#23 Marina Costa Lobo - sistema político, satisfação com a democracia, sistema eleitoral, etc
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José Maria Pimentel
Bem-vindos ao 45°. Neste episódio estou à conversa com Marina Costa Lobo
sobre Ciência Política. A convidada é doutorada em Ciência Política pela Universidade
de Oxford e é atualmente investigadora principal do Instituto de Ciências Sociais.
Conversámos sobre temas como a satisfação dos eleitores com a democracia, o
sistema eleitoral português, o financiamento público dos partidos, o papel do Presidente
da República, entre outros. Foi uma conversa ultra interessante que me permitiu
não só perceber melhor o nosso sistema político e a forma como
compara com os de outros países, mas também de que forma é
possível melhorá-lo. Uma das propostas da convidada, a obrigatoriedade de uma moção
de censura construtiva para derrubar um governo, acaba por coincidência enorme de
ser utilizada em Espanha. Foi o que permitiu a Pedro Sanchez, há
uma semana, com o apoio de outros partidos da oposição, tornar-se primeiro-ministro.
Uma última nota para lembrar que podem tornar-se apoiantes deste projeto através
do Patreon, no site www.patreon.com.br. Agradeço desde já os patronos João Vítor
Baltazar e Ana Mateus pelo apoio generoso. Mas já chega, sem perder
mais tempo, vamos então à conversa com Marina Costa Louro.
José Maria Pimentel
Exatamente. Por exemplo, os temas políticos, os temas eleitorais, atitudes e comportamentos
de eleitores. E Há um que é mais recente, acho eu, e
até era interessante começar por aí, que é a questão da qualidade
da democracia. A Maria coordena o observatório da qualidade da democracia e
que no fundo estuda, como não me diga, a qualidade da democracia
em Portugal e também a perceção, ou sobretudo a perceção dos eleitores
e da população em geral em relação à qualidade da democracia. E
era interessante começar por aí porque acho que isso depois nos leva,
a partir daí desenrolarmos a teia e chegamos a estudar o que
está por trás disso. Há uma série de fontes de insatisfação dos
portugueses com a democracia, não é que essa insatisfação seja completa. Uma
delas tem que ver, por exemplo, com a falta de representatividade, a
noção de que a política ou quem exerce caros políticos está muito
longe de nós e não reflete os nossos interesses, exatamente, as nossas
vontades e os nossos interesses. Também tem a ver com uma certa…
que não é necessariamente a mesma coisa, que é até um bocadinho
paradoxal, que é a falta de identificação com os partidos. Eu digo
que é paradoxal, porquê? Porque existem dezenas de partidos em Portugal, sobretudo
se nós considerarmos todos aqueles que surgiram nos últimos 20 anos, facilmente
temos, acho que é contado de duas mãos cheias, até mais de
partidos.
José Maria Pimentel
Pois, exatamente. E se contarmos aqueles que se candidataram em anterior,
temos
já contado muito mais. Bastante mais do
que duas mãos. E estão sempre a surgir movimentos novos e, no
entanto, há essa… Com muito pouco aderência. Exatamente, o que é bizarro,
um bocadinho paradoxal. Eu não sei por onde é que quero começar,
a minha ideia era tentar, porque eu com base nesse trabalho, quais
são as características que ressaltam mais desta insatisfação, como origem da insatisfação?
Marina Costa Lobo
Nós no Observatório da Qualidade da Democracia o que tentamos fazer é
reunir um conjunto de pessoas que se interessam por temas variados que
estão ligados com a qualidade da democracia, um deles é esse, sem
dúvida, da representatividade dos partidos, outro é essa, a disfração com a
democracia. Temos tido, fizemos um trabalho bastante interessante nos 40 anos da
democratização, sobre as atitudes em relação ao 25 de Abril,
em que
medida é que o processo de democratização já se tinha consensualizado entre
os portugueses ou se ainda dividia muito os portugueses. Temos conseguido realizar
um conjunto de estudos que nos permitem devolver à sociedade portuguesa uma
imagem daquilo que elas sentem em relação à política. Desse ponto de
vista, o diagnóstico sobre a distância em relação à política está feito
e ele é bastante grande. Nós temos vários indicadores que nos mostram
isso. O primeiro será certamente a abstenção, que é um indicador de
comportamento e nós sabemos que a abstenção em Portugal é elevada, tem
vindo a ganhar força. Há problemas de medição dessa mesma abstenção, portanto
nós não temos uma medição correta porque temos um valor relativamente elevado
da abstenção técnica, mas de qualquer forma ele é um fenómeno preocupante
que é sobretudo, existe também tal como noutros países, sobretudo entre os
jovens, mas também não apenas entre os jovens. E aí em particular
chegamos a esse ponto que é importante, àqueles que não têm identificação
partidária. Nós também sabemos que quem não tem identificação partidária quando chega
ao dia de votar tem maior probabilidade de ficar em casa. E,
portanto, essa questão da identificação partidária é fundamental porque ela vai ancorar
toda a nossa relação com a política. E O que nós vimos
com os vários inquéritos que temos vindo a fazer é que houve
uma… a identificação partidária em Portugal já era baixa, relativamente baixa, mas
ela diminui drasticamente a partir do… com a crise, com a crise
mais recente. Portanto, Nos últimos 8 anos ela entra em franca deterioração
comparando dados de 2011 e 2015. Portanto, temos abstenção, temos uma fracuíssima
assumida, pelo menos, identificação com os partidos existentes. Portanto, temos uma massa
muito grande de eleitores potenciais, votantes potenciais, que estariam aí para serem
mobilizados por novos partidos. Mas é como diz o José Maria, os
partidos aparecem, novos partidos, e com raras exceções eles acabam por não
conseguir vingar, não conseguir atrair votantes, sejam eles novos votantes, sejam votantes
existentes de outros partidos. E isso, as exceções quais foram? Tivemos o
PRD em 1985, 7… desculpe, 5. Em 1985 ganhou 18% dos votos,
portanto entrou com um furacão na política partidária portuguesa, diminuiu drasticamente o
voto do PS e no entanto depois Praticamente desapareceu logo a seguir
na eleição seguinte e na posterior acabou mesmo. Temos o outro exemplo,
esse mais positivo, entre aspas, que é o do Bloco de Esquerda.
O Bloco de Esquerda entra em 99, é a última grande inovação,
se não contarmos com o PAN, mas temos o Bloco de Esquerda
que entra em 1999 e é uma junção de três partidos existentes,
que já existiam há muito, a UDP, O PSR mais recente e
a Política 21, eles três juntos constroem o Bloco de Esquerda, que
tem vindo a ganhar algum terreno, inclusivamente agora faz parte da fórmula
governativa. E o último exemplo é o PAN. O PAN é interessante
porque é um partido construído praticamente inteiramente nas redes sociais. Eles são
um partido que nasceu no Facebook, quer dizer que tem uma abordagem
nova, ou pelo menos de agora, de tentar mobilizar as pessoas e
tem conseguido fazer aquilo que muitos outros não conseguiram com a eleição
de um deputado. Se nós virmos estes partidos, tem... Quer dizer, de
facto as pessoas aqui, do ponto de vista das eleições legislativas, não
têm sido, não têm arriscado muito. Arriscam muito pouco, as pessoas arriscam
muito pouco em Portugal. Há um conservadorismo social muito grande que leva
a que as pessoas sejam, as pessoas são extremamente desconfiadas umas das
outras e também da política. Então, desconfia-se muito e ao mesmo tempo
como se desconfia também dos políticos, quase que a frase é mais
vale aquele que é o... O
Marina Costa Lobo
Exatamente, que é aquele que é desconhecido. Nesse sentido, mas apesar de
tudo, vamos ver, se nós alargarmos a nossa perspetiva às eleições locais
e também às eleições presidenciais, que são eleições interessantes desse ponto de
vista, porque permitem candidaturas independentes, só não há candidatura onde há mais
liberdade para escolher desse ponto de vista, nós vemos que os candidatos
independentes têm feito o seu caminho, até e sobretudo a nível presidencial,
mas também a nível local. Não foi a nível local… Não
Marina Costa Lobo
é? Exatamente. Eu acho que isso é um pouco a chave daquilo
que é o caminho para a inovação partidária ou para a ligação
dos portugueses a novos partidos. Tem que ser com caras conhecidas, porque
as pessoas, como são muito desconfiadas, as lideranças que apareçam de desconhecidos
não merecem o voto dos portugueses, porque as pessoas dizem, mas eu
não conheço estes, quem serão? O que é que eles representam? De
onde é que eles vêm? Não leva à mobilização. Mas, por exemplo,
alguém como o Mario Alegre, numa candidatura independente, foi capaz de suscitar
um apoio muito significativo. Também do ponto de vista das candidaturas independentes,
que sejam de presidentes de Câmara, que tenham realmente um passado muito
conhecido, com certeza que movem as pessoas. Portanto, as pessoas movem-se por
pessoas em quem confiam, mais do que por rótulos ou por bandeiras
que para elas, se calhar até sabiamente, não representam grande coisa. É
preciso saber quem são as pessoas. Eu
Marina Costa Lobo
é preciso colocar nessa equação a abstenção, É que as pessoas votam
sempre nos conhecidos, mas votam cada vez menos. E portanto elas estão
a abandonar o jogo político, o sistema político e desse ponto de
vista é negativo. O que é que acontece? Eu acho que elas,
portanto, por um lado sim votam sempre nos mesmos, pela menor desconfiança
política, por outro há um desacreditar e há um desânimo generalizado. Mas
também coloquemos isto em contexto. O tempo da enorme insatisfação com a
democracia também já não… já passou em parte. Ou seja, se nós
observamos os aerobarómetros é notável que tem havido uma recuperação na confiança
no governo e na satisfação com a democracia em Portugal, muito mais
elevada do que, por exemplo, em Espanha, muito mais elevada do que
na Grécia. Portanto, estamos a recuperar indícios de confiança desde o fim
da Troika, desde a saída, mais ou menos, de volta da saída
da Troika e também acompanha a recuperação económica. Portanto, a satisfação com
a política em Portugal tem componentes económicos, de qualidade de vida e
componentes políticas. Eu acho que não é apenas uma questão socioeconómica, não
tem só a ver com a forma como as pessoas pensam, se
vêem elas no país e na forma como o país está a
evoluir, mas tem muito a ver com isso. Portanto, a questão da
recuperação económica tem influenciado, tem contribuído para uma visão muito mais otimista
e positiva das instituições políticas. É claro que não impede que as
pessoas continuem insatisfeitas em certa medida e se sintam distantes. E é
por isso que eu por acaso, é por isso que nessa medida
Eu também tenho trabalhado, não sei se posso agora introduzir este
Marina Costa Lobo
Claro, já vontade. Portanto, eu acho que há, eu não acho que
tudo se possa reduzir aos outputs da política no sentido das condições
de vida ou da qualidade de vida. Acho que isso é absolutamente
fundamental, mas não é apenas isso. Então, do ponto de vista do
funcionamento do sistema político, eu concordo que há um distanciamento muito grande
entre instituições e cidadãos e que isso está em parte na base
dessa desconfiança que existe e que afasta os cidadãos da política. E
é por isso que eu, aqui há uns anos, propus uma reforma
do sistema eleitoral para introduzir o voto preferencial. Isso também faz parte,
não diretamente, mas a ideia do Observatório da Qualidade da Democracia é
precisamente para os investigadores como eu nos aproximarmos dos problemas que nós
percebemos na sociedade e tentarmos contribuir para a sua resolução. Exato. Então
essa minha proposta de listas preferenciais vai ao encontro dessa distância que
eu identifico entre cidadãos e política. Por exemplo, agora nós estamos a
ver um conjunto de deputados que não declararam corretamente as suas residências
e eu pergunto-me se já tivéssemos listas preferenciais talvez os cidadãos pudessem
sentir um incentivo a ir votar para precisamente, porventura, não voltar.
Claro,
punir
a pessoa. Punir aquelas pessoas que tinham mentido, que ao longo dos
anos mentiram. Atenção, eu acho que há aqui, deixo de fazer um
parênteses, eu acho que
Marina Costa Lobo
algum exagero, há aqui um problema de base, que é os nossos
deputados são mal pagos, isto é real. Concordo. E, portanto, nós teríamos
de fazer aqui dois ajustes. Por um lado, é inaceitável que não
se cumpram as regras que existem e que se minta sobre a
sua residência oficial. Por outro lado, É evidente que há aqui um
problema de fundo, que é reconhecer que o trabalho parlamentar é um
trabalho absolutamente meritório e que tem que ser recompensado condignamente. Portanto, acho
que são duas questões separadas. Mas, de qualquer forma, desde que este
problema surgiu agora nos médicos, tenho lembrado, de facto, desta proposta das
listas preferenciais, que eu tive a ocasião de discutir junto de vários
partidos, fui convidada para vários partidos para apresentar a proposta e tenho
também tentado comunicar e tenho tido muitas ocasiões para isso. Mas, infelizmente,
existe um cemitério de propostas de reforma eleitoral em Portugal já bastante
longo e o que é facto é que não tem sido possível
alterar o que quer que seja. Mas eu queria… Mas deixe-me dizer
ainda outra coisa em relação a isso. Está relacionado com isso. Está
relacionado com o monopólio dos partidos. Portugal, de facto, tem um caso
interessante de resiliência partidária, que contrasta com a maior parte dos países
europeus que nos
últimos
10 anos têm sofrido grandes mudanças e isso tem a ver com
o que nós já falámos do ponto de vista da desconfiança dos
cidadãos em novas apostas, tem a ver com o nosso sistema eleitoral
e a forma como ele também favorece os partidos existentes, Mas tem
a ver também com outra questão que é, penso eu, um crescente
monopólio que os partidos têm exercido sobre os média em Portugal, E
em particular sobre a televisão. E também sobre os jornais, mas a
televisão é verdadeiramente importante em Portugal porque é onde a maior parte
das pessoas obtém toda a sua... Mais do que nos jornais. Muito
mais do que nos jornais. Os jornais são muito importantes porque os
jornais são importantes Porque as pessoas que fazem televisão informam-se nos jornais,
mas não são importantes diretamente para o cidadão de um modo geral
não lêem jornais e a crise arrasou com isso ainda mais. De
qualquer forma, há um monopólio muito grande dos principais partidos em todos
os espaços televisivos, em todos os espaços de opinião, em todos os
espaços de comentário e que impede o acesso de novas vozes, em
larga medida, que poderiam criar essa tal relação de confiança, isso está
absolutamente bloqueado porque os partidos dominam e cada vez mais dominam tudo.
Claro,
José Maria Pimentel
isso até em certo sentido é consequência, esse efeito é que o
facto dos partidos dominarem a televisão é consequência de eles dominarem o
próprio processo eleitoral. Aliás, isso era, Ainda bem que puxou o tema
da questão do sistema eleitoral porque eu queria exatamente falar disso. E
aliás, acho que o exemplo que a Camparina deu faz sentido. E
eu acho que ele faz sentido mesmo que a pessoa não concorde.
A questão das focaturas, se passam a existir ou não. Ou seja,
eu até posso achar que as pessoas não tiveram culpa, mas se
eu achar que os eleitores acham que tiveram, eles devem ter possibilidade
de manifestar essa opinião. Ou seja, isso continua a valer como argumento
a favor desse sistema de voto preferencial. O que eu já agora
teria de lhe pedir para explicar, porque eu próprio não tenho a
certeza se o entendo bem. O que nós temos atualmente é o
sistema de listas, que lá está a contribuir para essa partidarização porque
é a direcção do partido que escolhe uma lista de pessoas por
ordem e depois nós votamos no partido e elegemos em ordem decrescente
o número de deputados correspondentes àqueles votos. Depois há outra proposta que
está nos antípodos a essas, que é a questão dos círculos uniluminais,
em que no fundo há uma pessoa, a pessoa vota diretamente num
deputado que nos vai representar e que é eleito por aquele círculo.
Essa proposta, pelo que eu percebo, está alguras a meio caminho, não
é? Porque é no fundo ter esta lista,
Marina Costa Lobo
mas nós podemos escolher pessoas da lista, não é? Exatamente. Eu estive
a fazer uma análise das propostas anteriores e de todo o debate,
tive-me a familiarizar com todo o debate sobre a reforma do sistema
eleitoral e cheguei a uma conclusão, é de que os partidos não
querem reformar o sistema eleitoral. Então, a partir daqui... E depois há
uma questão adicional que é, o nosso sistema eleitoral está inscrito na
nossa Constituição de 76, pelo que, para mudar a fórmula eleitoral, que
é o método onde, nós precisamos de uma revisão constitucional. Ora isto
significa que nós precisamos do acordo de dois terços da Assembleia da
República, o que implica um alto nível de consenso. É desejável, porque
estamos a falar da reforma do sistema eleitoral, mas na verdade torna-se
francamente difícil. Os pequenos partidos, nós sabemos que sempre estão absolutamente contra
a reforma do sistema eleitoral e, portanto, enquanto existir uma geringonça está
nitidamente adiado, mas de qualquer forma, posto este bloqueio absoluto e estas
dificuldades, eu optei por uma proposta que é uma proposta…
Marina Costa Lobo
Moderada, no sentido em que não implica nenhuma revisão constitucional. Portanto, vamos
dizer, a proposta maximalista para a reforma do sistema eleitoral e que
congrega um conjunto grande de pessoas que apoiariam esta mudança é a
adoção de um sistema alemão. O que é que isto quer dizer?
É um sistema misto, em que nós temos basicamente dois votos, damos
à pessoa dois votos e ela vota num candidato, num deputado, que
é ele que vai, num candidato e numa lista. Isto, depois, a
forma como isto se conjuga, é bastante, pode ser mais ou menos
complexa, mas já estão a perceber, quer dizer, um sistema alemão seria
transformar totalmente o nosso sistema eleitoral e seria um salto no escuro
muito grande para estes partidos que, um, sabem que o eleitorado é
relativamente hostil e, dois, que a Europa está toda em grandes transformações
partidárias e, portanto, que eles estão numa posição relativamente frágil, mas que
de alguma maneira são resilientes. Portanto, vontade de mudança, zero. Claro,
Marina Costa Lobo
Então, no sentido de aumentar a escolha e porque me parece que
Os partidos nos últimos tempos têm dado mostras que não escolhem particularmente
bem a classe política e, por um lado, e por outro lado
porque me parece que os cidadãos têm uma maturidade suficiente para que
lhes seja dada uma palavra sobre quem é que nos representa na
Assembleia da República, a proposta que eu faço é uma proposta de
introdução de listas preferenciadas. O que é que isto quer dizer? A
maior parte dos países europeus permite uma escolha, permite exprimir uma preferência.
Há muitas maneiras de o fazer e a proposta que eu fiz
é moderada porque, em vez de dizer, os partidos apresentam listas por
ordem alfabética e depois as pessoas votam em quem quiserem e assim
selecionam os deputados. Eu não digo isso, eu digo o partido ordena
a lista, portanto, damos a primeira palavra aos partidos, reconhecendo o lugar
central que tem na nossa democracia. Mas, se houver um número, e
depois as pessoas votam preferencialmente, Se houver um número suficiente de votos
em cada, em certos deputados que estejam, candidatos que estejam mais para
o fim da lista, esses deputados sobrepõem-se à ordem, alteram a ordem
pré-definida pelos partidos, mas tem que haver um número mínimo de votos
preferenciais nesse candidato. Mas
Marina Costa Lobo
vez de votar num partido, vota no nome de um candidato dessa
lista. Portanto, o boletim de voto, em vez de ser um boletim
que apenas... Isto é engraçado, porque o boletim de voto torna-se um
pouco mais complexo e em vez de ter um boletim de voto
como nós temos agora com a lista dos partidos e põe a
cruz ao lado do seu partido preferido, O que é que acontece?
Tem um boletim de voto que tem colunas que listam os candidatos
por cada um dos partidos que concorrem nesse círculo. Então vamos ver.
E eu estou a dizer isto porque nós fizemos um estudo, fomos
as primeiras que fizemos aqui um estudo, havia um grande debate que
era completamente teórico, das pessoas diziam, incluindo Francisco Colossa e outros, que
diziam não, não, nós não podemos dar essa escolha às pessoas, porque
as pessoas não sabem escolher entre candidatos de um conjunto de partidos.
Imaginemos Lisboa, que é o caso mais extremo, porque nós temos 47
candidatos em Lisboa, 47 lugares de deputados e 47 candidatos por cada
partido e nesse caso o nosso boletim de voto, nós em 2015
fizemos um inquérito à boca das urnas, em que à medida que
as pessoas iam saindo de terem votado em 2015, tínhamos, por favor
venha aqui votar novamente. Mas, olha, temos um boletim novo, o boletim
é este, e usámos os nomes que eram os mesmos, eram os
candidatos reais em 2015, apareciam no boletim de voto, tinham formato A3
e listava os partidos com os candidatos. E o que é que
nós verificámos? Ao contrário daquilo que se podia perceber, de termos uma
porcentagem muito elevada de votos nulos ou brancos. Não, nós tivemos… as
pessoas em Lisboa que votaram com esse boletim de voto, que nunca
tinham visto na vida, votaram facilmente em candidatos. Só a porcentagem de
nulos e brancos foi de cerca de 6%, que é exatamente a
percentagem de nulos e brancos
Marina Costa Lobo
Exatamente. Porquê? Porque Lisboa tinha os líderes partidários, tinha pessoas notáveis, portanto,
de facto havia notoriedade de candidato. Quase todos os partidos as pessoas
não escolhem entre partidos, as pessoas já têm uma área ideológica muito
concreta, as pessoas não são folhas em branco, nem têm que escolher
entre, porque naturalmente que existem muitos nomes naquele papel. Mas eu como
não sou uma folha em branco, eu já sei qual é a
minha área ideológica, provavelmente sei qual é o partido do qual estou
um bocadinho mais próxima, pelo menos em termos de área ideológica já
tanto. E depois a partir daí selecionamos o que é que preferimos
e por isso é que a escolha se torna relativamente fácil. E,
tendo em conta os níveis de escolaridade e etc, de maturidade cívica
em Portugal, eu penso que é a escolha absolutamente óbvia. Isso é
engraçado. E o estudo mostrava isso.
José Maria Pimentel
Esse estudo tem muita piada, porque de facto comprova que é perfeitamente
possível implementar isso na prática. E as objeções que se vêem em
relação a isto, obviamente muitas delas calculistas, mas também têm a ver
com uma espécie de paternalismo, que já vem muito atrás, desde o
início do liberalismo, que havia. E em parte com razão, aquela lógica
de, bom, nós não podemos fazer aqui uma coisa à inglesa porque
as pessoas não existem literacia e, portanto, as pessoas não são capazes
de votar por si próprias. Daí que o direito ao voto se
tem ido alargando muito devagar até abranger toda a gente.
José Maria Pimentel
E aquilo que me parece quase inquestionável nisto é, é evidente, para
mim acho que é quase indefensável, ao contrário, que a maneira como
o sistema está montado é imperfeita. Depois eu acho que se pode
discutir, lá está, partindo deste ponto, para onde é que nós vamos?
Para uma, para círculos uniluminais absolutos em que alguém que ganha todos
os votos, ganha o único lugar daquele sítio, alguma coisa ao meio
do caminho, como é esta proposta, e menos ao meio do caminho,
como é a versão alemã, ou não. Isso eu acho que é
discutível, porque existem muitos trade-offs entre uma coisa e outra, e isto
tem obviamente o risco, e existe em alguns países, por exemplo no
Brasil se está visível com aquele fenómeno do tiririque, não sei se
se lembra, de que de repente alguém que dá muito nas vistas
por bons ou maus motivos acaba por ser eleito porque o sistema
está feito para destacar pessoas mas isso é perfeitamente mitigável, não é?
Dela está a dizer a pessoa não passar para um extremo. Agora,
que é evidente que o sistema agora tem um problema enorme, que
as pessoas não têm possibilidade de escolherem quem votam. No fundo, a
lista é feita de cima. E depois há o outro lado, que
é... Essa explicação lá está paternalista, assume que existe apenas uma causa
e efeito, quando na verdade existe... Há que a causa e o
efeito também se invertem, ou seja, se eu der às pessoas a
possibilidade de ter alguma agência sobre quem é que vão escolher, Isso
até pode não ser perfeito no início, mas está a instilar no
sistema um espírito de cidadania que depois vai dar frutos. Até pode
não resultar bem logo.
Marina Costa Lobo
Eu acho que isso tem… as vantagens que isso tem é da
disciplina parlamentar. Portanto, a vantagem é que os grupos, quando dependem da
direção, são muito mais coesos na altura de votar no Parlamento e
isso cria disciplina, disciplina do partido parlamentar do governo em relação ao
governo, portanto isso tem muitas vantagens. Daí que a minha proposta não
seja acabar com isso completamente, porque se tivermos 320 deputados, cada um
a servir o seu círculo, também geramos problemas importantes, não é? Sim,
temos uma escassez de
queijo limiano. Exatamente. Por dia. Por mil. Agora, daí esta ideia da
lista ser ordenada pelo partido, mas poder ser corrigida pelos cidadãos. Portanto,
não retirar a chefia do processo, a liderança do processo aos partidos,
mas permitir a palavra dos cidadãos para alterar essa ordem e acho
que isso é um compromisso, lá está.
José Maria Pimentel
E é uma coisa, isso que a Mariana diz, é verdade, obviamente
que temos um sistema de, primeiro, nem sequer faz sentido num país
como Portugal, que não é uma federação, mas ter um sistema em
que há uma heterogeneidade tal que é muito difícil governar porque não
há uma maioria coesa, é pernicioso. Mas o contrário, como nós temos,
também não parece bom. E nós temos um fenómeno, até é outro
paradoxo, porque nós temos atualmente sete partidos, talvez, no Parlamento, se contarmos
com o PEB, e aparentemente temos diversidade. Quer dizer, em termos europeus,
temos à julga para lá da média, ou no mínimo na média
em termos de diversidade. E se compararmos com o sistema americano ou
a inglesa em que há dois ou três partidos, temos claramente um
parlamento diverso. No entanto, como eles todos votam a emanada passa a
expressão praticamente em todos os projetos de lei, no fundo nós temos
uma falsa diversidade, porque por exemplo se a pessoa vir o Parlamento,
o Congresso Americano, por exemplo, embora seja uma realidade completamente diferente, e
embora isso hoje em dia aconteça até menos do que acontecia no
passado, infelizmente, mas no passado isso era bastante visível. No fundo, por
baixo daquela aparente falta de diversidade de haver dois partidos, havia pessoas
a votar em vários sentidos e não havia uma previsibilidade. E aqui
Nós temos muitos partidos, mas na prática é como se só tivéssemos
5 deputados sentados cada um em sua bancada.
José Maria Pimentel
Esta questão do voto preferencial, eu já percebi que é algo em
que a Marina tem estado muito empunhada nos últimos tempos. Eu queria
lhe fazer uma pergunta já antes, vou fazer-lhe na mesma porque julgo
que haverá outras propostas. Eu acho que foi uma formação interessante. Se
pudesse ser uma espécie de rainha filósofa, a antiga, daqueles que têm
no fundo um poder direto de influenciar a realidade. Uma das medidas
que tomaria, claramente, era a do voto preferencial, a Proventura até iria
mais longe. Que outras medidas é que tomaria em relação ao nosso
sistema político? E se calhar, começando pelo sistema eleitoral, mas se quiser,
em relação ao próprio sistema político, ou seja, ao sistema de governo
e ao próprio…
Marina Costa Lobo
Claro. Eu, Quando comecei a estudar, a investigar em ciência política, interessei-me
bastante pelo governo e pela sua relação com o presidente da república.
E fiz alguma investigação sobre o semipresidencialismo e sou adepta do nosso
regime. Portanto, acho que o semipresidencialismo em Portugal tem funcionado bem, sobretudo
a partir da revisão constitucional de 1982 em que os poderes presidenciais
diminuíram substancialmente. No entanto, acho que ainda haveria uma medida que poderia,
e já escrevi sobre isso, portanto estou à vontade para falar, num
livro, um e-book que foi publicado na Fundação Francisco Manuel dos Santos,
que é sobre a introdução da moção de censura construtiva. Portanto, a
ideia era fortalecer o governo vis-à-vis o Parlamento no sentido de…
Marina Costa Lobo
Exatamente. Portanto, a moção de censura é construtiva a partir do momento
em que não apenas se deita abaixo o governo, mas se tem
uma alternativa parlamentar a propor que o irá substituir. E isto torna
a moção de censura mais difícil, porque não se irá agir irresponsavelmente
apenas para deitar abaixo um governo e sim ter já uma alternativa.
E, portanto, essa seria uma pequena modificação que eu introduziria apenas para
fortalecer um pouco o governo em relação ao Parlamento, até porque nós
em Portugal temos tido governos minoritários e temos tido governos minoritários frágeis
e desse ponto de vista iria fortalecer essa fórmula de governo minoritário.
Desde esse ponto de vista seria importante essa introdução. Depois, outro tema
sobre o qual eu tenho também publicado algumas coisas e escrito, é
sobre o financiamento partidário. O Financiamento partidário em Portugal é um problema
que me parece bastante grave e que recentemente, os partidos recentemente, legislaram
mal, no meu entender, e portanto o que é que eu tenho
vindo a dizer também é que Portugal tem percorrido um caminho certo,
no sentido de enverdar pelo financiamento público em detrimento do financiamento privado.
Portanto, isso do meu ponto de vista está correto porque os partidos
são entidades públicas que prestam serviço público e não podem estar condicionados
por interesses privados mais ou menos transparentes. Que é a situação quando
existe apenas, quando O financiamento é livre, o financiamento privado é livre.
Portanto, eu penso que os partidos devem ser financiados publicamente, mas o
que se passa em Portugal é que, especialmente a partir de 2013,
os partidos foram… houve um financiamento exponencial dos partidos e isso também
explica aquilo que nós falámos antes, que é a resiliência do sistema
partidário, porque há barreiras à entrada relativamente elevadas para a constituição de
partidos políticos, até houve um partido, o partido Marinho e Pinto, até
tomou um partido para não ter que criar um novo, porque criar
um novo é extremamente difícil. E depois, os partidos parlamentares têm financiamentos
exorbitantes. O que é que aconteceu? Houve um corte desse financiamento durante
a crise e depois houve uma tentativa de reverter esses cortes e
eu até nessa altura tive a ocasião, porque estava envolvida num projeto
internacional e pude demonstrar, porque tinha dados, que já são de 2015,
mas não foi assim há tanto tempo, que Portugal é um dos
países em que o financiamento público é mais elevado, porque nós não
tínhamos ainda dados comparativos sobre isso e eu consegui, por acaso estava
a participar neste projeto e tive a ocasião nessa altura de participar
no debate e de mostrar que o financiamento público em Portugal é
muito exagerado e contribui para que esses cortes não fossem revertidos. Fiquei
bastante satisfeita com isso. Agora, mais recentemente, Houve novas tendências, porque os
partidos agem em oligopólio da esquerda à direita na tentativa de aumentar
o seu financiamento e mais recentemente, infelizmente, conseguiram que… eles podem organizar
todo o tipo de eventos e ser financiados pelos privados, enfim, estão
sempre a encontrar formas de não só de conseguir voltar ao financiamento
privado, que tinha sido mais ou menos o compromisso que tinham assumido
de ter mais financiamento público, em detrimento do privado, mas agora estão
a relaxar novamente essas regras para aumentar o seu financiamento privado, depois
tentaram também estar isentos de IVA, enfim, uma série de medidas, por
acaso A isenção de IVA penso que foi votada pelo Presidente da
República, mas nem tudo foi impedida. Acho que há aí… O terceiro
ponto sobre o qual eu também tenho escrito é a questão da
tendência crescente dentro dos partidos para a personalização do líder e isso
tem a ver com o declínio da importância dos congressos nos partidos,
as eleições diretas do líder, e agora, por exemplo, no PS a
última eleição de António Costa ocorreu com a eleição para secretário-geral que
permitiu-se também a abertura aos simpatizantes. Tudo isto parece muito bonito mas
na verdade o que faz é esvaziar os partidos por dentro. Eu
acredito profundamente que não há democracia sem partidos e os partidos estão
neste momento a sofrer pressões enormes para serem meros rótulos com um
líder à cabeça, porque a ligação aos militantes e aos simpatizantes acaba
por libertar o líder para dominar totalmente o partido e o partido
deixa de existir fora dos atos eleitorais e eu acho que isto
não desifica a democracia. Portanto, isso é outra área. É uma questão
bem interessante. É outra área em que eu também tenho falado bastante,
tenho escrito sobre isso, haveria outras. Não,
mas esta não precisa
de fazer. Não, mas e por isto para falar de questões onde
eu tenho… isto tudo são coisas que talvez sejam pequenas, não são
mudanças fundamentais do sistema político, porque eu acho que de um modo
geral, olhando para trás, o sistema político tem resistido e tem conseguido
ter um nível de performance de algumas perspectivas relativamente positivo, mas há
questões básicas, importantes e graves que tratam da confiança que se pode
ter no sistema, como seja a do financiamento, como seja a do
sistema eleitoral, como seja a do funcionamento dos partidos, que poderiam melhorar
substancialmente a forma como a democracia funciona em Portugal.
José Maria Pimentel
Ah, sim? Ah, não sabia. Boa, pelo menos está a fazer algum
caminho. Verdade. Em relação a estes três pontos que a Mariana falou,
que são da moção construtiva, faz todo o sentido, no fundo é
não derrubar um governo sem ter alternativa, o que introduz estabilidade. E
a nossa democracia, como de resto todos os nossos sistemas democráticos, desde
o liberalismo constitucional, da monarquia constitucional, houve sempre enorme instabilidade e a
atual, embora não seja nada comparável, continua a comparar, por exemplo, mal
com Espanha e, portanto, isso ajudaria a introduzir alguma estabilidade, que são
os diferenciamentos também. Este último ponto que a Mariana falou é interessante
e acho contraintuitivo, o que me suscita alguma curiosidade, porque se costuma
falar das eleições diretas como lá está a chegar mais perto do
cidadão e o seu ponto é no fundo o contrário, é dizer
que ao criar eleições diretas está-se a transformar o partido quase numa
espécie de produto que a pessoa gosta ou não gosta, compra ou
não compra e a esvaziar a participação. E o facto, a minha
intuição, eu nunca tinha pensado nisso dessa forma, mas a minha intuição
em relação ao nosso papel cívico, bem, o que o Termin fala
em certo sentido, é exatamente essa, foca-se muito o papel do voto,
que a obrigação da pessoa é votar, o que é obviamente verdade,
mas a intervenção cívica deve ser feita nos partidos. Eu, aliás, sou
da opinião, isto ligo com o que eu já disse no início,
que a pessoa até deve, em lugar de estar à espera daquele
partido, lá está o produto que nos representa perfeitamente. Exato, não existe.
A
pessoa deve fazer justamente o contrário, que é o que a pessoa
faz na vida normal, que é intervir e a partir de dentro
fazer passar as nossas ideias. E o que tem acontecido, que é
exatamente o contrário, é essa espécie de esvaziamento dos partidos, leva a
que depois haja uma seleção adversa, por usar aqui um conceito económico,
haja uma seleção adversa, que é exatamente o que tem acontecido, que
é, obviamente que isto é uma generalização, mas as pessoas, aquelas pessoas
que têm de facto ideias e que têm um espírito, digamos, mais
altruísta, não entram porque não querem fazer parte daquele clube. E aqueles
que entram e de facto querem fazer parte do clube são aqueles
que não se desejaria que entrassem. E isso é…
Marina Costa Lobo
Quer dizer, Eu acho que a democracia não se faz só com
cidadãos, a democracia… os partidos são absolutamente centrais para a democracia e,
portanto, nós temos de olhar para formas de os fortalecer, de lhes
dar mais vitalidade, mais qualidade, por isso é que eu não sou,
eu não estou de acordo com o seu esvaziamento e perpétuo sempre
a favor do cidadão, do indivíduo que vai votar num dado momento,
porque O que nós verificamos é que nesses casos o partido torna-se
completamente refém do líder. O partido não é refém do líder quando
existem militantes ativistas, quer dizer, pessoas de facto que têm uma participação
cíclica contínua dentro do partido e não apenas vão lá votar nesta
ou naquela ocasião. Portanto, acho que tem que haver aqui um equilíbrio
entre aquilo… nós não podemos caminhar por uma democracia plebiscitária, eu acho
que não é essa… esse não deve ser o objetivo. Deve ser
o objetivo trazer os cidadãos para a política, mas existem instituições intermediárias
e nós não podemos pensar que vamos eliminar os partidos, devemos trabalhar
para melhorar o seu funcionamento, a sua transparência, mas não contra os
partidos, porque começar a pensar que devemos combater os partidos é meio
que a minha ideia, o meu entender, para combater a democracia.
José Maria Pimentel
Claro, sim, as duas coisas estão ligadas. Há outra proposta que vocês
costumam fazer em relação ao sistema político, eu gostava de saber a
sua opinião, que é a questão da… e isso entrou, a Maria
de Abacate começou a explicar que o nosso sistema é semipresidencialista, o
que não é um selo, não sei, completamente concepcional, aquele que se
chama parlamentarismo racionalizado, se há de ler, porque o nosso sistema é
mais parlamentarista que o típico semipresidencialista, que é mais um sistema tipo
francês.
José Maria Pimentel
Claro, o ponto que está por trás disso e eu acho que
confesso que faz algum sentido, é que o nosso presidente da república,
o cargo de Presidente da República é eleito por sufragio universal diretamente,
isso é
um
facto, mas por outro lado tem um poder menor do que os
semipresidentes, faço a expressão dos presidentes em semipresidencialismo eleitos dessa forma. Ele
tem até um poder mais comparável àqueles Presidentes que são eleitos de
forma indireta, como, salvo erro, acontece em Itália e na Alemanha, por
exemplo. O que, portanto, não é bem... E isto leva-me à pergunta
que eu queria fazer, que é relacionada com uma proposta. Que de
vez em quando ressurge, e a Marina provavelmente já devia ter ouvido
o que acabou de falar, que é a questão da introdução de
uma Câmara Alta, isto é, de um Senado para além do Parlamento.
E muitas vezes surge simplesmente essa proposta, outras vezes surge essa proposta
aliada à própria mudança do processo de eleição do Presidente, porque no
fundo o Senado substituir-se-ia aquilo que o Presidente faz muitas vezes de
vetos, de leis e, no fundo, uma espécie de supervisão em relação
ao Parlamento, como acontece em alguns países. Qual é a sua visão
em relação a isto?
Marina Costa Lobo
Eu não concordo com a ideia de que o presidente em Portugal
não tenha poderes relevantes. Se não vejamos, temos que pensar que os
poderes presidenciais são de dois tipos, não legislativos e legislativos. Do ponto
de vista daquilo que o José Maria estava a dizer, estava a
falar sobretudo de poderes legislativos, poderes de veto político, em view de
diplomas para o Tribunal Constitucional, e aí é verdade que o nosso
Presidente tem poderes relativos, porque os poderes do presidente dependem da maioria
que existe no Parlamento. Se existe uma maioria, se o governo tem
uma maioria na Assembleia da República, ele pode ultrapassar, os VETs podem
ultrapassar, tudo pode ser ultrapassado. Agora, o poder do Presidente da República
é sobretudo maior e daí é sobretudo maior e destaca-se em relação
a outros presidentes europeus que são semipresidenciais, que existem em regimes semipresidenciais,
do ponto de vista não legislativo, do que é que estamos a
falar, da possibilidade de dissolução da Assembleia da República, que não exige
nenhuma, não tem nenhum condicionalismo, para além do temporal, não pode ser
nos primeiros seis meses, nos últimos seis meses do mandato governativo, da
possibilidade de demitir o primeiro-ministro sempre que estiverem em causa o funcionamento
das instituições, e isso também nunca foi feito desde a revisão de
82, mas está lá na Constituição e continua a existir. Portanto, estes
poderes do presidente são muito importantes porque tornam-nos um ator fundamental, especialmente
quando os governos são frágeis, como ocorre bastante em Portugal, quando são
ou minoritários ou são de coligação, uma coligação frágil. E, portanto, eu
acho que o Presidente exerce aí um papel de árbitro muito significativo,
consoante isto depois é temperado pelo tipo de governo que existe. Se
for um governo maioria absoluta, obviamente que os poderes ficam reduzidos, ficam
minorizados. Se for um presidente perante um governo minoritário, perante… portanto, há
aqui várias variáveis a ter em conta, há a cor ideológica do
presidente e do governo, tudo isso é importante. Se estamos no primeiro
ou no segundo mandato presidencial, mas o presidente tem poderes não legislativos
bastante significativos que um Senado nunca teria. Portanto, desse ponto de vista,
eu não vejo como é que um Senado poderia substituir. O Senado
substitui do ponto de vista legislativo, sim, nos poderes legislativos, mas não
do ponto de vista que me parece mais importante, que é do
ponto de vista não legislativo. Outra função que o Presidente desempenha tem
a ver com a escofia de Estado e que nós estamos agora
a observar com Este presidente Marcel, este presidente Marcel que tem uma
proximidade grande aos cidadãos, é um certo simbolismo de Estado, que tem
uma mais-valia grande para as instituições políticas em geral e que também
não me parece que poderia ser desempenhado por um Senado multipessoal.
Marina Costa Lobo
Que agora estamos a ver e que também vimos em certa medida
com o Soares, eu acho que também havia ali uma dimensão de
Presidente de Rei, pelo menos em alguns momentos, mas que de facto
empresta uma legitimidade ao sistema político que um órgão multipessoal dificilmente poderá
dar. Depois, além disso, o presidente também tem uma dimensão super partidária
que é importante em Portugal, porque contrasta, faz o contraste com o
governo, com a Assembleia da República, que mais uma vez o Senado
não poderia dar. Portanto, o que é que o Senado poderia dar?
Uma representação regional que nós não temos, mas parece-me que para um
país da dimensão de Portugal isso não é assim tão importante. E
teria custos. Isso
José Maria Pimentel
Claro. Marina, vou terminar. Só vou comentar muito rápido em relação a
isso que se disse, com o que eu... Tu tens razão, o
resto das coisas também não é verdade. Embora saia um ponto que
eu disse que eu não concordo completamente, ou por outra, colocar ali
algumas matizes, que é esse superapartidarismo do presidente. Eu não acho que
funcione bem, acho pelo contrário, e aí eu acho que o Sonata
até poderia ser melhor, até por uma questão de diversificação. O presidente,
e essa é uma das grandes dificuldades em manter este sistema sofrágico
e direto com alguém que depois não tem poderes executivos e que
ao mesmo tempo tem obviamente uma orientação ideológica como todos nós, é
que das duas uma, ou temos uma campanha com uma ideologia marcada,
por exemplo, pegando as últimas eleições, à la Sampaio da Nova, ou
temos uma campanha que por não ter uma ideologia marcada se esfuma,
provavelmente já pouca gente se lembra disto, mas a campanha presidencial do
al-presidente Marcelo Bolsonaro foi totalmente vazia porque obviamente ele não se queria
comprometer com nada e portanto era a única hipótese que ele tinha
era manter-se ali. O Senado, nesse aspecto de supervisor mais neutro, eu
acho que até poderia resultar melhor. No resto concordo. Apenas pelo efeito
de diversificação. Diversificação entre, seja deputados que foram deputados durante muitos anos,
seja pessoas que estivessem a representar os interesses de outras regiões, embora
eu concorde que em Portugal não há...
Dimensão.
Sim, é um país demasiado, quer dizer, praticamente mil anos de história
e é um país relativamente pequeno, não é provavelmente uma federação. Mas
enfim, Maria, terminamos por aqui. Como combinado, eu lhe pedi só rapidamente
para recomendar um livro que aches particularmente marcante relacionado ou não com
aquilo que estivemos a falar. Por
Marina Costa Lobo
acaso, eu ia recomendar um livro que não está diretamente relacionado com
aquilo que estivemos a falar, mas, de certa forma, Está relacionado com
um projeto que eu estou agora a desenvolver, que é um projeto
sobre a forma como as democracias nacionais se relacionam com o projeto
europeu. Tudo isto está… as nossas democracias nacionais têm que ser pensadas
no contexto europeu. Claro, disso eu li. E li agora um livro
muito interessante de um politólogo chamado Ivan Krastev, que não está publicado
em português, que se chama After Europe. E é interessante porque nós
aqui em Portugal eu penso que não conseguimos imaginar o nosso futuro
sem a Europa. Mas este homem é sérvio e vive na Bulgária
e sendo sérvio tem uma perspectiva muito interessante porque ele vivia num
país que era a Jugoslávia, nasceu lá, um país que se desintegrou
e que posteriormente também assistiu à desintegração da União Soviética e eles,
na Europa de Leste, têm claramente a noção de projetos que parecem
eternos e que afinal de contas são efémeros. E este livro fala
da Europa, do projeto europeu, como um projeto que está em desintegração
e a mim fez-me... Gostei de o ler porque faz-me questionar um
conjunto de pressupostos que aqui em Portugal tomamos por garantidos sobre o
futuro do projeto europeu.