#18 Ana Rodrigues Oliveira - o Dia-a-Dia em Portugal na Idade Média

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José Maria Pimentel
Bem-vindos ao 45°. Neste episódio estou à conversa com Ana Rodrigues Oliveira sobre vida privada, social e política na Idade Média. A convidada é professora de História com especialização e investigação na área da História Cultural e das Mentalidades. Mentalidades e não civilizações, como eu digo erradamente no início da conversa. Tem investigado sobretudo sobre a Idade Média e publicou em 2015 o livro O Dia a Dia em Portugal na Idade Média, que foi, já se adivinha, precisamente o moto para a nossa conversa. A junção entre História Cultural e História da Idade Média é, para um curioso como eu, irresistível, porque olhar para aquele período que nos parece tão longínquo mas está ao mesmo tempo a não tantos séculos de distância é uma surpresa permanente, seja pelas enormes diferenças face à sociedade do século XXI, seja por aqueles aspectos que, pelo contrário, nos são estranhamente familiares. Mas conhecer o modo como funcionavam a vida privada e a vida social na Idade Média não é só uma curiosidade, é também uma maneira de avaliar melhor a vida no século XXI e perceber o caminho que se fez até aqui. Na descrição do episódio encontro links para alguns dos vários hospédios de que fomos falando na conversa, como o cirurgião barbeiro e as hemorroidas de Luís XIV, os hábitos de higiene na Idade Média ou os métodos contraceptivos de Pedro Hispano, o único Papa português. Vamos ouvir?
José Maria Pimentel
Ana, bem-vindo ao podcast. Vamos então falar da história da Idade Média, da Cultura e das Mentalidades. Este é um tema muito engraçado, esta junção da História da Idade Média e da Cultura, como falávamos há pouco, é um tema particular porque a História da Idade Média é um bocadinho aparente para a obra da História, ou era até algum tempo. Depois foi mais ou menos reabilitada por alguns historiadores que querem ou conhecem muito melhor do que eu, entre os quais o Jacques Legoff, é o único que eu conheço, que mais ou menos reabilitaram e, sobretudo, deitaram por terra aquele mito das trevas, que parecia que tinha sido um período vazio em que nada tinha passado, só o retrocesso até depois a civilização voltar à normalidade. Por outro lado, esta questão da história, o livro chama-se o Dia a Dia em Portugal na Idade Média e no fundo está no terreno da chamada História Cultural e das Civilizações, que é a área de especialização da ANA, que é em si mesmo também o filho menos querido, digamos assim, ou pelo menos por algumas pessoas, da história, por ser aquilo que a pessoa ouve menos falar, por exemplo, na escola quando aprende história, sendo no entanto não só altamente importante como, pelo menos na minha opinião, ultra interessante para a pessoa perceber uma série de coisas que depois nos impactam e que até têm efeitos noutras áreas da história, o que é altamente engraçado. Este livro trata da Idade Média em Portugal, portanto, na prática isto é quase exclusivamente a chamada Baixa Idade Média, não é? A Baixa Idade Média começa no século XIII.
Ana Rodrigues Oliveira
Posso começar aqui por dizer uma coisa em relação à Idade Média? Sim, claro. Quando fala aí na história da Idade das Trevas e da Idade Média, portanto, ter todo esse pendor negativista, há que considerar que a Idade Média talvez, é, não é talvez, é mesmo, o período maior da história. São mil anos. São mil anos, não é? Convencionalmente a Idade Média vai desde o século V até o século XV. E realmente em mil anos há muita coisa que muda. Os cinco primeiros séculos, sensivelmente, do século V até ao século X, são períodos muito complicados, são períodos de invasões, são períodos de destruição, são períodos de fome, são períodos de morte, pronto, são realmente cinco séculos muito complicados. A partir sensivelmente do século décimo, décimo primeiro, as coisas começam a modificar-se, não é? As invasões terminam e começa a haver um período de crescimento, de recuperação, portanto a tal Idade das Trevas será talvez os primeiros cinco séculos.
José Maria Pimentel
Portanto, segundo cinco
Ana Rodrigues Oliveira
séculos já são completamente diferentes. Agora, um período de trevas porque é muito dominado pela igreja, pelo medo da morte, pelo obscurantismo, portanto daí ser um bocadinho conotado com a idade das trevas, mas são dois períodos de cinco séculos completamente diferentes. E o que a pessoa... Há aí duas coisas interessantes. Em primeiro lugar, sendo obviamente verdade que mesmo falando da baixa idade média
José Maria Pimentel
é
José Maria Pimentel
muito menos clarecida do que depois o que sucedeu. Também é verdade que quando a pessoa começa a escavar percebe que há muito mais para contar do que isso e há muito do que contribuiu, até em termos culturais, aqui no sentido da alta cultura, para a atualidade, que surgiu ainda durante a Idade Média. Há muitas até personagens fundamentais para a história que surgiram nessa altura. E, por outro lado, o que eu acho interessante nisto é que se é verdade que, ao nível do pensamento político, por exemplo, muito foi beber, de facto, a antiguidade ou, de uma forma orgânica, quase replicou alguns princípios da antiguidade, com algumas diferenças, mas, por exemplo, a democracia. Há outros fatores nos quais estamos muito mais próximos daquilo que acontecia na Idade Média, nomeadamente, os fatores têm a ver com essas questões mais culturais e das mentalidades, do que propriamente com a antiguidade, que era uma lógica completamente diferente. Por exemplo, esta questão do dia-a-dia, que é muito abordada aqui no livro, o nosso dia-a-dia atual é mais próximo do dia-a-dia medieval do que o dia-a-dia da antiguidade, que tinha coisas radicalmente diferentes do nosso, não é?
Ana Rodrigues Oliveira
Claro. Claro, se excluirmos toda a parte tecnológica que hoje em dia se utiliza, é claro que o dia-a-dia tem muitos paralelismos, tem muita coisa em comum, vivia-se…
José Maria Pimentel
Mas mesmo a parte tecnológica, eu lembro de ver isto a certa altura, A civilização romana, por exemplo, era muito desenvolvida culturalmente, da maneira que nós a vemos atualmente, e era muito desenvolvida tecnicamente em algumas coisas, construção de estradas, construção de pontes, por exemplo. Mas houve vários progressos tecnológicos que se deram durante a Edad Média, que não existiam. Sim, claro. Houve várias
Ana Rodrigues Oliveira
invenções. Também houve coisas que foram abandonadas. Esquecidas. Exato, precisamente devido àqueles cinco séculos de invasões e de guerras que foram abandonadas e que depois se recuperaram. Mas
José Maria Pimentel
ligadas à agricultura, por exemplo... Por exemplo... Os movimentos dos moinhos... Sim,
Ana Rodrigues Oliveira
os moinhos, a introdução do ferro, por exemplo, nas alfaias agrícolas que as tornavam mais produtivas, mais resistentes. Pronto, há realmente toda uma série de inovações, não é? Mas quando falamos do dia-a-dia das pessoas e quando eu lhe falo que não há assim tantas diferenças, tirando a parte tecnológica, claro, não havia telemóveis, não havia computadores, não havia esse tipo de coisas, não é? Agora, o dia-a-dia das pessoas, pronto, havia pessoas pobres, havia pessoas ricas, havia pessoas mais cultas, havia pessoas menos cultas, tal e qual como hoje em dia, não é? Havia divertimentos, é claro que não havia o cinema, nem esse tipo de coisas, mas havia outros divertimentos, portanto... Vou começar por aí pelos divertimentos que eu acho engraçado. Aliás, até sugeriria
José Maria Pimentel
fazer uma abordagem a esta conversa em que, exatamente falando, desse tipo de coisas que são menos óbvias em relação à percepção que a pessoa tem. Porque a pessoa olha para a idade média, o que eu acho que a pessoa tende a fazer é extrapolar alguns conceitos básicos que a pessoa tem, por exemplo, aquilo que a Ana dizia da religiosidade da sociedade ser maior, por exemplo, e a pessoa extrapola aquilo para achar que tudo funcionaria de acordo com aquele cano. E na verdade, depois que a pessoa escavar um bocadinho por baixo, nem sempre é assim. Essa que são das festas, por exemplo, é muito engraçada porque a sensação que eu tenho e com que fiquei a ler o livro é que, em certo sentido, aquele era um tempo mais hedonista do que o atual e com mais liberdade. Havia uma nuances aí. Enquanto nós agora temos uma espécie de constância, ou seja, ao longo do ano a pessoa tem o mesmo grau de hedonismo e de liberdade, digamos assim, lá era muito pautado pelas questões religiosas. Então havia alturas em que havia abstinência, por exemplo, a todos os níveis, mas depois Havia outras alturas em que havia uma enorme liberdade, sobretudo, a sensação com que eu fico é que sobretudo por causa desse elemento fulcral que é a precariedade da vida e a noção de que a pessoa poderia morrer a qualquer momento. Que não é o que acontece atualmente, não é? Atualmente eu julgo que nas próximas décadas estarei aqui e é a mesma coisa. Naquela altura era completamente diferente.
Ana Rodrigues Oliveira
Claro, mas também o nosso Tom Duarte já dizia que quem tem a morte perde o prazer da vida. Exato. Portanto, isto também tem muito que
José Maria Pimentel
dizer. Sim, isso é o contrário.
Ana Rodrigues Oliveira
É um bocadinho o contrário, o nosso Tom Duarte dizia isso. Portanto, se nós passamos a vida a pensar na morte, perdemos o prazer da vida. Ou então, gozamos a vida enquanto podemos,
José Maria Pimentel
não é? É isso, é isso.
Ana Rodrigues Oliveira
E o que é facto é que, neste livro, Quem o ler vai encontrar aqui muitas situações de festa, não é? Em que por tudo e por nada se convivia.
José Maria Pimentel
O meu ponto é o seguinte, imaginemos, quer dizer, imagine, ou imagino o meu próprio, que eu sabia que ia morrer para a semana, por exemplo. O que eu ia fazer durante a próxima semana era usar
Ana Rodrigues Oliveira
a pessoa mais. Era usar esta o máximo possível,
José Maria Pimentel
claro. E era um bocadinho isso que acontecia na altura. A pessoa... A probabilidade da pessoa morrer... Claro que havia pessoas que viviam até uma idade avançada. Isso acontecia, em alguns casos, embora fosse relativamente raro, mas a probabilidade da pessoa de lhe acontecer alguma coisa era enorme. Então, do lado das mulheres, por exemplo, com a questão da gravidez que também...
Ana Rodrigues Oliveira
E dos partos, sim, muito complicado. Sim, sim, naquela altura.
José Maria Pimentel
Essa questão é engraçada. Aliás, Eu tentei encontrar números em relação a isso e não apanhei. Em relação à percentagem de mulheres que morriam no parto, por um lado, e por outro lado em relação à... Do lado dos filhos, à probabilidade de serem nados mortos ou morrerem nos primeiros anos de vida, mas era substancial, ou seja, uma mulher que tivesse quatro, cinco filhos tinha uma probabilidade de morrer a dar à luz que não era irrisória, nada disso, não é? Não, não
Ana Rodrigues Oliveira
era preciso quatro, cinco filhos, as bebas estavam ao primeiro. Claro! Pronto, porque realmente o parto era uma situação muito complicada na altura e sobretudo porque também quem lidava com o parto eram pessoas não qualificadas, portanto era a vizinha, era a comadre, portanto. E isso, repara, mas isso também se nós recuarmos daqui a alguns anos, Também era assim em Portugal, a história de se ir, de ter a criança para um hospital é relativamente recente, não é? Há 60, 70 anos as pessoas tinham as crianças em casa e muitas vezes também assistidas pela parteira ou pela vizinha ou pela comadre ou para aquela que já estava habituada a fazer os partos. Portanto, até aí não é tão diferente assim, não é? Não é tão diferente assim. Claro que hoje toda a gente vai ter a criança a uma clínica, a um hospital, mas há alguns anos atrás isso não era assim, não é? Agora, repare, quer dizer, ter uma criança em casa por pessoas que não a sabiam assistir, quando não havia sequer hospitais onde depois se pudesse recorrer se as coisas corressem mal, era muito complicado.
José Maria Pimentel
Eu lembro-me de ler em relação a isso, já não me lembro exatamente qual era a data que era lançada ali, até porque acho que o país não era Portugal, mas a intervenção, e a intervenção dos médicos ante o parto foi já muito tardia, até por questões de respeito pela intimidade da mulher.
Ana Rodrigues Oliveira
As duas coisas, o parto era um assunto de mulheres. Exatamente. Era um assunto de mulheres, até por uma questão de pudor, não é? E por outro lado, porque também os médicos, os físicos, eram poucos e estavam ocupados com coisas mais importantes do que propriamente um parto, não é? Mas pronto, durante realmente muito tempo o parto era um assunto de mulheres, para mulheres, vivido por mulheres. E havia uma separação
José Maria Pimentel
na altura, julgo, entre os médicos, os tais físicos, que aliás é uma palavra engraçada porque coincido com o que a gente diz que usa em inglês, e os cirurgiões, não é? Eram duas... Eu julgo que eram duas funções segregadas, não é? Quem fazia uma coisa normalmente não era quem fazia... Aliás, eu refero no livro que o curso de medicina, por exemplo, tinha quase nada de medicina prática.
Ana Rodrigues Oliveira
Sim, sim, sim. Até porque, repara, o próprio peso da igreja, que também não deixava... O curso era um curso essencialmente teórico, porque a própria igreja não deixava de trabalhar com cadáveres, porque isso era profanar, não é? Portanto, eram cursos iminentemente teóricos. E quando fala no cirurgião, depende da cirurgia, porque muitas vezes era o barbeiro o cirurgião. Portanto, era o barbeiro que fazia as sangrias, que era um tratamento muito em voga na época. Exato, que era retirar o excesso de tumores e muitas vezes não se borria de uma almirreia da cura, porque se tinha tirado sangue a mais e porque o barbeiro não tinha sabido a veia exata e pronto, realmente o cirurgião era o barbeiro, não é?
José Maria Pimentel
Eu acho que eles... Eu lembro-me de haver a certa altura falado de uma operação, mas isso já foi mais tarde. Às cataratas, eventualmente? Não, não, não, era uma operação, era uma operação. Não sei se é o Luís XIV ou o Luís XV, mas um dos últimos Luíses, antes da Revolução Francesa, em que ele estava a ser operado às hemorroidas, estava eu. E, na altura, quando havia isso explicado, a pessoa explicava que o cirurgião que tinha feito aquela operação tinha de ser ultra rápido, a lâmina estava ultra afiada, porque não havia os métodos que existem hoje em dia para impedir depois a ferida, no fundo, que ficasse de continuar a sangrar. Se ele tinha uma destreza, fazia a operação em uma questão de segundos, que era uma destreza manual que a pessoa não imagina naquela altura. Já foi um bocadinho mais tarde, não sei se seria assim... Sim, estamos a falar na Idade Moderna. Claro, exatamente, mas O paradigma não era muito diferente
Ana Rodrigues Oliveira
a tempos dos médicos. Mas, por exemplo, para a Idade Média existem iluminuras em que para fazer esse tratamento se introduziam ferro em brasa. Portanto, não eram cortadas, eram queimadas. É sério? Há iluminuras dessa época, precisamente, a introduzir o ferro em brasa. É sério? Eram queimadas.
José Maria Pimentel
Essa fase é importante.
Ana Rodrigues Oliveira
Qualquer delas. E sobretudo sem anestesias, não é?
José Maria Pimentel
Claro. Essa questão dos cadáveres que a Ana falava, depois lembrou-me, o David Cheque teve algumas chatices por causa disso, porque ele ficava com cadáveres para poder analisar anatomicamente e a igreja não achava graça nenhuma aquilo, embora já fosse mais perto do final da idade média e portanto teve alguma tolerância maior. Acho que em Portugal seria mais difícil isso acontecer. Isso é engraçado. Outra coisa que a Ana refere que é engraçada é o facto de a palavra universidade não significar necessariamente o mesmo que significa para nós. Era estudo geral e pediam ir miúdos, não é? Não havia um intermédio.
Ana Rodrigues Oliveira
Não, não. E, portanto, o estudo geral na época era sensibilmente aquilo que são agora as nossas escolas secundárias, portanto não tem a ver com o conceito de universidade que nós hoje em dia temos, não é? A partir da altura que se sabia ler, escrever e contar, podia ter acesso à universidade. E depois, provavelmente,
José Maria Pimentel
aquilo que eu imagino é que houvesse uma heterogeneidade muito maior de percursos lá dentro. Ou seja, haveria pessoas que trariam lá uns anos para aprender alguma literacia e outras que, de facto, se tornavam, como é que eu ia dizer, mais académicos no nosso sentido de obra?
Ana Rodrigues Oliveira
Repara, o Estudo-Geral ou a Universidade tem principalmente interesse ou começa a ter grande interesse para a burguesia, para os filhos da burguesia. Portanto, para esses é que havia a necessidade de ir um bocadinho mais além, nomeadamente até a nível da legislação, porque depois é a burguesia que começa a acompanhar o rei e a ser conselheira do rei. Portanto, o grande desenvolvimento, o grande incremento do estudo geral barra universidade é precisamente já com o desenvolvimento da burguesia.
José Maria Pimentel
Porque antes disso eram essencialmente clérigos, não eram? Clérigos,
Ana Rodrigues Oliveira
sim. Exato. A cultura estava nas mãos dos clérigos, sim. Era o clero, eram os elementos do clero, aliás as escolas eram monarcais ou episcopais, portanto eram os mosteiros ou nas sés e a cultura era a panágio do clero, claro. Grupo social mais
José Maria Pimentel
culto. Sim, claro, faz sentido. Vou também aquilo que estava a falar há pouco, dessa sensação que eu tenho de que existia, que eu acho algo contraintuitivo, de que existia mais liberdade, em certo sentido mais liberdade. Por exemplo, outro aspecto com que, em relação ao qual tenho a sensação de que havia algumas diferenças. É, por exemplo, a atitude da igreja. Porque, sendo certo que a postura oficial era muitíssimo conservadora e mais conservadora do que é atualmente, havia o lado oficioso, digamos assim, mas por vezes não tão oficioso, aquilo me parece um pragmatismo maior. Por exemplo, há uns textos do Pedro Hispano que depois veio a tornar o único Papa português e que se alvo erro morreu porque caiu uma pedra de uma igreja na cabeça logo do chão. Acho que foi esse que morreu, coitado. Não teve muito tempo. E ele, portanto, estava a falar de alguém do Cléro e que veio a tornar-se Papa. E ele tinha vários escritos em que ele, embora não nomeasse diretamente, no fundo tinha receitas contracetivas, se eu não me engano. Sim,
Ana Rodrigues Oliveira
não especificava nenhuma coisa nem outra.
José Maria Pimentel
Ele não especificava,
Ana Rodrigues Oliveira
mas para bom entendor... Não especificava, eram receitas para induzir o aparecimento da menstruação.
José Maria Pimentel
Ou seja,
José Maria Pimentel
indiretamente...
Ana Rodrigues Oliveira
Mas depois há toda uma quantidade de mesinhas, não é? De mesinhas para a contracepção, porque havia pessoas que tinham muitos filhos e queriam evitar ter tantos filhos, não é? Isso também é outro mito da Idade Média, que as pessoas tinham tantos filhos que não lhes ligavam nenhuma, aliás, quando morriam, quando adoeciam, como já tinham tantos, mais ou menos um, isso pouca importância tinha e não é verdade, aliás, porque a mortalidade também era muito elevada, portanto, é claro que havia pessoas sim que queriam ter filhos e recorriam a mesinhas e recorriam a predrinações e recorriam a invocações, mas também havia pessoas que não queriam ter filhos, porque já tinham muitos, porque muitas vezes eles nasciam mortos e também invocavam e também havia mesinhas para evitar a concessão. Sim, sim, contraceptivos. Exato. Tu davas as mesinhas, não é?
José Maria Pimentel
Sim, exatamente. Mas a igreja na altura, sendo certo que a sociedade era muito mais religiosa do que a atual, não há absolutamente dúvida nenhuma. Agora, a igreja era mais pragmática, ou seja, havia um pragmatismo, tendo em conta essa realidade, havia depois na prática um pragmatismo maior do que a pessoa tem a sensação Ou não? Ou eu estou enganado quando digo isto?
Ana Rodrigues Oliveira
Repare, até mesmo a nível, por exemplo, da contracensão, os interditos da Igreja eram tantos que de certa forma era quase que um contracenso. Porque para a Igreja crescei e multipliquei-vos. Mas depois os interditos eram tantos, havia tantos dias do ano em que não se deviam ter relações que realmente isso era quase um contrassenso. Por exemplo, o junto do Natal era quase o mês todo. Era 20 dias até o Natal, mais o dia de Natal, mais o dia de Natal, mais o dia a seguir, era quase o mês todo. Depois na altura também, de Páscoa também, depois os domingos também não, depois os dias de festividade de qualquer santo também não. Portanto, eram tantos os dias de interdito.
José Maria Pimentel
Não era para cumprir, não é? Isso era quase
Ana Rodrigues Oliveira
um contra-senso, não é? Para além, depois não se podia também ter relações quando a mulher as tivesse com o período, porque isso traria crianças deficientes, porque isso traria aleprosas ou ruivas. As ruivas eram o fruto disso. Portanto, repara, a própria igreja tinha tanto interdito que a própria igreja muitas vezes se levava à regra, funcionava quase como um contraceptivo.
José Maria Pimentel
Claro, exatamente. Isso é engraçado porque é um fenómeno muito típico das culturas católicas dos países do sul da Europa e que precisa até hoje em dia de hoje, que é ter o número exagerado de leis que depois são quase para não serem cumpridas, porque depois na prática são tão difíceis, tão exaustivas, que depois é difícil cumprir isso. É engraçado porque se mantém hoje. Em relação aos filhos, não sei se faz ideia, ou se existem dados em relação a isso, ao número médio de filhos, por exemplo, no povo, por exemplo, qual seria o número de médio de... Também há uma diferença que é o número de gravidezes e o número de...
Ana Rodrigues Oliveira
Depende, depende, por exemplo, depende, é muito variável, por exemplo, havia o costume de a amamentação não ser feita pela própria mãe, no caso da nobreza, estamos a falar dos grupos privilegiados. Normalmente a amamentação era dada a uma ou outra mulher do campo, do povo, uma mulher que já tivesse filhos também e que iria amamentar os filhos da senhora nobre. Portanto, enquanto ela estivesse a amamentar, teoricamente, teoricamente não engravidaria, não é? Porque repare, até essa história de cedar as crianças em aleitamento a outra pessoa. Porquê é que isso acontecia? Acontecia precisamente a nível da nobreza porque havia necessidade de ter muitos filhos para perpetuar a linhagem, para assegurar a dinastia, portanto havia necessidade que realmente as mulheres tivessem muitos filhos. E como de uma maneira geral as crianças eram amamentadas até aos três, às vezes quatro anos de idade, repare que eram quatro anos que a mulher perdia de gravidez, teoricamente, se estivesse a amamentar. Sim, claro. Por isso que amava-se uma etapa. Exato, portanto entregava-se a criança a amamentação, secava-se o leite e daí a pouco tempo estava pronta para começar a produzir mais crianças. Agora, repare, a nível da nobreza, por exemplo, a nível do povo, não conheço esse estudo, mas a nível da nobreza há uma estatística feita em que anda a volta dos três, quatro filhos. Portanto, repare que também não é assim tanto, como se diz. Até porque também não podemos esquecer que entre a nobreza e a realeza havia muitas uniões endogâmicas. Portanto, aquilo depois não funcionava muito bem. Aquelas misturas sanguíneas familiares acabavam por também não funcionar muito bem. Portanto, isso é também outro estereótipo da Idade Média, porque muitas crianças, muitas crianças, muitas crianças não é tanto assim, porque muitas vezes também havia dificuldade em engravidar, porque elas também morriam muito, portanto, não é tanto assim como se estivesse a dizer.
José Maria Pimentel
Do ponto de vista da nobreza havia o interesse bastante em perpetuar a linhagem e havia algum interesse relativamente aos rapazes, por exemplo, em ter cavaleiros, no fundo, pessoas que pudessem liderar as tropas daquele senhor, porque a lógica medieval era essa, não era o... Cada senhor feudal tinha, no fundo, um exército, ou pelo menos pessoas mobilizáveis para um exército que depois contribuíam para o exército do reino. Foi uma coisa que depois mudou-se ao ver com o Napoleão, quando de repente há a conscrição, ao ver o geral.
Ana Rodrigues Oliveira
Se não havia um exército nacional. Exatamente, nem
José Maria Pimentel
nada que se parecesse. Aliás, eram números muito menores, que foi o golpe de Asa do... Já não sei se foi o Napoleão ou se foi... Antes disso, na Revolução Francesa, mas pronto, isso para o caso não interessa. Isto para dizer, na nobreza havia esse incentivo do povo, o incentivo que se entende a ver era um incentivo direto económico de mão de obra.
Ana Rodrigues Oliveira
Ajudar, ajudar nas tarefas quotidianas. Exato,
José Maria Pimentel
e daí o estereótipo dos muitos filhos, o que leva a... O que me cria a dúvida de porquê é que essa média seria com 4 filhos? A
Ana Rodrigues Oliveira
nível da nobreza. Ah, perdão, isso era a nível da nobreza. Eu disse que a nível da nobreza, a nível do povo não conheço estatísticas.
José Maria Pimentel
Pois, do povo,
Ana Rodrigues Oliveira
resume-se que a partir da... Até porque repar, quer dizer, todos os dados são muito mais conhecidos para os grupos privilegiados do que para o povo. Claro. Para o povo é sempre mais difícil de encontrar as coisas, não é? Sim, para o povo... Não deixam muito rastro escrito. Sim, sim.
José Maria Pimentel
Há registros nas igrejas, mas é para a população urbana.
Ana Rodrigues Oliveira
Mas não nesta altura, é complicado nesta altura. Pois, imagino que seja difícil. É complicado na Idade Média encontrar esse tipo de coisas, não é? Portanto, para a nobreza, sim, já temos muitos registros escritos. Agora, para o povo, há coisas que fogem, não é? Que muitas vezes temos de procurá-las e fazer por analogia.
José Maria Pimentel
Sim. E a nubreza, aliás, tem um aspecto interessante em relação à educação, por exemplo, também vem a referir no livro, a diferença entre a educação das raparigas e dos rapazes, por exemplo. Pronto.
Ana Rodrigues Oliveira
E isso também é mais outro estereótipo, porque na Idade Média, aliás, a dita Idade das Trevas está cheia deste tipo de coisas, tal e qual com colocar as filhas em ale... Os filhos, desculpe, os filhos em aleitação, também O rapaz era dado para ser educado por outra família. Normalmente o rapaz não era educado com os próprios pais. Era dado a educar a outra família e depois criavam-se laços de dependência, laços de relação entre essas duas famílias, mas na altura acreditava-se que isso era muito melhor para que a criança, neste caso a criança do sexo masculino, porque a menina continuava em casa, mas que o rapaz tivesse mais respeito e começasse realmente a aprender as leites da guerra, montar a cavalo, esse tipo de coisas que normalmente... Mas repare, era dada uma família, mas uma família de confiança, uma família credenciada, não era uma família qualquer, não é? Aliás, os nossos primeiros reis, Dom Afonso Henriques, Dom Sancho I, Dom Afonso II, fizeram isso com os seus próprios descendentes, não é? Aliás, repara, o nosso Dom Afonso Henriques, o célebre Ai, o Egas Muniz, portanto, isso eram tudo famílias de alta nobreza, a quem eram entregues os filhos da realeza e também de outros nobres, portanto isso fazia parte da mentalidade da época. Nós não podemos dizer lá porque a criança era entregue por volta dos seis, sete anos para outra família que isso era porque os pais não lhe ligavam nenhuma. Não, não é isso. Era a maneira, era a mentalidade da época. Era aquilo que se julgava. Ser melhor para a criança na época. Portanto, nós não podemos nunca julgar.
José Maria Pimentel
Claro, não podemos julgar com os olhos dos...
Ana Rodrigues Oliveira
Exato, exato. E muitas vezes faz-se isso em relação à idade média. Aliás, houve historiadores que diziam muito mal da infância na idade média, de certa forma foram um bocadinho culpados pela má imagem que se criou em relação à infância na idade média, mas depois vendo as coisas mais a fundo não era bem assim, era a mentalidade da época, era aquilo que se julgava que era o melhor para a criança. Aliás, já existiam tratados de educação, por exemplo, quer dizer que por existir tratado de educação que se cumprisse isso. Uma coisa é aquilo que se escreve, outra coisa é aquilo que se faz, não é? Mas o que é fato é que havia uma preocupação com a infância, uma preocupação com a educação das crianças e isso era aquilo que se achava que era melhor.
José Maria Pimentel
Claro, e faz sentido. Para
Ana Rodrigues Oliveira
nós hoje em dia não faz, porque nós habituámos à nossa célula familiar, o pai, a mãe, os filhos, tudo ali juntinho. Pronto, para nós hoje em dia não faz, mas temos de ver as coisas à luz da época. Claro, e
José Maria Pimentel
a pessoa pode fazer um juízo de facto, ou que tenta de ser um juízo de facto, dizer que houve uma melhoria, um progresso, faça essa realidade, sem necessariamente estar a fazer
Ana Rodrigues Oliveira
um juízo de valor em relação a eleições. Bom, quando dizemos que há uma melhoria, um progresso, já é um juízo de valor, já tem o implícito um juízo de valor, não é?
José Maria Pimentel
Sim, mas pode, se estiver relacionado com a eficácia do processo de educação, por exemplo, aí não é um juízo de valor. Pois,
Ana Rodrigues Oliveira
para eles era eficaz, para eles era considerado eficaz, porque realmente a criança aprendia a ser adestrado para a guerra, todos os exercícios físicos, enfim, à sua fim, ao cabo estava a ser educada, não é?
José Maria Pimentel
Mas saltava algumas etapas.
Ana Rodrigues Oliveira
E não quer dizer que fosse privada de amor e de carinho, não.
José Maria Pimentel
Tinha outras pessoas
Ana Rodrigues Oliveira
que lhe faziam isso, com as quais criavam-se, com as quais se criavam muitos laços que perduravam muito para além de depois da educação. Aliás, aparece muita expressão criado de, quer dizer que foi criado com aquela pessoa.
José Maria Pimentel
Pois e no fundo, aquilo que nós hoje em dia vemos como a relação pais-filhos ou pais-filho ou filha, o lado emocional, nesse caso na nobreza e com crianças que fossem educadas por outra, essa relação existia era com aquela família quase adotiva. O que é interessante, o que está por trás disso e não é uma coisa tão distante no tempo assim, acho que é uma realidade que subsistiu de alguma forma até não há muito tempo, era aquela noção de que, nomeadamente em relação ao pai, se a criança criasse uma, se o miúdo criasse uma relação emocional com o pai, essa relação emocional podia entrar em conflito com o respeito, no fundo, que era devido ao pai. Era essa a logica. É
Ana Rodrigues Oliveira
um bocadinho essa a lógica, embora que, por exemplo, o nosso Dom Duarte, que foi um rei que escreveu muita coisa, não é? O Duarte também é uma exceção, não é? Porque ele Era uma pessoa especial. Atenção, não é? Filho da Filipe Adelencar, faz parte da Inglita geração, não é? Portanto, é uma geração realmente muito culta. E Dom Duarte fala no amor que os vários filhos tinham ao pai, ao Dom João I, no amor, no respeito, que nunca ousavam contradizê-lo, mesmo que não achassem muito bem que nunca ousavam contradizê-lo, mas também isso é o que ele deixou escrito, porque depois na prática sabemos que havia muita coisa que não funcionava muito bem ali naquela família. Mas o que ele deixou escrito era sempre o amor ao pai, o respeito ao pai,
José Maria Pimentel
o demoro ao pai. O D. Duarte era um rei curioso, porque era muito letrado, acho que mesmo em comparação com o resto, Ele tem aquele livro que é a arte de bem cavalgar em toda a cela.
Ana Rodrigues Oliveira
O leal conselheiro, ele escreveu várias coisas.
José Maria Pimentel
E outra personagem engraçada desse período, que também foi muito referido no livro, era o Rei Afonso X de Espanha, que era... Que
Ana Rodrigues Oliveira
também tem... Tem uma série de coisas escritas, não é? Exato, e até mesmo sobre educação.
José Maria Pimentel
Exatamente. E o nome era o Sábio ou alguma coisa assim? O Sábio. Ele tinha uma série de coisas, mesmo aos olhos de hoje, particularmente sensatas. Sim, sim,
Ana Rodrigues Oliveira
sim. Aliás, há uma quantidade de normas de boa educação que o AI devia ensinar o seu pupilo a fazer desde, por exemplo, como se comportar à mesa, não é? Ou lavar as mãos, ou antes ou depois, ou não se debruçar em cima do prato, ou não limpar as mãos à toalha ou à roupa. Portanto, há uma quantidade de regras de civilidade que
José Maria Pimentel
já existiam à época. Houve um livro, pelo menos, que eu acho que ajudou a perpetuar uma noção que terá obviamente alguma colagem na realidade, mas que julgo que não será total, de uma completa alervidade na Idade Média, que é aquele livro do Da Vinci em relação a que ele escreveu para Lawrence Médici ou alguém. Ah, esse é
Ana Rodrigues Oliveira
o código de civilidade.
José Maria Pimentel
Exatamente, e aquilo tem descrições incríveis. Exato.
Ana Rodrigues Oliveira
Aquilo é escrito para um... E estamos no Renascimento. E já estamos no Renascimento. Já estamos no Renascimento, exato. Não se deve sentar em cima da mesa, que não deve roubar a comida do prato do vizinho, que não deve cuspir, que não deve pôr as espinhas ou os ossos no prato do vizinho, há uma quantidade de coisas e estamos no Renascimento, portanto, já estamos na Idade das Trevas. E
José Maria Pimentel
como é que é? Havia lá uma que é não deve limpar as mãos
Ana Rodrigues Oliveira
à roupa do vizinho. À roupa do vizinho, exato.
José Maria Pimentel
É verdade. Limpar as mãos à roupa do vizinho. É verdade. Mas eu acho que esse livro, aquilo tem muita piada, porque parece uma coisa a gozar. Parece uma coisa humorística, quase. E sobretudo se nós nos lembrarmos
Ana Rodrigues Oliveira
que estamos no Renascimento. O Renascimento que já não é idade média. O Renascimento que é visto como o período dos intelectuais, dos humanistas e depois há a necessidade de um código de civilidade. Portanto, há uma coisa que não funciona bem.
José Maria Pimentel
Mas dá-me a ideia também que havia uma realidade que não seria porventura, completamente transversal entre países. Por exemplo, há um caso engraçado, mais tarde ainda, já no século 17, com a dona Catarina, que ela vai casar em Inglaterra, é um caso conhecido, a história do chá e uma série de outras coisas. E ela, ainda por cima, era uma personagem engraçada porque ela era filha do D. João IV e não tinha tido uma educação realmente brilhante, porque ele não achava que fosse ser rei. E até aquela história da mulher dele dizer antes de rei nenhum dia, que... Que doquesa toda a vida. Que doquesa toda a vida, exatamente. E a D. Catarina vai para a Inglaterra e fica horrorizada com a jabardice, à volta da melhor expressão, que lá se vivia. E aí estamos a falar da Inglaterra no século XVII, portanto já a caminhar para ser a potência que entretanto se veio a tornar. E aquilo acho que era desde pessoas a fazer necessidades por todo lado. Ou seja, ela vinha de um país que na altura já provavelmente tinha alguma decalagem em termos de desenvolvimento face à Inglaterra e no entanto em termos daquilo que nós chamamos boas maneiras ela apanhou o choque quando foi para
Ana Rodrigues Oliveira
lá, o que é engraçado mesmo. Mas olha que a Filipe Adelaide Castro quando cá chegou também achou um bocadinho isso, Sobretudo em relação ao comportamento na corte, à defacidão na corte, à promiscuidade na corte. A nossa Filipe Adelain Castro, no século XV, quando cá chegou, também achou um bocadinho isso.
José Maria Pimentel
Mas às vezes também há um lado que é que podia haver coisas, mas no sentido de ausência de boas maneiras e falta de higiene, aquela já estivesse habituada cá e depois haveria outras diferentes lá que a chocaram e vice-versa no caso da PIPA, não é que se embora tenham
Ana Rodrigues Oliveira
uns... Até porque, repara, A falta de higiene é uma constante em Portugal. As posturas municipais, as várias posturas, as posturas municipais vão-se sucedendo precisamente com a exigência de limpar as ruas, de limpar a zona em frente à porta, de não se atirar as ditas águas que não eram bem águas a qualquer hora e para qualquer sítio. Portanto, a limpeza é... Até nós temos esgotos depois, como é que é isto, de Pombal, e na Baixa de Lisboa, não é? Mas a limpeza foi sempre, o açaí, a higiene foi sempre uma preocupação muito grande.
José Maria Pimentel
Sim, não era provavelmente uma coisa que tivesse ausente da preocupação das pessoas.
Ana Rodrigues Oliveira
Da municipalidade, não é? Portanto, as posturas sucediam-se de tal forma que dá a ideia que não sortiu efeito nenhum, não é?
José Maria Pimentel
Claro, efeito não sortia, mas para todos os efeitos era uma preocupação. Era
Ana Rodrigues Oliveira
uma preocupação, claro, até porque se achava, e muito bem, que toda aquela porcaria, toda aquela poluição causava doenças.
José Maria Pimentel
Claro. E tinha lógica, não é? Sim, sim. E a questão dos... Eu acho que até são separáveis. Uma coisa é a questão do banho, já lá vamos, mas a questão dos gotos e dos dejetos foi resolvida muito tarde. Olha, a Inglaterra, por exemplo, eles se lembram de ter um problema já muito tarde com o rio que ficou infestado e ficou um cheiro nozibento pela
Ana Rodrigues Oliveira
cidade toda. Não se esqueça que quando o Marquês de Pombal fez a rede de esgotes na Baixa de Lisboa, Lisboa era a cidade mais moderna da Europa, não é? Portanto, com os pavimentos, com as cidades, com os esgotos. Com o plano post-podriculado. Portanto, Esse problema ainda não estava resolvido nas outras cidades.
José Maria Pimentel
A questão dos banhos é outro mito daquela época. Obviamente que havia uma pressão religiosa para que não houvesse banhos, mas não é verdade que as pessoas não tomassem banho nenhum, não
Ana Rodrigues Oliveira
é? É sim. Também há um historiador que disse que nenhum banho é mil anos, não é? Também não está correto, não é? Também havia quem dissesse que não, tomava-se banho quando se nascia, quando se casava e quando se borria. O que é facto é que, por exemplo, nestes tratados de educação, nestes tratados de obstetrícia, por exemplo, que havia, se recomendava o banho até diário para a criança, para o bebê, depois de nascer havia uma quantidade de cuidados de banho, banhos com água perfumada, banhos mais quentes, mais frios, fosse rapaz, fosse menina, portanto havia realmente uma preocupação com a higiene. Depois de passar a fase de criança, não sabemos, portanto já não há propriamente grandes recomendações. O que é facto é que o banho, repara, o banho diário também é uma modernice.
José Maria Pimentel
Claro, sim, o diário absolutamente.
Ana Rodrigues Oliveira
É uma modernice, não é? O banho custa dinheiro. Claro, sim. E é uma modernice, voltando um bocadinho àquilo que há bocadinho falávamos, há 60, 70 anos tomava-se banho uma vez por semana, normalmente ao sábado ou domingo. Claro, sim. Portanto, quer dizer, a higiene também, e hoje em dia também há quem diga, que se toma banho a mais e que se limpa de mais os poros e que fica permeável às infecções e aos vírus e a isso tudo. Portanto, isso são concepções que vão mudando. Agora, o que é facto é que, por exemplo, nós estudando vê-se, às vezes, nos enxovais e vê-se que, por exemplo, as infantas que vinham ou que iam casar, que vinham casar ou que iam casar, levavam no seu enxovale imensa roupa, imensa roupa para mudar, portanto é porque elas levavam roupa lavada, é porque elas tinham roupa lavada, é porque elas deviam de lavar, não é? Conhece-se, por exemplo, o caso de Santa Joana Princesa, que andou anos com a mesma camisa e que quase que morria com as pulgas e com os piolhos, mas isso aí tem a ver com, portanto, uma mortificação que ela fazia. É claro que as pessoas haviam de se lavar, Não como hoje, porque isso também é um conceito relativamente moderno, mas lá vai a vossa consistência.
José Maria Pimentel
Até porque há um lado da higiene cujo benefício é direto e é sentido imediatamente. O animal também se limpa, os animais têm noção de estar-nos embutido quase geneticamente a noção de que a acumulação de sujedade cria comissões, atrai. Claro, claro. Esse lado era mais ou menos evidente. Sendo certo, essa mortificação ligada à ausência de higiene tem muita piada, não é? É uma coisa que parece um bocadinho ridícula. É
Ana Rodrigues Oliveira
um extremo, não é? É uma mortificação. Exato.
José Maria Pimentel
Até porque não era mortificação só para o próprio. Também era mortificação para os outros.
Ana Rodrigues Oliveira
Mas repara, o banho também foi um bocadinho um interdito da religião, porque os rumanos tinham as termas, os árabes tinham os banhos públicos e depois com o cristianismo os banhos foram se fechando, não é? Foram se fechando, porque realmente eram promíscuos, mesmo havendo banho para mulheres, banho para homens, mas de qualquer maneira havia alguma coisa de promiscuidade e foram-se fechando, não é? Portanto, nós aqui temos sempre subjacente o poder da igreja, o poder da religião, o pecado, a nudez, tudo isso, não é?
José Maria Pimentel
Acho que essa é a chave para perceber isto, porque a pessoa, olhando para trás, o banho hoje em dia é um ato 100% individual, à partida, pelo menos, a pessoa está a tomar banho sozinha. E, portanto, não se coloca questões relacionadas com isso. E a igreja não tem grandes razões para se o pôr ao banho porque o pessoal toma banho em casa. Acabou. Mas o ponto de comparação à época não era esse, era dos banhos públicos romanos, que de facto, bem ou mal, eram sítios, se sabe-se isso perfeitamente, que eram sítios promiscuos, porque a moral da época era completamente diferente. Portanto, o que a igreja havia ali não era higiene versus falta de higiene, mas sim promiscuidade versus ausência dela. E aí a escolha era fácil. Entre uma coisa e outra, a resposta era acabar com a água. Porque a terem-se mantido os banhos, eles não teriam existido como existem agora. Teriam existido em banhos públicos, que acho que existiam em alguns lugares, mas pelo menos na maioria dos sítios não existiram. Isso é engraçado. Outro aspecto engraçado da religião, pegando aí, é o sendo certo que aquilo era uma altura com uma religiosidade muito presente, também havia uma presença enorme no paganismo, não é? Sim. No dia a dia, nas festas e até nas crenças das pessoas. Sim,
Ana Rodrigues Oliveira
sim. Aliás, repara, A própria igreja não se tinha o respeito que hoje em dia se tem. Na igreja, por exemplo, nos conselhos, muitas vezes, na ausência da domus municipalis, que era onde se reuniam os homens bons, os governantes dos conselhos, muitas vezes se reunia na igreja, conversava-se, comia-se, dançava-se, muitas vezes, e isso por exemplo fala-se nos livros de milagres, muitas vezes as pessoas faziam roubarias, paglinações a um determinado santuário e depois acabavam por dormir no santuário e lá bebiam, lá dormiam, lá festejavam. Portanto, tudo isto tem um misto de religião, de paganismo, de crença, de mesinhas, de magia, de encantamentos, de coisas diabólicas, dos filtros do amor, dos filtros do desamor. Portanto, tudo convive. Tudo convive nesta época. E
José Maria Pimentel
é outra vertente do pragmatismo da igreja em relação a, Nesse caso, a capacidade de conviver com o paganismo existente, num monte de coisas, e no fundo cada um mais ou menos ter o seu espaço, sendo que era um paganismo maior do que existe hoje em dia, embora existam várias coisas. E depois também há a própria igreja e o cristianismo, ou o catolicismo em particular, tem embutido algumas coisas relacionadas com o paganismo, desde logo as festas, mas os próprios santos, por exemplo, são uma maneira de embutir alguns cultos pagãos que existiam na... Sim, e as
Ana Rodrigues Oliveira
próprias festas populares muito ligadas também aos cultos agrários, por exemplo, às épocas das esmenteiras, das colheitas, das vindimas, portanto, isso também tem algo de paganismo, não é? E as festas populares muitas vezes eram feitas com base nesses cultos agrários. Havia um misto de tudo. E havia
José Maria Pimentel
da
José Maria Pimentel
parte do povo, por exemplo, e por acaso até uma pergunta engraçada. O peso do paganismo era transversal à sociedade, digamos assim, ou estava mais concentrado no povo?
Ana Rodrigues Oliveira
Quando se fala em paganismo, fala, por exemplo, em encantamentos.
José Maria Pimentel
Sim, esse tipo de coisa.
Ana Rodrigues Oliveira
Sim, também, também.
José Maria Pimentel
Ou seja, os nobres
Ana Rodrigues Oliveira
também... Também, por exemplo, estou-me a lembrar do caso de uma filha de Dom Afonso IV, que foi casar para Castela, com o rei Afonso XI de Castela, e que depois o rei Afonso XI tomou-se de amores por uma amante, da qual teve vários filhos, uma bela Leonora. E o Afonso XI e a Nossa Maria não conseguiam ter filhos, depois ela lá entrou em trabalho de parto e o que é facto é que as crónicas referem que essa Leonora, portanto a amante do Afonso XI, juntamente com uma moura muito sabedora destas artes, estiveram ali a fazer ao longe maldades para que a Rainha Maria não conseguisse ter a criança. E depois foi precisa ali uma estratégia, porque entretanto alguém percebeu que a rainha não conseguia parir porque havia outra mais amora que estavam ali a fazer aquelas maldades todas e então utilizaram uma estratégia que é tocar os sinos e mandar dizer que a rainha já tinha tido a criança. Mentira, não tinha tido. Sim. Mas mandaram dizer isso. E então a Leonora e a Moura, pronto, ficaram sem perceber como é que ela já tinha tido o filho quando elas estavam a fazer tantas maldades para não ter e deixaram de fazer as maldades e foi então que a rainha teve a criança. Portanto, isto é contado nas crónicas, isto é assumido, portanto é claro que esse paganismo, estes encantamentos, estas magias, existiam, existiam a nível do povo e existia também a nível da Nubresa. Era aceito.
José Maria Pimentel
Essa história tem muita piada, porque eu esperaria
Ana Rodrigues Oliveira
que houvesse menos a nível da Nubresa, é engraçado. Não se esqueça também que a falta de cultura, a falta de conhecimento era muito, não é? Claro, eu digo pelo... Tudo era muito propício a este tipo de coisas. Era muito propício.
José Maria Pimentel
Eu só imagino, eu tenho a minha intuição nesse sentido, é porque a igreja tinha um peso maior junto da nobreza ou estava mais preocupada. Aliás,
Ana Rodrigues Oliveira
deixa-me só dizer-lhe uma coisa. Até, por exemplo, em velda-igreja há muitos concílios, há, por exemplo, penitenciais, que eram os livros das penitências, que falam e falam muito em penalizações àquilo que der beberragem a outro para produzir determinado efeito. Beberragem que pode ser o elixir do amor ou o elixir do desamor. Portanto, este tipo de mesinhas eram aceites, tanto é que há penalizações da Igreja para quem fizer esse tipo de coisas. Portanto, isto sabia-se que existia. Claro, exatamente. Aquelas ai-ai.
José Maria Pimentel
Sim, exatamente. Umas bruxas. Não, Exatamente. O meu ponto era só que... Mas eu admito que isso seja uma explicação limitada. A Igreja tinha um poder regulador, digamos assim, maior sobre a nobreza do que sobre o povo também. Não, também sobre o povo. Mas depois havia aquela questão dos casamentos furtivos. Ah, sim, sim. Várias pessoas casavam-se de uma maneira muito menos...
Ana Rodrigues Oliveira
Mas que a igreja continuava a insistir que deveriam casar na igreja, não é? Mas isso está a vir. Isso é um precursor da nossa união de
José Maria Pimentel
facto. Exato.
Ana Rodrigues Oliveira
Portanto, casamento furto ou casamento conhecido.
José Maria Pimentel
Conhecido? Conhecido. Conhecido?
Ana Rodrigues Oliveira
Conhecido. O casamento de pública fama, portanto, era aquele que era dado como válido se fosse provado por testemunhas que as pessoas viviam juntas há sete anos ou mais. Portanto, isso era o casamento conhecido, ou de pública fama, Ou então casamento furto em que bastava realmente um e outro jurarem entre si que queriam viver juntos e pronto, isso era válido como um casamento.
José Maria Pimentel
Mas do ponto de vista da igreja como é que funcionava? Era desejável que o casamento fosse feito de outra forma, mas uma vez feito assim, valia? Valia,
Ana Rodrigues Oliveira
valia, portanto os filhos não eram considerados ilegítimos.
José Maria Pimentel
Ok, engraçado. Depois lá está, é um pragmatismo,
Ana Rodrigues Oliveira
é um caso de pragmatismo maior. Mas a igreja continuava a bater que as pessoas deveriam ir à igreja casar-se, não é? Claro que sim, claro que sim. Mas havia muito casamento. A igreja sempre teve isso e continua
José Maria Pimentel
a ter essa dualidade da posição oficial e a posição oficiosa.
Ana Rodrigues Oliveira
E, aliás, até há mesmo a legislação régia que diz para que os párocos locais continuem a existir, que as pessoas vão à igreja e evitar ao máximo estes tipos de casamentos, mas o que é facto é que a prática era essa, havia muita gente que casava assim. E as
José Maria Pimentel
igrejas, aquilo que é nas e à pouco das igrejas, de se passar muita coisa na igreja, que hoje em dia não acontece, É outro por menor engraçado, porque hoje a igreja é um espaço soleno, mesmo nas aldeias, é um espaço soleno, circunscrito, onde acontecem as celebrações e pouco mais. Antigamente era muito mais polivalente.
Ana Rodrigues Oliveira
Era, e era muito mais um centro de convívio das pessoas. Exatamente. Chamavam muito mais as pessoas a conviverem do que hoje.
José Maria Pimentel
Exato. Isso é interessante porque coincide muito com a descrição que uma convidada anterior, a Esther Mouzenik, fez das sinagogas. Ainda hoje em dia, mas isso foi... Porque ela chamava a atenção que é uma realidade diferente das igrejas porque é um espaço muito mais brilhante, é que as pessoas estão a discutir, é quase mais uma associação recreativa, obviamente que também tem o lado religioso, mas acrescenta a esse lado religioso, esse lado recreativo que as igrejas hoje em dia não têm. Mas na altura
José Maria Pimentel
tinham.
José Maria Pimentel
A propósito das igrejas, não tem tanto assim que ver, mas ocorreu-me isso. A celebração, como sabe, era feita em latim, o que aliás foi uma coisa que subsistiu até há pouco tempo. E havia da parte das pessoas uma memória da oralidade incomparável com a que existe hoje em dia. É uma coisa que claramente se perdeu hoje em dia. A nossa memória... Hoje em dia nós temos na nossa memória muito menos a esse nível do que antigamente. Havia pessoas que decoravam livros inteiros, ou histórias inteiras de memória e que depois conseguiam recitar horas a fio. Que é uma coisa que hoje em dia não acontece, porque a pessoa tem a sorte de poder usar o... Mas também não se esqueça
Ana Rodrigues Oliveira
que as pessoas eram muito iletradas, não é? Portanto, não se esqueça que o saber ler, o saber escrever era a panágio de elitas, não é? Portanto, o povo fixava as coisas e ia as papaguiando, não é?
José Maria Pimentel
Claro que sim, mas também me parece... Isso é verdade, absolutamente, mas parece-me haver outra... Algo sobre isso, que é que, claramente, sim, ou seja, havia um lado que não era de escolha, mas também havia... Por exemplo, eu lembro de ver algures uma coisa que eu achei surpreendente, que era que, visto pré-invenção da imprensa, a escrita era vista como uma espécie de tarefa menor e havia muita gente letrada, por exemplo, ligada à igreja, que não escrevia diretamente, mas sim tinha alguém a escrever aquilo que a pessoa ditava. Ou seja, o acto de escrever era como se fosse uma tarefa física que era melhor deixar para outra pessoa para não consporcar a tarefa intelectual que era simplesmente a de pensar e falar enquanto outra pessoa escrevia. Um bocadinho parecido com o que acontecia com os datilógrafos, não é? Quando se inventou depois a máquina de escrever em que havia pessoas que escreviam o que outros editavam. Sim, sim, as secretárias, não é? Exatamente. Por exemplo,
Ana Rodrigues Oliveira
que faziam o que o patrão, o diretor, dissesse. Mas aí não sei se não está também a adorar um bocadinho a pílula.
José Maria Pimentel
Se calhar, não sei, eu estou-lhe a perguntar.
Ana Rodrigues Oliveira
Pois, não sei, não sei se não está um bocadinho, porque, repare, também havia muitos governantes que não sabiam escrever. Tivemos reis que não sabiam escrever, por exemplo. Portanto, daí a necessidade de editar para alguém ou de alguém escrever por eles. Não sei se era só para se dedicarem ao digno ofício de pensarem e não perderem tempo a escrever, se era mesmo não saber, não é?
José Maria Pimentel
Claro, aqui era... No fundo, o que é que isto está a ser verdade, mas admito perfeitamente que não seja, até porque já não me lembro onde li isto, mas o que está por trás disto é uma primazia da palavra dita em detrimento da palavra escrita, que é um bocadinho o inverso do que existe hoje em dia. Hoje em dia dá-se mais valor à palavra escrita e o que isto, quando li isso, me chamou a atenção é que porventura naquele tempo dava-se mais valor à palavra dita, à oralidade em detrimento do que estávamos a ver. Mas pode não ser verdade.
Ana Rodrigues Oliveira
Não, mas é verdade. Claro que era, mas tem principalmente a ver também com a literalidade das pessoas. Sim,
José Maria Pimentel
com o facto de elas não saberem escrever. Eu queria falar de outro aspecto interessante do livro, mais relacionado com a história política, e que também liga a esta questão da religiosidade. Por exemplo, algo que eu creio que é menos conhecido, ou que não é particularmente conhecido, é que nem todo o país vivia sob o regime feudal diretamente. Havia, de facto, a nobreza concentrada, sobretudo, no norte do país, no fundo, por onde se tinha dado a reconquista, mas mais para o sul havia um peso grande dos conselhos que tinham uma lógica, obviamente com as devidas comparações, mas tinha quase uma protodemocracia local, porque eram eleitos os homens bons, portanto as pessoas com mais posses. É o ano
Ana Rodrigues Oliveira
passado da nossa municipalidade.
José Maria Pimentel
Exatamente. Mas é engraçado porque no fundo aquilo funcionava numa lógica semi-democrática, obviamente com várias nuances, nem toda a gente votava. Eu não sei se havia um voto como hoje em dia. Repare,
Ana Rodrigues Oliveira
Portanto, havia alguma democracia, não é? Com algumas aspas, porque, por exemplo, os governantes dos conselhos, os ditos homens bons, eram eleitos pelos vizinhos. Os vizinhos eram os habitantes desse conselho. Os munícipes, não é? Os munícipes atuais. Portanto, os habitantes desse conselho, portanto, eles elegiam. E como
José Maria Pimentel
é que eles elegiam?
Ana Rodrigues Oliveira
Se quer que lhe diga, acho que era com umas tabuinhas.
José Maria Pimentel
Pois, devia ser um braço no ar quase.
Ana Rodrigues Oliveira
Sim, umas tabuinhas. Agora, repare, havia alguma democracia porque elegia os homens bons, agora, quem eram os homens bons que elegiam? Normalmente eram os mais ricos, eram os mais cultos, aqueles que eram considerados mais capazes. Depois, também havia pessoas que eram excluídas dessa votação, por exemplo, os muros, os judeus, as mulheres, portanto, eram excluídas dessa votação. Portanto, é assim, uma democracia com algumas aspas, mas se nos lembrarmos da própria democracia grega…
José Maria Pimentel
Exatamente, que não votava toda a gente, nem de
Ana Rodrigues Oliveira
perto nem de longe. Agora, realmente isso é o embrião da nossa municipalidade, porque havia os homens bons, que eram os géneros nossos presidentes de cá, Freire e de Junta, que se reuniam na domus municipales, portanto na casa municipal da nossa Câmara, não é? Que faziam as posturas locais, tinham oficiais próprios, portanto tinham funcionários próprios do Conselho. Portanto, era realmente o embrião da nossa municipalidade, Embora houvesse sempre funcionários do rei, portanto, havia sempre ali uma ligação com o rei. O caso do Alcaide, o caso do Mordombo, que ia cobrar os impostos, mas de qualquer das maneiras era muito melhor viver-se num concelho do que se viver num senhorio, não
José Maria Pimentel
é? Até vi um ditado, não é? Vizinho cavaleiro.
Ana Rodrigues Oliveira
Melhor viver com vizinho mau do que cavaleiro mesquinho. Isso, exatamente. Algo assim. Portanto, mesmo que vivêssemos num concelho onde tivéssemos um vizinho mau, era sempre melhor do que estar a viver sob o domínio de um cavaleiro, não é? Agora, o país estava dividido realmente, numa zona senhorial e quando falamos de uma zona senhorial, são senhores tanto da nobreza como do clérigo. Portanto, as terras eram dadas como recompensa da ajuda militar prestada durante a Reconquista. Portanto, estava dividido essencialmente entre um norte senhorial e um sul mais concelhou. E
José Maria Pimentel
A maneira como isso processou, julgo, foi... Mas confio-me se eu estiver enganado... A Reconquista, inicialmente, até porque eu leia as cruzadas por uma série de movimentos, capta e atrai uma série de nobres, até vindos de França, por exemplo, que ajudam à processa da reconquista e que, como recompensa por isso, recebem visitas externas.
Ana Rodrigues Oliveira
E passam-se a ordens religiosas e militares.
José Maria Pimentel
E as ordens religiosas e militares a mesma coisa. Os conselhos surgem quando se esgota esse filão, em certo sentido, não é? Ou seja, quando deixa de haver nobres e ordens militares também, porque a maré a nível europeu também muda ligeiramente. Sim, e a
Ana Rodrigues Oliveira
partir do final da Reconquista, acabou-se as doações à nobreza e ao clero, não é? E
José Maria Pimentel
repare,
Ana Rodrigues Oliveira
a criação de conselhos também funcionava um bocadinho como contraponto do poder senhorial, não é? Porque o rei também não poderia estar só a dar aos senhores que isso também seria perigoso para si próprio.
José Maria Pimentel
Portanto,
Ana Rodrigues Oliveira
é um bocadinho um contra-poder.
José Maria Pimentel
Aliás, vamos falar disso, que é interessante essa fricção, conflito entre o poder real e o poder senhorial. No caso dos conselhos, o que havia era, havia obviamente o poder central, digamos assim, para fazer um paralelo com a atualidade, que era o poder do rei e que era despótico, como acontecia em todo o lado na altura, mas depois havia... O poder local. O poder local, que tinha essa capacidade de decidir. E
Ana Rodrigues Oliveira
que tinha autonomia. Tinha autonomia. Tinha alguma autonomia administrativa, judicial, económica.
José Maria Pimentel
E as condições de liberdade, digamos assim, eram melhores, obviamente, nos conselhos do que nos... Eram
Ana Rodrigues Oliveira
melhores porque, repara, a pessoa que vivia no concelho estava sujeita ao estabelecido na carta de foral, que era o documento que criava o concelho, não é? Portanto, estava tudo já estipulado. Enquanto que se trabalhasse num senhorio estava sujeita às arbitrariedades que o senhor se lembrasse de fazer, não é?
José Maria Pimentel
Não, isso absolutamente não. O que eu ia perguntar é, se deixarmos de parte da questão da liberdade, o resto daquilo que compõe a qualidade de vida, digamos assim, ou seja, a qualidade de alimento, até de higiene, cuidado de saúde, também era melhor nos conselhos do que era? Sim,
Ana Rodrigues Oliveira
claro, até porque nos senhorios os camponeses davam quase tudo para pagamento da renda, portanto, davam quase tudo. Qual era a percentagem? Variava, variava, variava de senhorio para senhorio.
José Maria Pimentel
Mas há uma noção da média, digamos assim?
Ana Rodrigues Oliveira
Era muito. A média era muito. E sobretudo, quando se aproximavam, por exemplo, da época das colheitas, a época das vindimas, a época das festas, o Natal, a Páscoa, então aí, portanto, os pagamentos, os impostos, se dobravam. Era muito. E quando houvesse guerra, por exemplo? Era muito. E muitas vezes os camponeses, sobretudo em maus anos agrícolas, os camponeses ficavam praticamente sem comida porque tinham de dar. E não se esqueça que isto era principalmente pago em gêneros, também havia outras formas de pagamento, mas era muito dado em gêneros. Portanto, ovos, galinhas, porcos, cereais, vinho, azeite, tudo isso, não é? E portanto, quem trabalhasse no senhoria estava sujeito à arbitrariedade do senhor e não havia nada que legislasse isso, portanto variava de senhor para senhor, para além depois dos muitos impostos que tinham de pagar, sem ser pela produção, desde que utilizassem o moinho, desde que utilizassem o forno, desde que utilizassem o lagar, se o camponês de um senhorio se apaixonasse por uma camponesa de outro senhorio tinha de pagar o imposto, se alguém da sua família morresse tinha de pagar o imposto, quer dizer morreria o familiar ainda pagava o imposto, portanto era assim uma arbitrariedade muito grande. Nos conselhos também se pagava muito mas as pessoas tinham mais liberdade e já sabiam o que se esperava, não é? Portanto, é completamente diferente. Vou-te
José Maria Pimentel
fazer uma pergunta ignorante. Adivinho pelo menos parte da resposta. Porquê é que não havia migração dos senhorios para os conselhos? Tinha que ver apenas com a servidão e com o facto de... Não era bem uma propriedade, mas do camponês estar obrigado a manter-se no... Repare,
Ana Rodrigues Oliveira
nós também temos de contextualizar as coisas na época. Como eu há bocadinho lhe falei, os cinco primeiros séculos da Idade Média são séculos de invasões, em que são séculos de guerra, em que as coisas estão destruídas, em que há uma recessão económica, em que há uma recresção urbana, em que as pessoas fogem das cidades para os campos. E repare que a única riqueza que se tem é terra. Portanto, vive-se da terra. Não há mais nada. Portanto, há necessidade de ter uma terrinha para viver. A partir da altura que as coisas começam a melhorar, a progredir, a desenvolver-se, a compor-se, o próprio feudalismo entra, começa a enfraquecer e entra em decréscimo, não é? É claro que as pessoas podiam mudar, se quisessem poderiam mudar, poderiam ir viver para um concelho, mas até a própria mobilidade na época era complicada. E
José Maria Pimentel
provavelmente tinham que abrir mão da terra que tinham arrendado. Claro, claro. O senhor e eu e depois não íamos ter nada de outro lado. Até porque Normalmente
Ana Rodrigues Oliveira
as terras eram arrendadas em duas ou três vidas, não é?
José Maria Pimentel
Exatamente, sim, sim. É um fenómeno interessante, não é? Porque a realidade só num país, não era bem um país na altura, mas pronto, no reino, onde havia essa dualidade tão grande, só pode subsistir se houver impedimentos à migração, senão toda a gente mudava para os conselhos onde, no fundo, havia uma vida melhor do que havia do outro lado. Embora também nos senhorios houvesse um contraponto, porque obviamente o negócio era altamente prejudicial para os camponeses, mas também é importante dizer que havia, que eles recebiam alguma coisa em troca, recebiam a proteção do senhor. Recebiam a proteção em caso de guerra. Exato. E havia também algum, não sei se se era o caso em todo o lado, mas em alguns sítios havia a obrigação do... Pelo menos a suposta obrigação do senhor de fazer algumas festas durante o ano, que alimentava, no fundo, o povo. Não era comum.
Ana Rodrigues Oliveira
Poderia haver em alguns sítios, mas não havia nada de obrigatório nesse sentido.
José Maria Pimentel
Não, não, não. E ser supostamente obrigatório a funcionar...
Ana Rodrigues Oliveira
Não está a fazer confusão com as pitanças, não? Não, julgo que não. Não sei o que é que são as pitanças. As pitanças... Nem as vinho, que é a questão. Mas, Aneta, falei no livro. Tem a ver com galinhas, não se preocupe. Não, não tem a ver com pitanças. As pitanças eram festas que normalmente se faziam nos aniversários das mortes, porque em vida preparava-se a morte, em vida preparava-se o passamento para outra vida e então normalmente as pessoas, desde o mais rico ao mais pobre, deixava decidido aquilo que queria que se fizesse. E, por exemplo, a nível da nobreza e da realeza, havia muito costume de, durante o primeiro ano após a morte, se fazer pelo aniversário, todos os meses, os saímentos, que eram cerimónias religiosas em que se fazia a missa.
José Maria Pimentel
Mas isto hoje em dia, não é? Sim,
Ana Rodrigues Oliveira
só que aqui tinha uma outra particularidade, que hoje em dia faz-se a missa, não é? A missa, pronto, mensalmente faz-se a missa, mas depois aqui havia os saímentos que era sair da igreja Uma procissão era? Um género, ir à campa, portanto, onde a pessoa estava e benzer e fazer umas orações, portanto, que eram os saímentos. E para além disso havia as pitanças, Portanto, a pessoa quando morria também deixava em testamento onde é que se ia arranjar o dinheiro, onde é que se ia buscar o dinheiro, para depois nos aniversários da sua morte se fazer uma festa para o povo. Portanto, dava-se alimentos ao povo. Essas eram as pitanças. Era uma pequena festa em que se dava alimentos ao povo, mas era para que nada se fazia por acaso, não era? Para que também o povo perpetuasse a memória de quem lhe dava a pitança e rezasse pela salvação da alma de quem lhe estava a dar a pitança. Sim,
José Maria Pimentel
na convicção de que a pitança ajudasse.
Ana Rodrigues Oliveira
Ajudaria a salvar os pecados, não é? E que a alma seguisse um bom caminho.
José Maria Pimentel
Exatamente. Vou pegar nessa questão das cerimónias religiosas porque isso leva-nos a outra distinção interessante entre os conselhos e os senhorios, que é o facto de, e é interessante até porque se mantém hoje em dia. O grau de religiosidade nos conselhos era menor do que nos senhorios, o que é um fenómeno que se mantém hoje em dia entre o Norte e o Sul de Portugal. O Sul de Portugal é, tendencialmente, menos religioso, em média, menos religioso do que o Norte. E já na altura era assim, não é?
Ana Rodrigues Oliveira
Ah, não sei muito bem se isso seria assim. As pessoas eram muito religiosas. E repare que nos conselhos, o que é que marcava a vida das pessoas nos conselhos? O toque do sino.
José Maria Pimentel
Mas, por exemplo, o rácio de igrejas por quilómetro quadrado, por exemplo, nos conselhos era sustentável. Todos os conselhos tinham a sua igreja. Mas, bom, eu estou a dizer isto, não tenho, obviamente, os números à minha frente. Eu lembro de ter lido isto, salvo o erro, naquele livro da História de Portugal, que foi coordenado pelo Rui Ramos e depois até certa altura saiu no Expresso. E achei isso curioso, sobretudo porque é uma realidade que se manteve até aos dias de hoje. A lógica não era que as pessoas não fossem religiosas nos conselhos, não fossem crentes, porque eram, obviamente, isso era transversal. Mas o peso no quotidiano, digamos assim, o Norte, mesmo hoje em dia, e por exemplo no pós-25 de Abril, isso tornou-se muito visível com o peso da igreja a norte, não é? E a pessoa vai ao norte, vai ao Alentejo e a realidade é muito diferente. Tem duas igrejas. Tem duas igrejas. E precisões e... Mesmo hoje em dia, não é? É uma série de... Eu tenho muita família no
Ana Rodrigues Oliveira
norte. Hoje em dia isso é muito visível. Agora, na idade média, as pessoas eram muito religiosas, tinham muito medo da morte, medo do pecado e de morrerem em pecado. E repare, tudo isso era muito fomentado pelo clero, logicamente que era fomentado pelo clero. E não sei se nos concelhos haveria menor religiosidade, até porque tudo era comandado pelo toque do sino da igreja. Desde o começar do dia até o deixar a atividade, o largar do trabalho, o ir almoçar, as festas, as desgraças, os casamentos, tudo era regulado pelo topo do sino. Portanto, não sei se seria assim tão menos religioso nos concelhos.
José Maria Pimentel
Eu também não sei. Agora fiquei com curiosidade de revisitar essa parte, até porque tudo isso também depende daquilo que nos chega hoje em dia, em termos de informação. Falando agora dos senhorios, no fundo da nobreza, esse é outro lado interessante demais aqui em termos de história política que havia lá está um conflito entre o rei e a nobreza, que foi um conflito que depois acabou por ser vencido, em certo sentido, na maior parte dos países europeus, pelo monarca, e depois deu lugar às monarquias absolutas, mas que no início... Acho que em Portugal não foi um dos
Ana Rodrigues Oliveira
países piores. Não, em Portugal não foi, não.
José Maria Pimentel
Mas o país... Os
Ana Rodrigues Oliveira
nossos reis, a França foi um horror, não é? Mas os nossos reis, honra lhe seja feita, conseguiram sempre manter o seu poder, até porque houve determinados direitos que esses senhores feudais não podiam ter, por exemplo, em França cunhavam moeda, cada senhor cunhava a sua moeda, em Portugal isso não era permitido, por exemplo, a Justiça Suprema, ou mandar matar, ou cortar os membros, também não era permitido, portanto, houve sempre determinadas prorrogativas que foram sempre prorrogativas régeas. Portanto, os nossos reis não abriram muito, embora tivessem realmente feito muitas doações e cada senhor no seu senhorio era um pequenino rei, portanto tinha poder, tinha muito poder sobre os senhores camponeses e inclusive não pagava impostos ao rei, muitas vezes funcionários régios estavam impedidos de entrar no senhorio, mas havia determinados, por exemplo os nossos senhores feudais nunca comandaram exércitos, era o rei que comandava sempre o exército, portanto havia determinadas prorrogativas que foram sempre régias. E depois também sucessivamente se foram lançando medidas também para limitar um bocadinho esse poder. O caso das confirmações, o caso das inquirições, em que eram formas de verificar se os nobres ou o clero tinham aumentado o seu território, tinham absorvido o território que lhes tinha sido doado.
José Maria Pimentel
Era a croa a sancionar, no fundo, a propriedade.
Ana Rodrigues Oliveira
Exato, porque, repara, quanto mais propriedade, mais poder. Portanto, para evitar que realmente houvesse apoderações ilegítimas de território, portanto os nossos reis foram sempre fazendo esse tipo de medidas, de confirmações, de inquirições, portanto inquéritos à população a ver quem é que pertencia àquela terra e, portanto, correspondente carta de confirmação. Portanto, honra no seja feito, os nossos reis souberam, tirando um caso ao outro. Nós, Tonsange II e o Z.I. Abraços com muita confusão, mas também foi um rei um bocadito mais fraco e que talvez não se tivesse apoiado onde devia, mas de uma maneira geral essa situação não se verificou em Portugal.
José Maria Pimentel
Mas eu ia para... Eu não acho que nós tenhamos sido mal servidos em termos de reis, mas iria mais para uma explicação contingencial, apesar de tudo. Ou seja, imagino que o processo de formação do país tenha sido também diferente do que aconteceu noutros países e que tenha ditado, lá está no caso de França, por exemplo, um poder da nobreza maior do que aquilo que veio a existir em Portugal. E, por exemplo, seja em França, seja, por exemplo, em Inglaterra.
Ana Rodrigues Oliveira
Em Inglaterra também, sim.
José Maria Pimentel
Observe-se uma coisa curiosa. Por exemplo, nós temos quatro dinastias, não é? Na prática, se a pessoa quiser ir à essência, nós podemos considerar quase que há uma dinastia, porque eles estão todos relacionados. Obviamente que não há
Ana Rodrigues Oliveira
uma linha... Uma descendência direta, mas há uma descendência familiar, uma relação
José Maria Pimentel
familiar. Mas são todos descendentes do Alfonso Henriques, ou seja, há uma ligação entre eles. Não era o caso na Inglaterra. Em Inglaterra, de certeza, e em França, creio que também não havia famílias... Sim, sim, sim. Diferentes famílias com muito poder, não é? E que tinham a pretensão...
Ana Rodrigues Oliveira
Aqui é mais ilegítimo, menos ilegítimo, mas há um fio corretor. Aliás, o nosso, até o nosso Felipe, o nosso primeiro Felipe, portanto, era um neto de Dom Manuel. Exatamente,
José Maria Pimentel
exatamente. Às vezes era preciso ir ao lado, não é? Mas também se dizia isso dentro da mesma ideia. O Dom Manuel, por exemplo, ele
Ana Rodrigues Oliveira
não era
José Maria Pimentel
filho do João II, era primo e cunhado.
Ana Rodrigues Oliveira
Primo e cunhado, a irmã da rainha. Não era difícil acumular graus familiares, tendendo realmente aos casamentos muito endogâmicos.
José Maria Pimentel
Pois, exatamente. Eram mais endogâmicos, por exemplo, em Portugal do que noutros países?
Ana Rodrigues Oliveira
Pelo menos na Península Ibérica eles casavam todos muito entre...
José Maria Pimentel
Outro fenómeno interessante é que eu tenho a sensação de que a Península Ibérica era muito mais, nesta altura, era muito mais homogénea do que é hoje em dia. Ou seja, obviamente que havia reinos diferentes, mas em primeiro lugar não havia a noção do Estado de Nação, que é uma coisa muito mais tardia. E havia, por exemplo, a nubreza era muito premiável, a nubreza portuguesa, por exemplo, muitas vezes estava, convivia, estava mais próxima, se calhar, da nubreza castelhana do que do povo português, em certo sentido, não é? Havia uma...
Ana Rodrigues Oliveira
Mas olhe que aí, por exemplo, lembre-se do caso de Dona Teresa, da mãe de Alfonso Henriques, que se apoiou, por exemplo, nos nobres galegos e que a nobreza portugalesa não gostou nada, não é? Que havia aí um risco para a possível independência do reino. Portanto, também havia
José Maria Pimentel
conflitos desse. Claro, claro. Mas eu digo, por exemplo, que a certa altura o castelhar era quase a língua franca entre a nobreza espanhola, nos vários reinos que correspondem ao que hoje é a Espanha e Portugal, ou seja, que havia uma convivência muito mais próxima do que a pessoa julgaria, sendo reinos diferentes naquele período. Mas posso estar enganado, esta era a reação que eu tinha em relação a isso. O que é importante também perceber na altura, e isso está por trás da lógica dos senhores e explica porque é que depois, no fundo, os conselhos foram mais bem sucedidos, é que naquela altura, quando um país ou um reino pensava em enriquecer, digamos assim, em aumentar o património, não pensava no comércio em primeiro lugar, pensava na guerra.
Ana Rodrigues Oliveira
Claro, mas isso também... Depois
José Maria Pimentel
também se altera. Claro, também
Ana Rodrigues Oliveira
se altera. É a tal diferença. Exatamente. É a tal diferença.
José Maria Pimentel
A primeira resposta é guerra antes de comércio, sendo que os conselhos tinham muito mais a lógica comercial. Claro. Por propósito, como é que funcionava a defesa dos conselhos?
Ana Rodrigues Oliveira
Havia o al-Qaeda. O al-Qaeda era o representante do Rei e tinha a seu cargo, portanto, a missão da defesa do Conselho. Muitas vezes havia situações em que havia metade do Rei, metade do Conselho, mas de uma maneira geral isso estava a cargo do Alquaide, que era o funcionário do resto. Sim,
José Maria Pimentel
era o Governador Civil.
Ana Rodrigues Oliveira
Por aí. Quase, não.
José Maria Pimentel
A minha pergunta é mais pelos senhores, o que acontecia era que os nobres eram quem compunha o exército. Mas os
Ana Rodrigues Oliveira
conselhos depois também passaram até exército.
José Maria Pimentel
Que era composto por quem? Porque a minha pergunta é, como nos conselhos? A principal atividade, quando não era a agricultura, era o comércio. O comércio e
Ana Rodrigues Oliveira
O artesanato.
José Maria Pimentel
Exatamente, e esse tipo de ofícios não havia... Onde é que as pessoas eram formadas na arte da guerra? Repare,
Ana Rodrigues Oliveira
os homens bons, aquilo que se chama os homens bons, eram os antigos cavaleiros. Portanto, é uma terminologia também que muda porque a guerra felizmente deixa de haver, não é? E então os próprios cavaleiros passam a chamar-se homens bons. E no Conselho tínhamos os homens bons, que eram os antigos cavaleiros, os cavaleiros vilãos, e os peões, portanto eram os que combatiam a cavalo e os que combatiam a pé. A diferenciação no Conselho é entre os cavaleiros vilões ou os homens bons, mais tarde são os homens bons, e os peões. Portanto, há toda uma tradição de esses homens continuarem a possuir o seu cavalo e a serem adestrados para o exército. Mas qual era... O que eu estou a tentar aqui desmontar e perceber é qual é o sustento económico
José Maria Pimentel
para isso, porque nos senhores o que acontecia era que os senhores, basicamente, não faziam nada daquilo que nós hoje em dia entendemos como diretamente produtivo e eram, recebiam, viviam à custa de rendas. Sim, sim. No fundo eram os impostos que lhes eram pagos. Nos conselhos, como é que a coisa funcionava? Ou seja, esses homens bons e os peões, qual era o emprego full-time deles? Não,
Ana Rodrigues Oliveira
para! Os peões trabalhavam em tudo. Os homens bons trabalhavam na administração do conselho, tal e qual como agora os nossos órgãos autárquicos, o nosso presidente da Câmara, o nosso presidente da Junta, não trabalha noutra coisa que não naquilo, não é? Portanto, esses trabalhavam nisso. Os peões trabalhavam em tudo.
José Maria Pimentel
Então, mas seriam piores combatentes do que os nobres, provavelmente que tinham o tempo de ócio para entregar ao treino, não
Ana Rodrigues Oliveira
é? Pronto, mas não nos podemos esquecer que, entretanto, a guerra também deixou de existir, não é? Felizmente as coisas como fizeram-se e a guerra deixou de existir. Portanto, não vamos ter, talvez, também tão grande necessidade de ter exércitos permanentes e treinos constantes e não sei o quê. Agora, a partir de uma determinada altura, os conselhos também passam a ter o seu exército. São chamados os besteiros, também passam a ter o seu exército. Pois,
José Maria Pimentel
mas mais tarde então? Mais tarde. Ok, interessante. E Porque antes disso, sempre que havia guerras, por exemplo, com outros reinos peninsulares, o grosso do exército era... Era dos
Ana Rodrigues Oliveira
nobres. O rei recrutava os exércitos e esfiava os exércitos dos nobres.
José Maria Pimentel
Ok, engraçado. Não me
Ana Rodrigues Oliveira
lembro de saber disso. Era mais uma dependência que o rei tinha, não é? Sim, completamente. O Fioca dependia do exército dos nobres,
José Maria Pimentel
não é? Exatamente, sim, sim. E sem eles não conseguiria... Depois foi ganhando, depois foi-se criando um, não sei qual era o nome, mas uma espécie de exército do reino, não é? Sim, sim, sim. Depois, mais à frente. Mais à frente, sim, sim.
Ana Rodrigues Oliveira
Mas de qualquer das maneiras, o rei tinha sempre a prerrogativa dele é que esfiava aos exércitos, não é? Outro
José Maria Pimentel
honor, engraçado, que eu queria falar, era da diferença entre homens e mulheres, que é outro do, outra das concepções, acho eu, que existem em relação àquele tempo, que havia um papel muito segregado de género. E se isso era verdade na nobreza, no povo não era.
Ana Rodrigues Oliveira
A mulher trabalhava ao lado do homem, fosse na agricultura, fosse na criação de gado, fosse no artesanato, fosse no comércio, portanto, havia mulheres, muitas mulheres dedicadas ao comércio, as mulheres podiam ter tendas, podiam arrendar tendas, portanto, na cidade, no povo, na cidade ou no campo, portanto no povo não havia diferença, homem e mulher trabalhavam ao lado um do outro. A única diferença talvez será um bocadinho no comércio, porque normalmente o homem comerciava por grosso, a mulher comerciava a retalho.
José Maria Pimentel
Ah é? É.
Ana Rodrigues Oliveira
Seria talvez a grande diferença. Agora, de resto, a nível do povo, essa liberdade era muito maior, não havia diferenciação. A nível da pobreza, sim, claro. Até porque as meninas nobres eram ensinadas de uma maneira, os meninos nobres eram ensinados de outra, portanto, logo na infância começava essa divisão por género. Claro,
José Maria Pimentel
logo muito cedo. No
Ana Rodrigues Oliveira
povo não, as crianças cresciam juntas e trabalhavam juntas com os pais e viam os pais trabalhar e brincavam juntas, portanto, não havia essa diferenciação.
José Maria Pimentel
Isso é interessante porque há uma…
Ana Rodrigues Oliveira
No povo é tudo muito mais livre, é tudo muito mais normal.
José Maria Pimentel
Esse lado, por exemplo, é interessante. As condições de vida eram mais difíceis, mas em certos aspectos havia uma liberdade muito maior no povo.
Ana Rodrigues Oliveira
E talvez uma união maior entre a família. Sim, exatamente, talvez uma união maior. Por exemplo, havia muitos artesanato que era artesanato familiar. Trabalhava o marido, a mulher e os filhos numa loja de artesanato e trabalhava. Era uma célula familiar.
José Maria Pimentel
Sim, sim, uma empresa
José Maria Pimentel
familiar.
José Maria Pimentel
Essa homogeneidade em termos de tarefa entre homem e mulher no povo, que não era obviamente completa, no sentido em que haveria tarefas que exigiam mais arcaboide físico, por exemplo, e aí teriam que ser feitas pelos homens. Isso é tão interessante quanto isto. Assim
Ana Rodrigues Oliveira
de hoje é assim.
José Maria Pimentel
Como? E ainda hoje é assim. Mas, por exemplo, isto é que eu acho muito interessante, eu leio sobre isto há uns tempos, se observar o tipo de agricultura que se praticava nos vários países, vamos supor no mundo ocidental, isso tem uma correlação direta com a desigualdade entre os sexos na atualidade. Ou seja, em sítios onde o tipo de agricultura, pelo tipo de instrumentos que eram utilizados e pelo tipo de produtos que eram cultivados, levava a uma segregação do papel entre os sexos, tendem a ser sítios hoje em dia onde há mais desigualdade entre os sexos. E em sítios onde, pelo tipo
José Maria Pimentel
de agricultura, havia
José Maria Pimentel
uma confluência muito maior de papéis, leva a que hoje em dia seja... Obviamente que isto não é engenhado. Mas tem lógica. Mas é interessante, não é? E tem lógica. Salvo erro, por exemplo, eu já não lembro qual era o tipo de agricultura, mas nos países nórdicos o tipo de agricultura que se praticava era muito equitativo, levava papéis muito iguais entre os dois chefes. E é
Ana Rodrigues Oliveira
o que se faz também. Há iluminuras medievais em que se vê a mulher a trabalhar ao lado do homem, na cementeira, na ceifa, no pudar, no malhar os cereais, tudo. Portanto, há muitas iluminuras em que se vê.
José Maria Pimentel
Até porque não se podia desperdiçar a mão de
Ana Rodrigues Oliveira
obra. Não se podia desperdiçar a mão de obra, exato. E mais uma vez aqui, a mulher continuava a ser um bocadinho sacrificada, porque trabalhava na rua ao lado do homem e depois trabalhava em casa, nos serviços domésticos e no tratamento dos filhos, portanto aí também não temos muita diferença em relação à atualidade.
José Maria Pimentel
Mas como é que era o trabalho nesses serviços domésticos, digamos assim? Então, serviço
Ana Rodrigues Oliveira
doméstico, limpar a casa, fazer a comida, tratar de roupa, então... Claro que sim!
José Maria Pimentel
Claro que eu percebo, eu percebo. O meu ponto é, a segregação era a mesma do modo como a pessoa concebe hoje em dia ou havia alguma particularidade, ou seja...
Ana Rodrigues Oliveira
Era um trabalho de mulher, lógico.
José Maria Pimentel
Portanto, o... Isto que o homem não ficava a ver futebol na televisão, provavelmente não existia, não é?
Ana Rodrigues Oliveira
Aliás, a Idade Média também é muito conotada com o homem no exterior, a mulher no interior, não é? Recatada. Ora bem, aliás, há aqui montes de provérbios em que se apela precisamente para que a mulher esteja recatada, para que a mulher esteja em casa. Depois, na prática do povo isso não acontecia, não é? Da prática do povo não acontecia. Mas é claro que ela trabalhava fora e trabalhava dentro, não é? Portanto...
José Maria Pimentel
É justamente o contrário, não é? Era um luxo e daí estar apenas disponível para a nobreza, as mulheres poderem não trabalhar e não sair de cá. Mas havia casos em que havia uma reclusão quase extrema, não é? Mas isso
Ana Rodrigues Oliveira
a nível dos conventos, não é?
José Maria Pimentel
Não, dos conventos claro, mas entra a nubreza esse preceito de... Isso eram as normas,
Ana Rodrigues Oliveira
as normas dos tratados de educação e sobretudo se tiver em conta as normas da igreja, a menina devia estar recatada em casa, nem devia ir à janela, porque ir à janela era já sair. Exato. Não podia fazer com uma crochinha. Pronto, muitas vezes até se aconselhava a não ir à missa porque ir à missa também podia olhar para coisas que não devia, mas pronto, mas isso são as normas, não é? O outro
José Maria Pimentel
aspecto que eu achei interessante foi a questão dos castigos, que a pessoa também tende a associar à época medieval o castigos brutais, quando na verdade, pelo menos, aquilo que se recomendava não era.
Ana Rodrigues Oliveira
O que se recomendava, mas olha, mas aí também temos um paralelismo com a atualidade, não é? Porque também se aconselha a tentar resolver as coisas, tentar educar as crianças pelo exemplo, pela palavra, não pelos castigos físicos e na altura também os tratados de educação aconselhavam sempre a fazer isso, não é? Portanto, dar o exemplo, convencer pela palavra, mostrar, mas o que é facto é que sabemos que havia muitas crianças, por exemplo, nos livros de milagres vê-se crianças que levaram com uma pedrada do pai ou da mãe, ou que levaram com um pau, ou que levaram um pontapé, ou que não sei o quê. Claro, uma coisa é o tratado, é a norma, outra coisa é a prática, mas e hoje em dia não temos também tantas crianças maltratadas? Claro. Pronto, e também se diz que se não se deve, mas na prática nós temos infelizmente se calhar hoje crianças muito mais maltratadas do que naquela altura.
José Maria Pimentel
Claro que sim. As pessoas são
Ana Rodrigues Oliveira
mais anónimas, mais impessoais, menos sensíveis.
José Maria Pimentel
E antigamente também havia quase uma vigilância mútua porque as pessoas convivem muito
Ana Rodrigues Oliveira
mais de perto. Havia regras de convivialidade muito mais apertadas do que hoje. As pessoas conheciam os vizinhos, mais pequenos, hoje em dia é tudo muito mais impessoal.
José Maria Pimentel
E há outro aspecto disso, é engraçado, que é a questão da esfera da privacidade, por exemplo. O conceito de privacidade é um conceito relativamente recente. Nessa época não havia praticamente privacidade, as pessoas estavam a dormir todas juntas, não é? Dormiam no
Ana Rodrigues Oliveira
mesmo... Nas casas do povo normalmente tinha uma divisão em que se dormia, em que se vivia, em que se dormia, exato.
José Maria Pimentel
Não havia... Tudo era partilhado. Tudo
Ana Rodrigues Oliveira
era partilhado, Até muitas vezes a própria cama do casal era onde dormia os filhos. Exatamente. Daí até várias situações de atabafamento das crianças, não é? De crianças que morriam no pé.
José Maria Pimentel
Por descuido? Por
Ana Rodrigues Oliveira
descuido. Porque numa volta se virava para cima da criança a dormir ou se tapava, se puxava a manta e se tapava a criança demais. Há muitas situações dessas que depois são conotadas com infanticídio, não é? Seriam ou não.
José Maria Pimentel
Claro. Seriam ou não. E muitas vezes podia ser atribuído a isso. Há um aspecto das crenças que nós há bocado chegámos a falar, que é a maneira como se lidava com a infância, que era diferente entre o povo e a nobreza e no fundo, salvo erro, a infância era aceita e era dada a importância de vida à infância, até como sendo, no fundo, à altura em que aquilo que fosse colocado na cabeça do miúdo, da criança, depois prolongar-se-ia para o resto da vida. Mas essa infância acabava para aí nos 7 anos, não é?
Ana Rodrigues Oliveira
Sim, às vezes antes. Mas normalmente a partir dos 6, 7 anos já se devia começar a instruir a criança, não é? Achava-se que quanto mais cedo se começasse a instruir a criança, melhor. E havia uma passagem
José Maria Pimentel
do... Obviamente sempre vou ficar um bocadinho, mas comparativamente com a nossa concepção atual, nós hoje em dia vemos a infância, a adolescência e a idade adulta, não é? E na altura a adolescência...
Ana Rodrigues Oliveira
Mas eles também tinham esses nomes, eles também tinham essa divisão, eles também tinham essa divisão, a idade de razão, a idade de inscrição, eles também tinham essa diferenciação. Só que tudo começava muito mais cedo. Tudo começava muito mais cedo, por exemplo, para o casamento, casamento a nível da nobreza, da realeza, não é? Portanto, a partir dos 7 anos, podia ser prometida sem esponsórios, portanto, o nosso noivado. Sim. O nosso noivado. Portanto, era sempre antecedido do período de esponsórios, que poderia ser a partir dos 7 anos. E depois o casamento a partir dos 12 nas meninas ou dos 14 nos rapazes. Portanto, as meninas era sempre mais cedo. Mas os esponsórios a partir dos 7 anos. De qualquer maneira, nós temos exemplos de infantas, por exemplo, a nossa dona Beatriz, que vai casar com o nosso Afonso IV, vem para Portugal com 4 anos. Coitado! É criada aqui para todos os infantes? Portanto, com 4 anos ela sai de Castela e vem viver para Portugal, para a casa do seu futuro marido. Portanto, fazia-se muito isso, não é? Embora os esponsórios só pudessem ser feitos a partir dos 7 anos, o que é facto é que esta com 4 anos já veio para cá.
José Maria Pimentel
Isso é incrível. O que eu queria dizer com isto é, na altura, a sensação que eu tenho é que, quando acabava, havia um período em que se considerava que a criança, o ser humano, para pôr a uma posição mais genérica, precisava ter a atenção de outra. O que é compreensível, até por questões da nossa biologia, porque ao contrário de outras espécies, o bebê nem andar sabe e precisa de vamar e precisa de uma série de apoio. Mas depois havia quase um salto para a idade adulta, ou seja, a partir do momento em que acabava aquela fase, agora já é adulto. Sim, sim, sim. Quase uma coisa binária, ou é criança ou é
Ana Rodrigues Oliveira
adulta. Sim, sim, sim. Embora eles realmente também falassem nessas idades, mas o que é facto é que havia um salto muito grande. A infância acabava muito cedo.
José Maria Pimentel
Sim. E essa... Diferente, mas essa... Como é que eu ia dizer? Essa noção de que ser criança é uma coisa e só depois de ser criança é que se entra no mundo dos adultos, por exemplo, é uma coisa que subsistiu até não há muito tempo. Hoje em dia nós temos uma moral e uma concepção do mundo em que as crianças convivem com os adultos desde sempre, não quero dizer que não partilham do mundo dos adultos, mas estão conosco, convivem no dia a dia, estão a comer no mesmo sítio. Esta é um bocadinho mais nubulosa, mas tendencialmente, enquanto na altura havia uma segregação em que os miúdos estavam no outro mundo, não é? Na nobreza. Na nobreza, claro, claro. Estou a falar na nobreza. Sim, sim,
Ana Rodrigues Oliveira
sim, na nobreza. Sim, sim, sim, sim.
José Maria Pimentel
Não, no povoeiro não. O povoeiro é
Ana Rodrigues Oliveira
outra história, é claro. Sim, sim, Sim, isso é verdade. E depois é que entrava, ou não? Isso é verdade. Isso é verdade. Não, mas isso está a dizer, é verdade, porque havia toda, mesmo nos tratados de pedagogia, por exemplo, havia toda uma grande preocupação com a criança, mas depois, até mesmo com as doenças infantis, uma grande preocupação, Mas depois, sensivelmente, a partir dos 7, 8 anos, quase que se dava o salto. É verdade.
José Maria Pimentel
Agora já é adulto. É verdade. Mas
Ana Rodrigues Oliveira
não se esqueça também que a vida era muito mais curta. Claro. Portanto, tudo se fazia muito mais cedo. Sim,
José Maria Pimentel
não havia, exato, não havia ao luxo. Tudo se fazia muito mais cedo, é verdade. É interessante isso. Bom, Ana, já gravamos aqui uma hora e meia, passou a correr. Alguma coisa que eu não tenha falado?
Ana Rodrigues Oliveira
Há muita coisa que eu já não tenha falado. Mas não, acho que fizemos aqui uma viagem interessante sobre a sociedade, a política, a economia da Idade Média, acho que sim.
José Maria Pimentel
A vida
Ana Rodrigues Oliveira
familiar. Um bocadinho o quotidiano da Idade Média. Eu só espero é que realmente as pessoas não continuem com a ideia que a Idade Média foi assim um período tão escuro, tão obscurantista, tão de trevas. Está a precisar se calhar de um
José Maria Pimentel
re-branding, a Idade Média.
Ana Rodrigues Oliveira
Não, e olha o que agora está na moda, a Idade Média, Porque têm a sair muitas publicações sobre a idade média, de certa forma, a dar-lhe o justo valor.
José Maria Pimentel
Exatamente, exato. Ana, obrigadíssimo por ter vindo. De
Ana Rodrigues Oliveira
nada, obrigado eu. Vou terminar, até à próxima. Tem gostado
José Maria Pimentel
do podcast? Se ainda não o fizeram, subscreva o 45° na vossa aplicação de eleição. Se gostarem mesmo do podcast, peço ainda que não deixem de o partilhar com amigos e de o avaliar no iTunes. Para além disso, é também importante para mim saber o que vai na cabeça de quem ouve o podcast. Por isso, são muito bem-vindos, feedback, críticas e sugestões. Obrigado e até ao próximo episódio.