#12 Luís Cabral - Economia, Teoria dos Jogos, Arte

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José Maria Pimentel
Bem-vindos ao 45°. Neste episódio estou a conversa com Luís Cabral, professor de economia na New York University, nos Estados Unidos, onde ensina microeconomia. Luís Cabral é, além disso, segundo o ranking de referência, o investigador português da economia mais reputado, com a investigação ligada aos aspectos dinâmicos da concorrência entre empresas. Como se isso não bastasse, o Isca Brasal tem uma origem vulgar, porque é descendente de uma família ligada às artes, da qual fazem parte dois nomes importantes da pintura portuguesa, Roc Camero e Martins Barata. Ora, nos últimos anos o convidado tem sido próprio dedicado à pintura, e no episódio falamos disso mesmo e da relação entre a pintura e a atividade científica. Ao preparar esta conversa e mesmo durante a gravação estive indeciso em relação à rumo a tomar, uma vez que o convidado é dos maiores especialistas mundiais nessas áreas, Teria sido de certeza interessante falar sobre os temas da sua investigação durante a conversa, e feitos sobre a concorrência entre empresas, descurvas de aprendizagem, efeitos de networking, investigação de desenvolvimento e reputação. No entanto, como este é o primeiro episódio em que converso especificamente sobre a ciência econômica, na verdade é o segundo sobre economia, mas o primeiro, com Pedro Baixo Teixeira, focou-se mais em questões concretas. Acabei por achar mais interessante aproveitar a presença de alguém que pensa esta disciplina para falar das bases da economia. Isto pode parecer mais superficial, mas na verdade é uma ótima conversa, sobretudo por mérito do convidado, que mostrou ser um pedagogo capaz de explicar em traços simples conceitos complexos. Mas enfim, chega desta conversa e vamos à outra conversa propriamente dita com Luís Cabral.
José Maria Pimentel
Luís, Obrigado por ter aceitado o convite. O prazer é meu. Para vir ao podcast. Há uma frase do Keynes que eu acho muita piada, lembro-me várias vezes, em que ele dizia a propósito do que ele chamava de homens pragmáticos, normalmente pessoas ligadas à gestão, por exemplo, que diziam que não seguiam nenhum académico porque eram, por ventura, ideias demasiado abstratas e, portanto, não seiam nenhuma e o que ele notava é que a maior parte dessas pessoas, na prática, eram escravas e eles chamavam-lhes escravos de um economista qualquer de fundo que é uma observação que tem piada porque, de facto, é a realidade, não é? Ou seja, a pessoa não consegue... É impossível nós estarmos na vida e numa atividade como uma gestão, por exemplo, sem ter determinados pressupostos em relação ao modo como funciona a economia. No seu caso, o Luís é um académico, portanto não tem problemas em ter referências. Uma pergunta que me ocorreu, pela qual é interessante começar, era perguntar-lhe se pudesse voltar atrás no tempo com que economista é que gostava de se encontrar que não tenha sido o seu tempo, isto é, que já não fosse vivo quando o Luís estava a estudar, nomeadamente a fazer o doutoramento.
Luís Cabral
É, uma pergunta interessante, nunca tinha pensado nessa pergunta. Dos economistas que eu mais admirei das últimas décadas, eu tive o prazer e a honra e o privilégio de conhecer o Paul Samuelson, o Kenneth Arrow, são para mim duas referências muito importantes e aliás de forma absoluta, digamos assim, entre vivos e mortos. Mas se eu pensasse em economistas, não só com os quais eu tenho intelectualmente uma identificação particularmente profunda, digamos assim, mas também economistas que tenham tido um impacto particularmente importante na história mundial, digamos assim. Eu diria claramente ou John Maynard Keynes ou Adam Smith, que são dois nomes que tiveram no seu próprio tempo, na sua própria época, um impacto muito grande. O Adam Smith como fundador daquilo que é a economia clássica, daquilo que é o que nós hoje em dia conhecemos como a disciplina de economia. O John Maynard Keynes pelo simples facto de ter tido, de ter mudado o curso da história, primeiro da história dos Estados Unidos, mas em grande parte da história do resto do mundo também. Intelectualmente, eu não me identifico necessariamente com várias das ideias do Keynes, mas gostaria muito de ter conhecido uma pessoa que era muito interessante como conversador, intelectualmente, mas também uma pessoa que marcou o percurso da história. Por
José Maria Pimentel
acaso, agora ocorreu uma pergunta engraçada. O Adam Smith, nós chamamos-lhe economista hoje em dia, na prática ele não era economista na altura, até porque a ciência económica não existia, era um filósofo moral. Acho que ele hoje em dia teria enverdado pela economia como ela é hoje em dia. Eu faço esta pergunta porque a economia naquele tempo, pelo menos da interpretação que eu faço, estava mais próxima daquilo que... Da filosofia por um lado, daí a questão do Adam Smith ser um filósofo moral, mas também daquilo que nós hoje chamamos de ciências sociais. E depois, nomeadamente no século XX, foi-se abrindo espaço para entrar na economia aquilo que normalmente chamam de ciências formais, ligadas à matemática, e que foi ocupando cada vez maior espaço, que teve várias vantagens, muitas pessoas conhecem só as desvantagens, que é o facto de ter criado modelos que depois tinham uma aderência à realidade relativamente limitada, mas fê-la, inegavelmente, de divergir daquilo que eram os princípios iniciais, embora também se possa argumentar que a essência continua a estar lá, isto, os grandes princípios continuam a estar lá. Acha que ele seria hoje em dia um economista?
Luís Cabral
Sim e não. Eu diria, nunca tinha pensado muito claramente sobre esta questão, mas há aqui dois aspectos importantes que, eu diria, marcam o que nós conhecemos como economia. Um é uma ideia, e esta é uma ideia que é a Adam Smith, que é uma ideia que é de alguma forma revolucionária no seu tempo, que hoje em dia ainda é mal compreendida, na minha opinião, mas que é talvez a ideia mais fundamental da economia, que é a de que o comércio cria valor. Nós, no dia-a-dia, quando pensamos na economia, pensamos na economia da criação de coisas ou talvez de serviços também, mas pensamos sempre do ponto de vista da criação do produto, por assim dizer. Quando na realidade, e isto particularmente, eu diria, na economia moderna, a maior parte, a grande parte do valor gerado numa economia não é através da criação do produto e de serviço, mas através da sua transação, através do encontro entre a oferta e a procura, do encontro entre uma pessoa que tem um produto e um serviço que não tem um grande valor para essa pessoa e a outra pessoa que não tem esse produto e serviço e que tem um grande valor por esse produto e serviço. Isto é um princípio muito simples, o princípio dos ganhos do comércio, que é relativamente revolucionário no tempo de Adam Smith, num tempo, digamos assim, de uma mentalidade mais mercantilista, mais virada à economia como criação física, agrícola e outra pequena indústria, e que de facto é genial, é revolucionário e continua a ser, na minha opinião, uma ideia fundamental. Portanto, de um ponto de vista conceptual, eu penso que o Adam Smith continuaria a identificar com aquilo que, nomeadamente, os microeconomistas pensam ser, digamos assim, o core, a ideia mais importante, fundacional, por assim dizer, da economia. Do ponto de vista mais, como é que poderia dizer, académico ou de metodológico, talvez não, porque de facto o Adam Smith não era aquilo que hoje em dia nós consideramos um economista que é uma pessoa que faz uma abordagem de uma ciência social, que podemos chamar de ciência, isso é uma questão que poderíamos discutir, mas que faz com uma metodologia que é altamente formal e falo aqui da grande maioria dos economistas, é evidente, nem todos são assim. E essa é uma abordagem que talvez, na minha opinião, seria um pouco estranha para o Adam Smith, mas que eu estou convencido, na verdade eu nunca o conheci, infelizmente não tive essa oportunidade, mas estou convencido que com o tempo ele acabaria por compreender o grande valor que a formalização tem em economia. Normalmente a forma como eu a apresento em aulas de economia é que nós temos de pensar na formalização, por vezes excessiva a economia, concordo, mas na formalização a economia como uma espécie de um mapa, que é uma forma estilizada, claramente, simplista, por vezes até um bocadinho abstrata, mas que é extraordinariamente útil para compreender quais são os principais mecanismos, quais são os principais efeitos que se estão a dar numa certa situação social, num certo contexto social, nomeadamente do ponto de vista económico. A realidade social é demasiado complicada para ser analisada sem algum tipo de modelo. Pode ser mais matemático, pode ser mais conceptual, mas tem de haver um modelo. É demasiado complicado a realidade.
José Maria Pimentel
Concordo que esse é o grande golpe de dada, porque o que a matemática faz, esta é a interpretação que eu faço da aplicação dos modelos à economia, é que ao ser formalizada determinada realidade, com uma série de pressupostos simplificadores, e aí está o problema, mas terão sempre que existir em determinada medida, mas ao ser formalizada nós fazemos com que possamos ter a certeza que o que sai daquele modelo está certo de acordo com aquela formalização. Ou seja, o que do ponto de vista ensaístico, por exemplo, é mais difícil de fazer. Eu posso escrever um texto com uma falácia bem colocada e o leitor não perceber. Exatamente.
Luís Cabral
Há uma certa garantia de coerência interna que é difícil de conseguir de outra forma. Para continuar com a minha analogia, não é minha aliás, devo dizer, mas eu tenho explorado várias formas. Hoje em dia, na era do Google, quando eu pergunto a uma pessoa se você quiser ir do ponto A para o ponto B, digamos aqui em Lisboa, o que é que é mais fácil, o que é que é mais útil? É ter uma fotografia satélite ou é ter um mapa? É verdade que a fotografia satélite é muito mais realista, é digamos uma uma representação muito pormenorizada e completa da realidade. Mas justamente essa riqueza da fotografia é a que a torna pouco útil, porque há demasiada informação, há demasiada informação de uma fotografia para uma pessoa que apenas quer saber que rua é que eu devo levar. Eu prefiro de longe um mapa que é uma representação altamente estilizada da realidade em que as ruas são uma linha quando a gente sabe que a rua não é uma linha, em que faltam muitas coisas, não há as árvores que estão ali, não há carros que estão ali, mas isso torna muito mais útil a organização do pensamento, neste caso do pensamento, como chegar do ponto A ao ponto B. E portanto, há essa coerência interna. Desde que uma pessoa saiba, ao longo de todo este processo, que isto não é a realidade, isto é um mapa da realidade, isso pode ser um instrumento altamente útil. Agora, quais é que são os perigos? São dois perigos muito fáceis. Um, é uma pessoa pensar que a realidade é o mapa. Tudo que existe é o que está ali, o que não é verdade. E a segunda, é uma pessoa ter um mau mapa. Há mapas que são maus, isso é verdade. E, portanto, quando falava há bocadinho com razão dizia que uma das garantias de um modelo formal é a coerência interna, mas como se diz em inglês garbage in garbage out. Se uma pessoa começa com um modelo que logo à partida se baseia em hipóteses erradas, que tem o mapa posto de forma errada, então aí é pior do que não ter mapa nenhum. E isso é verdade também com as ciências sociais formais, nomeadamente a economia, ter uma formalização errónea pode ser pior do que não ter nenhuma. E esta aqui é, digamos assim, o grande balanço, a grande tensão. É
José Maria Pimentel
quase assim, é quase a angústia do académico. A
Luís Cabral
angústia do académico é descobrir a pergunta certa e depois descobrir a forma certa, de um ponto de vista de modalização, para conseguir a resposta a essa pergunta. São estes dois momentos que são muito importantes.
José Maria Pimentel
Porque essa analogia do mapa, o que nunca me tinha ocorrido, é interessante. É uma boa maneira
Luís Cabral
de explicar. Penso que o Hal Varian talvez tenha sido das primeiras pessoas, pelo menos, que eu conheça que tenha visto,
José Maria Pimentel
a surgir com essa analogia. A única limitação que eu vejo aí, pensando rapidamente sobre ela, é que no mapa, eu sei ao construir um mapa ou ao olhar para um mapa da cidade de Lisboa, por exemplo, o que é que eu quero ver, que são as estradas, e o que é que eu não quero ver, que é a envolvência. No caso do modelo económico é mais difícil, se eu analisar o modelo económico a um paper, por exemplo, os pressupostos estão lá colocados no início, mas depois eu não estou a ver o mapa da mesma maneira que estou a ver o mapa da cidade e se calhar é por aí que vem... É isso que cria a confusão. Exatamente. Sobretudo em termos de policy, em termos de políticas. Exatamente. Há
Luís Cabral
cerca de 500 revistas de economia científicas. Se nós pensarmos em 20, 30, 40 artigos por revista, estamos a falar entre 10 e 20 mil artigos de economia que são escritos cada ano. O que é que acontece com toda esta quantidade enorme de informação académica? Muitos repetem-se uns aos outros. Isso é verdade em muitos campos
José Maria Pimentel
da ciência social e da ciência social.
Luís Cabral
Muitos outros entram no capítulo do garbage in, garbage out. São artistas que estão mal formalizados logo à partida e por conseguindo seguem os resultados que poderão até ser internamente coerentes, mas que não são muito úteis. Depois há também uma boa fração que nem sequer são inteiramente coerentes, que as pessoas fazem erros de raciocínio, isso também é verdade em qualquer área, em qualquer outra área, e Quando se trata de análise estatística também é muito fácil fazer erros. Por conseguinte, a distinção, a diferença entre uma análise, em economia pelo menos, entre uma análise com valor e uma análise com menor valor, vem justamente no nome destes dois momentos. Ou é a questão de a pergunta é a pergunta correta ou não, ou então é a questão da modalização é correta ou não. Porque a execução, normalmente, da economia não é, ao contrário de muitas outras áreas, A execução normalmente não é a parte mais difícil. O toolkit, as ferramentas da economia, nomeadamente a parte mais formal da economia, são relativamente simples comparado com outras. Estão
José Maria Pimentel
cristalizadas também. Estão muito
Luís Cabral
cristalizadas, nós utilizamos, não é como Strength Theory que utiliza semi-grupos ou o que seja, nós utilizamos o cálculo matemático, a álgebra, que são instrumentos, são ferramentas que estão muito estabilizadas desde há 300 anos pelo menos.
José Maria Pimentel
Exatamente. Eu agora estava, o Luís estava a falar e estava-me a ocorrer que uma das simplificações, que é talvez aquela mais conhecida e mais criticada, tem que ver com a racionalidade dos agentes, sobretudo em microeconomia. É importante, aliás, para quem nos ouve fazer a distinção entre a microeconomia e a macro. A macro é a que analisa os grandes fenómenos, desemprego, taxas de juros, inflação e a microeconomia, que é aquilo de que estamos a falar, que centra-se sobretudo no comportamento dos agentes, sejam eles consumidores, sejam eles empresas, que é o enfoque até do seu trabalho, da maioria do seu trabalho, e neste caso, essa racionalidade dos agentes é um dos pressupostos que é mais criticado e percebe-se porque a partir do momento em que... É a história do garba de gin e garba de jota, a partir do momento em que eu assumo a racionalidade dos agentes e desenvolvo um modelo a partir dali. O modelo pode estar absolutamente correto mas se os agentes não forem de facto racionais, temos ali um problema. E a economia comportamental tem, o que foi beber alguma informação à psicologia, tem dado um contributo grande. Aliás, o Richard Thaler ganhou o prémio Nobel recentemente, que no fundo foi o reconhecimento disso. E é um fenómeno interessante porque no fundo permite incluir nos modelos o facto dos agentes não serem absolutamente racionais e terem enviasamentos cognitivos, em muitos casos ligados ao nosso inconsciente, à maneira como se comporta. Eu gostava de saber a sua opinião em relação a isto e já agora tentei confrontar com uma opinião que eu li recentemente, confesso não me lembro de quem, que não era bem uma crítica mas era alguém que tentava colocar alguma nuance na euforia da economia comportamental dizendo que é certo que existe já muito material em termos destes enviesamentos cognitivos mas isto ainda não deu lugar a uma teoria, ou seja, uma teoria que de facto, um corpo coeso que se possa fazer substituir aquilo que existe do
Luís Cabral
pressuposto da racionalidade dos agentes. Essa é uma pergunta bastante interessante e eu há pouco fazia esta analogia com o mapa, agora vou fazer outra analogia com outra área de conhecimento que é a física. Porquê é interessante esta comparação? Porque a física desenvolveu-se durante séculos com base num modelo que é conhecido, que é a mecânica clássica, a mecânica newtoniana, que funciona de uma forma extraordinariamente precisa para a análise de uma série de fenómenos, continuando com a analogia, que serão os fenómenos macro,
José Maria Pimentel
por assim dizer, da física.
Luís Cabral
O princípio da inércia, as três leis fundamentais de Newton, de facto é um dos melhores e mais bonitos, mais belos, mais equilibrados edifícios, por assim dizer, do conhecimento humano. Mas, como é evidente, quando nós entramos na área da física quântica reparamos que o modelo Newtoniano falha completamente. E nós temos já um modelo bastante razoável e continua a haver algum debate científico ou físico ou filosófico sobre algumas questões fundamentais da Física Quântica mas o modelo de física quântica é um modelo diferente, em muitos sentidos, da mecânica clássica, que funciona muito bem na área da física quântica. Então temos aqui dois modelos que cada um deles funciona relativamente bem dentro da sua área de interesse, mas que começam a patinar quando nós começamos a entrar mais para fenómenos fora da sua área. Portanto, no caso da mecânica da física, pois depende mais ou menos do nível de agregação de partículas que estamos a falar. Se nós começamos a entrar num nível de agregação assustadamente grande, que já corresponde ao nível macro, então aí a mecânica clássica entra e funciona perfeitamente. O princípio da correspondência, justamente, corresponde, para assim dizer, a essa transição entre o quântico e o macro, para assim dizer, na física. E também aí, no caso da física, há esta procura, este holy grail da teoria única, que não sei se alguma vez a conseguiremos, mas não vai ser nos próximos anos. Claramente, isto é facto, tem sido uma das grandes buscas da ciência. Até que ponto é que é importante ter essa teoria única para que a física continue a funcionar? Não sei, quer dizer, para a maior parte dos efeitos práticos, e quando digo prático não digo apenas da engenharia, de construir fluctuões e satélites, etc., mas também para efeitos práticos académicos do desenvolvimento da física como ciência, o facto de não haver matéria única não tem sido o travão para o desenvolvimento nas suas várias áreas, quer da física, não é?
José Maria Pimentel
Claro, Quer de uma quer da outra.
Luís Cabral
E por analogia, eu diria que existe claramente nos departamentos de economia e das afinidades, existe espaço para economistas que continuem a trabalhar no modelo clássico, por assim dizer, do homem racional e para os economistas que continuam a desenvolver teorias alternativas, por assim dizer. Eu não gosto nada da expressão economia comportamental, porque toda a economia é comportamental. O que eu faço ao utilizar modelos de racionalidade económica é tentar estudar o comportamento dos agentes, portanto eu também trabalho em economia comportamental. Mas enfim, é uma terminologia que já ficou e
José Maria Pimentel
neste momento... Já não há nada a fazer. Já
Luís Cabral
não há nada a fazer. Mas como dizia, penso que existe perfeitamente espaço para ambas as abordagens. Penso que com razão que seria ótimo se nós tivéssemos uma teoria única. Eu duvido que alguma vez tivéssemos uma teoria única porque, como dizia o Kenneth Ayer, que foi uma das pessoas com quem tive o privilégio de dialogar e de falar sobre algumas destas questões, existe apenas um modelo de comportamento racional, mas existem múltiplos modelos de comportamento racional. Portanto, é um dos problemas que nós temos com a abordagem chamada comportamental. E a contribuição que a psicologia tem tido para abrir horizontes tem sido ótima, mas também criou este problema que é, na prática, nós estamos um bocadinho quase como jogando ténis sem rede, como dizia o Mark Plowg. Não há aqui muita disciplina na economia comportamental, há apenas uma série de exemplos. Sim, é empiricista,
José Maria Pimentel
ou seja, baseia-se em determinadas observações, mas que podem... É isso que o Luís dizia, a pessoa tem uma teoria, a partir do momento em que larga essa teoria e entra neste campo, chamemos de comportamental, há de repente um sem fim de hipóteses comportamentais. Se não é racional é o quê? Qual é o tipo de enviesamento que tem? Porque a partir desse momento torna-se difícil. Eu julgo que essa crítica ali tinha que ver com isso.
Luís Cabral
E a outra, já agora, a outra teoria que eu tenho a esse respeito é que, uma das críticas que se fazem muito sobre o modelo da economia racional é que não tem capacidade de previsão. Isto está demonstrado, quer dizer, nós na física conseguimos prever com uma precisão extraordinária a trajetória de um projétil, por exemplo, mas a economia com esse tal modelo da economia racional não vamos a lado nenhum. Isto está também demonstrado, não é só a crise, sempre foi assim. E eu estou convincido que essa é uma comparação injusta e incorreta. Mais do que injusta. Porquê? Porque se nós pensarmos bem, A capacidade de previsão tem muito menos a ver com a natureza humana do problema, isto é, a distância entre ciências comportamentais, isto que inclui não só a economia como também outras, e ciências chamadas exatas, que tratam de objetos não comportamentais. Esta distância, na minha opinião, é muito inferior à distância entre modelos simples e modelos completos. Isto é, há andota que se conta que Deus criou os meteorólogos para que os economistas não ficassem assim tão mal. Se nós vamos falar de capacidade e facilidade de previsão, o macroeconomista não está muito longe do meteorologista. Hoje em dia a previsão do tempo, tudo o que é para além de 4, 5 dias, eu não sei agora exatamente como é que está, depende também muito do ponto do mundo em que nós estejamos a falar. Sim, mas O ponto de corte é relativamente próximo. O ponto de corte é relativamente próximo e a previsão há várias semanas é relativamente pior do que a previsão de muitos agregados de macroeconomia, mas muito pior. Porquê? Vamos lá ver, a meteorologia no fim de contas é um modelo de física clássica, termodinâmica. Do ponto de vista conceptual nós percebemos perfeitamente, são equações de Navier-Stokes que nós temos de saber resolver, só que o modelo é tão complexo em termos de número de variáveis e número de objetos, Isto é mais do que um three body problem, o número de corpos que estamos aqui falando é enorme, que torna a capacidade de previsão muito difícil, torna pequenas diferenças em situações iniciais, levam a grandes diferenças no estado do modelo em T mais 5, T mais 6 e, portanto, o problema não é num caso estamos a falar de moléculas de ar e não de casos estamos a falar de pessoas, o problema é que num caso estamos a falar de modelos muito simples e modelos muito complicados. Em microeconomia está demonstrado, Quando nós tratamos de contextos que são realmente simples, como seria o contexto em física de deixar cair duas esferas da torre de Pisa, exemplos de economia de contextos simples desse tipo seriam leilões, por exemplo, para ser muito concreto. A capacidade de previsão de modelos de microeconomia é muito boa, mas é muito, muito boa.
José Maria Pimentel
É, exatamente, e os leilões são exatamente um dos objetos de estudo da economia, que para um leigo não é imediatamente evidente. Caiba nesse conceito. O Luís falava há pouco de uma coisa que depois nós desviámos, mas eu gostava de voltar aí a propósito do Adam Smith e de ele ter sido, no fundo, a primeira pessoa a assinalar as vantagens do comércio para ambos as partes que, no fundo, é aquilo que depois, não sei se na altura, se mais tarde, se designou para um jogo de soma positiva isto é, nós fazemos uma troca e o valor criado por isso é mais do que os bens em troca porque a utilidade deles é diferente para mim ou seja, eu posso ter determinada coisa que para mim vale 100, se calhar para o Luís vale 120 e vice-versa, o Luís tem qualquer coisa que para si vale 200 e para mim vale 240 E a partir desse momento criou-se ali 60 de valor e portanto é a questão da soma positiva. Isto tem uma nuance que é interessante, se calhar é demasiado técnica, mas eu acho interessante porque tem um pensamento por trás. O Adam Smith falou disto enquanto as vantagens absolutas, portanto eram os países que produzissem melhor, que fossem mais produtivos, isto é, mais eficientes a produzir, tinham vantagens no comércio, não era imediatamente evidente que países que fossem menos eficientes a produzir tivessem também. Depois o David Ricardo colocou aqui uma questão por cima disto, assinalando que, aliás, até deu o exemplo de Portugal. E isso aliás é engraçado porque eu lembro de aprender isso na faculdade e achava que o exemplo de Portugal estava lá colocado porque nós éramos alunos portugueses. Só mais tarde é que me ia perceber que estava no exemplo original do David Ricardo. E aquilo que ele assinala é que mesmo, por exemplo, no caso de Inglaterra, em trocas comerciais com Portugal e sendo Portugal menos eficaz, menos eficiente, perdão, a produzir qualquer um dos dois bens do modelo, que era, salvo erro, vinho e testes, exatamente, mesmo sendo nós menos eficientes a produzir ambos, tínhamos a ganhar com o comércio se investíssemos naquele em que éramos relativamente menos, em que essa diferença fosse menor, basicamente. Ou seja, no fundo o insight que isto traz é que o comércio internacional é bom para todos os países e não apenas para os países ricos. Entretanto, isso parece ter, parecia ser uma conclusão absolutamente cristalizada, nos últimos 100 anos ou mais, mas recentemente tem havido, o Donald Trump aliás é um exemplo disso, o ressurgir dos chamados neo-mercantilistas que têm uma visão diferente e que no fundo voltam a um paradigma de soma zero e em que dizem que se a China está a exportar mais para nós Estados Unidos é porque nós estamos a ser roubados. Andam-nos a alderar para essa expressão porque se eles estão a ganhar, nós não podemos estar a ganhar também. É um bocado esse fenómeno.
Luís Cabral
É, este tem toda a razão. O resumo que fez é um resumo bem feito. De facto, o Adam Smith não explorou todas as consequências desta ideia genial que é do valor criado com a troca e o David Ricardo, como dizia, com toda a razão, enfim, levou um pouco mais à frente as consequências daquela ideia do Adam Smith. Eu
José Maria Pimentel
digo, perdão, eu digo mas com um sotaque pior que o de cá portuguesa, David Ricard.
Luís Cabral
O David Ricard, já agora, ele fez o exemplo, envolve Portugal e Inglaterra. A ligação a Portugal não é apenas essa, que a família do David Ricard também
José Maria Pimentel
era portuguesa. Exatamente, era judeu, não é? Tinha as sendas judeu.
Luís Cabral
Vem de Portugal para a Holanda, para a Inglaterra. Portanto, faz parte daquele conjunto de famílias portuguesas que no fim do século XV foram primeiro para a Holanda e depois, no caso de David Ricardo, foram também para a Inglaterra. De facto, para um economista, como as pessoas falam na administração de Trump, das muitas coisas que preocupa as pessoas essa é uma delas, que é uma das características de muitos movimentos populistas do século XX e agora também do século XXI, é ou têm a ver ou correspondem a uma incompreensão básica do fenómeno de ganho de troca, do fenómeno de que a globalização tem de facto vários problemas e nós conhecemos esses problemas mas corresponde também a um valor fundamental que é a aplicação deste princípio de ganhos de troca ao nível internacional. Mas, lá vira, a ideia do Ayn Rand Smith aplica-se a muitos níveis. Aplica-se a duas pessoas numa determinada economia. Um tem uma banana, um tem uma laranja. O que tem a laranja gosta mais de banana. O que tem banana gosta mais de laranja. E no momento em que eles trocam uma laranja por uma banana, ficam os dois melhores, embora não se tenha dado nenhuma produção, por assim dizer, física naquele momento. E se calhar o aumento de valor que se deu naquele momento é muito maior do que o valor que haveria se cada um ficasse com a fruta que não gosta. Portanto, este princípio é um princípio universal, aplica-se a um nível muito local e aplica-se também a um nível muito global, como seja a economia mundial. E que tem um impacto brutal. Se a pessoa
José Maria Pimentel
analisar a evolução do comércio internacional e a evolução do PIB mundial, por exemplo, as duas curvas, digamos assim, evoluem a par e passo, o que é incrível.
Luís Cabral
E nós sabemos que não é apenas uma correlação, que há de facto uma causalidade inerente a essa correlação. Nós, hoje em dia, já agora, há um pequeno parênteses que não é parênteses. Fala-se muito sobre o acréscimo da desigualdade E é verdade. O Thomas Piketty e muitas outras pessoas têm feito análises estatísticas, na minha opinião, bem feitas sobre esse fenómeno e é indiscutível que nos Estados Unidos e na Europa, inclusive na Suécia, o nível de desigualdade tenha aumentado significativamente nas últimas duas décadas. Mas vamos também ver as coisas um bocadinho pelo lado positivo, o copo meio cheio. O nível de desigualdade a nível mundial diminuiu, baixou imenso nas últimas décadas. Nós conseguimos tirar cerca de mil milhões de pessoas da pobreza nos últimos 30 anos. Isso é dos fenómenos... Quando nós escrevemos a história económica mundial, a parte da nossa história dentro de um século, digamos assim, estou convencido que... É claro que falaremos da revolução industrial, é claro que falaremos de muitos outros fenómenos, mas um dos fenómenos mais interessantes, mais espetaculares, eu diria, da evolução da economia mundial é o salto de saída da pobreza que se tem dado nas últimas décadas, que é um fenómeno extraordinário e é, em grande parte, um fenómeno da globalização. Em grande parte, eu diria, quase totalmente um fenómeno da globalização.
José Maria Pimentel
A entrada da China no mercado mundial, nesse
Luís Cabral
sentido. E dandia, a China e dandia, mas principalmente a China.
José Maria Pimentel
É aquele gráfico chamado gráfico do elefante, aquele gráfico do Banco Mundial que tem a forma, parece vagamente, chamou-se-lhe gráfico do elefante, ou parece ter o corpo do elefante e depois uma tromba. E é um gráfico que mostra exatamente isso e depois também mostra o outro lado de ter havido também um grande crescimento dos rendimentos entre os mais ricos e de... Que são os mais ricos nas sociedades ocidentais e depois uma relativa estabilização desses rendimentos das classes médias e das classes baixas nas sociedades ocidentais. Daí aquela crítica. Mas concordo, a nível mundial é evidente que há uma evolução brutal e o problema da pobreza está longe de estar resolvido, mas tem progredido, face àquilo que era a realidade há 50 anos, tem progredido imenso. Havia uma questão que eu ia colocar há pouco. Eu acho interessante falar disto porque este podcast obviamente é ouvido maioritariamente por pessoas cuja formação não é economia, aliás eu tenho algum receio. Sendo essa a minha formação, tenho cuidado de tentar até explicar aquilo que a pessoa vai falando porque é muito fácil esquecerme, que são coisas que não são evidentes, obviamente, coisa que não acontece se eu tiver a falar de outro campo. E uma questão que eu acho que é interessante nós abordarmos é, dos princípios ou das ideias, dos insights, o que lhes quisermos chamar, que a economia trouxe, quais são aqueles que são simultaneamente menos intuitivos para um leigo ou alguém de outra área, mesmo alguém de outra ciência, para continuarmos a chamar ciência a economia, que não é evidente, simultaneamente isso e que criem mais valor, ou seja, que acrescentem, que sejam de facto úteis no dia a dia. Havia, eu julgo que era o Samuel, que tinha um levantamento de 10, uma vez pediram-lhe isso e ele tinha 10 princípios, 10 ideias que ele achava fundamentais. Pessoalmente, aquilo que eu acho, que eu sempre achei a maior diferença entre o pensamento económico e o pensamento de um leigo, é a questão dos incentivos. Ou seja, é muito comum, por exemplo, nós ouvirmos... Não sei se o Luís tem essa impressão também, mas eu... No debate político, por exemplo, e no debate sobre políticas públicas, é muito comum nós ouvirmos determinada ideia ser exposta passando completamente ao lado da questão dos incentivos. Ou seja, esquecendo que é necessário, ou por outra, pode até nem ser necessário, mas é difícil nós esperarmos à partida que determinada política vá dar resultados, não colocarmos os incentivos certos para os agentes económicos, para as pessoas se comportarem de acordo com aquela... Com a finalidade, com o fim que nós estamos à procura. E isso muitas vezes está
Luís Cabral
fora do debate político, pelo menos a impressão que eu tenho, não sei se partilha. Sim, eu normalmente apresento três grandes ideias da economia e uma quarta de estatística, mas que é também muito importante para a economia, como sendo princípios talvez não óbvios para, digamos assim, o cidadão comum, por assim dizer. Tal como noutras áreas há coisas que para
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nós
Luís Cabral
são estranhas, mas que são já parte do nosso cada dia para pessoas nessa área. Primeiro, já tínhamos falado, A questão da criação de valor com a troca, que na minha opinião é, digamos assim, uma questão fundacional da economia. A segunda, que já tem um bocadinho a ver com o que aponta, que é a distinção entre custos afundados e custos não afundados, entre custo médio e custo marginal. Poderíamos ir mais aí, lá para a frente. Isso tem mais a ver com decisão individual do que com políticas económicas. Também tem um pouco de ver com política económica. Mas também é uma, na minha opinião e com base na minha experiência, um princípio não óbvio, até porque é uma área em que a economia comportamental tem trabalhado para mostrar que de facto não é óbvio para a grande maioria das pessoas. E o terceiro é o que diz, a importância dos incentivos. Eu escrevo uma coluna no jornal Expresso que tem justamente como título Incentivos e Escolhas, porque se eu tivesse de definir o que é a microeconomia, Eu até diria mais do que dizer que é o estudo de agentes económicos como empresas e indivíduos, enfim, isso é verdade, mas é uma descrição um bocadinho fastidiosa e talvez nem sempre muito clara. O que eu diria, quase todos os artigos que eu escrevo têm quase sempre a ver com alguma coisa relacionada com incentivos e com escolhas, que é aquilo que os economistas fazem e que é aquilo que muitas pessoas esquecem, que os psicólogos sabem de uma forma diferente, mas também pensam dessa forma, que as pessoas atuam com base em motivações. Essas motivações muitas vezes são intrínsecas, têm a ver com, enfim, e aqui a psicologia é muito importante, com alguns aspectos de autoestima ou de outros aspectos psicológicos importantes. A economia descreve com um certo rigor a importância dos incentivos estrincicos a que todos nós estamos sujeitos, nomeadamente do ponto de vista material, não só monetário também, nesse sentido as pessoas pensam que a economia é só sobre dinheiro. Não, quando falo aqui de incentivos falo de nós temos certos objetivos e tomamos ações, tendo em consideração em que medida que as ações, as escolhas que eu vou fazer vão ajudar ou não ajudar a concretizar esses objetivos. Portanto, é uma ideia muito simples, exato, de sentido, mas, por estranho que pareça, é muito frequentemente esquecida. E isso é muito verdade a nível de política económica, é muito verdade também a nível de análise científica de outras áreas que não é economia. Se puder dar um exemplo, que me parece um exemplo muito atual e importante, é o exemplo de Bitcoin e das cryptocurrencies em geral, mas em particular as que utilizam blockchain, não sei qual será a terminologia em português, de modo que
José Maria Pimentel
continue a continuar em inglês.
Luís Cabral
Em muitos sentidos o fenómeno de blockchain e os fenómenos das criptomoedas são muito interessantes. A ideia de ter uma alternativa à economia atual e às moedas atuais, enfim, há um aspecto romântico até sobre tudo isso. Há o aspecto de não haver reguladores, há o aspecto de não haver o tesouro americano a tomar conta do mundo, há o aspecto do anonimato que pode ser um grande benefício para muitas pessoas. Mas lá ver um fenómeno importante que faz com que o Bitcoin funcione é justamente o fenómeno da blockchain, isto é o facto de haver um registro descentralizado de operações e de haver agentes descentralizados que façam a verificação dessas operações. Ora, este processo é um processo altamente custoso e um dos motivos, aliás o principal motivo porque custa tanto não é um custo administrativo, é um custo justamente criado artificialmente, por assim dizer, para conseguir evitar a possibilidade de fraude dentro do sistema. E O que eu vejo com alguma frequência, nomeadamente entre não economistas, entre pessoas de computer science, de informática e de outras áreas mais técnicas, é uma preocupação e um entusiasmo enorme sobre questões mais das suas próprias áreas de computação e uma ignorância quase básica dos problemas básicos de incentivos. Em que sentido? Por exemplo, hoje em dia a Bitcoin corresponde a uma fração muito, muito pequena das transações económicas e o sonho de muitos destes sonhadores, na minha opinião, é que o Bitcoin irá tomar o lugar do euro e do dólar e será a moeda de utilização corrente e neste momento podem dizer que custa muito dinheiro, ainda custa bastante fazer estas transações, mas até agora tem sido estas transações, esse custo tem sido pago com a emissão de novo bitcoin, mais tarde ou mais cedo isso vai deixar de acontecer e portanto, tem-se de pagar esse custo. Mas uma coisa que ouço muitas pessoas não economistas dizer, ah, mas quando nós tivermos muitas mais transações depois esse custo será distribuído por mais transações e será muito baixo o que não é verdade porque se nós quisermos aumentar a escala de transações que são feitas com Bitcoin temos também que aumentar a escala do custo de verificação para justamente evitar os incentivos para a fraude. Portanto, o problema mais importante de Bitcoin não é um problema de Computer Science, é um problema de incentivos, é um problema de teoria de jogos. E até que me digam melhor, e hoje em dia já há novas cripomoedas que de forma diferente do bitcoin utilizam sistemas basicamente muito diferentes para evitar esse problema, mas até nós conseguimos uma solução diferente de blockchain, eu estou convencido que de uma forma fundamental o sistema de blockchain não é scalable.
José Maria Pimentel
Falhem agora a palavra em português. Sim, não se pode dar,
Luís Cabral
não se pode. É muito difícil levá-lo a uma escala da economia inteira, ao contrário ou diferentemente da escala atual que tem, que é uma escala muito pequena.
José Maria Pimentel
No fundo, traduzindo isto em economia, o grande problema é que o custo não é fixo, ao contrário do que acontece de certa forma com o sistema atual, da moeda atual, mas é o custo variável, ou seja, ele vai variando com a escala proporcionalmente e portanto tenderá a aumentar e a deixar de funcionar numa
Luís Cabral
escala grande. Exatamente, eu estou um bocadinho aqui a resumir as coisas porque há aqui várias e várias manobras, por exemplo, uma pessoa também poderá aumentar o tempo, uma forma de aumentar o custo é aumentar simplesmente o tempo que demora para essa verificação, mas aí o que eu digo é que a tecnologia de blockchain, como é utilizada com a Bitcoin, é ótima para muitas coisas, mas não como moeda. É ótima, por exemplo, como registro de propriedade. Eu acho que será uma das aplicações mais naturais e que claramente será adotada mais tarde ou mais cedo, porque se eu faço uma destransmissão de propriedade, se eu tiver de esperar 3 dias não é o fim do mundo, porque eu não compro uma casa todos os dias. Agora, quando se trata de transações económicas, ter de esperar vários dias ou mais até para conseguir a verificação dessa transação, isso vai muito contra o espírito de celeridade que nós pretendemos que haja na atividade económica normal e esse é um que o sistema financeiro atual permite e que, eu estou convencido, que o sistema de blockchain, de bitcoin, não permitirá. É possível que nós venhamos a ter outros sistemas alternativos, mas mais uma vez, o problema, neste momento, já deixou de ser um problema de computer science pura e passou a ser muito mais um problema de teoria de jogos. Exatamente. Que é, de alguma forma, uma parte da economia. Agora podemos discutir se isto é economia, se isto é matemática, se isto é o que é, mas de alguma forma a teoria de jogos tem sido apropriada ao longo dos anos pela economia. Portanto, eu considero isso como um problema da economia, porque é um problema de incentivos.
José Maria Pimentel
Aliás, o economista ou matemático mais conhecido dessa área era o John Nash, que tanto é definido como matemático como como
Luís Cabral
economista. Ganhou o Prêmio Nobel e a Medalha Bell.
José Maria Pimentel
Exatamente. Portanto, isso mostra aquilo, que no fundo a área surgiu entre os campos. Já vamos à teoria dos jogos, que é um tema interessante. Ainda a propósito da blockchain, daquilo que o Luís diz eu apreendo ceticismo em relação às criptomoedas no geral, não necessariamente em relação ao método por trás delas, que no fundo é um método que não sendo necessariamente eficiente, ou seja, não sendo necessariamente barato, para simplificar, é eficaz, ou seja, ele traz de facto benefícios de eficácia. Aliás, daquilo que eu consigo perceber, o blockchain funciona basicamente mantendo registros múltiplos e ao manter registros múltiplos elimina o risco, ou torna praticamente residual o risco de um determinado registro ser apagado, de uma base de dados, por exemplo, de uma conta bancária, ou de uma determinada troca, e ao ficar, cada transação fica registrada em locais múltiplos e em muitíssimos locais, e isso cria confiança no sistema de que aquela transação não será esquecida no fundo é assim que funciona mais ou menos
Luís Cabral
sim, mas isso é parte de...
José Maria Pimentel
É parte técnica, exatamente
Luís Cabral
isso é parte que está muito dominada, muito bem dominada e que de facto é muito inteligente o problema de que eu estou mais interessado É o problema de eu criar duas transações paralelas, por exemplo, eu dizer que paguei a mesma unidade de bitcoin a duas pessoas e tentar furar o sistema, por assim dizer, o que eu conseguiria se eu conseguisse dominar um número suficiente de computadores que estivessem a fazer o proof of work, não sei qual é a tradução em português. E esse é um problema de insinuição, um problema de teoria de jogos. É probabilístico, porque há uma certa probabilidade de eu conseguir fazer isso. E hoje em dia, se nós estamos a falar de um certo valor que está em questão, os meus incentivos para fazer isso são X. Se o valor que estiver em questão for 10 milhões de vezes X, então os incentivos para fraude aí começam a ser muito maiores também, não é? E não é uma questão puramente teórica. Até agora não houve fraude no Bitcoin. Houve roubos, mas isso é uma coisa diferente, isso não tem a ver com o sistema de blockchain per se, tem a ver com questões de hacking de computadores, mas não houve fraude. Mas considerando especialmente que uma grande percentagem, não sei se é um terço, se é metade, não sei o que é, dos computadores que estão neste momento a fazer a verificação estão na China, portanto estão relativamente concentrados também geograficamente, não é despiciente a possibilidade de que possa vir a ver de facto essa fraude. O meu ceticismo não é em geral em relação a crédito a moedas. Estou falando concretamente sobre blockchain, que tem uma forma concreta de fazer essa verificação. Há centenas de novas moedas que têm sido criadas cada dia, não é cada ano, nem cada mês, nem cada semana, é cada dia. Muitas delas não vão a lado nenhum, a grande maioria, como é evidente, não vai a lado nenhum. Eu tenho sido contactado por várias pessoas que queriam que eu fosse consultor, eu não tenho a sério, porque de facto eu não percebo o suficiente para ser consultor deste tipo de problemas, mas que propõem mecanismos diferentes, Resumido e concluído, em que levam o problema de incentivos muito mais a sério e o tornam muito mais central, na minha opinião, do que Bitcoin faz hoje em dia. Pois
José Maria Pimentel
porque a última análise é um problema de gestão da venda de um produto que não pode passar à margem desse tipo de considerações. E o Luís falava da teoria dos jogos, que é... Eu acho que é talvez dos temas, para quem já entrou em contato com eles, sendo fora da economia, é dos temas mais misteriosos, mas que ao mesmo tempo eu acho que fascina muitas pessoas que são de fora. Se calhar até pelo nome, que em português até mais do que em inglês tem um nome um bocado bizarro, teoria dos jogos, parece que estamos a falar de outra coisa. Eu não sei se o Luis quer definir rapidamente, para que o Weiss faze-lo de certeza melhor do que eu, do que é que se trata antes de falarmos um bocadinho sobre isso.
Luís Cabral
Bom, a teoria de jogos em matemática e economia sempre houve dois grandes ramos que criaram grande confusão. Há uma parte da matemática que é a teoria combinatória dos jogos, que é talvez aquilo que está mais próximo do que as pessoas pensam, que é a análise dos xadrez, ou do jogo das damas, ou de jogos de cartas, que no fim de contas é a análise de problemas, de análise combinatória probabilística, que tem um interesse matemático concreto, mas tem relativamente pouca aplicação à vida real. Depois há outra área, que é a área que foi mais apropriada pela economia, que é no fim de contas a análise formal do comportamento estratégico, isto é, análise formal de situações comportamentais em que existe uma interação entre agentes, isto é, se eu estiver a pensar devo comprar uma laranja ou uma banana, isto não é um problema de teoria de jogos porque ninguém está interessado para além de mim se eu vou comprar uma laranja ou uma banana, isto é um problema de decisão. Se eu estiver a pensar fazer uma compra e venda no mercado aí já há alguma interação, mas se há uma interação dentro do mercado é um problema de economia clássica, por assim dizer, ainda não é um problema de teoria de jogos. Mas se eu tiver a pensar se a TAP deve ou não baixar o preço do bilhete de Lisboa e Nova Iorque, é evidente que eles vão ter que pensar o que é que a United Airlines e a Delta Airlines vão fazer em resposta a essa mudança de preço. Aí entramos na área de teoria de jogos, em que a análise do comportamento de um agente tem necessariamente de ser feita em conjunção com a análise do comportamento de outra agente e é esta interação de comportamento estratégica que nós chamamos de teoria de jogos. E nesse sentido, os problemas que se analisam são muito diferentes dos problemas de um jogo de xadrez. Aliás, o jogo de xadrez, de um ponto de vista de economia, é um problema trivial, porque a economia baseia-se em agentes racionais. Bom, a economia clássica, um modelo básico da economia baseia-se em agentes clássicos. E existe um teorema de 1916, de Zermelo, que essencialmente mostra que o xadrez, de um ponto de vista de economia, é um jogo trivial. Porque ou as brancas ganham sempre, ou as pretas ganham sempre, ou o jogo é sempre empatado. Nós ainda não sabemos. Porquê? Porque o xadrez não é na realidade um jogo trivial, é um jogo tão complicado que nós não conseguimos ainda, de um ponto de vista de análise combinatória, não conseguimos resolver esse problema. Por isso é que ainda é um jogo interessante, de um ponto de vista real.
José Maria Pimentel
Não conhecemos as possibilidades de todos. Agora,
Luís Cabral
de um ponto de vista de teoria de jogos pura, em que se considera que os agentes são racionais e têm capacidades de computação ilimitadas, é um jogo trivial, não há nada a dizer. Porque o que é que são as situações de teoria de jogos que são interessantes? São situações em que existe informação, assimetria de informação, em que o que um jogador sabe o outro jogador não sabe. São situações em que existem múltiplos períodos que levam a situações de influências intertemporais e retaliação, como era o exemplo que eu falava há pouco da United Airlines e da TAP e são situações em que os jogos muitas vezes não são de soma nula como é o xadrez. Para eu ganhar é preciso que outro jogador perca, não há outra hipótese. Mas que são jogos que podem ser de soma positiva. Por exemplo, a TAP e a United Airlines podem fazer parte da Star Alliance e chegar a um acordo que não é ilegal, felizmente, mas que lhes permite ter um esquema em que de alguma forma existe uma coordenação de políticas que está ainda ao abrigo das leis de concorrência dos Estados Unidos e de Portugal. Por exemplo, não é necessariamente um jogo de Salma no Lã.
José Maria Pimentel
Claro, no fundo parte de um exemplo relativamente estilizado para depois incluir uma série de condicionantes seja que complexifiquem, seja que tornem perfeitas essas propostas iniciais e que torna muito mais difícil de resolver. Lá está, os agentes têm informação limitada faça o outro e há informação assimétrica ou o jogo, como se chama, é repetido várias vezes ao longo do tempo e permite retaliar uma série de condicionantes. Do que dizemos que eu acho mais interessante da teoria dos jogos é aquilo que se costuma chamar atar as próprias mãos que eu acho muito aplicável. Aliás, agora fazendo um parênteses, aquilo que eu acho interessante da teoria dos jogos para um não economista é que ela tem uma aplicação ao contrário. Ao contrário de outros ramos, tem uma aplicação não só na economia, mas em muitas questões para lá da economia, por exemplo, na política. E este ponto de abatar as próprias mãos, isto no fundo trata-se de quê? Trata-se de um agente, vamos supor, uma empresa que decide agir estrategicamente, fazendo uma determinada escolha que a vai condicionar para o futuro de modo explícito para outra empresa e outra empresa ao perceber isso percebe que ela se fez aquilo está comprometida com aquele caminho. Eu não sei se o Lister tem uma melhor exemplo para isto do que eu, aquilo que me ocorre uma empresa, por exemplo, que faz um acordo com outra mas que é um acordo do qual ela pode fugir a certo ponto como todos os acordos mas que ao mesmo tempo que faz esse acordo, constrói investe, por exemplo, tem ali um custo afundado a construir, por exemplo, uma fábrica ao lado da outra porque é fornecedora, por exemplo. A partir desse momento, a empresa B sabe que a empresa A dificilmente vai fugir daquele acordo para o fazer teria que vender a fábrica, perder dinheiro com isso e fazer uma série de coisas. Em política, por exemplo, há casos em que acontece isso. Por exemplo, eu creio que na Guerra Fria acho que foi uma altura em que se falou muito a teoria de jogos por causa disso porque grande parte daquela interação, muitas vezes tinha que ver com isto quer dizer, com a pessoa... Com determinadas declarações, por exemplo, públicas que impediam a pessoa de voltar atrás aliás, as promessas eleitorais dos políticos, agora, um caso mais geral e do caso nacional, eu, durante muitos anos, achei que era uma grande imperfeição do sistema político e continuo a achar que é grande ideia. Mas tem essa vantagem. Obviamente que a pessoa não pode prometer coisas para uma realidade que, em grande parte, desconhece, não é um tipo que é candidato a primeiro-ministro e quando chegar lá vai encontrar um cenário diferente. Portanto, é a ser sentido uma ingenuidade estar a propor, mas do ponto de vista do eleitor ele está... Ou devia estar, depois na prática não acontece assim, mas devia estar a atar as próprias mãos, ou seja, ao comprometer-se publicamente seria muito difícil voltar atrás daquilo que estava... Face àquilo que tinha prometido, não é?
Luís Cabral
É verdade. Isso é um bom resumo. Eu diria que tal como na economia falámos há pouco que há alguns pontos fundamentais aqueles três que eu referi no caso da teoria de jogos, quando eu apresento a teoria de jogos eu falo de duas mensagens duas ideias, dois princípios que são muito, muito importantes. O primeiro é esse, que é mais ou menos um ponto não óbvio, em princípio, que é a ideia de que a falta de escolha por parte de um agente pode ter um valor estratégico, coisa que não é verdade em problemas simples de decisão, quanto mais escolhas eu tiver melhor. Isso não é verdade no contexto estratégico, então isso é um ponto muito importante. E o segundo é a importância da interação repetida entre agentes. A minha opinião é não só para a economia, não só para a teoria de jogos, mas para toda a ciência social é um princípio de grande importância e a teoria de jogos foi talvez a primeira área a reconhecer de forma mais explícita e formal esse princípio. Mas voltando então à questão da limitação de escolhas. Diz-se e com razão que a teoria de jogos tem, historicamente, antes de se chamar teoria de jogos, estes princípios têm tido uma grande aplicação em outras áreas como política, no litígio em tribunal, na guerra, por aí fora. Exemplos típicos, o que indica é um bom exemplo, eu Posso concretamente torná-lo ainda mais específico, há um caso que é frequentemente utilizado na economia, é o caso de Upont no mercado do titanium dioxide, de óxido de titânio, que é a introdução em português, em que o que eles fizeram foi justamente, enfim, isso demoraria mais algum tempo a descrever o exemplo, mas aumentaram a capacidade de produção que eles tinham para valores muito, muito, muito acima do que iriam necessitar nos seguintes 10 anos. Isto não é apenas uma interpretação, vai-se a saber isso pois está nas atas das reuniões do Conselho de Administração de Dupont que o único motivo por que eles construíram ou criaram um aumento de capacidade tão grande, tão rápido, foi justamente para provocar a saída de concorrentes, coisa que veio a acontecer. E portanto, eles numa questão de poucos anos passaram de uma cota de mercado de cerca de 30% para cerca de 60%. Apenas com a estratégia de ter um Fé à complir, isto é, eu normalmente tenho que já construir estas fábricas todas não as estou a utilizar, tenho excesso de capacidade, mas qualquer concorrente que seja minimamente racional chega à conclusão que estar a construir fábricas ou até manter fábricas já existentes não vale a pena porque eu vou estar a concorrer ou vou estar a contribuir para um excesso de capacidade na indústria e isso seria mau para todos, incluindo para mim próprio. E, portanto, a DuPont com esta jogada de antecipação, talvez seja o termo melhor, conseguiu duplicar a sua cota de mercado nesta indústria, que é uma indústria muito importante. Isso é um bom exemplo numa área da economia, na área da política, nós encontramos vários, na área da guerra, há exemplos históricos da guerra, o famoso livro da China é que como é melhor às vezes estar dentro do campo do inimigo do que fora, como do Hernán Cortés na China de queimar os navios que levaram na América. Portanto, quando o Hernán Cortés foi de São Domingo para o México, eu creio que ele partiu de São Domingo ou de Cuba, agora não me lembro muito bem. A primeira coisa que fez ao chegar à costa mexicana foi destruir os navios todos. Na realidade parece que ele destruiu todos menos o dele, segundo o contexto aí. Mas, e foi de forma visível. A ideia sendo que as tropas indígenas do Monte Suma ficaram sabendo que ele de facto, os soldados de Hernando Cortés não tinham outra hipótese senão lutar até o fim. E com base nessa observação da decisão de não voltar atrás por parte das tropas de Hernando Cortés, eles acabaram por conseguir induzir um comportamento muito menos retaliatório por parte dos mexicanos. Assim arrasa a história. Portanto, mais uma vez, o facto de ele ter menos escolhas, eu não posso voltar atrás, acaba por beneficiar nesta situação de litígio. Já agora, no ponto de vista político, há um... Este filme, na minha opinião, é dos maiores clássicos do cinema de sempre, um dos primeiros filmes do Stanley Kubrick, talvez o primeiro grande filme do Stanley Kubrick, que é a trágica comédia Doctor Strangelove. Como eu aprendi a amar a bomba, que tem muito a ver com esse fenómeno estratégico, mas tem este pequeno... Portanto, neste caso, a Rússia, a União Soviética, devo dizer, teria criado uma máquina que automaticamente despolutaria todo o arsenal nuclear da União Soviética em caso de algum ataque americano sobre o território da União Soviética. E, portanto, mais uma vez, isto corresponde a este princípio da teoria de jogos, porque se eu tenho uma máquina que automaticamente toma esta decisão, eu estou a diminuir o número de escolhas, eu estou a tornar a minha capacidade de decisão pior. Portanto, cá está a tal questão que isto não faz sentido, mais escolhas é sempre melhor. Não. Porquê? Porque este é que seria o princípio de Toreado de Jogos, se os americanos sabem que os russos têm, ou melhor, que a União Soviética tem este mecanismo que cria um ataque ou despolota um ataque aos Estados Unidos numa forma em que eles não têm sequer hipótese de parar, então isso vai criar uma forma de detenção, digamos assim, de um ataque americano. Esta é a parte mais de Theory of Jokes. A parte tragicomédia do filme é que eles nunca anunciaram isso aos americanos e portanto acabou por não ter esse efeito.
José Maria Pimentel
Era obvio que o Dr. Strangelove era aquele que tinha um braço que fazia a sedução na Xenoverse. O
Luís Cabral
Dr. Strangelove é uma confluência, o papel do Dr. Strangelove é uma confluência de várias personagens reais, incluindo uma pessoa de teoria de jogos muito conhecida que era John von Neumann, talvez um dos grandes cérebros do século XX, o oritador de tese de John Nash. Mas o que é um bocadinho, é uma confluência porque o von Neumann era judeu e era tudo menos nazi, como é evidente. Ele fugiu da Hungria por causa do nazismo. Mas é uma aplicação interessante. Entretanto, depois da queda da União Soviética em 89, 90, 91 concretamente, vieram-se a descobrir muitos papéis e muitos documentos e, por estranho que pareça, por incrível que pareça, existia de facto um projeto de uma espécie de doomsday machine, de uma máquina que conseguisse criar este mecanismo. Nunca foi aplicada, nunca foi criada, mas existia. Conta-se documentos, não sei se na KGB ou onde é que estavam, que mostram que isto, embora o filme como é evidente, com o Peter Sellers, que tem três papéis nesse filme, é totalmente ficção, mas pelo visto havia uma base de realidade naquela ficção. Portanto, este princípio de tiro de jogos que menos opções podem ter valor estratégico é um princípio prevalente em economia, na guerra, em situações de litígio em tribunal, em várias outras situações. É
José Maria Pimentel
verdade, é um princípio ultra interessante e que muitas vezes está ausente não só da discussão pública como até da discussão de temas como gestão, por exemplo. Às vezes esta... A palavra estratégia, por exemplo, é polissémica e quando se fala de estratégia no âmbito da gestão, normalmente não se está a falar desta interação estratégica, que é uma vertente diferente. Quando se fala de estratégia em gestão é mais quase um posicionamento a longo prazo e decisões a longo prazo. Este tipo de decisões da interação estratégica acabam por ser fundamentais e estão por trás. Por exemplo, eu penso várias vezes nisto, nas realidades diferentes entre os setores. Por exemplo, eu lembro-me de quando comprei casa. Lembro-me de pensar na teoria dos jogos, entre outras coisas, mas lembro-me de pensar que aquilo se aplicava a propósito da questão de que o Luis falava há pouco das interações múltiplas, isto é, várias interações ao longo do tempo. Negócios ou setores em que essas interações existam, ou seja, que haja uma interação continuada, isso cria incentivos muito mais baixos para os intervenientes fazerem batota, para essa expressão. Num setor em que a interação pode ser única há um incentivo enorme para fazer batota, isto é, há um incentivo enorme para tentar capturar o máximo do valor que está ali a ser gerado para nós, em detrimento do outro interveniente. No mercado da habitação, isto é, no mercado imobiliário, a minha impressão é que isso acontece muito porque vamos por exemplo, um agente imobiliário. É evidente que um agente imobiliário que está a vender, que está a apresentar uma casa a um cliente a um cliente isto é, o cliente será o vendedor da casa, é um possível comprador da casa, pode até ficar a conhecer a pessoa e pode vir a fazer muitos negócios com ela, mas o mais provável é que não venha a fazer. E portanto o incentivo não é para tentar criar ali um negócio que possa alimentar negócios turos, mas sim para tentar extrair daquele negócio o máximo possível, ao contrário de outros sectores. Aliás, eu acho que isso é uma ineficiência do mercado imobiliário que é difícil de contornar entre outras coisas.
Luís Cabral
É verdade, mas nesse sentido eu diria que o mercado imobiliário é mais a exceção do que a regra dentro da economia. E já que Falamos disso, eu considero esse talvez o segundo ponto mais importante que a teoria de jogos nos traz que é, mais uma vez, se nós pensamos na teoria de jogos como os xadrez e as damas estamos a falar de jogos de soma nula, então isso não tem muito interesse mas a grande, grande maioria das situações reais de interação entre agentes são jogos de soma positiva. E então aqui é que entra esse segundo ponto importante da teoria de jogos e que é, na minha opinião, um ponto fundamental para compreender o fenómeno social não apenas do ponto de vista económico E não apenas na transação económica, mas num contexto muito mais vasto, é que a grande, grande maioria das interações entre agentes na sociedade moderna não são contratuais no sentido formal da palavra. Nós falamos muito de contratos, mas na prática nós temos muitas situações de interação económica ou não económica em que o contrato não existe, nem sequer um contrato verbal.
José Maria Pimentel
Como é o exemplo deste.
Luís Cabral
Como o exemplo desta nossa interação aqui. Isto é muito comum e muitas vezes são jogos, que embora sejam jogos de soma positiva, são jogos que têm aquilo que em teoria de jogos se chama a estrutura do dilema de prisioneiro, outro ponto importante de teoria de jogos, isto é, são jogos em que existe, como dizia há pouco, um incentivo unilateral em fazer batota de alguma forma, isto é, em não atuar de acordo com o que foi estabelecido contractualmente, de uma forma explícita ou implícita, mas de uma forma que mais interessa aos interesses pessoais de um jogador. A vantagem da repetição, da interação entre os agentes, é que permite que uma relação contratual implícita se possa criar sem necessariamente recurso a um contrato formal. Isto é, eu como empresa, eu compro normalmente aquele fornecedor e nós temos um entendimento entre nós que o pagamento é a 15 dias mas às tentas se calhar nem sequer existe um contrato formal que indique isso ou muitas vezes até depois há uma exceção que é feita olha agora nos próximos três meses eu gostaria de pagamento fosse a 10 dias porque temos aqui com problemas financeiros e ele diz Ah muito bem, sim senhor, e há um aperto de mão, há um telefonema mas não há nenhum contrato formal que é feito aqui sim Este tipo de situações é muito, muito frequente na economia moderna e felizmente nós não temos de ir a tribunal para conseguir pôr em prática este tipo de relações. Porquê? Eu sei que se eu agora não pagar a 10 dias quando tínhamos chegado a um acordo, aquela pessoa, o meu cliente ou meu fornecedor, ou qualquer caso que seja, não me vai poder pôr em tribunal porque não existe um contrato, nem sequer não se pode demonstrar que existe um contrato verbal, portanto não existe evidência deste acordo. Agora o que eu posso fazer é nunca mais trabalhar com esta pessoa e esta ameaça, digamos assim, da quebra de uma relação pode ser a forma mais eficiente de conseguir chegar a um equilíbrio que de outra forma não seria um equilíbrio de forças num contexto, como dizia, não só da economia como de muitas outras áreas da interação social. Este é um princípio muito, muito importante da teoria de jogos que se baseia nos chamados jogos repetidos, isto é, na análise das situações de interação contínua, repetida, ao longo do tempo, entre agentes económicos.
José Maria Pimentel
E no caso, há um caso que sabe ver, é citado frequentemente, que é o caso do Japão, em que as interações mesmo entre empresas funcionam muito menos na base de contratos do que acontece no Ocidente, porque eles têm simplesmente relações históricas entre as várias empresas, não é um fornecedor que tem quase uma relação quase até familiar no limite, porque já está tão enraizada, mas que não está sequer contratualizada e funciona exatamente à base disso.
Luís Cabral
E há vários outros exemplos com piada, por exemplo no chamado Diamond District em Manhattan, portanto O negócio de diamantes está muito centralizado em Manhattan, em Antuérpia e em Tel Aviv. Nova Iorque é um dos grandes centros, ali no Midtown Manhattan. As transações que são feitas entre os dealers de diamantes, diariamente, são transações de milhares e milhares de dólares, estamos a falar aqui de objetos de grande valor, sem contratos. Sem contratos formais. Sim, incrível de facto. E portanto, nunca houve um processo de tribunal relacionado com estas transações diárias de diamantes. E portanto, o que acontece é que se trata de um mercado que está altamente dominado por um grupo ético muito concreto, que são os judeus, aliás muitos até são os judeus assíricos, que dentro do grupo ético é até bastante restrito e homogéneo, e em que por conseguinte esse enforcement, essa aplicação do contrato é muito mais fácil. Como dizia até, muitas das questões não necessariamente familiares, mas pelo menos dentro de um grupo muito homogéneo e muito restrito geograficamente. Outro exemplo com piada, de que eu ouvi falar há algum tempo, os motéis nos Estados Unidos é uma indústria que está altamente dominada por indianos. Não só por indianos, mas por indianos do Gujarati, portanto é uma área muito específica dandia.
José Maria Pimentel
Não fazia a mínima ideia disso.
Luís Cabral
E a ideia é que eles ajudam-se mutuamente, mais uma vez muitas vezes sem necessariamente o recurso a contratos formais e o que as pessoas sabem é que, para dizer a coisa aqui um bocadinho de piada, se eu depois não pago o dinheiro ou se não retribuo o favor que foi feito depois lá o outro gênero vai dizer à minha mãe no Gujarati e depois aquilo tudo lá é acertado, há ali formas de acertar contas, por assim dizer entre as famílias daquela zona restrita do Gujarati Portanto, esta ideia do Teorio de Jogos depois aplica-se não apenas à interação entre dois agentes concretos, mas também em pequenas comunidades. Isso é uma área do Teorio de Jogos que está muito desenvolvida, que é a implementação de acordos em pequenas comunidades. Homogéneos. Mais ou menos
José Maria Pimentel
homogéneos. Mais ou menos homogéneos. Que
Luís Cabral
agora está tendo uma aplicação muito grande a mercados online. Porque mercados online são mercados muitas vezes de interação repetida entre agentes anónimos e que tem de haver alguma forma de... Evidentemente eu posso pôr em tribunal uma pessoa da eBay que a comprei, mas vai ser muito difícil. Muitas vezes a melhor forma de punir, por assim dizer, um agente neste outro contexto que é um mercado online é justamente no contexto de interação repetida de fazer essa punição. No caso de mercados online muitas vezes afeta com base em feedback, nas notas que se dão aos agentes.
José Maria Pimentel
Mas nem todos os mercados são iguais, os exemplos que o Luís referiu dos diamantes, dos motéis e dos mercados online, eles não são todos iguais necessariamente, o que mostra o que é interessante, analisando isto mostra que a teoria dos jogos tem aqui um papel grande, mas também não explica tudo. Ou seja, aqui o facto do mercado dos diamantes funcionar como funciona não é alheio a essa homogeneidade religiosa e étnica naquele local. E isso lembra de uma questão que eu falava aqui há uns episódios atrás com o Pedro Magalhães, cientista político, que é um tema que eu acho fascinante que é a questão do capital social, que é estudado normalmente por sociólogos mas que tem uma aplicação enorme à economia e que tem que ver com a confiança entre as pessoas e isso tem duas questões interessantes a propósito disto. Uma que ele salientava que é a rigidez enorme ao longo do tempo desta variável, chamemos-lhe assim, E outra é a correlação enorme que tem com o nível de desenvolvimento económico ou até económico-social. Ou seja, em economias em que as pessoas confiam, têm confiança entre si, permite, lá está, gerar trocas que geram o grosso desse valor e que permite gerar desenvolvimento económico. Aliás, embora não seja um caso extremo a nível mundial, Portugal é um caso extremo, no sentido negativo, a este nível na Europa. É um caso em que há um nível de capital social relativamente reduzido. Ele dava um exemplo, aliás, engraçado que nunca me ocorreu, e o Luís tem de certeza essa experiência dupla, que é um tipo aqui em Lisboa anda no trânsito e de repente chega a um cruzamento onde normalmente até tem aqueles quadriculados amarelos. O que parece supostamente a pessoa não avançar e ir para lá. O que toda a gente faz é avançar, porque não confia que o carro que está à sua esquerda ou à sua direita naquele cruzamento não vá fazer o mesmo. Ele dava isso como uma espécie de proxy para o nível reduzido de capital social que eu achei interessante porque é de facto bem gizado. E o capital social está ligado a vários fenómenos, um deles é justamente à homogeneidade étnica, ou seja, em países ou populações onde há uma homogeneidade étnica maior tende a haver um nível de capital social maior e esses exemplos são exatamente isso. Portugal por acaso é um país com homogeneidade étnica relativamente elevada mas depois tem outros fenómenos que contrabalançam isso. Mas isto, para dizer, é um bocadinho... Agora estou a puxar este tema porque é um bocado o mote deste podcast que é relacionar áreas diferentes. E eu como alguém que estudou economia, mas que ao mesmo tempo tem um fascínio grande por outras áreas, sempre me fez, em alguns casos, alguma impressão, a miopia para que às vezes a economia tenha alguma tendência, que é olhar para uma determinada realidade para cujo estudo de facto o modelo económico pode contribuir imenso, mas abstrair-se do facto que há outros fenómenos que ajudam a explicar também, não é? E este do capital social eu acho interessantíssimo.
Luís Cabral
Sim, vamos lá ver. É verdade que a economia muitas vezes tem uma certa miopia, como dizia um psicólogo americano com muita piada, para quem a única coisa que tem é um martelo, tudo o que aparece à frente parece um prego. Exato. Quando tem um instrumento tem, enfim, há um certo envelhecimento de que os economistas não são os únicos. Não, não. As pessoas têm a sua área. Às vezes faltam pessoas que trabalham em biologia de evolução e em que tudo que eles veem no dia a dia, até as coisas mais corriqueiras, têm uma explicação de… Evolutivo. Evolutionary dynamics, o que pode ou pode não ser verdade. Muitas vezes não é verdade, claramente num sítio mais estrito, até porque a dimensão temporal em que os fenómenos se dão não seria compatível, pelo menos com o modelo mais central e nuclear da evolução. Bom, mas isto é um pronar à parte. Portanto, esse envejecimento existe muito. Mas, falando agora concretamente destas áreas de transição entre a economia e outros campos de interesse, como seja a ciência política. Eu penso que apesar de todas as críticas que são feitas, algumas com razão, já há um número considerável de economistas que estão socialmente abertos ao facto de haver de facto muitos aspectos do fenómeno social que são igualmente, se não mesmo mais importantes. Por exemplo, uma das questões mais interessantes dentro de outra área da economia, que não é a minha área, mas é uma área que me interessa muito, que é a área do desenvolvimento, é de facto, é uma... Em certo sentido, teria necessariamente de ser das questões mais importantes da economia. Como é possível que alguns países estejam tão desenvolvidos e outros tão pouco desenvolvidos? De facto, quando uma pessoa começa a pensar nesses termos, é difícil Não pensar nisso, é difícil pensar numa questão mais importante do que esta, por
José Maria Pimentel
assim dizer.
Luís Cabral
Exatamente. Portanto, isto é a área do desenvolvimento económico, é uma área muito importante do ponto de vista prático, mas é uma área do ponto de vista intelectual muito interessante porque eu acho que é um puzzle, é uma questão difícil e tem sido uma área de grande, grande debate económico, nomeadamente académico, sobre quais são realmente os principais motivos para estas grandes disparidades. E de fato, como a Proventura certamente terá conhecimento, pessoas que falam muito sobre questões do capital físico, pessoas que falam sobre o capital humano, pessoas que falam sobre condições naturais, pessoas que falam sobre o acidente histórico que levou certos países a certamente... Bom, e poderíamos continuar com o nível de educação, já falei de capital humano. Sim,
José Maria Pimentel
de instituições.
Luís Cabral
E, finalmente, muitas pessoas que sejam ao nível de instituições. Quando nós chegamos ao nível de instituições, quando as pessoas falam em instituições, falam do sistema jurídico, dos tribunais, do sistema político, se é presencial, se existe liberdade, se existe democracia.
José Maria Pimentel
Existem pessoas económicas também. Mas
Luís Cabral
então, muito bem, mas o que é que isso significa do ponto de vista da economia, do ponto de vista do Jokes? Isso também é uma questão interessante. O que é que é cultura? O que é que a economia e os jogos têm a dizer sobre a cultura? Há um economista, que foi meu colega durante vários anos e agora foi para o Banco Mundial, que é o Paul Romer, que nem sido um das pessoas grandes proponentes desta ideia de que muitas destas diferenças culturais, isto é uma visão muito economicista, não são fundamentais. O ser humano é o mesmo em qualquer parte do mundo. Estas grandes diferenças que nós vemos entre a Indonésia, os Estados Unidos e a Suécia, têm muito menos a ver com o ser humano que está em cada um desses países, têm muito menos a ver com o clima, têm muito mais a ver com o facto de existirem vários equilíbrios, digamos assim, do jogo social que é jogado em cada um desses países e a Suécia chegou a um equilíbrio que em muitos sentidos é um melhor equilíbrio que o equilíbrio da Indonésia, por assim dizer. E
José Maria Pimentel
depois toda a gente joga de acordo com esse equilíbrio na Suécia e na Indonésia também.
Luís Cabral
Exatamente. O exemplo que falava há pouco de capital social em Portugal, que as pessoas não respeitam regras básicas de comportamento mais, digamos assim, cívico, civilizado, que corresponderiam, do ponto de vista do Paul Robben e muitas outras pessoas, a um outro equilíbrio. Isto é, se todos respeitássemos essas regras, então mesmo o português médio passaria a respeitá-las também. Portanto, isto é uma corrente, é uma corrente muito forte.
José Maria Pimentel
É um bocadinho, desculpa me interromper, é a corrente do Acemoglu, não é? Em certo sentido também. Sim. Aliás, o Luís tocou em dois temas que são os meus temas favoritos. A questão do desenvolvimento económico e a questão das diferenças culturais e a relação entre os dois. O Acemoglu tem o livro, aliás, que eu já falei aqui, o Why Nations Fail, em português está a traduzir. Não é porque falha o Estado, mas é um título semelhante. E o ponto dele é um bocadinho... Pelo menos a interpretação que eu faço é semelhante. Porque o que ele diz é que a grande diferença está nas instituições e que as pessoas respondem àquelas instituições e que, no fundo, diferenças culturais são subproduto disso. São subproduto das instituições vigentes. Ele não põe nesses termos, que eu acho um modo interessante. No fundo, eu explico. No fundo, o que o Romer diz é que entre sociedades diferentes o jogo de forças da população leva a que se chegue a um equilíbrio diferente entre essas sociedades e depois quem lá chega ou quem lá vive comporta-se de acordo com aquele equilíbrio. Se nós tivéssemos nascido lá, estar na Indonésia, comportar-nos íamos de determinada forma. Como nascemos em Portugal, comportamos-nos dessa forma. Se tivéssemos nascido na Suécia, ou vivido, no caso...
Luís Cabral
Bom, para dar um exemplo muito concreto, quer dizer, uma pessoa vai a um aeroporto em Delhi e a fila para embarque no avião é um caos total. Não existe uma fila, existe uma nuvem. Sim. Mas se nós formos ver o comportamento de pessoas dandia num aeroporto na Suécia, eles de facto estão ali na fila com todas as pessoas e respeitam-se civicamente. Eu Não sei se isto é verdade,
José Maria Pimentel
mas é um bocadinho... É verdade, mas também há o contrário argumento.
Luís Cabral
Qual é o contrário argumento? Ou seja, isso
José Maria Pimentel
é verdade, é verdade que as pessoas... Isso é dito muitas vezes em relação aos portugueses, não é? Há aquele elogio barato que se faz dos portugueses, que os políticos muitas vezes fazem, e dão o exemplo de que os portugueses lá fora são extremamente bem sucedidos e por aí vai. O que é verdade, obviamente. Mas também há outra observação que é difícil casar com esta, que é existem de facto alguns grupos étnicos, etnico-co-culturais, chamemos-lhe assim, que tendem a ser persistentemente bem-sucedidos ou persistentemente mal-sucedidos em vários países diferentes, não é?
Luís Cabral
Sim, sim, isso é verdade. Pô, pois, eu não estou a tomar partida aqui. Eu sei que não está claro. Isto é um exemplo do argumento de Paul Romer. E já agora, as Américas com certeza têm conhecimento desta ideia, mas acho que vale a pena falar. O Paul Romer, muitas pessoas têm falado desta perspectiva, eu referi o Paul Romer por um motivo muito simples, porque é das poucas pessoas que têm tentado pôr em prática as suas ideias, não é simplesmente um académico. Portanto, a ideia do Paul Romer de chamar as charter cities é a ideia de criar dentro de países subdesenvolvidos, ou em desenvolvimento, como se deve dizer agora assim, criar uma pequena zona franca, uma zona separada, em que se cria de uma forma quase clínica, por assim dizer, instituições que correspondem a um melhor equilíbrio, entre aspas, do modelo social e depois tentar, a partir dessa experiência piloto, por assim dizer, espalhar o equilíbrio para o resto do país. Ele tentou fazer isso nas Honduras, esteve até muito próximo, o governo das Honduras a certo ponto até inclusive aceitou destacar uma parte do território para conseguir isso, ter uma constituição separada, ter instituições separadas, mas a coisa acabou por ir para a água abaixo.
José Maria Pimentel
É difícil politicamente, não é?
Luís Cabral
É muito difícil politicamente, Mas a ideia que as pessoas têm, a ideia que pessoas como o Paulo Wormer têm é que o fenómeno de Singapura é um fenómeno, isto é, etnicamente as pessoas que vivem em Singapura não são diferentes, são muito semelhantes às que estão ali muito próximo na Malásia ou que estão na China e no entanto o sistema, as instituições, a economia funcionam de uma forma muito diferente na Singapura do que a 50 km de distância na Malásia. Diz-se e com razão, e eu não poderia concordar mais que este é um argumento, esta é uma perspectiva, mas há de facto a outra perspectiva e de facto há muitos, muitos contrarisemplos que mostram que a cultura é muito mais do que um equilíbrio. E já para não falar, na minha opinião, em questões de ética e de moral, A perspectiva mais radical de teoria de jogos é que mesmo os próprios princípios de ética são um equilíbrio, um equilíbrio tipo Locke ou Hobbes, isto é, o homem é naturalmente um selvagem e nós criamos certos princípios de ética que é um equilíbrio social que vamos tentar manter. Isto é uma ponta, na minha opinião, muito importante entre a economia e a ciência política, que é esta ideia da relação entre a cultura e o jogo social, por assim dizer. Até que ponto é que há aspectos da cultura que são fundamentalmente humanos e que têm a ver com um código genético, por assim dizer, que têm a ver com uma história, têm a ver com uma experiência milenar e até que ponto é que há aqui aspectos que são puramente entre aspas convencionais que têm a ver com escolher um equilíbrio 1, 2 ou 3. Eu acho que como em tudo, como no grande debate entre nature e nurture é um bocadinho dumbs, é um bocadinho como o aquecimento global. Qual é a importância do fator humano no aquecimento global? Está entre 0 e 100. Eu acho que as pessoas dizem que é 100%, não é 100%. Claramente há aqui muito fenómeno também circunstancial deste período da história, mas claramente é superior a 0. É evidente. Só está em saber se é mais próximo de 100 ou mais próximo de 0. Provavelmente mais próximo de 100. Mas enfim, mas isso é outra questão. É muito difícil e é, na minha opinião, má ideia tomar uma decisão extrema nestes debates, não por uma questão de hedging, mas por uma questão realista. Basta olhar para o fenómeno social e ver que há um bocadinho de ambos. Claramente há aqui questões que têm a ver com ovo e galinha. Exatamente. Nós estamos aqui porque estamos aqui.
José Maria Pimentel
Lembro-me frequentemente dessa.
Luís Cabral
Mas também há diferenças que são fundamentais. Quer dizer, dizer-me que a diferença entre um sueco e um indonésio é simplesmente que um joga um equilíbrio 1 e o outro joga um equilíbrio 2.
José Maria Pimentel
É curto, exatamente. Mas eu acho que a grande angústia da economia do desenvolvimento é essa questão do ouvido da galinha e de chegar à causa inicial. Tentar descobrir o que é que existiu antes do que. Por isso é que há a tentação, que eu percebo, até partilho, de enverdar por uma explicação mais ou menos aleatória. No fundo, ou um fenómeno aleatório, aleatório ou pelo menos contingencial, um fenómeno qualquer histórico que ditou aquele caminho, por exemplo, que eu percebo, mas também acaba por ser curto, não é? Porque não nos permite tirar relações para o futuro, que é... Mas eu acho mais ultrainteressante, até Porque é o que o Luís dizia, no fundo é o tema mais importante.
Luís Cabral
A explicação aleatória hoje em dia funciona quase tão bem como as explicações mais sistemáticas. O Daron Samoglu provavelmente não concordaria, mas a verdade é que muitas das várias teorias sobre o que é que originou, por exemplo, no caso dos países da África, que existe uma variância muito grande, é muito difícil. Porquê que países de Commonwealth, países de colonização britânica, em média funcionam melhor, por assim dizer, do que colónias de outros países? É muito difícil ver qual é a causalidade e qual é a correlação. Eu falava antes dos princípios fundamentais que eu gosto de incutir nas minhas aulas. Há os três de economia, mas o quarto é a relação entre causalidade e correlação. Acho que é super importante. E é, eu diria, uma grande parte das falácias que nós encontramos nos mídias, nos estudos pseudo-académicos, no dia a dia, tem muito, muito a ver com a falta de disciplina intelectual para saber distinguir entre causalidade e correlação. E isso é muito verdade no dia a dia, infelizmente é muito verdade em muitos campos académicos.
José Maria Pimentel
É verdade, exatamente. Luís, eu vou resistir à tentação de ficar aqui a falar é mesmo que eu não consigo porque havia aqui vários temas que eu gostava de ter falado, nomeadamente relacionados com a sua área de investigação especificamente, que está relacionada com aquilo que se chama economia industrial, mas que é um nome sempre relativamente ambíguo, que tem mais que ver com as empresas e os mercados e a concorrência dentro desses mercados e o comportamento dos agentes. Repente, não temos que falar disso, mas eu acho que os temas que falámos até, no fundo, são mais interessantes para a maioria do público. Vou resistir a essa tentação, vou só... Quero só apontar uma coisa que me ocorreu, porque eu confesso que não sabia que o Luís tem um percurso de vida, quer dizer, percurso de vida também, mas tem uma história de vida interessante na medida que vem de uma família de artistas, o que não é nada comum para um economista. E começou recentemente, que é como quem diz, há 10 ou 15 anos, a enverdar também por esse caminho que inicialmente rejeitou, ou pelo menos trucou por outro pelo caminho da economia e da academia. Eu acho que é uma perspetiva interessante para quem fez isso, que é dar o testemunho de se cognitivamente existe... Claro que existe, obviamente, mas em que medida é que existe uma interseção entre o cérebro do economista e o cérebro do artista, isto é, do pintor? Porque tendencialmente a pessoa vê-los como sendo quase antagónicos, ou pelo menos muito diferentes. Mas o Luís é o caso vivo de alguém que faz as duas coisas.
Luís Cabral
Antagónicos talvez não, mas são largamente independentes. E esse é um dos motivos porque, na minha opinião, é muito útil, agradável, até útil como diria, manter duas atividades tão diferentes como a economia e a arte porque cria um certo balanço que é bom as pessoas terem na vida. Isto é verdade. Para muitas pessoas ter um hobby, ter um interesse diferente do que o interesse profissional mais estrito é uma coisa boa e cria um certo balanço de vida. Não só sinergias mas até uma questão de balanço. Isto é, a melhor forma de uma pessoa descansar do cansaço do trabalho com um economista não é não fazer nada, é fazer outra coisa que o ajude a desenvolver outras capacidades, outras perspetivas e nesse sentido a diferença à distância não é um fator negativo, é até um fator positivo. Existem sim energias, sim, algumas, que podem ter aspectos positivos e, em certo sentido, também negativos. Deixo-me dizer, na minha opinião, o que é que acho que é um aspecto importante. A economia mais formal, e Eu trabalho numa área da economia relativamente mais formal, que é a aplicação da teoria de jogos ao estudo da interação entre empresas em mercados. No fim de contas, é isso que se trata da economia industrial, que de facto é um nome muito pouco útil. Mas Eu trabalho nessa área de uma perspectiva relativamente formal, que é a perspectiva da teoria de jogos. E, portanto, embora a matemática que eu utilizo não seja uma matemática muito avançada, nem pouco mais ou menos, são instrumentos que já existem desde há séculos na matemática, mas não deixa de ser formal. O que é que isso tem a ver com a arte? A estética tem muito mais a ver com ciência do que as pessoas normalmente pensam, pelo menos as pessoas com quem eu normalmente falo. Na história da ciência nós encontramos múltiplos exemplos em que há escolhas feitas por cientistas que são ditadas por estética e não necessariamente por indução ou por experimentação ou por racionalidade puramente científica. Por exemplo, quando o Galileu tem o diálogo com o Kepler sobre as trajetórias de planetas e insiste que elas têm de ser todas circulares, não é baseada em aproveição empírica. O Kepler, pelo contrário, é que se estava baseando nas observações do Tycho Braher, que tinha feito as observações da transição dos planetas. Mas o Galileu é que o círculo é uma forma perfeita, a elipse não é uma forma perfeita. É a evolupia das formas perfeitas, não é? Exatamente. Portanto, isto é um argumento de estética, não é um argumento de ciência, em sentido estrito. Mais ou menos. Estou aqui a resumir um bocadinho este debate. Mas nós pensamos, e com razão, no Galileu como o fundador da racionalidade científica e da ciência moderna, mas até ele próprio estava um bocadinho ligado a este aspecto estético. E vamos aí reencontrando fenómenos deste tipo. Mais recentemente houve um físico cujo nome não me recordo agora, gostaria de lembrar, um físico renegado americano, que foi um dos vários proponentes, nestas últimas décadas, um dos vários pretensores, por assim dizer, à teoria única e que, tanto quanto eu sei, não foi muito longe. Mas eu lembro de um comentário que li numa revista de um professor do MIT, um físico do MIT, que dizia esta teoria que era baseada na teoria de grupos, nas simetrias da teoria de grupos, esta teoria é tão bela que isso tem de ser verdade. Mais uma vez, quer dizer, é um argumento, isto não é o que nós normalmente pensamos como um argumento científico. Exatamente. Portanto, O que eu quero dizer com isto é que esta ligação entre a estética e a ciência, aliás, isto faz todo o sentido. Na minha opinião, a verdade e a beleza são duas características fundamentais da realidade e não é coincidência que elas muitas vezes estejam ligadas à beleza e à verdade. Ora, na prática, o que isso significa para mim? Muitas vezes eu sinto-me demasiado apegado à questão da estética da análise formal. De facto, há matemática bela e há matemática feia, é verdade? Infelizmente, nem sempre a matemática bela é mais eficaz para a solução de um problema concreto e nesse sentido pode haver aqui uma sinergia negativa entre este apego à estética e ao apego à ciência. É um pouco como as pessoas dizem que, não é o meu caso, claramente, mas que ter um ouvido absoluto pode ser das piores maldições que uma pessoa pode sofrer. A pessoa que tem um ouvido absoluto consegue reconhecer uma frequência de uma forma exata, não apenas de uma forma relativa, como nós temos numa escala musical. Isso significa que se houver um piano que estiver afinado, digamos assim, no sentido comum da palavra afinado, isto é, que as notas estão às distâncias de frequências corretas, mas não à distância absoluta, uma pessoa tem um ouvido absoluto. É uma maldição. É uma maldição. E, por vezes, pode ser uma maldição a pessoa estar tão preocupada com a questão estética que acaba por ficar
José Maria Pimentel
enviado, ou seja, estar
Luís Cabral
sujeito a algum enganho. Ficar enviado na análise científica. Mas, à parte disso, o que significa para mim é uma forma de descansar de uma atividade com outra.
José Maria Pimentel
Mais do que qualquer outra coisa. Pois, é um insight interessante, porque a pessoa de facto descansa o cérebro. A melhor maneira de descansar é... Isso também não é mentira para a atividade física. A Melhor maneira de descansar uma parte do cérebro é utilizar a outra e não necessariamente fazer nada. Mas acho muito engraçado o Luís falar dessa, aquilo que eu estava a chamar a volúpia da estética. Sabe onde é que eu noto isso distintamente? Um grupo que é, por exemplo, residual na Europa, mas que tem algum peso. Nos Estados Unidos que são aqueles economistas alternativos, chamados economistas libertários, portanto que são absolutamente extremistas no modelo, por exemplo, do padrão ouro, por exemplo, em treinamento e não haver banco central, uma série de coisas. Para mim eles têm claramente essa volúpia por uma estética de um modelo ultra-estilizado. E quanto mais simples, melhor. Exatamente.
Luís Cabral
Infelizmente a realidade social e do homem nem sempre se aparar essa simplicidade. É verdade, é verdade. Pode ter um inconveniente. Esta, como eu dizia, da unicidade global entre o belo e o verdadeiro, eu acho que tem uma base real, mas também temos de saber ver isso com perspectiva. Sim, os modelos
José Maria Pimentel
simples são atraentes. Eu falo pessoalmente, atraem-me também, tenho algum cuidado com essa questão. Luís, obrigadíssimo, foi uma ótima conversa. Olha,
Luís Cabral
é um prazer, foi mesmo.
José Maria Pimentel
Pode ser que voltemos a falar um dia, ficaram aqui uma série de temas para nos falar. Obrigado.
José Maria Pimentel
Têm gostado dos últimos episódios? Se ainda não o fizeram, subscreva o 45° na vossa aplicação de eleição, no vosso smartphone, tablet, etc. Se gostarem mesmo do podcast, convido-vos também a partilhá-lo com amigos e a avaliá-lo no iTunes. É também importante para mim saber o que vai na cabeça de quem ouve o podcast desse lado. Por isso são muito bem-vindos, feedback, críticas e sobretudo sugestões de temas e convidados futuros. Obrigado e até ao próximo episódio. Legendas pela comunidade Amara.org