentes ou menos, no fundo.
Eugénia Cunha
Nós continuamos com uma capacidade cognitiva, quer dizer, temos algumas coisas que não têm paralelo, certo? Agora, que eles conseguiam pintar e que conseguiam... Já se sabe que as grutas, algumas delas eram da autoria deles. Tinha, portanto, capacidade de abstração, certo? Que a capacidade de abstração é impossível de imaginar sem uma linguagem. Não era a nossa linguagem que estamos aqui a ter hoje, etc, mas isso quer dizer que foram subestimados, tinham capacidades cognitivas. Agora, não vamos poder saber se tinham as capacidades que nós temos, não me parece. Mas não terá sido por isso que eles não vingaram, certo?
José Maria Pimentel
Aliás, é que não se sabe muito bem porque é que eles não vingaram, há várias hipóteses. Não,
Eugénia Cunha
eu acho que tem a ver com o que acontece quando uma massa populacional grande chega ao pé de outra, que é menor, demograficamente em desvantagem, e depois traz vírus e bactérias, por exemplo, que os locais não estão preparados. E, portanto, basta uma taxa de mortalidade diferencial diferente, pouquinho, só que em algumas gerações uns acabam e outros continuam. Claro, exatamente. Essa foi uma das hipóteses que eu apanhei. Eu acho que é uma das grandes hipóteses. O que é que aconteceu quando chegámos ao Brasil e etc. Houve sempre uma mortalidade grande, portanto...
José Maria Pimentel
Claro, quer dizer, pode acontecer isso... O que é
Eugénia Cunha
que nos acontece se nós não fomos vacinados e fomos para a África?
José Maria Pimentel
Claro que sim, mas a minha dúvida seria porquê que não aconteceria ao contrário? Porquê que não seriam os imigrantes
Eugénia Cunha
a tramar-se? Sim, sim, mas aqui parece que quem se tramou foram os outros e depois porquê? Porque poderá ter havido uma alteração climática que também ditou o fim deles, não é? Porque não estavam suficientemente adaptados para eles, eram adaptados mais ao frio. Portanto, aí houve um conjunto de fatores que depois se cruzaram. Não acredito que haja só uma teoria que possa explicar cabalmente o desaparecimento.
José Maria Pimentel
Ou seja, não foi propriamente um confronto entre ambos? Sim,
Eugénia Cunha
tínhamos que encontrar muitos coletes com provas de confronto. Sim,
José Maria Pimentel
era pouco provável.
Eugénia Cunha
Isso acho pouco provável mesmo. Porque é que havia de haver confronto? Havia muito espaço para viver.
José Maria Pimentel
Claro, sobretudo havia muito espaço, podia haver uma absorção.
Eugénia Cunha
Espaço e havia recursos também. Nem sempre, mas sim. Éramos nómadas, caçadores-recoletores, e provavelmente teríamos competido pelo mesmo, certo? Mas não era a densidade demográfica de agora.
José Maria Pimentel
Essa questão da idade do gelo tem piada porque, para mim, Olhando para isto, um dos puzzles é o facto do homo sapiens, ou sapiens sapiens, ou como queremos chamar, o homem anatomicamente moderno, ter surgido em África, eu ia dizer 250, mas pelo visto há 300 mil anos, ou mais, nós na verdade não sabemos, e ter estado à espera... Ele não saiu logo. Até há 60 mil anos, estava eu? Não, agora
Eugénia Cunha
é mais antes. Agora já saiu antes. Já saiu antes? Já saiu antes, já. Pá, é há 150, 100. Ah é?
José Maria Pimentel
Ah, ok. A tua diferença não é assim tão grande. Sim, sim,
Eugénia Cunha
saiu. Teve algum tempo em África sem sair, sim. Mas Atenção que, mais uma vez, recordo que eles eram caçadores-recoletores, nómadas, e bastava moverem-se alguns quilómetros por geração para naturalmente depois serem de África. Não houve nada, vamos embora, vamos migrar, não houve nada disso.
José Maria Pimentel
Mas, quer dizer, não parece isso obviamente, mas parece ser, parece haver uma descontinuidade quase, porque parece haver... Mas lá está, nós estamos a ver uma... Estamos a olhar para trás com uma coisa muito parcelar,
Eugénia Cunha
não é? Estamos a olhar para trás parcelar e estamos sempre muito a fazer o paralelo com o atual, que não deve ser, certo? Porque a África que foi e continua E foi durante muito tempo o continente, mesmo depois do Out of Africa 2, o continente com maior densidade demográfica. A África não é abandonada, não fica desabitada. Claro que não, sim. E os que estavam fora também entram. Acho que as pessoas só vêem assim, não é? Mas há movimentos nos dois sentidos E o que foi muito descurado.
José Maria Pimentel
Há um movimento dos dois sentidos? Ou seja, há neandertais, por exemplo, que... Neandertais
Eugénia Cunha
não, mas na Ásia, por exemplo, o correspondente aos neandertais, também não há neandertais na Ásia. Quer dizer, na China...
José Maria Pimentel
No Extremo Oriente. Pronto,
Eugénia Cunha
exatamente. Na Indonésia, nas Filipinas. A Indonésia é uma zona muito importante na evolução humana e que tem desde o Homo Eretus até o Sapiens, certo? Naturalmente eles não estiveram sempre, sempre, sempre, sempre ali. Alguns deles, vamos acreditar que só daqui é que se mexiam? Não. Não, claro que eu percebo. Os que estavam em algumas ilhas acredito que sim, mas por exemplo a Ilha das Flores na Indonésia que não era ilha quando foi habitada, estava presa ao continente, acha o quê? Que não houve um fluxo contrário? Quando elas... Se fosse uma ilha sim, mas não era uma ilha, certo? A primeira grande navegação da história da humanidade é a Austrália, não é?
José Maria Pimentel
Certo. Eu estou a perguntar isto só pelo seguinte, que claro que tudo isto vai e vem, não é? Mas a ideia que eu tinha era que... Aliás, falámos disso há pouco até, que os descendentes de africanos não têm ADN Neandertal ao contrário dos europeus, não é?
Eugénia Cunha
Não tem, não, mas estamos a falar do africano-africano mesmo. Mas ali naquela zona, por exemplo, perto de Israel, do corredor africano, do corno da África, da Arábia Saudita... Zonas charneiras, se há de ser. Eu considero Israel, onde estão os Cafzé e o Sekul, que são fósseis muito importantes, onde estão os primeiros enterramentos conhecidos até hoje como uma continuidade da Norte África. Percebe? É quase igual. Claro. Percebe? Portanto, essas pessoas que ali estavam, nesse corredor vamos dizer que não houve uma entrada por aí também. Claro que houve. As outras pessoas que estavam ali também entraram. Da mesma maneira que ninguém pensa em Gibraltar como um corredor, deve ter sido, mas muito difícil de passar porque ainda hoje é, certo? Ninguém faz uma travessia de Gibraltar. É difícil, as correntes são contra, mas entraram. Porque acha que não houve ninguém do Norte de África que entrasse para a Península Ibérica? Claro que houve. Claro que houve. Há coisas que nós não podemos é prová-las. Assim, olha, está a ver aqui? Um dia a genética vai mostrá-lo. Certo?
José Maria Pimentel
Não, mas isso não me custa nada acreditar. Aquilo que me surpreende, o que não quer dizer que não seja fácil de explicar, é aquilo que me parecia ser uma rapidez da saída da África, porque em poucas dezenas de milhares de anos, o que não é, obviamente, muito pouco tempo, mas evolutivamente é, eles vão parar à Austrália e vão parar ao continente
Eugénia Cunha
americano, o que é incrível. Não é por acaso que os primeiros homens modernos chegam primeiro à Austrália do que à Europa. A Austrália não estava habitada e a Europa estava. Ah, sim? 60 mil mais ou menos para a Austrália e neste momento, enquanto é que vai à Europa,
José Maria Pimentel
45 mil. Engraçado. Quer dizer, pelo menos pelos fósseis que
Eugénia Cunha
temos, claro. A ausência de evidência não é evidência da ausência. Exatamente. Isto aplica-se a tudo, mas sobremaneira à evolução. Certo? Isso não há dúvida. O facto de não termos descoberto não quer dizer que eles não tenham existido. Pode estar por descobrir. Mas
José Maria Pimentel
é engraçado, quer dizer, como é que... Vamos admitir, pelo menos, que foram contemporâneos. Ou seja, a hipótese mais conservadora. É tão mais fácil vir para a Europa do que ir para a Austrália, que exige
Eugénia Cunha
navegação. Sim, mas Não se esqueça que Java, Indonésia já estava habitada. Aliás, houve duas rotas migratórias para Austrália, mas de qualquer maneira aquela zona estava... A China estava habitada, a Indonésia estava habitada, portanto foi uma questão, vamos para ali. Aqueles que ali estavam não podem pensar que foram daqui, que foram para
José Maria Pimentel
ali fora. Claro que sim, claro.
Eugénia Cunha
Estou a dizer que aqueles que ali estavam seguiram para aquela lata.
José Maria Pimentel
Mas a decisão, por exemplo, outra das... Decisão ninguém
Eugénia Cunha
decide. Vamos migrar. Ninguém decidiu. São períodos em que os níveis de águas de mar são mais baixos, e vamos aproveitar as ilhotas ou qualquer coisa, E não é só uma mesma pessoa que faz esse percurso todo, como nós podemos imaginar. Estamos a falar às vezes de gerações. Não sei dizer quantas, nem sei se é uma, não sei.
José Maria Pimentel
Sim, mas é engraçado. É como, por exemplo, a passagem para o continente americano, que é feita durante essa minidade do gelo, mas já no final.
Eugénia Cunha
O continente americano é a última a ser. Há uma grande polémica sobre quando. Eu trabalho muito no Brasil e penso que poderá ser o Brasil a dar os fósseis mais antigos, mas ainda estamos para ver as datações e essas coisas todas. Mas pode ter sido... Costa de Marfim, Salvador, é... Ou Recife... É Recife, não é? Desculpa, é Recife. É a distância mais curta, são 500 km. Não me diga que isso não é possível fazer em períodos em que os níveis médios das águas do mar estejam mais baixos. É, certo. Mas pode ter sido feito por mar, ou seja, desde a América do Norte, pela costa até cá baixo, está a ver? Ou pode ter sido pelo outro lado, pela costa da Califórnia, de onde eu vim agora, pelo outro lado, percebe? Portanto, temos aqui várias hipóteses. Claro. Agora, as massas continentais não tiveram sempre a mesma posição. E a deriva dos continentes continua, não é?
José Maria Pimentel
Sim, mas nós estamos a falar… Estamos a
Eugénia Cunha
falar de uma altura em que as massas continentais eram parecidas… as posições são parecidas com as dois.
José Maria Pimentel
Quase igual, a América foi há quê?
Eugénia Cunha
A América foi há quanto? 30, 20. Entre 20 e 30. Eu diria 30, mas não há nenhuma prova de 30. Sim, mas não há nenhuma prova de 30. Não, já os primatas é que já é uma coisa muito mais para trás e na altura dos primeiros primatas a América do Norte estava separada da América do Sul. Exatamente.
José Maria Pimentel
Claro, e sim, aí estava diferente. Mas, por exemplo, nós temos ideia, através do ADN, qual foi a massa populacional que passou, não é? Porque é muito diferente passar uma...
Eugénia Cunha
Começa a haver essa ideia, mas eu não sei dizer esses quantitativos que acho que também ninguém pode dizer. Em relação à América, sabe-se que os contributos são de vários grupos populacionais, europeus, asiáticos, africanos, encontra-se já vários. Ah é? Eu digo isto porque, por exemplo... Não há dúvida. A América do Norte não tem fósseis antigos. Os mais antigos têm... Nebraska... 9 mil anos. Não tem mais do que isso. Portanto, a Luzia brasileira tem 11.500 anos, é uma dos fósseis mais antigos da América.
José Maria Pimentel
A altura da revolução agrícola? Sim, 11.500.
Eugénia Cunha
É a mais antiga. Então, esses fósseis norte-americanos, quando estudados, se é que deixam, que agora está-se aí um bocado fundamentalista, nem tudo pode ser estudado, o contributo genético é diverso. A alusia, que é 11.500 anos, tem africano e europeu. Há outros que têm claramente asiático e europeu. Portanto, quer dizer que já entram de várias maneiras e já diversos. Exato. Que é interessante. Pois,
José Maria Pimentel
é interessante o facto.
Eugénia Cunha
A genética diz-nos isso claramente.
José Maria Pimentel
Eu pensando, por exemplo, nessa travessia do Atlântico, que é uma coisa um bocado... Quer dizer, eu só imagino isso feito de uma forma quase fortuita, de uma embarcação perdida que de repente vai parar ao outro lado do... O que veio de repente vai parar ao Brasil, não é? Portanto, isso por si só seria muito dificilmente suficiente, mas isso associado depois a travessias pelo norte do...
Eugénia Cunha
Uma embarcação virtuita e aquilo das ilhotas da areia que existiram, que podem ter permitido a pessoa estar lá, percebe? E depois vai-se passando para outra, percebe? Sem ser uma embarcação virtuita. Também acho que isso pode ter acontecido.
José Maria Pimentel
Gradual? Por geração? Pois é possível.
Eugénia Cunha
Sim, não há uma geração, mas demoram tempo. Não vamos passar daqui a seis meses, estamos no Brasil. Pode ter demorado um bocado mais, pode ter havido condições...
José Maria Pimentel
Ali a corrente até ajuda, como nós sabemos pelo descobrimento, aquilo empurra para o Oeste. Exatamente, sim. É capaz de ter acontecido isso. Mas houve uma hipótese que eu vi, mas não sei a medida que isto colhe para a saída da África, que tinha que ver com uma mutação no cérebro, que no fundo tinha aumentado ainda mais a capacidade cerebral para aquilo que é a nossa atual.
Eugénia Cunha
É aquela coisa do clique cerebral, ou seja, estava tudo pronto mas não havia as sinapses necessárias e depois na altura em que se fazem as intercomunicações, portanto as sinapses, que é a ligação entre neurónios que o cérebro conseguiu produzir muito mais e isso capacitou para sair. Mas isso é uma... Tendo em
José Maria Pimentel
conta que não há fósseis de sinapse, é basicamente impossível.
Eugénia Cunha
Há alguma descontinuidade, ou seja, as peças arqueológicas mais antigas do mundo, modernas, são africanas. Está difícil isso, percebe? Depois de argumentar isso. Há os primeiros habitantes às portas da Europa que é de Manisi, na Geórgia, que têm 1, 8 milhões de anos, têm, estamos a falar, da outra primeira saída, 600 centímetros cúbicos, de 500, 600, alguns.
José Maria Pimentel
Nós é 2000 e tal, não é 2000? Não,
Eugénia Cunha
é 1450. Ah, ok. 1450. Cérebros pequenos já eram cérebros bons. Portanto, então, essa intercomunicação entre os neurónios, que permitiu uma maior eficácia cerebral, aconteceu num cérebro pequeno há muito tempo. Portanto, estamos aqui... Pois,
José Maria Pimentel
é difícil de argumentar, não é?
Eugénia Cunha
Mas o argumento que estava a falar aplicava-se ao auto-abéfrica 2, à saída da África pelo homem moderno. Sim, claro. E não ao primeiro. Mas até aí...
José Maria Pimentel
Mas dificilmente, quer dizer, se não justifica o primeiro... Se o primeiro se deu sem ele, dificilmente ele seria necessário para o segundo, não é? Embora haja aqui uma junção... Sim,
Eugénia Cunha
sim. Sim, mas isso é um raciocínio lógico, certo? É difícil desmontar isso, certo? Sim. Agora, o que eu queria dizer é que o comportamento moderno que estava dependente, que está, naturalmente está, estamos todos dependentes do cérebro, que é o órgão mais complexo do universo, do cérebro, o comportamento moderno mais antigo do mundo está em África. As provas do comportamento moderno mais antigo, certo? E antes de sair, produziram-se ali. E depois então, agora não vou dizer que os... Mas os Neandertais afinal também já pintavam grutas, não é? E por isso, depois, quando saem, já encontram pessoas com, como é que eu ia te chamar, culturas diferentes, não sei, e eventualmente outra espécie, e agora já ninguém discute essa coisa, se era a mesma espécie, se era uma espécie diferente, que também eu acho que não é relevante.
José Maria Pimentel
Sim, não é particularmente relevante. Porque
Eugénia Cunha
ser espécies diferentes, o que é que quer dizer? Que não se cruzam e não têm descendência fértil. E portanto, então não vamos discutir isso, porque agora já estamos partidos de saber que se cruzam. Sim. Certo? E que pelos vistos tiveram descendentes. Certo?
José Maria Pimentel
Essa era uma das hipóteses, salvo o erro, nessa notícia entre os 19 anos e os... Eu
Eugénia Cunha
Já não me estou a recordar exatamente, mas eram mais uns da linha paterna e outros da linha materna. Exato. Não era igual sempre.
José Maria Pimentel
Podia ser uma espécie de mula. Exatamente. Mula humana. Mas sim, agora
Eugénia Cunha
já não sei. Tinha que pegar na notícia e sei ao mesmo há pouco
José Maria Pimentel
tempo. Mas é interessante, por exemplo, uma pergunta... E a pessoa está errada neste raciocínio. Parece-me que às vezes há a tentação, sobretudo para quem está de fora, de olhar para isto e imaginar isto como uma espécie de evolução discreta e não contínua. Ou seja, há uma espécie, depois há um saltinho e torna-se outra, E provavelmente não foi isso que aconteceu, não é? Não,
Eugénia Cunha
não, não, é mesmo uma árvore. Como? É uma árvore ramificada.
José Maria Pimentel
Não, é uma árvore e é um contínuo. Ou seja, é uma... É uma
Eugénia Cunha
árvore em que houve um tronco comum, em que a uma certa altura partilhámos esses troncos comuns com o gorila, com o chimpanzé, etc. Depois vamos subindo diverso, então já estamos a evoluir sozinhos separados deles e quando estamos separados estamos primeiro muitos, não é? Claro. Nós estamos normalmente sozinhos agora. Sim, sim, exatamente. Portanto, é a única altura que eu saiba que só há esta espécie.
José Maria Pimentel
Sim, e é estranho se compararmos com outras.
Eugénia Cunha
Sempre vivemos com outras espécies.
José Maria Pimentel
Mas uma outra tena era essa, era vamos pegar o nosso ramo e andar para trás. Sim. O salto do galho, bem que nós estamos para o galho ligeiramente mais grosso, não se deu, não foi um belo dia em que houve aquele salto, aquilo é um contínuo. E nós olhando, por exemplo, olhando para o Homo Sapiens para nós, com o atraso é que nós podíamos ir no tempo até apanhar o... Até nascer um bebê Homo Sapiens, por exemplo, e ele seria absolutamente igual a nós, não haveria diferença nenhuma se ele fosse transplantado para o mundo moderno. Há 100 mil, ou estáis 300... Era? Acho que
Eugénia Cunha
sim, já era moderno mesmo.
José Maria Pimentel
Era exatamente igual?
Eugénia Cunha
Aqui há várias coisas. Primeiro, não houve só uma tentativa para o Homo sapiens, ou uma tentativa para o bipedismo, ou uma tentativa para o desenvolvimento cerebral, nada disso. Há muitas tentativas e algumas delas falharam. Ou seja, não houve só um caminho para ficarmos bipedistas, não houve só um caminho para tudo que conseguimos. Houve várias pessoas a tentarem, ou várias, não quero chamar pessoas, houve várias tentativas, algumas que abortaram e outras foram bem-sucedidas. Não houve só um caminho, toda a gente seguiu o mesmo caminho. Provavelmente chegámos lá de várias maneiras, uns melhor, outros piores e outros caminhos que não deram mesmo em nada. Isso é uma coisa importante. Depois, aquilo que me estava a falar, o ritmo de crescimento moderno, como o nosso, um bebê que nasce com uma altricialidade secundária, ou seja, uma enorme dependência dos produtores a ponto de não sobreviver se não tiver com a cabeça no limite de compatibilidade fetopélgica, ou seja, o parto imensamente difícil porque a cabeça tem que continuar a crescer cá fora, portanto o cérebro cresce quando? Durante os nove meses de gestação e durante os 12, cresce sobretudo, e durante o primeiro ano de vida, 21 meses, certo? E aí, portanto, estava a perguntar desde quando é que isso acontece? É a sua pergunta? Sim, está contigo a pergunta, sim. Isso é que é um bebê moderno. Exato. É ter um ritmo de crescimento moderno. Porque depois, repare, quando chega aos 8 anos já tem praticamente 10 anos o cérebro de tamanho adulto. Não cresce como o nosso corpo. Claro. O nosso corpo cresce na... Sim? O nosso corpo cresce na adolescência e o nosso cérebro já está mais que crescido na adolescência. Por isso é que os bebés têm a cabeça grande. Estavam a perguntar isso. Desde quando é que isso acontece? O primeiro hominíneo que tem um ritmo de crescimento mais parecido connosco é o ereto. Mas não é o nosso ritmo de crescimento. Começa a viver mais devagar. Começa a ter uma agitação mais prolongada. Começa a ter uma infância mais prolongada. Um desmame mais prolongado. Que vai culminar tudo isso com uma maior longevidade, certo? Mas ainda não somos nós. Essa pergunta tem uma resposta difícil, mas eu acho que há 300, 400 mil anos, acho que sim. Agora, essa coisa do transplantado leva-me para a biologia sintética e para outras... Transplantar no
José Maria Pimentel
sentido de... Já estou a perceber. Nem pode ser ridículo. A pessoa viajar no tempo, pegar um bebê daqueles e trazê-lo para o tempo presente e ele ser indistinguível de qualquer um de nós nesta sala, cognitivamente e fisicamente.
Eugénia Cunha
Já estão a conseguir, em termos de genética evolutiva, estão a conseguir recriar em laboratório. O ibex dos pirinéus conseguiram, só que ele só viveu umas horas.
José Maria Pimentel
Era uma
Eugénia Cunha
espécie completamente extinta, que pegaram no ADN e conseguiram, mas depois teve um problema qualquer, já não sei qual foi, e viveu umas horas, talvez, mas conseguiram.
José Maria Pimentel
Mas é uma espécie de quê?
Eugénia Cunha
Ibex é... Viado? Sim, por aí, dessa família. Não é viado, é dessa família. Agora estou a me esquecer. Arteodáctil, talvez, não me lembro. Ah,
José Maria Pimentel
está bem, como queriam fazer com os mamutos. Sim, sim. Mas conseguiram.
Eugénia Cunha
Sim. Portanto, isso abre uma perspectiva impressionante.
José Maria Pimentel
Pois é. Impressionante. Precisa ter um cor... Quer dizer, o período de gestação precisa de ser feito no...
Eugénia Cunha
Sim, sim, mas agora diga lá, acha que um dia não vão tentar recriar o Neandertal? Claro, percebe?
José Maria Pimentel
Sim, imagino que sim.
Eugénia Cunha
Claro que sim. Sabia que agora a presença de neandertais denisovianos numa gruta, um dos últimos artigos, não sei se este ano ou do ano passado, já não me lembro, não encontraram nada de fósseis deles, não. Foi mesmo nas paredes encontraram ADN da presença deles lá. Portanto, como já se conhece o ADN dessas espécies, agora já é possível procurar se esteve lá ou não. É interessantíssimo, não é? Engraçado, sim. Portanto, há de facto descobertas que nós não conheciamos. Há
José Maria Pimentel
uma espécie de pergunta mal dita da ciência nesta área, que é... Nunca encontrei uma resposta completamente convincente para isto, que é se...
Eugénia Cunha
Eu tenho tantas, que não tenho respostas convincentes, diga lá, tanta pergunta, diga lá.
José Maria Pimentel
Seria possível o cruzamento entre um ser humano e um chimpanzé? Obviamente não era fértil.
Eugénia Cunha
Também acredito que isso é, eticamente, completamente condenável e que ninguém o vai permitir. Mas haviam uns mitos de que... Ah, já que ninguém o tentou, já. Pois, com certeza.
José Maria Pimentel
Portanto, está a me dizer isso como não. Não,
Eugénia Cunha
eu não tenho conhecimento de todo, ainda bem que não, eu nunca a procurei, mas acredito que isso já tenha sido tentado. Naturalmente que sim. Agora, o material genético do chimpanzé é igual ao nosso, 98%, mas nos 2% há muitas diferenças. Porque somos de facto muito idênticos, mas tem que haver diferença. Ninguém confunde um chimpanzé e um homem na rua.
José Maria Pimentel
Claro que não.
Eugénia Cunha
Certo? Acho eu, portanto, há
José Maria Pimentel
diferenças. Sim, mas também não se confunde um burro e um cavalo e conseguem cruzar. Sim,
Eugénia Cunha
sim, sim, conseguem.
José Maria Pimentel
Não é certo e ele obviamente trouxe. Sim,
Eugénia Cunha
sim, acho que ninguém vai permitir fazer isso, mas acho que seguramente
José Maria Pimentel
há. Não, claro que não, porque é que eu disse que era uma pergunta mal dita. Acredito que já alguém a tentou. Havia uns mitos dos cientistas. É sempre com cientista soviético isso. Sim, sempre, sempre. Envolve sempre cientista soviético. Os chineses, agora também. Agora os chineses, pois. Bom, mas voltando para encerrar o capítulo da saída da África, ainda há um outro ponto interessante disso, outra hipótese que tem que ver com aquela minidade do gelo e um período em que, supostamente, a ser verdade esta tese, a nossa população tinha diminuído brutalmente e isto imediatamente pelo limiar da saída da África. Da segunda saída da África? Da segunda, estamos a falar sempre da segunda homo sapiens, não é? Sim, da segunda. Sim, da segunda. E que quase provocou a extinção e que houve números como
Eugénia Cunha
7 a 20 mil pessoas. Há um gargalo, sim. O que
José Maria Pimentel
faz com que nós tenhamos uma diversidade genética relativamente baixa comparada com outra, com os chimpanzés, por exemplo.
Eugénia Cunha
Sim, A nossa diversidade genética é muito baixa. Os chimpanzés só vivem mais ou menos da costa do Marfim até à Tanzânia, naquele leque de países. E há mais diferenças genéticas entre dois chimpanzés do que entre um habitante, sei lá, um chossa da África do Sul e... E
José Maria Pimentel
um inuita, por exemplo,
Eugénia Cunha
um esquimó. E um nórdico. Sim. Lá, pronto. Há mais diferenças, não é? Portanto, o Stephen Jay Gould, eu uso sempre isso, do Polgar do Panda, que é um livro que eu gosto muito ainda, apesar de já ser falado, 82, falado quando é que é esse livro? Não, dá imenso tempo, não sei quando é que é esse livro. 77, 82, por aí.
José Maria Pimentel
Não conheço o Polegar do Panda?
Eugénia Cunha
O Polegar do Panda, sim, de Stephen Jay Gould. É uma série de ensaios, é muito gostoso. E ele diz, se houvesse um holocausto e só sobrevivesse o Shosha, o Shosha é o trigo que pertencia ao Nelson Mandela, 80% da variabilidade genética mantinha-se. Engraçado. Isto mostra muito, não é?
José Maria Pimentel
Para caso é incrível. É
Eugénia Cunha
incrível, não é? E o Stephen Jay Gould, que era dos maiores historiadores naturais que eu ia escrever, até. Ele escolheu o sorriso... Ele escreveu Ever Since Darwin, O Mundo Pe-Darwin, escreveu o Sorriso do Flamingo, escreveu o Polgar do Panda, muitos livros engraçados que vale a pena ler. Engraçado,
José Maria Pimentel
essa tem muita piada por acaso. 80% da diversidade genética está entre os soços. Quer
Eugénia Cunha
dizer, só queria ilustrar que a nossa variabilidade genética é limitada.
José Maria Pimentel
Sim, ele pegou nesse exemplo como podia ter pegado em outros nem África.
Eugénia Cunha
Porquê que isso aconteceu? Agora, como eu disse, a genética tem uma evolução fantástica e consegue fazer, está a conseguir, estudos muito difíceis que é tentar ver qual é a modificação da variabilidade. Acho que foi Martin, alguém... Não, não é Martin, é outro. Martin foi quem escreveu na Nature sobre isso, agora, sobre isso. Ver qual é a diferença nas últimas duas, três gerações. Isso é muito difícil de ver. Porquê? Porque nós não conseguimos acompanhar duas, três gerações, por motivos óbvios da nossa longevidade limitada. É um estudo longitudinal, entende?
José Maria Pimentel
A diferença, ou seja, a evolução. Pois eu paria uma coisa sobre isso, aliás, até há quem argumenta que a evolução, em lugar de ter abrandado, como a pessoa tende a achar, até acelerou nos últimos...
Eugénia Cunha
A evolução não abrandou, não. O cérebro pode ter diminuído um bocadinho, há coisas que estão mesmo diferentes, mas em termos de genética, a engenharia genética, a genómica, etc., têm vindo a mostrar, portanto, têm vindo a tentar fazer estudos dos últimos 30 a 60 anos, que é muito interessante verificar, o que é difícil é termos resultados no nosso período, percebe o que eu quero
José Maria Pimentel
dizer? É evidente, claro. É complicado,
Eugénia Cunha
temos que os guardar e daqui a pouco... Só agora é que estamos a fazer... Agora, quer dizer, há uma meia dúzia de anos, não sei, uma dúzia de anos é que estamos a fazer isso e depois deixar os resultados para conseguir ver a diferença, quer dizer, não lhe posso falar disso, apesar não sou de genética, sou bióloga, mas não sou da área da
José Maria Pimentel
genética.
Eugénia Cunha
Mas estava-lhe a dizer que esses estudos genéticos mostram que nós estamos a evoluir. Há muita gente que julga que a evolução já acabou, que a evolução é finalista. Acabou implica ter um fim. Que depois você vai estudar esmoívo. Claro. Agora, o que é que as pessoas estão habituadas? É que seja uma coisa macro, que se olhe e se veja, mas onde é que está a diferença? Não é isso, percebe? Aí é que a maior parte das pessoas...
José Maria Pimentel
Pelo contrário, até uma alteração genética que produz imensas diferenças exteriores até pode ser quase irrelevante comparada com uma que produz diferenças
Eugénia Cunha
interiores. Exatamente. Em perspectivas, mas muito mais relevantes. Exatamente, porque o que as pessoas querem ouvir é se está o dedo do pé a diminuir, o quinto dedo, se o terceiro molar... É, é. Se o terceiro molar vai desaparecer ou não, são as coisas que as pessoas podem mesmo pensar. E quando cada um pensa no seu antropocentrismo em si, pois pensa o que é que em mim poderá estar a modificar-se? E é isso, não é?
José Maria Pimentel
E não deixa de ter piada. Mas eu acho que basta olharmos para o período desde a revolução agrícola, há 12 mil anos, e nós vemos, por exemplo, um dos indicadores que tem muita piada é a intolerância à lactose.
Eugénia Cunha
Sim, sim. Mas agora está na moda.
José Maria Pimentel
Agora está na moda, mas nós vemos que, por exemplo, nos países nórdicos não há praticamente intolerância à lactose, ou não havia, agora se calhar já há alguma, e se fomos para a China, por exemplo, quase toda a gente tem intolerância à lactose porque eles não produziam, historicamente, produtos derivados do leite. Isso é muito interessante. Tem muita piada. Aliás, a história disso tem uma séria graça, uma vez apanhei uma coisa sobre isso, que era Nós, algures na evolução, não na nossa, muito atrás disso, há uma seleção natural a favor da intolerância à lactose dos adultos para proteger as crias, porque senão as pessoas não chegavam à adultos. É uma hipótese. Ou pelo menos é uma hipótese. É Uma hipótese, sim. Ou seja, houve essa evolução e depois nós revertemos essa evolução quase artificialmente com a agricultura. E depois
Eugénia Cunha
tivemos anos e anos e anos, ninguém falava disso e agora toda a gente é intolerante à lactose na cabeça. Porque muita gente, a maior parte das pessoas nem sequer vai verificar se há ou não é. Ah é? Até não é. Não me diga que não conhece. Pergunte. Umas das pessoas que conhece que é intolerante só uma
José Maria Pimentel
vez fez análise para ver
Eugénia Cunha
se era. Tá bem. Vou perguntar. Pergunte lá. Pergunte se já fez análise para ver. Pronto, meteu na cabeça. Ah não, sinto muito melhor sem lactose. Ainda bem, pronto. Então nem vale a pena fazer análises, mas não há nenhuma prova que sejas intolerante à lactose. É só isso. Claro.
José Maria Pimentel
Acho bem, pronto. Pois é, porque intolerância nem sequer é alergia, não é? É uma coisa muito mais
Eugénia Cunha
leve do que... Com certeza, com certeza. Agora, hoje há... Agora também há alergias hoje que eram impensáveis há uns anos, não é? Sim, sim, claro. Há meia dúzia de anos, não é? Sim.
José Maria Pimentel
E nós já falámos da rapidez da evolução.
Eugénia Cunha
Sim, exatamente.
José Maria Pimentel
Outro exemplo giro, por exemplo, mas este físico.
Eugénia Cunha
É a evolução da língua, das
José Maria Pimentel
linguagens, disse alguma coisa interessante, não é? A evolução cultural é mais rápida.
Eugénia Cunha
Das línguas, surgem, desaparecem, a extinção das línguas é rapidíssima.
José Maria Pimentel
Sim. Aliás, essa é outra... Agora fazendo aqui, vou fazer um atalho, mas esse ponto é giro, embora seja... Já não é bem biológico, mas mantém-se na esfera da evolução, que há uma tese que eu acho que é relativamente consensual, pelo menos é razoável, de que, embora isto justificasse esse abrandamento da evolução, é no fundo a tese de que, a partir do momento em que o cérebro se desenvolveu e nós fomos capazes de criar cultura, cultura humana, ou seja, a
Eugénia Cunha
passagem de conhecimentos. Mas há cultura nos chimpanzés. Como? Há cultura nos chimpanzés, certo? Há cultura,
José Maria Pimentel
há uma espécie de proto-cultura, mas não existe como nós a passagem de conhecimento... Pode passar de geração a geração. ...Geracional como nós... E
Eugénia Cunha
se as pessoas passam alguma coisa, sim. Não sei, quer dizer, acha que eles abrem sempre os, por exemplo, as nozes com os instrumentos que têm sempre da mesma maneira? Isso quer dizer? A
José Maria Pimentel
hipótese que eu estou a lançar é que se nós recuássemos um milhão de anos...
Eugénia Cunha
Eles abririam... Tenho que falar com a Susana Carvalho. Pergunto-lhe, não sei. Ela faz Primate Archeology.
José Maria Pimentel
Será que os chimpanzés atuais são mais sofisticados que os chimpanzés da Humilhona? Tal com
Eugénia Cunha
ela, com o Primate Archeology, sim.
José Maria Pimentel
Mas vamos admitir que eles não evoluíram muito, pelo menos. Então, eles evoluíram devagarinho, coitadas dos chimpanzés. E nós evoluímos rapidamente porque criámos essas...
Eugénia Cunha
De maneira nenhuma eles pararam de evoluir, sim?
José Maria Pimentel
Não, biologicamente, claro. Eu digo culturalmente, ou seja, o software... Portanto, vamos usar
Eugénia Cunha
hardware para... Já estou a perceber, já entendi. A camada biológica e software para a camada cultural. Está bem, está bem,
José Maria Pimentel
sim. E esta tese é que, a partir do momento em que o nosso cérebro foi capaz de criar cultura daquela maneira como nós entendemos, portanto, a passagem de conhecimento entre pessoas e geracionalmente, houve uma espécie de outsourcing da evolução para essa camada cultural e, portanto, deixámos de ter que fazer com alterações físicas e passámos a fazê-la com alterações culturais que são muito mais rápidas, lá está.
Eugénia Cunha
Sim, sim. É uma ideia. Os memes do Dókins, não é? Continua a ser uma hipótese. Pronto, que tem coisas que é fácil de argumentar e outras nem por isso. Aquilo que está a querer dizer é que, naturalmente, nós ficamos muito menos dependentes do nosso corpo, do nosso esforço físico, certo? Porque começamos a conseguir ter alimento a toda hora, a todo momento, não dependentes do nosso esforço e nós nos tornarmos menos robustos.
José Maria Pimentel
E o encolhimento do cérebro, não é? Pode estar relacionado com isso, aliás, não é?
Eugénia Cunha
Não, acho que do encolhimento do cérebro não acredito, porque o cérebro não tem a ver com robustez. Robustez é uma coisa, altura é outra. Os cérebros maiores... Sim.
José Maria Pimentel
A hipótese que eu vi, que achei interessante, que deve ser, de certeza é só uma hipótese, tinha a ver com o facto de pós-Revolução Agrícola nós nos termos especializado, em lugar de sermos aquele artista generalista que nós éramos enquanto casador-recoletor.
Eugénia Cunha
Sim, mas nós não somos especialistas. Um dia em que formos especialistas...
José Maria Pimentel
Nós, pessoalmente, mas nós os dois somos, infelizmente. Sim, pois somos,
Eugénia Cunha
porque não nos sofremos em quase nada. Sim, sim, eu sei. Eu entendo isso, mas não nos especializamos na sobrevivência, porque não precisamos, mas especializamos noutras coisas, puxamos pelos neurônios e são mecanismos retroativos. Se tivéssemos agora aqui, pronto, temos a certeza que sobrevivemos, não temos nada para fazer, não, fazemos muitas outras coisas, certo? Claro, sim. Entende? Portanto, isso aplica, Se fosse só uma questão de comer, dormir e mais nada, mas nós felizmente conseguimos desenvolver inteligência muito para além, não é? Claro, sim. Mas provavelmente
José Maria Pimentel
concentrada em determinadas zonas do cérebro... Sim,
Eugénia Cunha
como eu digo, por isso mesmo, pronto. Mas isso é uma questão... Claro, sim, sim. Sim, eu consegui falar com o Rodrigo Cunha sobre isso.
José Maria Pimentel
Ah, sim? Já tenho aqui o... Neurociências.
Eugénia Cunha
É meu primo direito, mas vale a pena falar com ele. É professor associado na medicina em Coimbra. Depois se quiser dou-lhe o contacto, acho que vale a pena falar com ele. Na parte da neurociências é um tema fantástico.
José Maria Pimentel
Pois é, esse tema também é piada e acho que há muito também que não se sabe...
Eugénia Cunha
Mas isso também tem a ver com a estimulação de áreas cerebrais na altura própria, áreas que se não forem, se não puxarem por no pequenino, tocha o pepino, senão isso está mais que provado. Certo? E depois aquilo que as neurociências têm vindo a mostrar, quer dizer, aquilo que era o lixo afinal é muito importante, não é? Nas células cerebrais. Por isso, falo com eles.
José Maria Pimentel
Ah, sim, sim, sim, na zona não utilizada. Exatamente. Afinal,
Eugénia Cunha
não há nada assim que não se utilize ou que seja mesmo lixo, acho eu.
José Maria Pimentel
Sim, exatamente, tem uma função. Exatamente. Sim, esse mito foi propagado durante muito tempo, não é? Que nós só
Eugénia Cunha
usávamos. Muito tempo. Doutores de psiquiatria. Não sei o que, exatamente, sim.
José Maria Pimentel
Era uma coisa qualquer. Exatamente, era. Mas é... Falando do Homo Sapiens, nós temos, há basicamente três feitos. Isto aliás vem naquele seu livro pequenito que se chama Evolução Humana, sabe o ver?
Eugénia Cunha
Não, como nos tornámos
José Maria Pimentel
humanos. Como nos tornámos humanos, exatamente. Já foi há muitos
Eugénia Cunha
anos. Já, sim. Há oito, portanto é
José Maria Pimentel
muito. Em revolução humana... É, isso é que é interessante, porque ali há coisas que, entretanto,
Eugénia Cunha
já foram alteradas. Por amor
José Maria Pimentel
de Deus, em oito
Eugénia Cunha
anos, há mesmo muitas, sim. Claro, é interessante. Até disseram-me que queria fazer uma... Uma atualização. Aí eu disse, não, isso... Era demasiada coisa para atualizar. Não, não, não. Não seu tanta coisa nunca mais.
José Maria Pimentel
Há basicamente três grandes progressos naquilo que nos faz humanos. O bipedismo, o tamanho do cérebro e a linguagem. Estão os três relacionados um com o outro, não é o bipedismo?
Eugénia Cunha
Não, não. Sim, a linguagem não necessariamente lida, porque a linguagem não é de todos os humanos. Colonizamos o mundo inteiro, somos bípedes e temos um cérebro três vezes maior do que aquilo que seria de esperar, não é? Temos um cérebro grande, não é isso? Então, isso está tudo ligado. E se está tudo interligado, está.
José Maria Pimentel
Ah, ok. Então a linguagem se calhar fui eu que acreditei.
Eugénia Cunha
A linguagem é no fim. Sim, exatamente. Está muito centrado no sábio, no sápiens.
José Maria Pimentel
No sápiens, sim.
Eugénia Cunha
Pois. Está muito centrado nesse. Isso tem tudo a ver com uma estratégia evolutiva, com uma estratégia forrageadora, como eu costumo dizer, quer dizer, para encontrar a comida. Recoletor, não é? Recoletor, exatamente. Porque para ir buscar o alimento, precisamos dele para nutrir o quê? Precisamos dele, sobretudo, para nutrir o órgão mais caro do nosso corpo, qual é?
José Maria Pimentel
O cérebro. Em termos calóricos, não é?
Eugénia Cunha
Exatamente, é para onde vai que tudo, não é? Quase tudo, senão não funciona.
José Maria Pimentel
Então, não podemos... Aqui é o 80% das calorias que vão para o cérebro.
Eugénia Cunha
60% depende, depende do bebê, do humano,
José Maria Pimentel
depende do risco, depende do
Eugénia Cunha
ritmo da fase de crescimento. A nascença é cerca de 60%. Depois, o que eu queria dizer é, não podemos gastar muita energia para buscar o alimento. Se gastássemos muita energia, estávamos ali, que íamos buscar, nem dava para... Pouco tinha custado, não é? Nós temos que ter ali um equilíbrio do custo.
José Maria Pimentel
E a evolução faz-se quando o benefício é maior do que o custo.
Eugénia Cunha
Exatamente. Então, o bipedismo gasta menos energia. Portanto, foi um processo de locomoção que
José Maria Pimentel
permitiu
Eugénia Cunha
uma deslocação a menor custo. Então, vamos começar a ter e buscar alimento a menor custo. Mas deixa-me fazer... Isso é uma hipótese, portanto. E depois outras vantagens. Os nossos pés são os únicos pés que só servem para andar as nossas mãos estão completamente libertas podem carregar crias, podem carregar alimentos podem... Percebe? Podemos trazer ainda mais, isso é muito importante e depois são pessoas selecionadas Essas pessoas, que eu sei menos pessoas, mas esses seres que fizeram isso, podiam ter tido desvantagens seletivas dentro do próprio grupo porque podiam alimentar fêmeas, porque não se esqueça que isto das relações entre os casais era muito diferente, não eram
José Maria Pimentel
monogâmicos Sim, só a palavra casal. Pois
Eugénia Cunha
não havia monogamia, seguramente, e portanto essas fêmeas iam gostar, percebe, tinha um macho que tinha ido buscar, porque não a fêmea, ao contrário,
José Maria Pimentel
mas percebe... Sim, sim, a seleção sexual do darmo, não é? Exatamente,
Eugénia Cunha
pronto, tudo isso é muito importante e isso pode ter tido vantagem evolutiva mesmo. Eu percebo isso e claro que sim, a minha dúvida quando nós olhamos para isto é que
José Maria Pimentel
nós... Isto é como ir explicar como é que se comportou a economia depois... À posteriori, não é? Sim, claro. Como alguns mais clicares, É a totovola de segunda-feira, não é? E a pessoa está a olhar para trás e está a pensar o que é que pode ter causado esta evolução? E claramente há o manuseamento de instrumentos, temos energético, havia uma hipótese também que tinha que ver com maior eficiência em termos de calor, maior arrefecimento do corpo, não é?
Eugénia Cunha
Exato. Portanto, repare-se, se andássemos assim, qual era a área...
José Maria Pimentel
Assim que é 4x4?
Eugénia Cunha
4x4, íamos apanhar com o sol aqui. Portanto, quando está deitado na praia, o que é que faz com o tempo de calor? Senta-se. E com o tempo de calor ainda? Levanta-se. Devia dizer que voava, mas... Percebeu isso? Percebeu agora isso? Portanto, há um arrefecimento, ficamos com a cabeça mais... Percebe? E o que é que aconteceu depois à cabeça? O cabelo? Toda aquela proteção. Portanto, tem aqui uma série de...
José Maria Pimentel
Então, vamos falar por partes... Isto tem a ver com essa piada, mas... Tem a ver com o centro de gravidade. Porquê é que os chimpanzés não se tornaram heretos, por exemplo? Coitados!
Eugénia Cunha
Não tem uma vantagem nisso, eles têm um andar de quadrupedismo modificado. Nunca o benefício foi maior que o custo. Eles quando querem, sobretudo o bonobo, que é o outro chimpanzé, ele é o que está há mais tempo como nós. Mas nunca é a posição ereta que nós temos. Nenhum deles levanta o pescoço direitinho. Nós é que temos a cabeça equilibrada sobre o esqueleto pós-craniano. Eles não. Tem que fazer um esforço, sempre. Minimamente é sempre diferente, certo? Porquê? Porque esta parte de cima do corpo é muito mais pesada do que a de baixo. Repare que se estiver a transportar uma pessoa muito pesada, o que é que vai acontecer aos seus joelhos? Fletem. Já não consegue e vai fazer como... Um, dois... E quem é que anda assim? Os chimpanzés. Os
José Maria Pimentel
chimpanzés.
Eugénia Cunha
Percebe? Os chimpanzés têm a parte de cima do corpo muito mais leve, portanto, muito mais pesada.
José Maria Pimentel
Ah, e eles têm ainda mais pesada do que nós. Aqui
Eugénia Cunha
há uma desproporção, portanto...
José Maria Pimentel
Sim, hoje tem uma desproporção, exatamente. Embora tenha um cérebro mais leve, mas não compensa.
Eugénia Cunha
Mas para que é que eles têm isso? Têm os braços mais compridos, para quê? Para fazer pipi-pidis. Desculpe, para irem às árvores quando for preciso. E nós não. Certo? É diferente. Portanto, aqueles pés e aquelas mãos servem para várias tarefas entre as quais há locomoção. E aqui é diferente, connosco não. As nossas mãos não são usadas na locomoção. Exatamente. Ali há muitas diferenças.
José Maria Pimentel
Mas esse ponto de partida, quer dizer, essa forma é interessante, não é? É interessante isto, é aquela que é válida, que a pessoa pensar... Não há nenhuma
Eugénia Cunha
teoria que explique completamente o bipedismo. Estamos a falar que a energética do bipedismo e a termorregulação são duas das teorias, quando juntas, que mais explicam porque é que nos tornámos bípedes. Foi isso que estivemos a dizer. Exatamente. Certo. E agora, se houve outras vantagens, sim, o carregar, quer as crias, quer os alimentos, sim, a visão, que é maior, um maior campo de visão, sei lá, temos várias. Mas não venho a dizer que foi por causa disso que se tornámos bípedos, não, mas depois houve ali várias
José Maria Pimentel
mecanismos. Mas pode-se falar naquilo que causa e depois em vantagens suplementares que impedem o retrocesso, por exemplo? Retrocesso
Eugénia Cunha
temos a ver, acho mais, que o benefício... Percebe? O benefício ser maior que o custo. Também não deviam ser burros, não é? As primeiras formas de bipedismo foram incipientes, não tinham as vantagens que têm hoje ninguém começou... Aquilo devia ter sido bem gostoso, perceba, essa passagem. Foi uma passagem gradual. Ou
José Maria Pimentel
seja, bastou haver uma vantagem marginal ali para se dar a...
Eugénia Cunha
Aí no bipedismo é que temos a certeza que houve muitas linhas a tentar, e que nem todas conseguiram. Certo? E depois tem a ver com o clima. Porque o clima é o grande motor de evolução. E o clima é que dita a cobertura vegetal. E a cobertura vegetal e o solo é onde nós vivemos. E, portanto, a locomoção feita aí também vai ditar a refração. Percebe? Antes havia a savana, bipedismo. Não é assim? Sabemos perfeitamente que não é assim.
José Maria Pimentel
Pois, é isso que eu ia dizer, exatamente. Não,
Eugénia Cunha
não. Hoje se fala em ecologia, faz-se a reconstrução dos solos e sabe-se que não. Que eram bosques, que eram ambientes de savana e ambientes mistos. Havia tudo, certo?
José Maria Pimentel
Ou seja, nós tornámos-nos bípedes antes das savanas. Antes de descermos permanentemente para a terra.
Eugénia Cunha
Sim, nem se pode dizer que tal uma vez tivéssemos descido permanentemente para a terra. Sabe o que quer dizer? Percebe o que eu estou a dizer? Claro, sim. Sim, pronto. Sim, sim. Vivemos sempre em bosques, Acho eu também. Não foi tudo para a sabana, assim.
José Maria Pimentel
Mas é giro porque há bocado falávamos daquela questão do parto. E o parto... Eu apanhei um artigo sobre isso também com piada, porque a tese que eu já conhecia, fui tentar revê-la, é que o parto humano é ultra difícil. E é numa posição que...
Eugénia Cunha
É isso que está a fazer assim deitado, não é? Sim, porque os primatas, muitos deles têm na posição fetal. Fetal, desculpe, de cócoras. Sim. Que é diferente. Há muitas mulheres que agora têm... Muitas não, algumas, há uma teoria qualquer... Há mulheres que se põem a ter assim. Sim, mas é diferente. Isso tem a ver com o tamanho cerebral do bebê e a compatibilidade fetopélvica. Os outros primatas não estão no limiar como nós estamos. Ou
José Maria Pimentel
seja, nós tornámosos iretos. Isso comprimiu a pélvis, ou estreitou a pélvis. Sim, um bocadinho. E o cérebro aumentou. Sim,
Eugénia Cunha
mas isso faz com que o bebê tenha que nascer num estádio... Faz com que a gravidez não possa ser os 21 meses que eu lhe disse, os 9 mais os 12, mas tenha que vir antes. E nesse primeiro ano é que há uma esponja, percebe? Absorve ali imensa informação.
José Maria Pimentel
Mas o que é engraçado nisto é que continua a haver aí um puzzle, ou seja... O bipedismo
Eugénia Cunha
limitou um pouco o crescimento cerebral durante o
José Maria Pimentel
ano. Claro, ou seja, evolutivamente o bipedismo ter ditado que nós nascessemos mais cedo...
Eugénia Cunha
Não ditou, é um dos fatores de... Ou
José Maria Pimentel
isso, ou ter contribuído para, parece uma escolha razoável. E
Eugénia Cunha
mesmo assim temos a gestação mais longa dos primatas. Exato,
José Maria Pimentel
mesmo assim. Sim, se nós tivéssemos a gestação completa, protegíamos provavelmente o animal com a gestação mais longa, acho que é o elefanto... Sim... Elefanto tem, pá, 20 meses, não me acredito. Sim, agora
Eugénia Cunha
pensei na longevidade que é a baleia branca. Sim, acho que sim, sim, sim. É qualquer coisa assim. Bom, vou dizer outra história. Outra história, outra história. O
José Maria Pimentel
que eu ia dizer, que achei piada em relação a isto, é... Esse é um problema que a evolução resolveu. Portanto, o parto teve... Ou... Remediou.
Eugénia Cunha
Resolveu-se, não havia tanta morte como... Não resolveu! Achei a piada, não resolveu nada. Nós não somos... Nada é feito de uma forma definitiva. Nós não somos bíbletes perfeitos.
José Maria Pimentel
Não, aliás, há uma expressão, não sei se é sincera, do Darwin que é Evolution is not an inventor, it's a tinkerer. Sim, eu também não escondi isso. Ou seja, é um... Não sei como é que se diz isso em português, mas é...
Eugénia Cunha
Ontem estive a perguntar como é que se traduzia tinker. Pois, não sei. Nem
José Maria Pimentel
eu. Não é inventor, é... Quer dizer, é como uma pessoa que arranja relógios, não
Eugénia Cunha
é? Sim, mas agora por acaso convidaram para um professor, a convidar tinker, visiting professor, e era com essa palavra, e pensei que não estava a ver
José Maria Pimentel
a... Mas isto para dizer, a evolução não se faz, faz esse tinkering, faz o desenrolo com aquilo que existe e não produz um produto final. Não é finalista. Não está
Eugénia Cunha
a acontecer porque, olha, vamos combinar, nós estamos a fazer isto para... Não é finalista.
José Maria Pimentel
Sim, sim, sim.
Eugénia Cunha
De maneira nenhuma.
José Maria Pimentel
Havia um exemplo giro.
Eugénia Cunha
E sobretudo não é assim. Cada vez melhor, cada vez melhor. As pessoas pensam nisso, não é? Parece que tem que ser sempre melhor do que era. Não é assim. Há coisas que naturalmente não devem estar melhor do que foram.
José Maria Pimentel
Quem acredita melhor.
Eugénia Cunha
As pessoas acham que evolução é o mesmo que progresso, mas não é, certo? São termos diferentes.
José Maria Pimentel
Bom, há uma lógica de progresso só que não é necessariamente a mesma que a nossa a avaliar agora. Existe essa lógica de custo-benefício, não é? O benefício tem que ser maior do que o custo. Sim, mas não... Mas daí a ser do nosso agrado já é diferente.
Eugénia Cunha
Das coisas difíceis para transmitir aos miúdos, e quando os meus filhos eram pequenos, era mesmo isso. Era, porquê? Porque olhavam para o que queriam ver. Então em que é que o elefante está diferente? Nunca me esquece. Em que é que o elefante, não sei se era um qualígio, o elefante está diferente do que era. Está igual, portanto, era muito difícil. O que é que ele faz diferente? E eu disse, mas ele não estagnou, está diferente. Mas não se convence de ninguém.
José Maria Pimentel
Claro, se não vê... Há um exemplo giro que acho que era da girafa, eu agora não tenho certeza se estou a contar isso da maneira certa, mas é um exemplo bom para essa questão do tinkering, porque a girafa é um animal completamente... É um animal muito mal concebido se nós imaginarmos aquilo como uma espécie de design inteligente.
Eugénia Cunha
Sim, sim, é.
José Maria Pimentel
Se nós construíssemos uma girafa de raiz, não faríamos um animal com aquele pescoço ultra longo, não é? Aquilo mostra que ele foi gradual, o pescoço foi esticando, esticando, esticando, até... Esticando, se alvo seja, não é como... Como é que se chamava o... Lamarck. Não é como Lamarck, exatamente, esticando, se alvo seja. Mas é... Estamos a dizer isto por causa do tinkering? Estávamos a falar do parto, era a questão do parto, exatamente. O que eu apanhei em relação ao parto, era que havia essa tese clássica do parto ter sido dificuldade e ter se tornado mais prematuro por nós sermos eretos e termos o cérebro grande. Mas o que eu apanhei, isto é um artigo da BBC, estou a vender pelo preço porque comprei, era que havia várias investigações que mostravam que isso estava muito longe de ser a história toda e que, por exemplo, havia indícios de que o parto, quando nós éramos caçadores-reletores, ou seja, pré-revolução agrícola, era muito mais fácil do que é agora. Não havia essas dificuldades. Hoje em dia, com toda a tecnologia que nós temos, continua a ser uma coisa muito difícil. Na Idade Média ou na Antiguidade morriam como tortos, era incrível, não
Eugénia Cunha
é? Pois, e pronto, está muito longe de ser perfeito, certo? O que está a querer dizer é que...
José Maria Pimentel
Pré-Revolução Agrícola não houve... Era muito mais fácil, não é? Sim, por causa da alimentação. Muito
Eugénia Cunha
antes. Não, eu acho que isso também é capaz de ser possível recuar mais. Não acredito no Eretz o parto fosse tão difícil. Ah
José Maria Pimentel
não, claro que não, Mas falando só de homo sapiens.
Eugénia Cunha
Só de homo sapiens, está bem. Não sei, não conheço esses estudos. Ou
José Maria Pimentel
seja, a tese basicamente simplificando é nós, pós revolução agrícola, começámos a comer muito mais hidratos de carbono com os amidos, com tudo que seja massa, trigo, arroz, que no fundo são plantas que nós domesticamos com muito amido. Essa dieta da mãe, da progenitora, faz com que o próprio bebê aumente de tamanho e com que torne mais difícil a saída pelo canal de nascimento. Sim, sim, sim. É uma tese gira, é uma tese interessante. Exatamente. Mas é isso
Eugénia Cunha
aí, não é muito recente,
José Maria Pimentel
por ser
Eugénia Cunha
humanos recentes, eu ando sempre lá para trás.
José Maria Pimentel
Claro, e é sempre... Tudo isto é parcelar. Antes de passarmos à nossa última rubrica da recomendação do livro, havia ainda um... Quer dizer, havia muito mais coisas, obviamente, mas havia um ponto ainda interessante, que nós só tocámos ao de leve, que é a questão do cérebro, e que está relacionado, provavelmente, com o bipedismo, provavelmente também estará relacionado com a descoberta do fogo. Sim,
Eugénia Cunha
está definitivamente relacionado com o bipedismo. Primeiro, pudemos de pé, só depois é que se tem evolução cerebral. Não podemos imaginar o contrário, porque foi preciso que o cérebro estive equilibrado sobre o espelho pós-carniano para poder crescer. Porque senão, imaginar um quadruplo do cérebro que crescia para aquele lado. Porque quando o cérebro cresce, diminui a face. Há uma redução concomitante da face. Portanto, há condição para o cérebro poder crescer, isso é uma coisa importante, num quadruplo
José Maria Pimentel
não há condição. Ou seja, a evolução faz com variação e seleção, não é? Portanto, havendo uma variação num quadruplo, um dos filhos nascia com o cérebro maior, ele provavelmente ia ter menos sucesso do que os outros porque... Ou seja, não lhe dava uma vantagem, não é? Sim, é
Eugénia Cunha
difícil, porque o cérebro, portanto, de um quadruplo de grande, não dá. Sempre que há uma coisa que se desenvolve muito, há outra que tem que ter uma redução concomitante. O cérebro desenvolve, em termos de aparelhos, qual é o aparelho que diminui ao destino.
José Maria Pimentel
Exato. Daí a questão do fogo, não é? E de cozinhar a comida.
Eugénia Cunha
Cooking hypothesis, está provável. Não, não dou. Eu falo sempre disso, ele é muito eloquente quando fala e tem livros bons, faz um grande negócio com os livros todos que faz, mas também, acho que também escreve algumas coisas engraçadas. O fogo veio permitir cozinhar os alimentos, veio permitir diminuir as toxinas, coisas que nós não tínhamos proteção natural vai permitir diminuir os forços da mastigação vai permitir diminuir toda esta zona central da face portanto, diminuindo a face, aumento da...
José Maria Pimentel
Da protuberância, não é? Sim,
Eugénia Cunha
exatamente. Portanto, ficamos menos robustos em termos faciais, o que é bastante importante, redução do tamanho dos dentes, mastigação mais fácil os nutrientes que vão aceder ao cérebro são completamente diferentes e lá está o The Cooking Hypothesis tem a ver com o cozinhar dos alimentos, que vai permitir dar nutrientes ao cérebro que o fazem crescer. Isso é uma hipótese, isso é apenas uma hipótese que carece até... Há vários nutrientes que nós precisamos e provavelmente o ter cozinhado ajudou. O fogo foi uma conquista imparável. E
José Maria Pimentel
não tem só essa vantagem, o fogo dá...
Eugénia Cunha
Tem muito mais, até nos permite sonhar.
José Maria Pimentel
Por nos dar segurança.
Eugénia Cunha
Não, porque parece que conseguimos isso é extrapolação, mas há autores que dizem que a partir desse momento conseguimos dormir mais descansados e Conseguimos então chegar à fase em que a atenção exterior é zero e, portanto, podemos verdadeiramente descansar, sonhar, extrapolar, etc. Isso é muito importante para o desenvolvimento cerebral.
José Maria Pimentel
Curioso, mas engraçado isso.
Eugénia Cunha
É difícil de provar.
José Maria Pimentel
É ultra difícil, não é? Essa então é quase
Eugénia Cunha
impossível. A mim não estou convencida, mas para mim é difícil. Então, aquilo tudo que eu estou a dizer não quer dizer que eu partilhe isso.
José Maria Pimentel
Não, aquilo que me parece difícil, e falávamos há pouco da questão do bipedismo, é de distinguir aquilo que são, aquilo que espoleta a alteração e o que é que são vantagens
Eugénia Cunha
adicionais que vêm à posteriori. Causa e efeito. Sim, então o fogo, o comportamento de aglomeração, a luz, o trabalho dos instrumentos, há uma série de
José Maria Pimentel
vantagens. O fogo, se a pessoa começar a elencar, é incrível
Eugénia Cunha
a quantidade de fantasma. E porquê que nenhum outro animal... Porquê que todos os outros animais têm medo do fogo e nós não? Portanto, se é uma conquista...
José Maria Pimentel
Nós também tínhamos. Pois tínhamos. E temo-lo até um bocado instintivamente, o que é interessante. Há um ponto da... Só por fazer este ponto muito rápido... Há um ponto da lógica da evolução, sobre o qual eu próprio também nunca tinha pensado. Nós tendemos a assumir que a evolução só se faz pela seleção natural, nesta lógica de haver um benefício maior do que o custo. Mas também existe parte da evolução que é casual, ou seja, é neutra. E não deve ser fácil destrinçar.
Eugénia Cunha
O professor Bracinha Vieira, que foi uma das minhas referências, que era professor de evolução humana e psiquiatra aqui na Universidade Nova de Lisboa, escreve num livro que escreveu em 1995, portanto há 23 anos, a evolução é acidental e ao acaso. Isto é muito importante. É mesmo. Ao acaso é isto que é o que são as mutações que são... Completamente. E as mutações. Certo? Isto não é só uma questão de curtir de maneira nenhuma, é benefício. E as mutações e a deriva genética, é impossível, não é?
José Maria Pimentel
Por exemplo, os nossos pelos, por exemplo, o facto de termos muito menos pelos do que os macacos, pode ter a ver com isso?
Eugénia Cunha
Tem a ver com vários fatores, tem a ver com o transpirar, com as gândulas sudoripras, com a movimentação que nós fazemos, com tudo isso, portanto, diz-se que as glândulas sudoríparas surgem quando diminui a cobertura pilosa e essa cobertura pilosa também... Os macacos
José Maria Pimentel
não têm glândulas sudoríparas no corpo?
Eugénia Cunha
Tem, mas acho que não são tão desenvolvidas como as nossas. Porque os cães não têm, por exemplo, é uma coisa de tanteado. Pois, os cães não têm. Queres ir?
José Maria Pimentel
Só nas patas e na linha.
Eugénia Cunha
Exatamente, sim. Tem um mecanismo, que não sei explicar, que acho que é distinto. Mas isso tudo tem a ver com a maior mobilidade, que eles também são muito móveis, não é? Mas pronto, eles podem ter ciclos vitais relativamente pequenos. Os ciclos vitais são as áreas que eles se deslocam sempre e conhecem sempre, não é? Nós podemos fazer mais. E isso sempre se associou à primeira saída da África, à perda da cobertura pilosa, ao aparecimento das gândas sudoríparas como as nossas, isso tudo que é muito difícil de provar. Claro, claro. Mais uma vez. E a
José Maria Pimentel
alteração principal, a alteração da cor de pele, por exemplo, aí já dentro do homo sapiens. Isso
Eugénia Cunha
tem a ver com a melatonina e tem a ver com os trópicos.
José Maria Pimentel
Sim. Sim, com proteção. E apanhei qualquer coisa recentemente, mas acho que era um indício de que isso teria sido muito mais recente do que se pensava, qualquer coisa com um pai de 8 mil anos, o que implica que é posterior à revolução na Lua e o Couco, por exemplo. Não, mas eu
Eugénia Cunha
nunca ouvi falar nisso, eu vi antes.
José Maria Pimentel
Sim, mas não sei se
Eugénia Cunha
era provado. Sim, Sim, muito antes.
José Maria Pimentel
Mas era giro, quer dizer, para o pessoal imaginar isso. Por
Eugénia Cunha
exemplo, os neandertais tenho a certeza que alguns até eram ruivos. Isso sabe-se.
José Maria Pimentel
Porque têm o gene, não
Eugénia Cunha
é? Já se fez. Mas não sabemos a cor da pelpe, não? Alguns sabemos, sim. Ah é? Não, agora com a genética vê-se. Tinha de que não, tinha de que estava... Olhos verdes, ruivos, mais brancos, etc. Sim,
José Maria Pimentel
tem a hipótese de nos terem dado o gene do cabelo ruivo. Bom, estamos a terminar, então avançando para a última rubrica da recomendação do livro. Eu disse que podia ser um livro qualquer, mas acho que vai ter que ver com o tema.
Eugénia Cunha
Sim, o Regenesis, só li em inglês, do Church, 2012, exatamente sobre a biologia sintética e sobre o que é que a genética pode fazer e recriar a biologia sintética, recriar em laboratório e aquilo que nos pode acontecer ou não, é muito interessante. Que se compre aí e-book na Amazon, etc.
José Maria Pimentel
Eu acrescento o link, eu ponho sempre algumas ligações. Sim, sim, exatamente.
Eugénia Cunha
Posso lhe mandar depois também, mas é fácil.
José Maria Pimentel
Sim, não, é um encontro, é um encontro, não é preciso. Sim, é fácil. Ok, obrigadíssimo, foi uma ótima conversa. Espero que tenham gostado do episódio. Queria aproveitar para vos pedir um favor. Vai fazer um ano desde que lancei o 45 Graus e ao longo destes 12 meses tenho, felizmente, tido cada vez mais ouvintes e o número de pessoas a darem feedback e a fazerem sugestões tem também vindo a aumentar. Mas por muito útil que seja o feedback individual, e é o muito, fico sempre na dúvida sobre se será uma amostra representativa da totalidade dos meus ouvintes. Por isso queria pedir-vos um favor. Deixo na descrição deste episódio o link para um inquérito. Ficava-me muito agradecido se pudessem responder. São 6 perguntas, demoram 3, 4 minutos a responder e nem precisam de responder a todas, só há aquelas a que vos apetecer. Muito obrigado por participarem e por me ajudarem a perceber o que vai na cabeça de quem ouve desse lado. E por falarem em agradecer, obrigado a quem tem apoiado no Patreon, em particular ao Gustavo Pimenta, ao João Vítor Baltazar, ao Salvador Cunha, à Aina Mateus, ao Ricardo Santos, ao Nelson Teodoro e ao Paulo Ferreira. Até ao próximo episódio. Legendas pela comunidade Amara.org