#23 Marina Costa Lobo - sistema político, satisfação com a democracia, sistema eleitoral, etc

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José Maria Pimentel
Bem-vindos ao 45°. Neste episódio estou à conversa com Marina Costa Lobo sobre Ciência Política. A convidada é doutorada em Ciência Política pela Universidade de Oxford e é atualmente investigadora principal do Instituto de Ciências Sociais. Conversámos sobre temas como a satisfação dos eleitores com a democracia, o sistema eleitoral português, o financiamento público dos partidos, o papel do Presidente da República, entre outros. Foi uma conversa ultra interessante que me permitiu não só perceber melhor o nosso sistema político e a forma como compara com os de outros países, mas também de que forma é possível melhorá-lo. Uma das propostas da convidada, a obrigatoriedade de uma moção de censura construtiva para derrubar um governo, acaba por coincidência enorme de ser utilizada em Espanha. Foi o que permitiu a Pedro Sanchez, há uma semana, com o apoio de outros partidos da oposição, tornar-se primeiro-ministro. Uma última nota para lembrar que podem tornar-se apoiantes deste projeto através do Patreon, no site www.patreon.com.br. Agradeço desde já os patronos João Vítor Baltazar e Ana Mateus pelo apoio generoso. Mas já chega, sem perder mais tempo, vamos então à conversa com Marina Costa Louro.
José Maria Pimentel
Marina, bem-vindo ao podcast.
Marina Costa Lobo
Boa tarde, obrigada pelo convite.
José Maria Pimentel
Vamos falar de ciência política. Há uma série de temas da ciência política, em particular da sua área de investigação, que eu gostava de falar, sendo que a área de investigação é tão alargada que obviamente não vamos falar de todos eles muito longe disso. Porque
Marina Costa Lobo
eu já tenho alguns anos de casa, digamos assim.
José Maria Pimentel
Exatamente. Por exemplo, os temas políticos, os temas eleitorais, atitudes e comportamentos de eleitores. E Há um que é mais recente, acho eu, e até era interessante começar por aí, que é a questão da qualidade da democracia. A Maria coordena o observatório da qualidade da democracia e que no fundo estuda, como não me diga, a qualidade da democracia em Portugal e também a perceção, ou sobretudo a perceção dos eleitores e da população em geral em relação à qualidade da democracia. E era interessante começar por aí porque acho que isso depois nos leva, a partir daí desenrolarmos a teia e chegamos a estudar o que está por trás disso. Há uma série de fontes de insatisfação dos portugueses com a democracia, não é que essa insatisfação seja completa. Uma delas tem que ver, por exemplo, com a falta de representatividade, a noção de que a política ou quem exerce caros políticos está muito longe de nós e não reflete os nossos interesses, exatamente, as nossas vontades e os nossos interesses. Também tem a ver com uma certa… que não é necessariamente a mesma coisa, que é até um bocadinho paradoxal, que é a falta de identificação com os partidos. Eu digo que é paradoxal, porquê? Porque existem dezenas de partidos em Portugal, sobretudo se nós considerarmos todos aqueles que surgiram nos últimos 20 anos, facilmente temos, acho que é contado de duas mãos cheias, até mais de partidos.
Marina Costa Lobo
Nas últimas eleições hoje houve salvo R12 partidos que se candidataram.
José Maria Pimentel
Pois, exatamente. E se contarmos aqueles que se candidataram em anterior, temos já contado muito mais. Bastante mais do que duas mãos. E estão sempre a surgir movimentos novos e, no entanto, há essa… Com muito pouco aderência. Exatamente, o que é bizarro, um bocadinho paradoxal. Eu não sei por onde é que quero começar, a minha ideia era tentar, porque eu com base nesse trabalho, quais são as características que ressaltam mais desta insatisfação, como origem da insatisfação?
Marina Costa Lobo
Nós no Observatório da Qualidade da Democracia o que tentamos fazer é reunir um conjunto de pessoas que se interessam por temas variados que estão ligados com a qualidade da democracia, um deles é esse, sem dúvida, da representatividade dos partidos, outro é essa, a disfração com a democracia. Temos tido, fizemos um trabalho bastante interessante nos 40 anos da democratização, sobre as atitudes em relação ao 25 de Abril, em que medida é que o processo de democratização já se tinha consensualizado entre os portugueses ou se ainda dividia muito os portugueses. Temos conseguido realizar um conjunto de estudos que nos permitem devolver à sociedade portuguesa uma imagem daquilo que elas sentem em relação à política. Desse ponto de vista, o diagnóstico sobre a distância em relação à política está feito e ele é bastante grande. Nós temos vários indicadores que nos mostram isso. O primeiro será certamente a abstenção, que é um indicador de comportamento e nós sabemos que a abstenção em Portugal é elevada, tem vindo a ganhar força. Há problemas de medição dessa mesma abstenção, portanto nós não temos uma medição correta porque temos um valor relativamente elevado da abstenção técnica, mas de qualquer forma ele é um fenómeno preocupante que é sobretudo, existe também tal como noutros países, sobretudo entre os jovens, mas também não apenas entre os jovens. E aí em particular chegamos a esse ponto que é importante, àqueles que não têm identificação partidária. Nós também sabemos que quem não tem identificação partidária quando chega ao dia de votar tem maior probabilidade de ficar em casa. E, portanto, essa questão da identificação partidária é fundamental porque ela vai ancorar toda a nossa relação com a política. E O que nós vimos com os vários inquéritos que temos vindo a fazer é que houve uma… a identificação partidária em Portugal já era baixa, relativamente baixa, mas ela diminui drasticamente a partir do… com a crise, com a crise mais recente. Portanto, Nos últimos 8 anos ela entra em franca deterioração comparando dados de 2011 e 2015. Portanto, temos abstenção, temos uma fracuíssima assumida, pelo menos, identificação com os partidos existentes. Portanto, temos uma massa muito grande de eleitores potenciais, votantes potenciais, que estariam aí para serem mobilizados por novos partidos. Mas é como diz o José Maria, os partidos aparecem, novos partidos, e com raras exceções eles acabam por não conseguir vingar, não conseguir atrair votantes, sejam eles novos votantes, sejam votantes existentes de outros partidos. E isso, as exceções quais foram? Tivemos o PRD em 1985, 7… desculpe, 5. Em 1985 ganhou 18% dos votos, portanto entrou com um furacão na política partidária portuguesa, diminuiu drasticamente o voto do PS e no entanto depois Praticamente desapareceu logo a seguir na eleição seguinte e na posterior acabou mesmo. Temos o outro exemplo, esse mais positivo, entre aspas, que é o do Bloco de Esquerda. O Bloco de Esquerda entra em 99, é a última grande inovação, se não contarmos com o PAN, mas temos o Bloco de Esquerda que entra em 1999 e é uma junção de três partidos existentes, que já existiam há muito, a UDP, O PSR mais recente e a Política 21, eles três juntos constroem o Bloco de Esquerda, que tem vindo a ganhar algum terreno, inclusivamente agora faz parte da fórmula governativa. E o último exemplo é o PAN. O PAN é interessante porque é um partido construído praticamente inteiramente nas redes sociais. Eles são um partido que nasceu no Facebook, quer dizer que tem uma abordagem nova, ou pelo menos de agora, de tentar mobilizar as pessoas e tem conseguido fazer aquilo que muitos outros não conseguiram com a eleição de um deputado. Se nós virmos estes partidos, tem... Quer dizer, de facto as pessoas aqui, do ponto de vista das eleições legislativas, não têm sido, não têm arriscado muito. Arriscam muito pouco, as pessoas arriscam muito pouco em Portugal. Há um conservadorismo social muito grande que leva a que as pessoas sejam, as pessoas são extremamente desconfiadas umas das outras e também da política. Então, desconfia-se muito e ao mesmo tempo como se desconfia também dos políticos, quase que a frase é mais vale aquele que é o... O
José Maria Pimentel
mal conhecido.
Marina Costa Lobo
Exatamente, que é aquele que é desconhecido. Nesse sentido, mas apesar de tudo, vamos ver, se nós alargarmos a nossa perspetiva às eleições locais e também às eleições presidenciais, que são eleições interessantes desse ponto de vista, porque permitem candidaturas independentes, só não há candidatura onde há mais liberdade para escolher desse ponto de vista, nós vemos que os candidatos independentes têm feito o seu caminho, até e sobretudo a nível presidencial, mas também a nível local. Não foi a nível local… Não
José Maria Pimentel
são independentes puros, na maior parte dos casos, não
Marina Costa Lobo
é? Exatamente. Eu acho que isso é um pouco a chave daquilo que é o caminho para a inovação partidária ou para a ligação dos portugueses a novos partidos. Tem que ser com caras conhecidas, porque as pessoas, como são muito desconfiadas, as lideranças que apareçam de desconhecidos não merecem o voto dos portugueses, porque as pessoas dizem, mas eu não conheço estes, quem serão? O que é que eles representam? De onde é que eles vêm? Não leva à mobilização. Mas, por exemplo, alguém como o Mario Alegre, numa candidatura independente, foi capaz de suscitar um apoio muito significativo. Também do ponto de vista das candidaturas independentes, que sejam de presidentes de Câmara, que tenham realmente um passado muito conhecido, com certeza que movem as pessoas. Portanto, as pessoas movem-se por pessoas em quem confiam, mais do que por rótulos ou por bandeiras que para elas, se calhar até sabiamente, não representam grande coisa. É preciso saber quem são as pessoas. Eu
José Maria Pimentel
só acho que é uma coisa que eu diria de maneira diferente, eu não acho que seja pessoas em quem confiam, mas pessoas em quem desconfiam menos. Porque não é provavelmente confiança, é simplesmente porque senão não havia este paradoxo. Havendo insatisfação com o sistema, a única coisa que pode explicar que as pessoas continuem a votar nos mesmos partidos, isto de uma maneira completamente positivista, não há aqui nenhuma carga valorativa, é essa espécie de paradoxo da pessoa votar no mal conhecido, porque senão ia para uma alternativa. Mas
Marina Costa Lobo
é preciso colocar nessa equação a abstenção, É que as pessoas votam sempre nos conhecidos, mas votam cada vez menos. E portanto elas estão a abandonar o jogo político, o sistema político e desse ponto de vista é negativo. O que é que acontece? Eu acho que elas, portanto, por um lado sim votam sempre nos mesmos, pela menor desconfiança política, por outro há um desacreditar e há um desânimo generalizado. Mas também coloquemos isto em contexto. O tempo da enorme insatisfação com a democracia também já não… já passou em parte. Ou seja, se nós observamos os aerobarómetros é notável que tem havido uma recuperação na confiança no governo e na satisfação com a democracia em Portugal, muito mais elevada do que, por exemplo, em Espanha, muito mais elevada do que na Grécia. Portanto, estamos a recuperar indícios de confiança desde o fim da Troika, desde a saída, mais ou menos, de volta da saída da Troika e também acompanha a recuperação económica. Portanto, a satisfação com a política em Portugal tem componentes económicos, de qualidade de vida e componentes políticas. Eu acho que não é apenas uma questão socioeconómica, não tem só a ver com a forma como as pessoas pensam, se vêem elas no país e na forma como o país está a evoluir, mas tem muito a ver com isso. Portanto, a questão da recuperação económica tem influenciado, tem contribuído para uma visão muito mais otimista e positiva das instituições políticas. É claro que não impede que as pessoas continuem insatisfeitas em certa medida e se sintam distantes. E é por isso que eu por acaso, é por isso que nessa medida Eu também tenho trabalhado, não sei se posso agora introduzir este
José Maria Pimentel
tema, mas acho que sim.
Marina Costa Lobo
Claro, já vontade. Portanto, eu acho que há, eu não acho que tudo se possa reduzir aos outputs da política no sentido das condições de vida ou da qualidade de vida. Acho que isso é absolutamente fundamental, mas não é apenas isso. Então, do ponto de vista do funcionamento do sistema político, eu concordo que há um distanciamento muito grande entre instituições e cidadãos e que isso está em parte na base dessa desconfiança que existe e que afasta os cidadãos da política. E é por isso que eu, aqui há uns anos, propus uma reforma do sistema eleitoral para introduzir o voto preferencial. Isso também faz parte, não diretamente, mas a ideia do Observatório da Qualidade da Democracia é precisamente para os investigadores como eu nos aproximarmos dos problemas que nós percebemos na sociedade e tentarmos contribuir para a sua resolução. Exato. Então essa minha proposta de listas preferenciais vai ao encontro dessa distância que eu identifico entre cidadãos e política. Por exemplo, agora nós estamos a ver um conjunto de deputados que não declararam corretamente as suas residências e eu pergunto-me se já tivéssemos listas preferenciais talvez os cidadãos pudessem sentir um incentivo a ir votar para precisamente, porventura, não voltar. Claro, punir a pessoa. Punir aquelas pessoas que tinham mentido, que ao longo dos anos mentiram. Atenção, eu acho que há aqui, deixo de fazer um parênteses, eu acho que
José Maria Pimentel
Marina Costa Lobo
algum exagero, há aqui um problema de base, que é os nossos deputados são mal pagos, isto é real. Concordo. E, portanto, nós teríamos de fazer aqui dois ajustes. Por um lado, é inaceitável que não se cumpram as regras que existem e que se minta sobre a sua residência oficial. Por outro lado, É evidente que há aqui um problema de fundo, que é reconhecer que o trabalho parlamentar é um trabalho absolutamente meritório e que tem que ser recompensado condignamente. Portanto, acho que são duas questões separadas. Mas, de qualquer forma, desde que este problema surgiu agora nos médicos, tenho lembrado, de facto, desta proposta das listas preferenciais, que eu tive a ocasião de discutir junto de vários partidos, fui convidada para vários partidos para apresentar a proposta e tenho também tentado comunicar e tenho tido muitas ocasiões para isso. Mas, infelizmente, existe um cemitério de propostas de reforma eleitoral em Portugal já bastante longo e o que é facto é que não tem sido possível alterar o que quer que seja. Mas eu queria… Mas deixe-me dizer ainda outra coisa em relação a isso. Está relacionado com isso. Está relacionado com o monopólio dos partidos. Portugal, de facto, tem um caso interessante de resiliência partidária, que contrasta com a maior parte dos países europeus que nos últimos 10 anos têm sofrido grandes mudanças e isso tem a ver com o que nós já falámos do ponto de vista da desconfiança dos cidadãos em novas apostas, tem a ver com o nosso sistema eleitoral e a forma como ele também favorece os partidos existentes, Mas tem a ver também com outra questão que é, penso eu, um crescente monopólio que os partidos têm exercido sobre os média em Portugal, E em particular sobre a televisão. E também sobre os jornais, mas a televisão é verdadeiramente importante em Portugal porque é onde a maior parte das pessoas obtém toda a sua... Mais do que nos jornais. Muito mais do que nos jornais. Os jornais são muito importantes porque os jornais são importantes Porque as pessoas que fazem televisão informam-se nos jornais, mas não são importantes diretamente para o cidadão de um modo geral não lêem jornais e a crise arrasou com isso ainda mais. De qualquer forma, há um monopólio muito grande dos principais partidos em todos os espaços televisivos, em todos os espaços de opinião, em todos os espaços de comentário e que impede o acesso de novas vozes, em larga medida, que poderiam criar essa tal relação de confiança, isso está absolutamente bloqueado porque os partidos dominam e cada vez mais dominam tudo. Claro,
José Maria Pimentel
isso até em certo sentido é consequência, esse efeito é que o facto dos partidos dominarem a televisão é consequência de eles dominarem o próprio processo eleitoral. Aliás, isso era, Ainda bem que puxou o tema da questão do sistema eleitoral porque eu queria exatamente falar disso. E aliás, acho que o exemplo que a Camparina deu faz sentido. E eu acho que ele faz sentido mesmo que a pessoa não concorde. A questão das focaturas, se passam a existir ou não. Ou seja, eu até posso achar que as pessoas não tiveram culpa, mas se eu achar que os eleitores acham que tiveram, eles devem ter possibilidade de manifestar essa opinião. Ou seja, isso continua a valer como argumento a favor desse sistema de voto preferencial. O que eu já agora teria de lhe pedir para explicar, porque eu próprio não tenho a certeza se o entendo bem. O que nós temos atualmente é o sistema de listas, que lá está a contribuir para essa partidarização porque é a direcção do partido que escolhe uma lista de pessoas por ordem e depois nós votamos no partido e elegemos em ordem decrescente o número de deputados correspondentes àqueles votos. Depois há outra proposta que está nos antípodos a essas, que é a questão dos círculos uniluminais, em que no fundo há uma pessoa, a pessoa vota diretamente num deputado que nos vai representar e que é eleito por aquele círculo. Essa proposta, pelo que eu percebo, está alguras a meio caminho, não é? Porque é no fundo ter esta lista,
Marina Costa Lobo
mas nós podemos escolher pessoas da lista, não é? Exatamente. Eu estive a fazer uma análise das propostas anteriores e de todo o debate, tive-me a familiarizar com todo o debate sobre a reforma do sistema eleitoral e cheguei a uma conclusão, é de que os partidos não querem reformar o sistema eleitoral. Então, a partir daqui... E depois há uma questão adicional que é, o nosso sistema eleitoral está inscrito na nossa Constituição de 76, pelo que, para mudar a fórmula eleitoral, que é o método onde, nós precisamos de uma revisão constitucional. Ora isto significa que nós precisamos do acordo de dois terços da Assembleia da República, o que implica um alto nível de consenso. É desejável, porque estamos a falar da reforma do sistema eleitoral, mas na verdade torna-se francamente difícil. Os pequenos partidos, nós sabemos que sempre estão absolutamente contra a reforma do sistema eleitoral e, portanto, enquanto existir uma geringonça está nitidamente adiado, mas de qualquer forma, posto este bloqueio absoluto e estas dificuldades, eu optei por uma proposta que é uma proposta…
José Maria Pimentel
Compromisso, em certo sentido.
Marina Costa Lobo
Moderada, no sentido em que não implica nenhuma revisão constitucional. Portanto, vamos dizer, a proposta maximalista para a reforma do sistema eleitoral e que congrega um conjunto grande de pessoas que apoiariam esta mudança é a adoção de um sistema alemão. O que é que isto quer dizer? É um sistema misto, em que nós temos basicamente dois votos, damos à pessoa dois votos e ela vota num candidato, num deputado, que é ele que vai, num candidato e numa lista. Isto, depois, a forma como isto se conjuga, é bastante, pode ser mais ou menos complexa, mas já estão a perceber, quer dizer, um sistema alemão seria transformar totalmente o nosso sistema eleitoral e seria um salto no escuro muito grande para estes partidos que, um, sabem que o eleitorado é relativamente hostil e, dois, que a Europa está toda em grandes transformações partidárias e, portanto, que eles estão numa posição relativamente frágil, mas que de alguma maneira são resilientes. Portanto, vontade de mudança, zero. Claro,
José Maria Pimentel
é a versão ao
Marina Costa Lobo
risco, no fundo. Exatamente. O status quo é difícil, mas é muito melhor do que a maior parte dos cenários que eles conseguem imaginar. Então esta versão maximalista alemã, com a qual eu até estaria de acordo, parece-me tão irrealista que pensei, vamos... Ela
José Maria Pimentel
nem é, desculpe-me, mas ela nem é maximalista. Seria uma coisa à inglesa ou uma coisa assim do género, não é? Quer dizer, a versão
Marina Costa Lobo
alemã já é um compromisso. A versão alemã já é um compromisso porque obtém níveis de proporcionalidade muito semelhantes, que era o que se, portanto, preserva esses níveis de proporcionalidade. Mas é maximalista no sentido de implicar uma alteração do método escolhido eleitoral. Portanto, é uma
José Maria Pimentel
grande… Intrusiva. Exato.
Marina Costa Lobo
Então, no sentido de aumentar a escolha e porque me parece que Os partidos nos últimos tempos têm dado mostras que não escolhem particularmente bem a classe política e, por um lado, e por outro lado porque me parece que os cidadãos têm uma maturidade suficiente para que lhes seja dada uma palavra sobre quem é que nos representa na Assembleia da República, a proposta que eu faço é uma proposta de introdução de listas preferenciadas. O que é que isto quer dizer? A maior parte dos países europeus permite uma escolha, permite exprimir uma preferência. Há muitas maneiras de o fazer e a proposta que eu fiz é moderada porque, em vez de dizer, os partidos apresentam listas por ordem alfabética e depois as pessoas votam em quem quiserem e assim selecionam os deputados. Eu não digo isso, eu digo o partido ordena a lista, portanto, damos a primeira palavra aos partidos, reconhecendo o lugar central que tem na nossa democracia. Mas, se houver um número, e depois as pessoas votam preferencialmente, Se houver um número suficiente de votos em cada, em certos deputados que estejam, candidatos que estejam mais para o fim da lista, esses deputados sobrepõem-se à ordem, alteram a ordem pré-definida pelos partidos, mas tem que haver um número mínimo de votos preferenciais nesse candidato. Mas
José Maria Pimentel
como é que funciona o voto?
José Maria Pimentel
Eu tenho o boletim de voto à minha frente? Em
Marina Costa Lobo
vez de votar num partido, vota no nome de um candidato dessa lista. Portanto, o boletim de voto, em vez de ser um boletim que apenas... Isto é engraçado, porque o boletim de voto torna-se um pouco mais complexo e em vez de ter um boletim de voto como nós temos agora com a lista dos partidos e põe a cruz ao lado do seu partido preferido, O que é que acontece? Tem um boletim de voto que tem colunas que listam os candidatos por cada um dos partidos que concorrem nesse círculo. Então vamos ver. E eu estou a dizer isto porque nós fizemos um estudo, fomos as primeiras que fizemos aqui um estudo, havia um grande debate que era completamente teórico, das pessoas diziam, incluindo Francisco Colossa e outros, que diziam não, não, nós não podemos dar essa escolha às pessoas, porque as pessoas não sabem escolher entre candidatos de um conjunto de partidos. Imaginemos Lisboa, que é o caso mais extremo, porque nós temos 47 candidatos em Lisboa, 47 lugares de deputados e 47 candidatos por cada partido e nesse caso o nosso boletim de voto, nós em 2015 fizemos um inquérito à boca das urnas, em que à medida que as pessoas iam saindo de terem votado em 2015, tínhamos, por favor venha aqui votar novamente. Mas, olha, temos um boletim novo, o boletim é este, e usámos os nomes que eram os mesmos, eram os candidatos reais em 2015, apareciam no boletim de voto, tinham formato A3 e listava os partidos com os candidatos. E o que é que nós verificámos? Ao contrário daquilo que se podia perceber, de termos uma porcentagem muito elevada de votos nulos ou brancos. Não, nós tivemos… as pessoas em Lisboa que votaram com esse boletim de voto, que nunca tinham visto na vida, votaram facilmente em candidatos. Só a porcentagem de nulos e brancos foi de cerca de 6%, que é exatamente a percentagem de nulos e brancos
José Maria Pimentel
que… Normal.
Marina Costa Lobo
Exatamente. Porquê? Porque Lisboa tinha os líderes partidários, tinha pessoas notáveis, portanto, de facto havia notoriedade de candidato. Quase todos os partidos as pessoas não escolhem entre partidos, as pessoas já têm uma área ideológica muito concreta, as pessoas não são folhas em branco, nem têm que escolher entre, porque naturalmente que existem muitos nomes naquele papel. Mas eu como não sou uma folha em branco, eu já sei qual é a minha área ideológica, provavelmente sei qual é o partido do qual estou um bocadinho mais próxima, pelo menos em termos de área ideológica já tanto. E depois a partir daí selecionamos o que é que preferimos e por isso é que a escolha se torna relativamente fácil. E, tendo em conta os níveis de escolaridade e etc, de maturidade cívica em Portugal, eu penso que é a escolha absolutamente óbvia. Isso é engraçado. E o estudo mostrava isso.
José Maria Pimentel
Esse estudo tem muita piada, porque de facto comprova que é perfeitamente possível implementar isso na prática. E as objeções que se vêem em relação a isto, obviamente muitas delas calculistas, mas também têm a ver com uma espécie de paternalismo, que já vem muito atrás, desde o início do liberalismo, que havia. E em parte com razão, aquela lógica de, bom, nós não podemos fazer aqui uma coisa à inglesa porque as pessoas não existem literacia e, portanto, as pessoas não são capazes de votar por si próprias. Daí que o direito ao voto se tem ido alargando muito devagar até abranger toda a gente.
Marina Costa Lobo
É precisamente isso. Eu acho que é o reconhecimento, um, por um lado, da maturidade do desenvolvimento social em Portugal, da evolução que foi conseguida nos últimos 40 anos, e por outro lado, um reconhecimento de falhanças da classe política e que é preciso redesenhar este equilíbrio entre quem é que escolhe os nossos representantes. Exatamente.
José Maria Pimentel
E aquilo que me parece quase inquestionável nisto é, é evidente, para mim acho que é quase indefensável, ao contrário, que a maneira como o sistema está montado é imperfeita. Depois eu acho que se pode discutir, lá está, partindo deste ponto, para onde é que nós vamos? Para uma, para círculos uniluminais absolutos em que alguém que ganha todos os votos, ganha o único lugar daquele sítio, alguma coisa ao meio do caminho, como é esta proposta, e menos ao meio do caminho, como é a versão alemã, ou não. Isso eu acho que é discutível, porque existem muitos trade-offs entre uma coisa e outra, e isto tem obviamente o risco, e existe em alguns países, por exemplo no Brasil se está visível com aquele fenómeno do tiririque, não sei se se lembra, de que de repente alguém que dá muito nas vistas por bons ou maus motivos acaba por ser eleito porque o sistema está feito para destacar pessoas mas isso é perfeitamente mitigável, não é? Dela está a dizer a pessoa não passar para um extremo. Agora, que é evidente que o sistema agora tem um problema enorme, que as pessoas não têm possibilidade de escolherem quem votam. No fundo, a lista é feita de cima. E depois há o outro lado, que é... Essa explicação lá está paternalista, assume que existe apenas uma causa e efeito, quando na verdade existe... Há que a causa e o efeito também se invertem, ou seja, se eu der às pessoas a possibilidade de ter alguma agência sobre quem é que vão escolher, Isso até pode não ser perfeito no início, mas está a instilar no sistema um espírito de cidadania que depois vai dar frutos. Até pode não resultar bem logo.
Marina Costa Lobo
Vai dar frutos e, por exemplo, em situações como esta, em que as pessoas sabem que claramente faltaram à verdade do ponto de vista dos seus rendimentos ou do ponto de vista das suas declarações, também vai incentivar melhores comportamentos da parte dos nossos representantes. Portanto, tem efeitos não apenas nos cidadãos, mas também nos deputados.
José Maria Pimentel
Claro, exatamente, sim, sim. Porque
Marina Costa Lobo
neste momento eles dependem apenas da direção parlamentar para a sua reeleição.
José Maria Pimentel
Que é ultra perverso, porque como deputado, em vez de estar a servir o povo, parece uma coisa meio populista, mas em vez de estar virado para quem o elege, está virado para quem o escolhe. É quase um sistema de nomeação arrevesada, porque no fundo não é muito diferente disso.
Marina Costa Lobo
Eu acho que isso tem… as vantagens que isso tem é da disciplina parlamentar. Portanto, a vantagem é que os grupos, quando dependem da direção, são muito mais coesos na altura de votar no Parlamento e isso cria disciplina, disciplina do partido parlamentar do governo em relação ao governo, portanto isso tem muitas vantagens. Daí que a minha proposta não seja acabar com isso completamente, porque se tivermos 320 deputados, cada um a servir o seu círculo, também geramos problemas importantes, não é? Sim, temos uma escassez de queijo limiano. Exatamente. Por dia. Por mil. Agora, daí esta ideia da lista ser ordenada pelo partido, mas poder ser corrigida pelos cidadãos. Portanto, não retirar a chefia do processo, a liderança do processo aos partidos, mas permitir a palavra dos cidadãos para alterar essa ordem e acho que isso é um compromisso, lá está.
José Maria Pimentel
E é uma coisa, isso que a Mariana diz, é verdade, obviamente que temos um sistema de, primeiro, nem sequer faz sentido num país como Portugal, que não é uma federação, mas ter um sistema em que há uma heterogeneidade tal que é muito difícil governar porque não há uma maioria coesa, é pernicioso. Mas o contrário, como nós temos, também não parece bom. E nós temos um fenómeno, até é outro paradoxo, porque nós temos atualmente sete partidos, talvez, no Parlamento, se contarmos com o PEB, e aparentemente temos diversidade. Quer dizer, em termos europeus, temos à julga para lá da média, ou no mínimo na média em termos de diversidade. E se compararmos com o sistema americano ou a inglesa em que há dois ou três partidos, temos claramente um parlamento diverso. No entanto, como eles todos votam a emanada passa a expressão praticamente em todos os projetos de lei, no fundo nós temos uma falsa diversidade, porque por exemplo se a pessoa vir o Parlamento, o Congresso Americano, por exemplo, embora seja uma realidade completamente diferente, e embora isso hoje em dia aconteça até menos do que acontecia no passado, infelizmente, mas no passado isso era bastante visível. No fundo, por baixo daquela aparente falta de diversidade de haver dois partidos, havia pessoas a votar em vários sentidos e não havia uma previsibilidade. E aqui Nós temos muitos partidos, mas na prática é como se só tivéssemos 5 deputados sentados cada um em sua bancada.
Marina Costa Lobo
É um bocadinho exagerado dizer isso, porque há temas em que eles se dividem, mas em geral a disciplina partidária parlamentar é férrea, porque um deputado que não siga a linha do grupo parlamentar já sabe que não será reconduzido e, normalmente, a ideia é sempre a reeleição.
José Maria Pimentel
Esta questão do voto preferencial, eu já percebi que é algo em que a Marina tem estado muito empunhada nos últimos tempos. Eu queria lhe fazer uma pergunta já antes, vou fazer-lhe na mesma porque julgo que haverá outras propostas. Eu acho que foi uma formação interessante. Se pudesse ser uma espécie de rainha filósofa, a antiga, daqueles que têm no fundo um poder direto de influenciar a realidade. Uma das medidas que tomaria, claramente, era a do voto preferencial, a Proventura até iria mais longe. Que outras medidas é que tomaria em relação ao nosso sistema político? E se calhar, começando pelo sistema eleitoral, mas se quiser, em relação ao próprio sistema político, ou seja, ao sistema de governo e ao próprio…
Marina Costa Lobo
Bom, em relação ao sistema político, bem, isso é uma pergunta um bocadinho
José Maria Pimentel
diversa. É muito aberta. Mas… Tem um fio que pode levar-la para onde quiser.
Marina Costa Lobo
Claro. Eu, Quando comecei a estudar, a investigar em ciência política, interessei-me bastante pelo governo e pela sua relação com o presidente da república. E fiz alguma investigação sobre o semipresidencialismo e sou adepta do nosso regime. Portanto, acho que o semipresidencialismo em Portugal tem funcionado bem, sobretudo a partir da revisão constitucional de 1982 em que os poderes presidenciais diminuíram substancialmente. No entanto, acho que ainda haveria uma medida que poderia, e já escrevi sobre isso, portanto estou à vontade para falar, num livro, um e-book que foi publicado na Fundação Francisco Manuel dos Santos, que é sobre a introdução da moção de censura construtiva. Portanto, a ideia era fortalecer o governo vis-à-vis o Parlamento no sentido de…
José Maria Pimentel
Tem que haver uma alternativa, não é?
Marina Costa Lobo
Exatamente. Portanto, a moção de censura é construtiva a partir do momento em que não apenas se deita abaixo o governo, mas se tem uma alternativa parlamentar a propor que o irá substituir. E isto torna a moção de censura mais difícil, porque não se irá agir irresponsavelmente apenas para deitar abaixo um governo e sim ter já uma alternativa. E, portanto, essa seria uma pequena modificação que eu introduziria apenas para fortalecer um pouco o governo em relação ao Parlamento, até porque nós em Portugal temos tido governos minoritários e temos tido governos minoritários frágeis e desse ponto de vista iria fortalecer essa fórmula de governo minoritário. Desde esse ponto de vista seria importante essa introdução. Depois, outro tema sobre o qual eu tenho também publicado algumas coisas e escrito, é sobre o financiamento partidário. O Financiamento partidário em Portugal é um problema que me parece bastante grave e que recentemente, os partidos recentemente, legislaram mal, no meu entender, e portanto o que é que eu tenho vindo a dizer também é que Portugal tem percorrido um caminho certo, no sentido de enverdar pelo financiamento público em detrimento do financiamento privado. Portanto, isso do meu ponto de vista está correto porque os partidos são entidades públicas que prestam serviço público e não podem estar condicionados por interesses privados mais ou menos transparentes. Que é a situação quando existe apenas, quando O financiamento é livre, o financiamento privado é livre. Portanto, eu penso que os partidos devem ser financiados publicamente, mas o que se passa em Portugal é que, especialmente a partir de 2013, os partidos foram… houve um financiamento exponencial dos partidos e isso também explica aquilo que nós falámos antes, que é a resiliência do sistema partidário, porque há barreiras à entrada relativamente elevadas para a constituição de partidos políticos, até houve um partido, o partido Marinho e Pinto, até tomou um partido para não ter que criar um novo, porque criar um novo é extremamente difícil. E depois, os partidos parlamentares têm financiamentos exorbitantes. O que é que aconteceu? Houve um corte desse financiamento durante a crise e depois houve uma tentativa de reverter esses cortes e eu até nessa altura tive a ocasião, porque estava envolvida num projeto internacional e pude demonstrar, porque tinha dados, que já são de 2015, mas não foi assim há tanto tempo, que Portugal é um dos países em que o financiamento público é mais elevado, porque nós não tínhamos ainda dados comparativos sobre isso e eu consegui, por acaso estava a participar neste projeto e tive a ocasião nessa altura de participar no debate e de mostrar que o financiamento público em Portugal é muito exagerado e contribui para que esses cortes não fossem revertidos. Fiquei bastante satisfeita com isso. Agora, mais recentemente, Houve novas tendências, porque os partidos agem em oligopólio da esquerda à direita na tentativa de aumentar o seu financiamento e mais recentemente, infelizmente, conseguiram que… eles podem organizar todo o tipo de eventos e ser financiados pelos privados, enfim, estão sempre a encontrar formas de não só de conseguir voltar ao financiamento privado, que tinha sido mais ou menos o compromisso que tinham assumido de ter mais financiamento público, em detrimento do privado, mas agora estão a relaxar novamente essas regras para aumentar o seu financiamento privado, depois tentaram também estar isentos de IVA, enfim, uma série de medidas, por acaso A isenção de IVA penso que foi votada pelo Presidente da República, mas nem tudo foi impedida. Acho que há aí… O terceiro ponto sobre o qual eu também tenho escrito é a questão da tendência crescente dentro dos partidos para a personalização do líder e isso tem a ver com o declínio da importância dos congressos nos partidos, as eleições diretas do líder, e agora, por exemplo, no PS a última eleição de António Costa ocorreu com a eleição para secretário-geral que permitiu-se também a abertura aos simpatizantes. Tudo isto parece muito bonito mas na verdade o que faz é esvaziar os partidos por dentro. Eu acredito profundamente que não há democracia sem partidos e os partidos estão neste momento a sofrer pressões enormes para serem meros rótulos com um líder à cabeça, porque a ligação aos militantes e aos simpatizantes acaba por libertar o líder para dominar totalmente o partido e o partido deixa de existir fora dos atos eleitorais e eu acho que isto não desifica a democracia. Portanto, isso é outra área. É uma questão bem interessante. É outra área em que eu também tenho falado bastante, tenho escrito sobre isso, haveria outras. Não, mas esta não precisa de fazer. Não, mas e por isto para falar de questões onde eu tenho… isto tudo são coisas que talvez sejam pequenas, não são mudanças fundamentais do sistema político, porque eu acho que de um modo geral, olhando para trás, o sistema político tem resistido e tem conseguido ter um nível de performance de algumas perspectivas relativamente positivo, mas há questões básicas, importantes e graves que tratam da confiança que se pode ter no sistema, como seja a do financiamento, como seja a do sistema eleitoral, como seja a do funcionamento dos partidos, que poderiam melhorar substancialmente a forma como a democracia funciona em Portugal.
José Maria Pimentel
Claro. A Maria falou de três coisas. Quando…
Marina Costa Lobo
Deixo-me eu falar sobre isto porque isto é importante. Por exemplo, na questão da abstenção, eu não tenho trabalhado sobre isso, mas acho que é fundamental que alguém tratasse, isto tem sido já referido muitas vezes, da questão da limpeza dos cadernos eleitorais. Mais uma vez não é mudar o sistema eleitoral, às vezes em Portugal falamos só das coisas grandes e deixamos passar aquilo que seriam reformas importantes e que fariam muita diferença. E
José Maria Pimentel
custam pouco. Exatamente. Sobretudo politicamente não custam nada, ao contrário da questão do voto preferencial, que custa muito politicamente, esta não custa nada. Aliás, só um parênteses em relação ao voto preferencial. Poderia
Marina Costa Lobo
custar, sabe porquê? Porque a abstenção técnica, se nós percebéssemos que certos círculos têm metade dos votantes ou eleitores que neste momento pensamos que têm, depois numa isso poderia prejudicá-los seja em equilíbrio aos intrapartidários, seja em termos de futuros reordenamentos dos deputados por síndico. Ok, claro. Portanto, há sempre o medo... Pois,
José Maria Pimentel
se fosse, por exemplo, o Nuno Alentejo, o PCP podia se ressentir dessa mudança. Está bem. Não, a questão... Eu ia dizer que A questão da alteração para um sistema que inclua preferências, até também não deixa de ter o seu quê de paradoxal porque há partida, essas mudanças tendem a prejudicar mais os partidos pequenos e menos os grandes, mas nem os partidos grandes têm estado a favor disso, o que é curioso. Então,
Marina Costa Lobo
por acaso, o PSD incluiu o voto preferencial no seu último manifesto eleitoral, em 2015.
José Maria Pimentel
Ah, sim? Ah, não sabia. Boa, pelo menos está a fazer algum caminho. Verdade. Em relação a estes três pontos que a Mariana falou, que são da moção construtiva, faz todo o sentido, no fundo é não derrubar um governo sem ter alternativa, o que introduz estabilidade. E a nossa democracia, como de resto todos os nossos sistemas democráticos, desde o liberalismo constitucional, da monarquia constitucional, houve sempre enorme instabilidade e a atual, embora não seja nada comparável, continua a comparar, por exemplo, mal com Espanha e, portanto, isso ajudaria a introduzir alguma estabilidade, que são os diferenciamentos também. Este último ponto que a Mariana falou é interessante e acho contraintuitivo, o que me suscita alguma curiosidade, porque se costuma falar das eleições diretas como lá está a chegar mais perto do cidadão e o seu ponto é no fundo o contrário, é dizer que ao criar eleições diretas está-se a transformar o partido quase numa espécie de produto que a pessoa gosta ou não gosta, compra ou não compra e a esvaziar a participação. E o facto, a minha intuição, eu nunca tinha pensado nisso dessa forma, mas a minha intuição em relação ao nosso papel cívico, bem, o que o Termin fala em certo sentido, é exatamente essa, foca-se muito o papel do voto, que a obrigação da pessoa é votar, o que é obviamente verdade, mas a intervenção cívica deve ser feita nos partidos. Eu, aliás, sou da opinião, isto ligo com o que eu já disse no início, que a pessoa até deve, em lugar de estar à espera daquele partido, lá está o produto que nos representa perfeitamente. Exato, não existe. A pessoa deve fazer justamente o contrário, que é o que a pessoa faz na vida normal, que é intervir e a partir de dentro fazer passar as nossas ideias. E o que tem acontecido, que é exatamente o contrário, é essa espécie de esvaziamento dos partidos, leva a que depois haja uma seleção adversa, por usar aqui um conceito económico, haja uma seleção adversa, que é exatamente o que tem acontecido, que é, obviamente que isto é uma generalização, mas as pessoas, aquelas pessoas que têm de facto ideias e que têm um espírito, digamos, mais altruísta, não entram porque não querem fazer parte daquele clube. E aqueles que entram e de facto querem fazer parte do clube são aqueles que não se desejaria que entrassem. E isso é…
Marina Costa Lobo
Quer dizer, Eu acho que a democracia não se faz só com cidadãos, a democracia… os partidos são absolutamente centrais para a democracia e, portanto, nós temos de olhar para formas de os fortalecer, de lhes dar mais vitalidade, mais qualidade, por isso é que eu não sou, eu não estou de acordo com o seu esvaziamento e perpétuo sempre a favor do cidadão, do indivíduo que vai votar num dado momento, porque O que nós verificamos é que nesses casos o partido torna-se completamente refém do líder. O partido não é refém do líder quando existem militantes ativistas, quer dizer, pessoas de facto que têm uma participação cíclica contínua dentro do partido e não apenas vão lá votar nesta ou naquela ocasião. Portanto, acho que tem que haver aqui um equilíbrio entre aquilo… nós não podemos caminhar por uma democracia plebiscitária, eu acho que não é essa… esse não deve ser o objetivo. Deve ser o objetivo trazer os cidadãos para a política, mas existem instituições intermediárias e nós não podemos pensar que vamos eliminar os partidos, devemos trabalhar para melhorar o seu funcionamento, a sua transparência, mas não contra os partidos, porque começar a pensar que devemos combater os partidos é meio que a minha ideia, o meu entender, para combater a democracia.
José Maria Pimentel
Claro, sim, as duas coisas estão ligadas. Há outra proposta que vocês costumam fazer em relação ao sistema político, eu gostava de saber a sua opinião, que é a questão da… e isso entrou, a Maria de Abacate começou a explicar que o nosso sistema é semipresidencialista, o que não é um selo, não sei, completamente concepcional, aquele que se chama parlamentarismo racionalizado, se há de ler, porque o nosso sistema é mais parlamentarista que o típico semipresidencialista, que é mais um sistema tipo francês.
Marina Costa Lobo
Há muitas definições. Há, há prova disso. Na minha definição que eu utilizo de semipresidencialismo não há qualquer dúvida que Portugal é semipresidencial porque temos um presidente eleito de forma direta que convive com um primeiro-ministro que depende politicamente da Assembleia da República e portanto não há dúvidas que é semipresidencial. As pessoas que dizem que estamos perante um parlamentarismo racionalizado olham da perspectiva de partidária e de onde está o poder político, mais do que das regras constitucionais. Mas isso pode mudar e, portanto, eu penso que a forma mais correta de caracterizar os regimes não é pela sua natureza política ou partidária, mas sim pela sua forma constitucional.
José Maria Pimentel
Ok, estou a perceber. Mais do ponto de vista do direito. Como das regras do jogo. Exatamente.
Marina Costa Lobo
Como ponto de partida.
José Maria Pimentel
Claro, o ponto que está por trás disso e eu acho que confesso que faz algum sentido, é que o nosso presidente da república, o cargo de Presidente da República é eleito por sufragio universal diretamente, isso é um facto, mas por outro lado tem um poder menor do que os semipresidentes, faço a expressão dos presidentes em semipresidencialismo eleitos dessa forma. Ele tem até um poder mais comparável àqueles Presidentes que são eleitos de forma indireta, como, salvo erro, acontece em Itália e na Alemanha, por exemplo. O que, portanto, não é bem... E isto leva-me à pergunta que eu queria fazer, que é relacionada com uma proposta. Que de vez em quando ressurge, e a Marina provavelmente já devia ter ouvido o que acabou de falar, que é a questão da introdução de uma Câmara Alta, isto é, de um Senado para além do Parlamento. E muitas vezes surge simplesmente essa proposta, outras vezes surge essa proposta aliada à própria mudança do processo de eleição do Presidente, porque no fundo o Senado substituir-se-ia aquilo que o Presidente faz muitas vezes de vetos, de leis e, no fundo, uma espécie de supervisão em relação ao Parlamento, como acontece em alguns países. Qual é a sua visão em relação a isto?
Marina Costa Lobo
Eu não concordo com a ideia de que o presidente em Portugal não tenha poderes relevantes. Se não vejamos, temos que pensar que os poderes presidenciais são de dois tipos, não legislativos e legislativos. Do ponto de vista daquilo que o José Maria estava a dizer, estava a falar sobretudo de poderes legislativos, poderes de veto político, em view de diplomas para o Tribunal Constitucional, e aí é verdade que o nosso Presidente tem poderes relativos, porque os poderes do presidente dependem da maioria que existe no Parlamento. Se existe uma maioria, se o governo tem uma maioria na Assembleia da República, ele pode ultrapassar, os VETs podem ultrapassar, tudo pode ser ultrapassado. Agora, o poder do Presidente da República é sobretudo maior e daí é sobretudo maior e destaca-se em relação a outros presidentes europeus que são semipresidenciais, que existem em regimes semipresidenciais, do ponto de vista não legislativo, do que é que estamos a falar, da possibilidade de dissolução da Assembleia da República, que não exige nenhuma, não tem nenhum condicionalismo, para além do temporal, não pode ser nos primeiros seis meses, nos últimos seis meses do mandato governativo, da possibilidade de demitir o primeiro-ministro sempre que estiverem em causa o funcionamento das instituições, e isso também nunca foi feito desde a revisão de 82, mas está lá na Constituição e continua a existir. Portanto, estes poderes do presidente são muito importantes porque tornam-nos um ator fundamental, especialmente quando os governos são frágeis, como ocorre bastante em Portugal, quando são ou minoritários ou são de coligação, uma coligação frágil. E, portanto, eu acho que o Presidente exerce aí um papel de árbitro muito significativo, consoante isto depois é temperado pelo tipo de governo que existe. Se for um governo maioria absoluta, obviamente que os poderes ficam reduzidos, ficam minorizados. Se for um presidente perante um governo minoritário, perante… portanto, há aqui várias variáveis a ter em conta, há a cor ideológica do presidente e do governo, tudo isso é importante. Se estamos no primeiro ou no segundo mandato presidencial, mas o presidente tem poderes não legislativos bastante significativos que um Senado nunca teria. Portanto, desse ponto de vista, eu não vejo como é que um Senado poderia substituir. O Senado substitui do ponto de vista legislativo, sim, nos poderes legislativos, mas não do ponto de vista que me parece mais importante, que é do ponto de vista não legislativo. Outra função que o Presidente desempenha tem a ver com a escofia de Estado e que nós estamos agora a observar com Este presidente Marcel, este presidente Marcel que tem uma proximidade grande aos cidadãos, é um certo simbolismo de Estado, que tem uma mais-valia grande para as instituições políticas em geral e que também não me parece que poderia ser desempenhado por um Senado multipessoal.
José Maria Pimentel
Claro, esse é o lado do Presidente enquanto Rei, quase, não é?
Marina Costa Lobo
Que agora estamos a ver e que também vimos em certa medida com o Soares, eu acho que também havia ali uma dimensão de Presidente de Rei, pelo menos em alguns momentos, mas que de facto empresta uma legitimidade ao sistema político que um órgão multipessoal dificilmente poderá dar. Depois, além disso, o presidente também tem uma dimensão super partidária que é importante em Portugal, porque contrasta, faz o contraste com o governo, com a Assembleia da República, que mais uma vez o Senado não poderia dar. Portanto, o que é que o Senado poderia dar? Uma representação regional que nós não temos, mas parece-me que para um país da dimensão de Portugal isso não é assim tão importante. E teria custos. Isso
José Maria Pimentel
é verdade.
Marina Costa Lobo
Teria custos, e o que disse antes também, mas não... Diga. E teria alguns custos. Isso é particularmente verdade. E teria alguns custos. E, portanto, não penso dentro das reformas que me parecem que seriam bastante importantes e necessárias em Portugal, essa para mim, certamente, não seria prioritária.
José Maria Pimentel
Claro. Marina, vou terminar. Só vou comentar muito rápido em relação a isso que se disse, com o que eu... Tu tens razão, o resto das coisas também não é verdade. Embora saia um ponto que eu disse que eu não concordo completamente, ou por outra, colocar ali algumas matizes, que é esse superapartidarismo do presidente. Eu não acho que funcione bem, acho pelo contrário, e aí eu acho que o Sonata até poderia ser melhor, até por uma questão de diversificação. O presidente, e essa é uma das grandes dificuldades em manter este sistema sofrágico e direto com alguém que depois não tem poderes executivos e que ao mesmo tempo tem obviamente uma orientação ideológica como todos nós, é que das duas uma, ou temos uma campanha com uma ideologia marcada, por exemplo, pegando as últimas eleições, à la Sampaio da Nova, ou temos uma campanha que por não ter uma ideologia marcada se esfuma, provavelmente já pouca gente se lembra disto, mas a campanha presidencial do al-presidente Marcelo Bolsonaro foi totalmente vazia porque obviamente ele não se queria comprometer com nada e portanto era a única hipótese que ele tinha era manter-se ali. O Senado, nesse aspecto de supervisor mais neutro, eu acho que até poderia resultar melhor. No resto concordo. Apenas pelo efeito de diversificação. Diversificação entre, seja deputados que foram deputados durante muitos anos, seja pessoas que estivessem a representar os interesses de outras regiões, embora eu concorde que em Portugal não há... Dimensão. Sim, é um país demasiado, quer dizer, praticamente mil anos de história e é um país relativamente pequeno, não é provavelmente uma federação. Mas enfim, Maria, terminamos por aqui. Como combinado, eu lhe pedi só rapidamente para recomendar um livro que aches particularmente marcante relacionado ou não com aquilo que estivemos a falar. Por
Marina Costa Lobo
acaso, eu ia recomendar um livro que não está diretamente relacionado com aquilo que estivemos a falar, mas, de certa forma, Está relacionado com um projeto que eu estou agora a desenvolver, que é um projeto sobre a forma como as democracias nacionais se relacionam com o projeto europeu. Tudo isto está… as nossas democracias nacionais têm que ser pensadas no contexto europeu. Claro, disso eu li. E li agora um livro muito interessante de um politólogo chamado Ivan Krastev, que não está publicado em português, que se chama After Europe. E é interessante porque nós aqui em Portugal eu penso que não conseguimos imaginar o nosso futuro sem a Europa. Mas este homem é sérvio e vive na Bulgária e sendo sérvio tem uma perspectiva muito interessante porque ele vivia num país que era a Jugoslávia, nasceu lá, um país que se desintegrou e que posteriormente também assistiu à desintegração da União Soviética e eles, na Europa de Leste, têm claramente a noção de projetos que parecem eternos e que afinal de contas são efémeros. E este livro fala da Europa, do projeto europeu, como um projeto que está em desintegração e a mim fez-me... Gostei de o ler porque faz-me questionar um conjunto de pressupostos que aqui em Portugal tomamos por garantidos sobre o futuro do projeto europeu.
José Maria Pimentel
Claro, ótima sugestão.
José Maria Pimentel
Então, excelente maneira de terminar. Obrigada.