#9 Carlos Fiolhais - Ciência

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José Maria Pimentel
Bem-vindos ao 45°. Neste episódio estou à conversa com Carlos Fiolhais. O convidado é professor catedrático de Física na Universidade de Coimbra e um dos maiores, se não o maior, divulgadores de ciência em Portugal. Publicou já mais de 30 livros, o mais recente dos quais, A Ciência e os Seus Inimigos, em coautoria com David Marçal, de que falamos no episódio. O papel de Carlos Fiolhas enquanto promotor da cultura científica tem sido reconhecido com várias distinções, aliás ainda não vê por passado, recebeu o grande prémio Ciência Viva. Carlos Fiolhas é de resto o tipo de convidado que merecia não um, mas uma série de episódios. Não só pelo conhecimento que tem sobre várias áreas da ciência, mas também por ser um extrovertido, o que é relativamente raro para um investigador, e que o torna um grande conversador. Durante esta hora e meia de conversa, falámos de temas tão diferentes como homeopatia, cultura científica, história da ciência, ciência em Portugal, inteligência artificial e até exploração espacial. Enfim, só ouvindo. Caros, bem-vindo ao podcast, obrigado por terem aceitado. Eu temo que esta conversa possa terminar mais cedo do que o previsto, porque eu cometi uma imprudência e tomei uma caixa inteira de homeopáticos. Acho que ligamos já para o sentido outro. Não fez nada que eu não tenha já feito. Eu sei. Chega de eu dizer isso. E de facto, ainda estou
Carlos Fiolhais
vivo. E vai continuar vivo. Não vai ser essa a causa do
José Maria Pimentel
óbvio.
Carlos Fiolhais
Ora bem, a homeopatia é, enfim, é uma pessoa da ciência. É Algo que se faz passar por ciência sem o ser. E uma pessoa vai à farmácia, encontra medicamentos normais, não é? Medicina convencional e inventa essas alternativas ou assim chamadas alternativas. De facto, não são verdadeiramente, porque enfim, aqui há pseudosciências cujo grau de...
José Maria Pimentel
Pseudicidade.
Carlos Fiolhais
É variável, sempre, não é? Mas que é menor do que este. Este é a pessoa da ausente insensibilidade total. O que significa que nem do ponto de vista prático, testes feitos e foram muitos, enfim, de tomada de medicamentos homeopáticos não produzem qualquer efeito, além naturalmente do placebo, que é um efeito normal e conhecido, um bocadinho misterioso, mas relativamente conhecido, mas também teórico, porque aqui falta-lhe qualquer fundamento teórico. A farmácia assenta na química e a química é o nosso conhecimento do mundo atômico e molecular. Ora bem, a homeopatia está errada porque pensa que ao fim de diluições sucessivas, muitas diluições, ainda lá fica alguma coisa de uma substância com algum poder inicial, de uma substância ativa inicial. Ora bem, pela simples razão de que tudo o que é uma substância, tudo, é feito de pequenas partículas, ao fim de diluir muito, muito, muito, muito, muito, a probabilidade de encontrar um átomo que seja do original é, zero não será, mas é tão pequena que equivale à probabilidade de, sei lá, me sair o euro milhões.
José Maria Pimentel
E a existir também não terá grande efeito porque
Carlos Fiolhais
é só uma. É marginal, não é? Exatamente. É só uma. E, portanto, é uma... Enfim, muita gente acredita na homeopatia, não tem nada contra as crenças das pessoas, mas trata-se de uma
José Maria Pimentel
crença. Uma crença sem qualquer fundamento científico, portanto, não tem qualquer justificação. Desculpa interromper, eu acho engraçado que... Eu perguntei a isto porque sei que o Carlos tem falado disso nos livros que tem publicado recentemente com o David Marçal. Ele é mais especialista em homeopatia do que eu, David Marçal. Tomou mais caixas de medicamentos.
Carlos Fiolhais
Quem eu nunca lhe era homeopático quando era pequeno. Exato.
José Maria Pimentel
Mas eu acho isso também interessante. Já o tinha apanhado várias vezes. Lembro-me de ter apanhado uns artigos sobre isso e na altura ficar um bocado perplexo. Até porque aquilo é uma espécie quase de herança de alquimia, não é? Porque há ali uma lógica.
Carlos Fiolhais
Sim, aquilo vem dos séculos XIX.
José Maria Pimentel
É recente, não é? Aquilo era um médico suíço, se eu não me erro. Um médico alemão, talvez. Toda a experiência é muito estranha, não é? Porque para o princípio fica lá uma espécie de memória do ingrediente inicial.
Carlos Fiolhais
Eles admitem, digamos, aqueles homeopáticas, vamos chamar assim, mais racionais, admitem que não está lá mesmo nada no fim daquelas diluições todas ou praticamente nada. Mas, e aí está a irracionalidade deles, eles dizem que a água apesar de tudo lembra-se aquilo que lá tem. E É esse efeito de memória de água que já é controverso, houve até um cientista francês que a certa altura fez umas experiências que hipoteticamente comprovariam isso mas depois foram desmentidas, essas experiências revelaram que não cumpriam critérios de exigência mínimos e essa memória de água é uma coisa perfeitamente lirante. As moléculas de água estão lá sozinhas, não há as substâncias ativas. No entanto, elas lembram-se, lembrar-se-iam que elas lá tiveram. Isso é uma coisa... Falar de memória de água é atribuir, digamos, ao mundo atômico propriedades que são, de algum modo, nossas. Eu estou a pensar o traumatismo que deve ser para uma molécula de água que caia das cataratas do Niágara. É uma experiência verdadeiramente traumática. Se essa molécula se lembra da vertigem, eu acho que é um caso de ela ir ao psiquiatra.
José Maria Pimentel
Não vai ser desafiante. Eu acho que este caso dos homeopatias, apesar de tudo, vendo isto de outro prisma, isto é genial porque há um mercado grande para isto. Há um mercado em todo o mundo, não é só em Portugal, todo o mundo ocidental, digamos. E eu estava a pensar sobre isto e lembrei-me de... Eu acho que isto é quase o golpe perfeito, em certo sentido. É blindado de três formas. Porque, por um lado, peguem doenças leves. São quase maletas, não é? Uma dor de cabeça, uma gripe, uma constipação...
Carlos Fiolhais
Porque a gripe passa sozinha ao fim dos dias.
José Maria Pimentel
Portanto, são doenças em que é muito difícil de se distrinçar.
Carlos Fiolhais
Enfim, toma uma medicamenta homeopática, é o que estava precisamente a
José Maria Pimentel
dizer, e ao fim do tempo passou a gripe, e pá, funcionou. Exatamente. Esse é o primeiro, não é? Portanto, é claro, taticamente o terreno de jogo é mais escolhido. Depois, perdão, não tem efeitos secundários. O que é quase tautológico, não tem efeitos secundários, que não é nada. Não tem nem pode ter.
Carlos Fiolhais
Porque aquilo basicamente é água e açúcar, é uma pílula, vamos chamar assim.
José Maria Pimentel
É um placebo, não é possível chamar um placebo. O
Carlos Fiolhais
placebo o que é? É a sensação de melhoria que é subjetiva que uma pessoa experimenta quando é tratado, quer dizer, quando toma qualquer coisa. É para se uma pessoa jovem que está, e isso sabe-se até, porque faz-se isso na medicina normal para apurar qual é o grau de, qual é o grau, digamos, de vantagem. Ou o grau mínimo, os medicamentos têm um grau mínimo que é o seguinte, é superior ao placebo. Exato. Quer dizer, o placebo é curioso, porque uma pessoa mesmo tomando os tais comprimidos de água e açúcar, fazendo estatísticas, grandes números, há uma melhoria pequena e que é um bocadinho errática, mas há uma melhoria pequena. Tem a ver que se calhar há um bocadinho de neurofisiológicos, que uma pessoa, eu agora estou melhor, então já tratei isto, mas os medicamentos todos têm de provar que são melhores ou antes muito melhores do que o placebo. Ora bem, nós encontramos medicamentos homeopáticos à venda e eles aí estão isentos dessas exigências dos medicamentos normais, apesar de habitarem a mesma casa que os outros, não tem os mesmos regulamentos. Eu só tenho que por bem que sou inóculos e de facto são. Exato. Por isso é
José Maria Pimentel
que eu... Não tem efeitos secundários, por definição? Não. Não tem nada a ver.
Carlos Fiolhais
Agora, enfim, O que está errado nisso é uma pessoa, por exemplo, pensando que se cura com isso. Não ir, não seguir a medicina, não vou chamar-lhe convencional, porque mal vou-te dizer, não ir ao médico e dizer, toma aqui umas coisinhas ou então coisas, enfim, remédios chamados naturais e há uma indústria tão grande que falou bem da questão do negócio e isso de facto é um negócio tão grande tão grande que é impressionante as próprias farmacêuticas são as mesmas que produzem esse tipo
José Maria Pimentel
de coisa. Sim, tem a tentação claro de explorar esse
Carlos Fiolhais
mercado. Com certeza é um mercado, as pessoas compram e não é nada barato. Eu fui, eu tomei essa caixa, dividi a meio o preço que éramos dois a tomar, mas mesmo assim ficou-nos caro à
José Maria Pimentel
experiência. É mais caro quase porque não tem
Carlos Fiolhais
participações etc é para curar a gripe uma embalagem de 20 euros mas não tínhamos grito
José Maria Pimentel
mais vales para em relação ao meu país parece-me evidente vendo a coisa de forma que é o que eu fiz eu é praticamente pois há outros casos em que em que apesar de tudo parece mais difícil que é por exemplo o caso da acupuntura por exemplo o caso é difícil Apenas por existir há muito mais tempo, apesar de tudo, e por... Porque também aquilo que cura ou que se propõe a
Carlos Fiolhais
curar, lá está, não é tanto esse tipo de doença ligeira, mas há algo mais. A acupuntura é realmente diferente, até porque é mais difícil fazer experiências em larga escala com placebo. O que é que é o placebo? Exatamente, o que é que se faz a simulação, como se espeta agulhas reais e como é que eu vou espetar agulhas que não
José Maria Pimentel
sejam reais? Tem que espetar nos sítios errados, não é?
Carlos Fiolhais
Não, o que eles usam é umas agulhas retráteis que fazem a mesma impressão que uma agulha a espetar, mas de facto não espeta. Não espeta. E, portanto, desenvolveram umas técnicas sofisticadas para fazer o placebo da agulha. E essas experiências foram feitas. E os resultados, enfim, eu sumaria já, os resultados são negativos em geral. Não quer dizer, ao contrário dos homeopáticos, que para certo tipo de doenças específicas não haja alguns estudos que deem positivo, que deem melhoria perante aquele tipo de tratamentos. Mas são só, em alguns tipos de doenças, em alguns estudos, se uma pessoa fizer, digamos, análises de facto rigorosas, em ciência usam-se, ou neste caso, da farmácia, usam-se, as ciências farmacêuticas usam-se testes que devem ser duplamente cegos, não sabem quem é que está a tomar, nem o médico, nem o doente podem saber, porque senão há a tendência, seja do próprio doente, seja do próprio médico, de dar algum sinal. E, além disso, depois é preciso metadados, quer dizer, é preciso pegar nesses dados e integrá-los num quadro grande. E, se fizermos isso, Apesar de haver alguns casos, algumas situações que são positivas, se levarmos em consideração, e há muitos outros negativos, se levarmos em consideração tudo, não pode ser recomendado como uma técnica de curar, digamos, doenças. Eu, por acaso, nunca fiz, ou, a medicamento homeopático já tomei, mas acupuntura, confesso que nunca fiz, mas estava
José Maria Pimentel
aqui a doer as costas.
Carlos Fiolhais
Aproveitar. Por acaso, também nunca fiz, mas até tinha curiosidade em experimentar. Não, aquilo, enfim, não sei. Há pessoas que fazem e, vamos lá, quando uma pessoa faz a crítica deste tipo de terapias, não quero criticar de maneira nenhuma as pessoas que as fazem. Até, aliás, teve uma polêmica com o professor de Coimbra, que infelizmente já faleceu. Ela acreditava naquilo e a crença é das coisas mais difíceis de desmontar, seja de quem for. E todos nós temos crença de uma maneira ou de outra. Agora, a ciência trata de crença justificada e a justificação segue critérios, segue normas. E a justificação do funcionamento dos medicamentos servem normas muito estritas, muito apuradas. Desenvolveu-se nas últimas dezenas de anos, digamos, nos últimos 50 anos, técnicas apuradíssimas. Um medicamento é muito caro, um novo medicamento de pôr no mercado, não basta ter um princípio ativo, é preciso testar de início limitado, depois em maior escala e isso pode demorar mais 10, mesmo 20 anos. É por isso que os remédios são caros, quer dizer, porque a investigação e principalmente o teste, a parte da investigação que é o teste dos medicamentos, primeiro envolvendo animais, ninguém começa pelos humanos e, portanto, começa tudo no computador, a partir de reações químicas e depois há muitos ratos que enfim, que vão ser as cobeias e depois animais de maior porte, mesmo macacos, que são mais semelhantes fisiologicamente aos humanos, para depois haver humanos sempre numa base de voluntariado, as pessoas têm de ter uma aceitação que estão a fazer coisas e normalmente as pessoas oferecem-se e digamos são generosas.
José Maria Pimentel
Também tem alguma compensação, não é? Sim, há compensações por isso. Embora possa não ser. Não é assim extraordinária,
Carlos Fiolhais
mas há um tipo de compensação. Mas, de qualquer modo, ninguém vem com um medicamento novo para o mercado sem ter passado experimentações que são longas e que são rigorosas. Ora bem, com certeza há sempre coisa a descobrir. Quando dizem sempre isto, não negam uma ciência que desconhece. Isso era o final das minhas nervos. É uma frase fatal. Com certeza, a ciência é aberta. Vamos lá ver, como é que se chamariam as medicinas alternativas se de facto funcionassem? Se chamassem simplesmente medicinas? E, portanto, porquê? Seriam incorporadas naturalmente. Os médicos querem naturalmente curar as pessoas e, portanto, se há uma nova técnica, se há um novo meio que permita curar de maneira diferente, passa a ser usado? Se mostrar a sua eficácia passa
José Maria Pimentel
a ser usado? Há aí uma perceção, que aliás é um tema engraçado e eu queria falar sobre isso, que há uma perceção de que quase de uma maneira mais ou menos explícita de uma espécie de conspiração. As farmacêuticas conspiram, os médicos também conspiram e não estão interessados em...
Carlos Fiolhais
Eu não acredito em geral em teorias de conspiração.
José Maria Pimentel
Eu sou muito cético em relação a teorias de conspiração por várias razões.
Carlos Fiolhais
Eu sou extremamente sentido. É uma maneira de esconder a verdade, dizer assim, eu não sei, eu não sei, mas há uns indivíduos que sabem e são secretos e tomam conta disto tudo e fazem com que eu não saiba. Exatamente. E é atraente, não é? Porque é uma explicação simples. E é, mataram o John Kennedy, mas aquilo é uma sociedade secreta e não deixou marcas nenhumas. E o mundo é governado por uma seita que tem o Banco Mundial e que faz reuniões na Suíça, em Davo, etc. E o governo português, ao fim e ao cabo, obedece a umas diretivas recebidas não sei de quem, quer dizer, e tudo isto, enfim, obedece a um mecanismo qualquer oculto. Ora bem, isto é uma crença primitiva, a crença no mecanismo oculto, quer dizer, que há uma ordem escondida. De facto, podemos falar em ordem escondida, Mas a ordem escondida é a ordem do mundo natural, é a ordem das leis físicas, quer dizer, e que nós temos de, a ciência trata de descobrir a ordem do mundo. Essa ordem revela-se, é possível conhecer, mas não vamos substituir essa procura, que é uma procura que usa o método científico, usa a observação, usa a experiência, usa o raciocínio lógico, não vamos substituir isso pelo nada que é, não há observação, não há experiência, não há raciocínio lógico e diz, é pá, alguém montou isto, É uma espécie de arranjar uma divindade. É uma espécie de... Enfim, nós... Alguém fez, não sabemos quem.
José Maria Pimentel
Isso é quase um dogma. Não
Carlos Fiolhais
sabemos quem, deve ter sido uma seita, uma sociedade secreta. E, portanto, as teorias de conspiração não têm nada de... Mas é curiosa a imaginação dos humanos. A quantidade de teorias de conspiração que existem para as mais variadas coisas, por exemplo, que o mundo está a ser envenenado pelo rastro dos aviões. Existe essa. Existe o caprails, o rastro esquímico dos Aviões para que tu estás à cabo disto tudo. Devia ser proibido. E portanto, sei lá, tantas coisas.
José Maria Pimentel
Das torres gêmeas, por exemplo?
Carlos Fiolhais
Sim, sim. E há até casos. Até houve um cientista que foi americano, que tinha alguma carreira e foi demitido pela sua universidade porque pôs a assinar a tese que não tem fundamento nenhum, que se saiba. A gente quando diz qualquer coisa, devia acrescentar sempre que se saiba. Qualquer coisa que eu diga devem pôr no fim, chamada a leitora ou a ouvinte, que saiba que teria sido o governo americano a mandar abaixo as torres. Ora bem, isso não passa nenhum critério de puramente verdade, quer dizer, foi aquilo que nós sabemos, sabe-se, não sei se sabe tudo, com certeza não sabe ainda tudo, mas daquilo que sabe houve de facto um acto de terrorismo e portanto não foi propriamente o governo que saltou ao metiló.
José Maria Pimentel
Não, é uma explicação, eu acho engraçado as teorias da conspiração porque são quase paradoxais naquilo que constitui. Por um lado, sou uma explicação simplista para a realidade. É muito mais simples eu dizer que foi o governo americano que quis orquestrar aquilo do que dizer que foi a Al-Qaeda e depois ir perceber a origem da Al-Qaeda e os constrangimentos no Médio Oriente e para aí em diante. Portanto, desse ponto de vista é simplista, mas aquilo que pressupõe é de uma complexidade extrema. Porque o que é que isso pressupõe?
Carlos Fiolhais
O que é que eles conseguiram ocultar? Exatamente. Tanta gente tem o governo
José Maria Pimentel
americano... Várias pessoas a saber do mesmo sem dizer nada a ninguém, não têm
Carlos Fiolhais
familiares... O governo americano teve que ter uma ordem executiva e como é que eles conseguiram a ordem executiva e etc. Aquilo não passa o mínimo critério de racionalidade. E o partido da oposição
José Maria Pimentel
não está interessado em pegar
Carlos Fiolhais
nisso. Agora, a mente humana de facto é capaz do melhor, é capaz de facto de deslindar mistérios de uma maneira que é fantástica e ao mesmo tempo é capaz do pior, vamos chamar assim, passa a expressão, de aceitar, digamos, simplesmente um tapa-buracos. Quer dizer aqui, olha, não sei e portanto foi, ou então é, porque é que se usa a tiria de respiração? Também para demonizar, arranjar um inimigo, muitas vezes um inimigo. Um bode expiatório. Um bode expiatório, muitas vezes um inimigo que existe, mas que fica ainda mais inimigo se lhe atribuirmos atos ocultos.
José Maria Pimentel
Sim, e é preto e branco, não é? Bom e mau.
Carlos Fiolhais
Exatamente, nós temos um pouco essa... Enfim, não sei, eu sei muito pouco de neurociências, mas o nosso cérebro, de facto, é estranho. Tem tendência a imaginar não só causas como causadores. Quando há uma causa, há um causador. E às vezes esquece, às vezes se corresponde à falta de formação científica, que há causas naturais, que tudo no mundo resulta de causas naturais. Quer dizer que já vem naquele poema latino do tempo de Jesus Cristo, da natureza das coisas, de Reno Natura, do Lucrétio. Já nessa altura se falava em átomos, imagina, não se sabiam bem o que era, uma ideia vaga, etc. Sim,
José Maria Pimentel
surgiu como conceito antes de surgir. Mas que as
Carlos Fiolhais
coisas acontecem, O mundo é feito de pequenas partículas, pequenas coisas, interessam umas com as outras e disso é possível resultar em organizações complexas, como são os seres vivos. E os seres vivos, enfim, são capazes de tudo aquilo que nós vemos que são capazes. São até capazes, essa parte mais formidável do mundo que é o nosso cérebro, é a única parte do mundo que o pode compreender. Quer dizer, de algum modo é como se o universo tivesse uma parte dele que lhe faz perguntas e ao qual O universo responde, mas o universo é parte do mundo. Peço desculpa, o cérebro é parte do mundo. E, portanto, sendo o cérebro parte do mundo, é possível compreendê-lo, não quer dizer que não haja uma margem de mistério, mas nós vemos, de facto, comportamentos muito, muito curiosos, por vezes aberrantes do nosso cérebro. Vemos, é dos tempos antigos, vemos constelações no céu que atribuímos nomes. As estrelas estão muito distantes umas das outras, na altura não se sabia, mas era uma figura mitológica. Era o Carmo, era o Guerreiro, e depois, sei lá, mais tarde, só olha para a forma de uma nuvem, vê um dragão e diz isto vai fazer pronúncio disto e daquilo e daquela outra, porque esta nuvem desapareceu imediatamente, é uma forma fortuita. E outras coisas. Nesse
José Maria Pimentel
ponto de vista, acho incrível como é que a ciência surge. É quase milagroso em certo sentido, porque os incentivos são tão grandes para a pessoa.
Carlos Fiolhais
Sim, há uma observação curiosa, é uma observação curiosa, quer dizer, eu falei dos antigos, os gregos de facto, a certa altura, apercebem-se que há causas naturais e, por exemplo, o eclipse, desaparecer o Sol, é uma coisa absolutamente assombrosa, Mas desapareceu o Sol e depois é só por uns minutos. E depois alguém diz que é um astro que se põe à frente, fica na sombra, passa ao baixo, troca. Isso é uma descoberta mesmo, é ver que aquilo que era atribuído a uma circunstância extraordinária, milagrosa, se quisermos, mas que passa a ser natural. E essa é de todos os gregos, quer dizer, os gregos tinham aqueles deuses todos, aquela confusão toda no Olimpo, mas usaram...
José Maria Pimentel
Mas era mais estético, não é?
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Eles conseguiam conciliar o seu sistema de deuses com, digamos, um pensamento racional ou mínimo... A origem da nossa racionalidade está na Grécia. É coisa curiosa. Outras civilizações orientais, por exemplo, como a China, que é milenar, não conseguiu desenvolver o mesmo tipo de raciocínio. É curioso a evolução das culturas.
José Maria Pimentel
Pois, não o fizeram chegar aos dias de hoje. A China é um caso engraçado porque eu lembro de ter pela primeira vez me aperceber disso. Nós na escola, para mim é um erro enorme, nós temos uma aprendizagem da história muito centrada no Ocidente, obviamente em Portugal, mas mesmo
Carlos Fiolhais
quando... A China é uma solução fantástica. A China passa-nos completamente ao lado. Eu estive lá há pouco tempo e nós sabemos muito pouco sobre o Confúcio, sobre digamos... E os
José Maria Pimentel
astrónomos chineses que fizeram a recolha de informação em relação, por exemplo, a Eclipse, em relação ao aparecimento de asteroides, por exemplo? Sim,
Carlos Fiolhais
há todo um conjunto de informação, mas também, em ficha, os astrónomos podemos chamar de astrólogos, porque não tinham o sistema de ciência que foi desenvolvido no ocidente com a chamada Revolução Científica nos séculos XVI e XVII, em que de facto retoma-se de algum modo a ideia da racionalidade do mundo, que sempre lá esteve de alguma maneira. Quando se fala da Revolução, dá a ideia que há ali um grande buraco na Idade Média que não é verdade nenhuma. O legado foi transmitido, o legado antigo foi transmitido de forma de manuscritos e livros até ao Renascimento.
José Maria Pimentel
Sim, e há alguns mitos sobre
Carlos Fiolhais
isso. Esse manuscrito foi, é engraçado, foi encontrado num convento e precede a modernidade, percebe o Renascimento. Há quem diga que, digamos, que é essa ida aos antigos que, de algum modo, é a origem, digamos, dos novos tempos, que são extraordinários na arte e também na ciência, primeiro talvez na arte e depois a seguir na ciência, grandes nomes como Copérnico, como o Tycho Brahe, o Kepler, o Galileu, o Grande Galileu, depois mais tarde o Isaac Newton, o Edmund Halley, do Cometa, essa gente toda. E o que é que se passa? Essa revolução científica passa por observar, observar rigorosamente, mas passa sobretudo a experimentar aquilo que era possível, com certeza não se fazem experiências com o céu, mas se fazem experiências de movimento na Terra, o Galileu fez experiências de movimento na Terra, o Kepler reuniu observações do seu mestre Tycho Brahe e o que vai fazer o Newton por cima dos dois, aos ombros dos dois, é dizer que a física do movimento da Terra era a mesma física, as leis do movimento da Terra eram as mesmas leis do movimento do Sol e, para isso, usou a matemática. O Galileu já tinha usado a matemática, descobriu o livro da Tereza, está escrito em cartéis matemáticos, só a conhecer essa linguagem podemos ler. Coisa que os chineses e outros povos antigos não fizeram. E, portanto, com a matemática por cima, conferiu um sistema, conseguiu codificar a natureza em leis simples, com caráter preditivo, quer dizer, leis universais simples, talvez tenha contribuído para isso, há uma observação que eu já ouvi e que a mim me parece curiosa, o facto de no tempo dos antigos gregos haver aquela pluralidade de deuses e no tempo, digamos, no ambiente, no berço onde nasce a revolução científica, haver só o Deus cristão, o Deus da Bíblia e, portanto, de algum modo, um só Deus tinha substituído, digamos, aquela confusão toda do Olimpo. Isto pode ter propiciado a questão da inteligibilidade do universo. Quer dizer, uma pessoa pensar que há leis universais e para Galileu não havia dúvida, hoje fala-se do conflito, aliás é um símbolo desse conflito, o caso Galileu, o julgamento do Galileu pela Inquisição. Mas na cabeça dele estava tudo muito claro. Ele era crente e permaneceu crente apesar da aprovação da Inquisição, apesar de ter sido réu lá em Roma. Apesar disso, porquê? Porque ele pensava que Deus era de facto o autor de tudo, tinha lhe dado inclusivamente a ele inteligência e seria um desperdício de inteligência se ele não pudesse ordenar o mundo de acordo com a sua melhor capacidade. E no Oriente, vai chegar lá a Revolução Científica com alguma intermediação portuguesa. Porquê? Porque o único sítio para ir por
José Maria Pimentel
mar,
Carlos Fiolhais
enfim, vários sábios, entre os quais alguns jesuítas, mas, enfim, gente da igreja, sobretudo, queriam, acima de tudo, fazer a missionação, mas que levam também daqui, era o círculo de ir da Europa para o Oriente por mar, porque por terra já o mar que o Paulo tinha ido, mas demorava-se imenso tempo.
José Maria Pimentel
E não era provavelmente um circuito, não é? Foi, esteve lá umas décadas e voltou. Pois,
Carlos Fiolhais
houve até fratos franciscantes, ficaram lá, mas aquilo era uma coisa muito estranha, não sei se tinham vindo, não sei, e não colou. Mas o cítico para ir para Goa, o porto para ir para Goa, para ir para Macau, para ir para Nagasaki, era Lisboa. Lisboa era o extremo da Europa, era o sítio que apontecia para o Oriente. Demorava seis meses para Goa, sete, oito, nove, dez meses para lá, quase um ano, mas levavam-se as coisas e é extraordinário que o telescópio, por exemplo, de Galileu, passado cerca de meio dúzia de anos já estava no Japão. O telescópio de 1609, no início do século XVII, já estava no Japão. Talvez o nosso contributo maior para a história da ciência mundial, para a chamada globalização, podemos chamar essa época a primeira globalização. Claro que os dados não circulam como hoje, quase à velocidade da luz, mas era a bordo de barcos, na carreira dandia. Mas foi essa transferência, não apenas de ecologia, falei de telescópio, podia falar de relógios mecânicos, de medição do tempo, mais rigorosa, mas sobretudo de ciência pura. Não é que os chineses, com toda aquela civilização que é extraordinária, não nego, e foram autores até de muita tecnologia, como o papel, o papel chegou à Europa vindo da China. A imprensa já tinha, e não chegou à Europa, tivemos de descobrir a imprensa do século XV, que o Gutenberg, não chegou à imprensa, mas eles tinham imprensa de tipo
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normal. Sim, tinham desde o século 10. Bússola,
Carlos Fiolhais
foguetes, enfim, pólvora. É um conjunto incrível de coisas. E, no entanto, devido a não terem aquela leitura que a matemática permita, eles não tinham a gente que lhe dê euclides, por exemplo. Não tinham o tirema de Pitágoras, não sabiam o tirema de Pitágoras. E, portanto, foi um jesuíta italiano que passou por Portugal, até por Coimbra, no Colégio das Artes, aqui, que vai traduzir para chinês os elementos euclides. Isso é uma transmissão cultural importantíssima, com algum atraso, mas os elementos euclides é, digamos, dos legados maiores da humanidade porque é uma coisa abstrata, mas no fundo que reflete o mundo. Geometria, a geometria é a medida da Terra, reflete o mundo e portanto eles viviam na Terra sem ter de algum modo esse instrumento maravilhoso que é a geometria. E, portanto, quando uma pessoa vai depois estudar os movimentos, lá está a geometria. É preciso as parábolas para a queda dos corpos na Terra, as elipse nos céus, mas quer as parábolas, quer as elipse são figuras geométricas que até os gregos já conheciam e depois veio-se a descobrir que essas figuras existiam na natureza, eram procuradas pelos corpos em queda na Terra ou eram procuradas pelos corpos, digamos, em órbita no céu. E havia uma maneira até, o Newton pôs isso de modo muito claro, de conseguir que passar de uma situação na terra para uma situação no céu. O Newton interrogou-se porquê é que a lua não cai nas nossas cabeças? É uma boa pergunta. A lua não cai nas nossas cabeças porque está em órbita. Está de algum modo sempre a cair. É preciso uma condição especial
José Maria Pimentel
para que isso aconteça. Uma queda controlada.
Carlos Fiolhais
É uma queda descontrolada no sentido em que a partir do momento em que deixa com aquela condição a cair, cai sempre. E não é preciso motor. A Lua não tem motor. Não é preciso nada. Qualquer pedra que lá se ponha naquele sítio e que caiu a velocidade vai fazer o que a Lua faz. E isso é o princípio dos satélites sociais. Pôrmos, que são projéteis, em vez de mandarmos aqui na Terra com uma certa velocidade e eles caírem, mandamos com a velocidade certa para aquela atitude que pretendemos ficar em órbita, transformamos em Luas. E isso, de facto, está já no Newton, tanto a moderna tecnologia hoje, não podíamos viver sem satélites, transmitem informação extraordinária, fazem comunicações, etc. E o GPS, por exemplo, o GPS está dependente de 21 satélites. Eu, por exemplo, para quem falar consigo, tenho que pôr o GPS e significa que há pelo menos três, por vezes quatro satélites que estão cruzados com o meu telemóvel, que fazem triangulação, lá está a geometria e dica-me para onde é que eu devo ir. E isso é algo que a geometria de euclides é algo que é uma transmissão do Ocidente para Oriente, que é feito no início do século XVII, ao longo do século XVII, início do século XVIII ainda. O que é curioso é que o papel dos portugueses nessa transmissão não está suficientemente valorizado. Porque
José Maria Pimentel
também esse papel existiu no início, mas depois não foi continuado.
Carlos Fiolhais
Exatamente, tivemos aqui, enfim, a quebra da independência, a monarquia dual, é o melhor dito, com a Espanha, e nessa
José Maria Pimentel
época,
Carlos Fiolhais
e depois tivemos o nosso século 18, que não foi assim... Famoso. Foi, foi, famoso foi o D. João V e o empredor da China trocaram presentes.
José Maria Pimentel
Mas isso não é propriamente emocional, porque o emprendedor da China também não era promotor da ciência propriamente.
Carlos Fiolhais
Naquela altura, enfim, havia de facto, não se pode dizer que a ciência estivesse imperante na altura na China, para usar a palavra, para usar o império. Mas se hoje é uma potência global a China, e é cada vez mais, e até hoje em dia fazemos prognósticos na economia, e não só na economia, na ciência e na cultura, quando é que será a potência dominante, é preciso não esquecer que é com base na ciência e na tecnologia, hoje em dia a tecnologia é filha da ciência, a China mostra que nessa altura a tecnologia, a China antiga, é que a tecnologia é anterior à ciência, mas hoje toda a tecnologia deriva da ciência, o que é normal, quer dizer, nós só fazemos objetos, artefactos, porque conhecemos as leis de funcionamento do mundo e então, como conhecemos, nós vamos direto ao assunto, não andamos a experimentar como faziam os antigos a engenhocar de algum modo. E se hoje a China é o que é, Se amanhã vai ser aquilo que vai ser, as projeções dizem que no domínio da ciência que está a ultrapassar os Estados Unidos, é difícil medir, mas de facto está pujando. Eles fazem experiências de teletransporte quântico com satélites, etc, que já a nível mundial são coisas fantásticas. Eles querem ser os primeiros, depois dos americanos, a chegar à Lua. Não o diz explicitamente, talvez venha a ser uma surpresa, mas agora o Trump veio dizer, talvez por saber de planos chineses, que antes de ir a Marte, que a América quer voltar à Lua, há aqui uma nova rivalidade, já não é russo, não é soviético, americano, é uma rivalidade com a China, sino-americano. E, portanto, Enfim, a história é o que é, a Revolução teve este efeito, mas a ciência chegou lá para ficar, hoje está e recomenda-se. O
José Maria Pimentel
caso da Lua é engraçado, porque foi-se à Lua no final dos anos 60 e no início dos 70 e depois não é? 69, exato. Foi 69, não é? Depois ainda se voltou umas vezes e nunca mais voltou lá o que é incrível embora se perceba porque o incentivo económico deixou de existir e a verdade é que não não era tanto incentivo económico ou por outro o incentivo político deixou de existir e não foi substituído por um incentivo económico exatamente
Carlos Fiolhais
o Kennedy disse assim antes do final da década queremos a lua e chegar, portanto havia uma motivação política no tempo da Guerra Fria, era muito clara, foi um investimento brutal e era um investimento que era dificilmente sustentável. Porquê? Como diz a parte da economia, porque é que vamos gastar mais dinheiro para ir lá à Lua, mas tudo indica, tudo indica, eu não sei adivinhar o futuro, mas tudo indica que voltaremos lá e tudo indica que, não sei se antes ou depois, mas que vai haver viagens a Marte. É tecnicamente possível ir a Marte, é uma questão de investimento, é uma questão de, antes do investimento, vontade política. E, portanto, se houver algum presidente americano, que naturalmente não deve ser o Trump, que diga... O objetivo é ir a Marte. O objetivo é ir a Marte. E se há a Marte, pode demorar 20 anos, menos de 20 anos até, mas vai-se à Marte. Enfim, é tecnicamente exigente, mas nós sabemos qual é a trajetória das naves, sabemos quais são as condições das naves. Neste momento há experiências avançadíssimas até sobre a vida humana à bordo de uma nave, seis pessoas, durante seis meses, que é o tempo que o médico demora a ir a Marte, digamos que a tecnologia atual. O ambiente confinado, uma pessoa está numa cápsula e, enfim, há questões psicológicas
José Maria Pimentel
muito interessantes. Claro, imensas.
Carlos Fiolhais
Uma tripulação de seis pessoas, como é que interagem, o que é que acontece se houver a bordo uma altercação, etc. Tudo isso está relativamente bem estudado. Agora é caro. E as pessoas podem se perguntar, mas vamos pagar isso?
José Maria Pimentel
Agora tem de estar mais do lado dos privados, não é?
Carlos Fiolhais
Não, mas isso não é bem ir a Marte. Marte será algo tão caro que tem a impressão que não será um privado a pagar.
José Maria Pimentel
Eu também tenho dúvidas, mas acho que existem esses planos. Os planos privados
Carlos Fiolhais
do Elon Musk e do Brent tem a ver com a tecnologia que estão a desenvolver do turismo espacial. Portanto, de pôr naves e poderá não ser só turismo, poderá ter interesse económico além do turismo, que é pôr, digamos, de algum modo, democratizar a ida ao espaço e, portanto, dar a cada um de nós a possibilidade de ser turista, os primeiros serão naturalmente muito caros, depois os preços, com mais low cost, tenderão a cair. Não será, tanto quanto sei, uma expedição a Marte, porque isso, digamos, o pacote financeiro está para além daquilo que pode ser um investimento privado pode ser quando muito uma parceria pública ou privada
José Maria Pimentel
é difícil exato eu estava me lembrar agora o propósito das viagens à lua que foram de facto algo extraordinário. Há aquele exemplo, há aquilo que costuma falar mais comumente que é a questão do computador que foi utilizado ter uma capacidade irrisória comparado com o telemóvel de hoje em dia, por exemplo. Esse é sabido mas há outro lado que eu acho que é menos sabido e é extraordinário que é o facto de ter conseguido montar num curto espaço de tempo uma missão tecnologicamente intensiva em que nada relevante falhou. Normalmente não acontece assim, normalmente é preciso tentativa e erro.
Carlos Fiolhais
Houve coisas que falharam.
José Maria Pimentel
Mas não foram...
Carlos Fiolhais
Enfim, a Apollo 8 foi a primeira a fazer uma orbita lunar, mas há ali um hiato de início que tem a ver com uma experiência falhada e mortal até no início
José Maria Pimentel
exatamente sim sim foi logo depois da descolagem não é exatamente
Carlos Fiolhais
na hora da escola era treino Estava sem treinos e houve um acidente com o vítima. Estou a falar de Apollo. E por isso é que há aquele gato de ninguém fala de Apollo 1, 2, 3, 4, 5, 6. Houve ali um período de aperfeiçoamento e etc. E depois de Apollo 8 consegue-se. Mas há um caso famoso, um quase acidente, Apolo 13, está em filme até, que é uma coisa que, enfim, há um tanque de oxigênio que, de modo que exploda, ouve um barulho, até pensava que era um meteorito que tinha batido, eles estavam já em órbita lunar, tinham de abortar a missão, mudar, aquilo tem vários compartimentos, mudar para um outro módulo porque aquilo não tinha condições de habitabilidade e um módulo que não estava previsto que obrigasse aqueles três astronautas durante quatro dias, foi o tempo que demorou a voltar à Terra, depois de eles terem dito que o Houston tinha um problema E, de facto, foi uma coisa extraordinária porque os engenheiros quase em tempo real da NASA tiveram de remordar os planos de voo, tiveram de fazer cálculos dos combustíveis, tiveram de fazer poupanças extraordinárias de recursos e depois há ali Um momento quase, enfim, um momento emocionante porque a nave quando entra na atmosfera fica sem comunicações durante oito minutos e demorou mais um bocadinho e eles não sabiam, enfim, não tinham aquilo tudo absolutamente controlado e agora estamos sem poder falar com eles. Mas depois voltam ao rádio e eles caem no pacífico e portanto foi tudo pacífico no final e tocamos ainda está vivo o comandante o comandante da nave foi o único indivíduo que foi à lua duas vezes ele foi na polo 8 já
José Maria Pimentel
vi uma já ouviu no documentário foi na pol
Carlos Fiolhais
13 à lua duas vezes sem nunca ter alunado foi dar duas voltas à lua coitado sem nunca lá ter posto os pés e ele está vivo e está de saúde e é digamos um dos heróis da Mas está a falar de grandes acidentes e de, no lançamento, houve dois acidentes americanos que fizeram parar o, digamos, o programa do Vai-Vai, do Space Shuttle. Então, um é à saída e outro é ao regresso. O total de missões do vai-vai foram cerca de 130, das quais duas falhadas, 14 mortos. Isso é um risco, digamos, vamos quantificar assim de 1, 5%. Duas em 130. Ora bem, O que é que se passa? Ela foi considerada um grupo inaceitável, foi que aquele programa foi interrompido e os americanos, de momento, até nem têm foguetes que, enfim, que possam servir as estações de transporte internacional, para estar, muitas vezes, ser permanentemente habitadas. Às vezes esquecemos disso, que há aqui uma nave com humanos que passam lá meses e meses a via velada, um empreendimento internacional e os americanos têm distribuído os futuros russos neste momento. E, portanto, não têm capacidade própria porque o programa era o programa dos baivês e o programa dos baivês foi cancelado. E não sei, também o que se nota até ainda antes do Trump é que os meios da NASA são muito mais limitados e acima de tudo falta e os problemas da presidência Obama para a gente ter uma visão, quer dizer, o que é que nós queremos com a NASA, o que é que nós queremos no espaço, quais são os nossos objetivos. Se não tivermos objetivos claros, liderança, questão de liderança. Se não tivermos objetivos claros, o dinheiro, se gastas, tens de ser de acordo com o objetivo e, portanto, defendir objetivos. E agora sei que o Trump tem um problema com a ciência muito grande. Pode servir-se da NASA apenas propaganda. Olha, da mesma maneira que usou as mísseis. Quando houve qualquer problemazito, tomou um apelido com o líder chinês e pronto, informou-lhe, lançamos aí um missilezito. E eu não sei, digamos, não vejo que haja alguma racionalidade, não só na questão a média, a longo prazo, não só na NASA como em grandes agências americanas e o caso do clima é o caso mais paradigmático porque a evidência científica mostra que temos todos na Terra um problema de aquecimento global, de origem humana, e ele recusa isso, ele até diz que isso é uma reação do chinês para restritar a economia americana, recusando isso, não retirou a Doutoradade de Paris, há quase uma palavra proibida de alteração climática e não está a permitir o trabalho científico nessa área, ou a voltar ao máximo nível nessa área. E, portanto, eu tenho sérias dúvidas que a maior potência internacional que o, que é os Estados Unidos ainda, mas que o Ecobase, digamos, no seu investimento no fim da guerra, na ciência e tecnologia, o Planes para o futuro, enfim, há um relatório famoso do fim da guerra, diz, a ciência e a tecnologia, que de algum modo tinham colocado o fim à guerra, à tragédia de Hiroshima e Nagasaki, mas isso o que é que foi? Foi um conjunto de sábios reunidos, também sou segredo, mas digamos, porque havia a possibilidade de fazer uma nova arma, uma arma um milhão de vezes mais poderosa que as outras, aquilo foi feito, foi testado pela primeira vez no deserto do México, na América, funcionou e há a história de um oficial americano, que uma alta patente, que era professor na academia militar, explosivos, e disse, eu garanto que vai ser geringosa, isso não vai explodir, garanto, eu sou professor de explosivos e isso não vai explodir, e foi o que se viu. Depois, enfim, foi feito, enfim, infelizmente, a Inochi Minagasaki, 50 círculos mortos no sítio, mas de algum modo foi também uma vacina. É uma experiência trágica. Há um físico que diz, o Pnyayma, que era o diretor científico do projeto Manhattan, nós cientistas conhecemos o pecado, curiosamente ele era judeu, com sentimento de sudenoical cristão, nós cientistas conhecemos o pecado, mas ao mesmo tempo foi talvez isso que permitiu, digamos, a guerra fria e portanto nunca mais voltou a explodir.
José Maria Pimentel
Cometeu que a guerra fosse fria. Que a guerra fosse fria, nunca
Carlos Fiolhais
mais voltou a explodir em cenário de guerra. Houve durante muito tempo explosões de bombas de hidrogênio, explosões de ensaios controlados, neste momento estão proibidos. O único que ainda faz ensaios é a
José Maria Pimentel
Coreia do Norte.
Carlos Fiolhais
Há razões para se arque-lo, não está a gente a saber o perfeito estado de sanidade para, enfim, não sei se ele tem noção dos perigos que representam confronto
José Maria Pimentel
nuclear. É quase impossível saber não se sabe o que se lá passa.
Carlos Fiolhais
Um personagem é um mistério. Mas
José Maria Pimentel
o caso do Open Air, do que falava, ele ficou muito arrependido, não foi? Ele ficou...
Carlos Fiolhais
Sim, de algum modo, sim, de algum modo. Como ficaram todos, o próprio Einstein, que tinha pouco a ver com o projeto, a não ser... Enviou uma
José Maria Pimentel
carta, não foi? Uma carta
Carlos Fiolhais
ao Presidente Roosevelt, a pedido de colegas dele, que ele estava à parda do que era a cesão nuclear, etc. Mas os colegas disseram-lhe que isto podia ter uma utilização, digamos, de libertação de uma energia enorme, no fundo uma bomba. E ele, que tinha como inimiga a Alemanha, ele achava que o Hitler era o mal supremo. Quando o Hitler sobe ao poder, em 1933, ele abandona a América e disse à mulher, olha bem a tua casa, não mais vais voltar a vê-lo. Ele viveu até 55 e, portanto, 10 anos depois da guerra, ele podia estar relativamente de boa saúde, podia ter voltado à Europa, nunca mais voltou à Europa, nunca mais quis ir ao... Aliás, ele quis, desde muito cedo, deixar de ser alemão. Foi suíço e, mais tarde, também norte-americano. Portanto, deixou-se alemão e ele imaginou que era a arma contra o mal. E depois, quando aquilo explode no Japão, há um sentimento de culpa também que passa muito pelo Einstein. Ele diz que foi ele que carregou no botão, não foi nada, mas eu sinto que fui eu que carreguei no botão, não foi nada, mas sinto que fui eu que carreguei no botão. E ele teve com outros sábios, um deles o Sigmund Freud, que escreveram até um livrinho, que está a sair lá para alguém em português, porque é a guerra, em que atarem sobre o destino da humanidade. Fez o nosso comitê de cientistas, a questão da consciência, da ética, sobre cientistas, digamos, a comissão de cientistas atómicos. Ainda hoje existe, tem até um famoso relógio com os ponteiros para a meia-noite. A meia-noite será o doomsday, o apocalipse, se houver um desastre. Pode não ser só nuclear, mas só houver um
José Maria Pimentel
desastre. E de vez em quando falas disso nas notícias.
Carlos Fiolhais
O relógio é atualizado de sete para a meia-noite, conforme está mais perto ou mais longe, todos os anos é atualizado de acordo com uma decisão colegial. E o Einstein, de algum modo, carregou essa cruz, a cruz da ciência. A ciência é sempre ter perto do pecado. Porquê? Porque quando uma pessoa tem conhecimento, saber é poder. Dizia o Francis Bacon, um filósofo, enfim, contemplando o Galileu, século XVII. Portanto, saber é poder, knowledge is power. Ele disse... Cadê em latim, para animais
José Maria Pimentel
bonitos? Dizem que é mais sofisticado. Não sei
Carlos Fiolhais
dizer. O saber é poder e, portanto, o poder pode ser usado, como todos nós sabemos, feliz ou infelizmente, para as mais variadas questões, para aquilo que chamamos bem, para aquilo que chamamos mal, que é sempre uma decisão humana e, portanto, não podemos responsabilizar o conhecimento em si com a aplicação desse conhecimento. É comum, só para dar este exemplo mais recente, mais recente não, século XIX. No século XIX inventa-se, digamos, o eletro, inventa-se, quer dizer, aplicações do eletromagnetismo, a lâmpada elétrica, o dínamo para fornecer eletricidade, enfim, todos os aparelhos elétricos, que no fundo mudou completamente a civilização. Portanto, se hoje temos luz à noite, deve-se, digamos, as experiências foram fazer no meio do século XIX para um inglês Michael Fardy, depois pelo Edison nos Estados Unidos, etc. Alguém imaginava, sei lá, alguém imaginava, e depois ninguém imaginava na altura que a transformação era deste tamanho, que a eletricidade ia ter esta… ia de algum modo acelerar a revolução industrial, a emoção da vaga da revolução industrial e mudar completamente o mundo. Sim. Mas, com certeza, com a eletricidade nós poder fazer choques elétricos e torturas, poder fazer caídas elétricas, matar pessoas. E nós vamos com isso concluir que o conhecimento do eletromagnetismo que é algo de pecaminoso. Quer dizer, eu acho que é ir um bocadito lógico, com certeza, que nós somos capazes de tudo. E existem restrições do direito, a ética, que por vezes coincide com o direito,
José Maria Pimentel
mas
Carlos Fiolhais
que extravasam largamente a ciência. A ciência trata de saber. Com certeza os cientistas devem ter ética, mas as aplicações do saber, aquilo que se pode saber para mim deve ser livre, porque senão é impossível colocar freios.
José Maria Pimentel
Pois, a grande dificuldade é essa. Eu tive uma conversa recente, aliás, aqui no podcast com o Paulo Castro, que é filósofo de ciência, e falava-se disso exatamente. E o grande problema disso parece-me ser que não é fácil decidir, estabelecer um limiar, porque tudo tem, ou quase tudo, pode ter boas e más aplicações e é difícil estabelecer o limiar. Qual é o mínimo de aplicações, de percentagem de aplicações boas que são toleráveis? O
Carlos Fiolhais
limiar vai sempre depender das circunstâncias e vai sempre ser decidido em cada caso e vai sempre ser decidido em sociedade, em sociedades democráticas se decide democraticamente, portanto é uma responsabilidade de todos. Pensar que é uma responsabilidade apenas dos cientistas é um erro. Aliás, os cientistas têm a obrigação de informar, que a ciência não é deles, a ciência é de todos. Mas, a partir daí, enfim, não alejando a responsabilidade que têm, com certeza, mas a responsabilidade é de nós todos. E, portanto, não podemos dizer que os culpados são os cientistas desta ou daquela má aplicação da ciência. E se usamos de pauta tecnologia ou para a eletricidade ou para a bomba atómica, podemos pensar numa faca. Uma faca pode ser um instrumento de assassínio e, no entanto, também serve na cozinha, convenhamos. E convém ter uma faca na cozinha ou várias facas. Sem a faca não sei como é que se faz o sushi. Sim, e
José Maria Pimentel
outras coisas. E as mãos também são um instrumento de assassínio, uma criação darwinística que dá vários fins.
Carlos Fiolhais
Exatamente. E portanto, com a mão se faz a paz, se faz a guerra. E portanto, eu acho que o homem é capaz da paz e da guerra, é capaz de criar e destruir, mas não se ponha a culpa na ciência como mãe de todos os desastres, com certeza. Pelo contrário, eu estou convincido que a ciência tem-nos permitido, se formos ver, também fazer uma espécie de meta-análise, encobrando tudo, nós vamos ver que, de facto, a ciência conduzimos a um estado que às vezes nem percebemos bem, porque estamos cá dentro, nem percebemos bem e é difícil fazer a diferença relativamente aos nossos avós, bisavós, etc. Nem percebemos bem, digamos, aquilo que podemos chamar de benefícios da ciência. Mas um é imediato. O tempo de vida, o tempo média de vida pode-se medir e tem-de-se parado e vai continuar a subir. E, portanto, na idade média morria, sei lá, média antes dos 30 anos. Depois, progrediu muito pouco, praticamente não progrediu. E é só, digamos, no século XIX, com a questão dos micróbios, com a questão da higiene pública, com a questão da medicina, depois no século XX com os antibióticos, com as técnicas de medicina e farmacologia que são, enfim, muito desenvolvidas, observações também por imagem, cirurgia. No século XIX, a anestesia, que é uma coisa que sem isso era difícil de fazer, intervenções cirúrgicas e hoje assegura uma longevidade. Mas a longevidade que nós temos hoje, que nós desfrutamos hoje, não é tanto a questão da medicina intervincas doenças e termos curas para coisas que eram fatais, é mais as condições de higiene, segurança, quer dizer, nós, a alimentação, ter algum controle de qualidade, algum não, o mais possível, controle de qualidade faz com que uma pessoa não coma coisas que das quais pode vir a morrer. Portanto, e cuidados de higiene, a pessoa lavar as mãos.
José Maria Pimentel
Tinha um professor de história que dizia que aquilo que mais tinha matado ao longo da história era a água. Claro. E é verdade. Por acaso é engraçado, agora, essa questão da mecina fez-me lembrar um livro que eu estou a ler agora do Yuval Harari, o Homo Deus. Sim, sim, um
Carlos Fiolhais
grande livro. Aliás, eu vi que o Carlos recomendou no seu blog, entre outros. Aliás, o livro não é preciso recomendar, está a estar em todo o mundo a ter, digamos, um grande êxito. O Harari é um estudador judeu relativamente novo, mas que escreve muito bem. Escreve de uma maneira que atrai. Já tinha tido um livro, escrito um livro
José Maria Pimentel
chamado O Sapiens,
Carlos Fiolhais
sobre a evolução da humanidade até aqui e este último livro, ao amor de Deus, é sobre a evolução a partir daqui e coloca um problema que preocupa a ele e preocupa a muita gente, até quem diga, cientistas inclusive, que é um dos maiores problemas da humanidade hoje, que é a questão do desalimento da inteligência artificial. Até que ponto uma máquina não pode ter os poderes, as capacidades de um humano, incluindo capacidades e poderes que nós hoje pensamos, muita gente pensa que é impossível, a consciência. O último problema é a consciência, de que ponto uma máquina pode ter... Memória já tem, mas a consciência, vontade... Mas
José Maria Pimentel
O que é que o Carlos acha disso?
Carlos Fiolhais
Eu não tenho, enfim, não vou, por exemplo, não trabalho nessa área, mas não tenho conceitos a priori sobre isso. Eu acho que vamos continuar a experimentar e não podemos a priori dizer as máquinas podem ir até aqui, serão capazes de fazer isto e não serão capazes de fazer mais nada. Não, as máquinas serão capazes de fazer tudo aquilo que a gente conseguir que elas sejam capazes de fazer. Com certeza aqui é um ato humano. Hoje em dia nós já vemos máquinas fazer, robôs, portanto, há coisas que pensávamos que eram inimagináveis há uns tempos. Por exemplo, uma máquina derrotar o campeão do mundo de xadrez. Ou ainda, qualquer programa de xadrez num telemóvel pode derrotar a mim ou qualquer jogador
José Maria Pimentel
normal. Porque se eu chamar-lhe
Carlos Fiolhais
assim que aqui está, é superior, digamos, àquela que nós somos capazes, mas isso há outras coisas que, a questão das emoções, sentimento, as máquinas ainda não têm. Será que algum dia podem vir a ter? Eu não digo absolutamente que não, sei lá, a melhor resposta é a mais honesta. É preciso perceber. Há quem diga que daqui a... Até a gente estabelece um prazo, que é 30 anos, que há aquilo que se chama singularidade, que é uma espécie de final dos tempos, no sentido em que os humanos podem existir, mas não são muito relevantes, porque aquilo que eles são capazes, as máquinas fazem talvez melhor, ainda por cima com corpos indestrutíveis.
José Maria Pimentel
Fazem muito melhor. A questão das máquinas, quando fizeram igual, fazem necessariamente muito melhor porque não tem uma série de cortejamento.
Carlos Fiolhais
Mas eu gostava muito, enfim, agora admino subjetivo, eu gostava muito de continuar humano. Eu fazer o download da minha mente num robô. Enfim, quer dizer, não sei se é possível, com certeza, mas eu prefiro habitar o corpo que tenho, com todos os defeitos que o corpo tem. O
José Maria Pimentel
problema é que ele é aparecível.
Carlos Fiolhais
Mas é a questão da morte. A morte é o
José Maria Pimentel
que o horário fala também. Aliás, esse é o grande tema do livro, de que a pessoa veio. O futuro. A busca da imortalidade.
Carlos Fiolhais
A busca da imortalidade é um grande tema da humanidade, mas eu acho que nós temos corpos que são, corpos ou biologias, que são parecíveis, mas faz parte da biologia. Quer dizer... Fazer
José Maria Pimentel
faz, nós podemos não estar necessariamente satisfeitos com isso.
Carlos Fiolhais
Não, mas é que a biologia não funciona de outra maneira. Vamos lá ver. A biologia tem, enfim, nós sabemos desde o Darwin, que não há propriamente progresso, mas há transformação e evolução. Não podemos falar de progresso no sentido de que progresso se põe uma finalidade. Mas o que acontece... O destino está definido. Exato, definido. Mas o que há é uma mutação. Há reprodução, há mutações, pequenas mutações que ao longo de muito tempo, quando acumuladas, fazem espécies novas. E depois é a resposta que essas espécies têm ao ambiente que vai dictar a sua sorte se se adaptam. A espécie humana, o homo sapiens, é uma espécie que se adaptou muito bem ao ambiente e tão bem agora temos, de algum modo, controle do ambiente. Como nós, no caso das alterações climáticas, vira-se o feitiço contra o
José Maria Pimentel
feitiçeiro.
Carlos Fiolhais
Nós temos de facto, somos parte da árvore da vida e às vezes esquecemos disso. E este mecanismo todo da vida só funciona sob a morte, quer dizer, tem de haver sexo, com certeza, mas sexo sem morte também não funciona. Porquê? Porque as novas espécies... Para já os descendentes da mesma espécie e depois novas espécies, que é um movimento muito gradual de transformação, Portanto, só há futuro para a biologia, só há morte. Imagina até, do ponto de vista humano, o que era se nós fôssemos todos imortais. De repente havia uma resolução mágica e a pessoa não morria. Quando descobria-se a pílula, que é uma coisa fictícia, como é óbvio, anti-morte. Tomávamos, não morríamos. Qual é o problema? Bem, para já, o problema imediato é o problema da sustentabilidade eterna. Porque as pessoas começavam a continuar com sexo, mas sem morte. Continuavam a ter filhos, mas sem morte. E depois a questão... Havia
José Maria Pimentel
mortes, na verdade, porque o que estamos a falar era de imortalidade no sentido de não morrermos de causas naturais, mas continuávamos sujeitos a acidente de aviação e coisas do género. Mas era muito menos.
Carlos Fiolhais
Com certeza, era muito menos, mas a questão, em breve a Terra-Cidadania se inventava, teriam de inventar tecnologias para ir para Marte ou para outro fosso também. O sistema solar não sei se ficaria esgotado também rapidamente. Depois há a questão do próprio, há questões sociológicas e políticas e económicas e tudo, digamos, do governo de uma sociedade imortal. Quer dizer, quando é que os velhos, enfim, dão o governo aos novos? Nunca
José Maria Pimentel
daria? Sim, é uma transição, mas se já era sinal que não existe, claro. E,
Carlos Fiolhais
portanto, É difícil falar de progresso. Eu acho que na ciência podemos falar de progresso no sentido em que aquilo que sabemos hoje será parte daquilo que sabemos amanhã. Há pequenas coisas que vão ser corrigidas, mas o essencial não vai mudar. E como o essencial não vai mudar, quer dizer, o nosso corpo, as medidas e oculítrios não mudam, o facto de sermos feitos de átomos não muda, o facto de sermos, de haver células nos tecidos dos sistemas vivos não muda. Vamos saber mais coisas sobre a complexidade dos seus vírus, do cérebro, etc., mas há coisas que sabemos hoje que vão mudar e, nesse sentido, acrescentamos, corrigimos e mantemos um corpo de ciência que, nesse sentido, podemos falar de progresso. Agora, falar de progresso moral, político, é uma grande complicação, desde que eu não vou falar. É mais subjetivo. Eu pergunto, mas, existindo ou não, não seria prejudicada a noção pela não-renovação das gerações, quer dizer, que é esse lugar aos novos, se todos eram novos. O facto dos velhos não morrerem significa que são novos. Exatamente, sim,
José Maria Pimentel
sim. Sim, é isso, é engraçado. Eu estava a falar um bocado do Harari por duas razões. Ele diz duas coisas interessantes que me ocorreram à propósito do que estávamos a falar. Em relação à medicina, o que é que ele estava a falar antes, o que ele diz interessante, que eu nunca tinha pensado dessa forma o Harari, é que aquilo que a medicina alcançou até agora não entreveio diretamente sobre a nossa idade natural, digamos assim, ou seja, o que a medicina faz, sempre houve pessoas, sempre houve septogenários, octogenários ou até nonagenários e mais, mas cada vez menos, na idade média havia, há exemplos conhecidos como o Miguelngelo, por exemplo, o que acontecia é que as pessoas tinham muitos acidentes de percurso e o que se conseguiu foi no fundo evitar ao máximo os acidentes de percurso, seja por causa da higiene, seja porque se resolvem os problemas, mas a nossa idade natural, a nossa esperança natural de vida continua algores ali e aquilo que se pode fazer a partir de agora é saltar daí. Isto estou a dizer porque estávamos a falar há pouco disso. E em relação à questão da inteligência artificial, que é um tema interessante e que eu tive um episódio, um episódio posso dizer que é recentemente com o Alindo Oliveira, o presidente do técnico, lançou um livro sobre o tema. Mentos digitais. Eu falei-lhe da questão da consciência, que entra muito no terreno da biologia, mas também no próprio terreno quase filosófico, a questão da consciência. Ele próprio não... O
Carlos Fiolhais
Einstein não pode ter respostas a...
José Maria Pimentel
Claro, quer dizer, no fundo, A resposta que ele tem é, do ponto de vista dele, não há nada extraordinário na consciência, portanto é uma questão incremental de surgirá eventualmente e é difícil dizer quando é que existe ou não existe consciência. O que o horário diz, engraçado, sobre isso, é que é difícil explicar o surgimento da consciência, o surgimento da mente, faz a distinção entre mente e cérebro, é difícil explicar o surgimento da mente biologicamente, do ponto de vista darwinístico, porque não é evidente para que é que serve a mente. Ou seja, há vários animais que nós podemos considerar não terem mente e, no entanto...
Carlos Fiolhais
É extremamente complicada, mas isso não quer dizer que a teoria da evolução não seja o melhor trato que nós podemos fazer da nossa história biológica. Não há alternativa sequer. Se já chamar de teoria, enfim, é um modo de dizer porque é uma evidência de tal modo grande, não há neste momento alternativa, nem vai haver qualquer coisa. É a chapa que obtemos a biologia.
José Maria Pimentel
Aqui trata-se de perceber e continuar a perceber. E nós com a
Carlos Fiolhais
genética conseguimos, de algum modo, descobrir as chaves, onde está o código, enfim, que falávamos de géneros sem saber o que era e desde há mais de 50 anos nós sabemos qual é o código. A questão é que, enfim, nós temos de procurar, continuar a pesquisar e o problema do cérebro é um dos mais perturbantes. Não quer dizer que seja innecessível, mas neste momento há grandes apostas, há uma área de fronteira, a questão das neurociências. E ligada à questão da evolução, como é que o ser humano aparece? Isto levanta questões muito interessantes que não são apenas científicas, não é apenas a paleoantropologia, enfim, até a religião. Será que...
José Maria Pimentel
Claro, uma coisa que o Heleno Oliveira dizia, que eu acho interessante, embora não concordo completamente, é que a questão da consciência é análoga de certa forma à questão da alma. Ou seja, a
Carlos Fiolhais
alma é o nome que se dava àquilo que eu acho chamamento.
José Maria Pimentel
Exatamente, mas não é exatamente a
Carlos Fiolhais
mesma coisa eu sei que a palavra ficou e já duas palavras é possível coisas diferentes mas mas designava-se por alma por exemplo eu lembro do meu livro da psicologia filosofia do secundário aquilo que a palavra não está a palavra que se usa é outra. Agora mente. Mente, mind em inglês. E nós sabemos muita coisa sobre a mente. Agora, quando é que surgiu a questão dos outros animais? Até que pode, por exemplo, a questão de que podemos falar de mentes de animais, até de culturas. Eu vi um título curioso de um livro de um filósofo espanhol, que é a cultura humana. E o título entregou-me. Cultura humana, será que os outros animais não têm cultura? E depois fui começar a ler o livro e ah, os outros animais têm culturas, incluindo coisas esquisitas como culto de morte e coisas do género. Sim, há uma série de fenómenos desse género. E artefactos, nos primatas, a utilização de artefactos e a recapacidade da aprendizagem que eles têm, isso são atributos da mente. Portanto, o que é que temos em comum com os... Nós sabemos que temos um maior volume crâniano, sabemos que temos maior capacidade... E que talvez tenha sido tudo gradual, talvez na história, a certa altura, tenha havido um conjunto de fatores que demorou muito tempo, pode ter a ver com limitação, tem a ver com... Que fez com que o cérebro aumentasse nessa espécie que somos nós. E é esse cérebro maior que nos permite as coisas que somos capazes de fazer.
José Maria Pimentel
Uma das explicações para isso é a questão de ser aprendido a cozinhar. Exatamente. Que é o que permitiu aumentar o número de nutrientes, a quantidade de nutrientes que a pessoa absorve e a partir daí criar margem.
Carlos Fiolhais
Nós continuamos a ter uma história biológica que simplesmente demora milhões de anos e é imperceptível e mais, e é muito difícil de entender o que será o homem futuro do ponto de vista biológico. Mas neste momento também não interessa muito, porque o que nos interessa para o imediato é a questão tecnológica. Nós hoje, o nosso corpo já pode funcionar com implantes, com transplantes, etc. Portanto, tendo nós uma contingência biológica, nós temos já uma grande capacidade de intervenção e talvez venha a existir seres que são biónicos, quer dizer, mais talvez do que robôs pura e simplesmente façam tudo, porque a carne dá muito jeito, o sangue dá muito jeito. E a dor, não sei como é que um robô pode experimentar dor e a dor é um alarme. A dor é um alarme. Ele pode ter sensores, o robôs, mas não sei se os ousam.
José Maria Pimentel
Sim, o processo é diferente. Aliás, está ligado à mente.
Carlos Fiolhais
Exatamente. Nós temos um sistema neurofisiológico que avisa o nosso cérebro que nos picámos e Nós aprendemos, nós sabemos que não voltamos a fazer aquilo. Portanto, o nosso cérebro guarda lá a memória daquela experiência traumática e, portanto, nós não voltamos a fazer aquilo. E temos um sinal, portanto, a dor é uma aprendizagem. Enfim, pode-se dizer que os robôs podem ter outro tipo de... Também aprendem. Não podemos também... Aliás, um dos grandes avanços nas universidades oficiais é a capacidade para programas que se reconstroem. E isso se chama desaprendizagem. No fundo é o que se passa nos nossos cérebros. Exatamente. E os chamados machine learning. Exato, machine learning. Até que ponto é que isso vai? Eu acho que não podemos. Não podemos mesmo dizer, vai até aqui e depois ali não vai. Temos de ver, experimentar, é incremental, não sei. Se há algum reduto essencialmente humano, as religiões muitas dizem que sim, que o humano é irredutível, não sei, a melhor resposta é não sei. O humano tem uma contingência biológica e nós temos de descobrir mais sobre essa contingência, ao mesmo tempo que conseguimos fazer artefatos que simulam já, simulam, não, executam, replicam muitas propriedades do cérebro. Não todas, neste momento, longe disso, longe disso, mas um número suficiente para nos animar a prosseguir e a dizer que enfim, estamos a aprender sobre isso. Eu acho que é um dos domínios mais excitantes da ciência contemporânea.
José Maria Pimentel
É claro, exatamente. Não é por acaso que também
Carlos Fiolhais
estou a falar dele agora. É interdisciplinar, quer dizer, média de engenharia, média de física, média de química. Média de filosofia também. Média de filosofia. Há grandes filósofos, o Daniel Dennett, filósofos contemporâneos, o John Searle, etc. Que falam dessas questões. No fundo, é a questão final que os gregos já tinham. O Templo de Elphir estava lá, quem somos nós? Conhece-te a ti próprio. Estava lá escrito no frontal do tempo, conhece-te a ti próprio. No fundo, quem diga até que toda a ciência, A gente pode olhar para a natureza, etc. Mas o que verdadeiramente nos
José Maria Pimentel
interessa... Estamos a olhar para nós. O
Carlos Fiolhais
que nos interessa são nós. Somos uns egoístas, quer dizer. O que a gente quer é saber de nós. O resto, enfim, gostamos de ver as árvores, os passarinhos. Mas, no fundo, há um filósofo, um filósofo não, um físico, um dos autores da tria quântica, Erwin Schrodinger, que diz isso. Ele tem um ensaio sobre a ciência e o humanismo e ele diz que a grande missão da ciência é conhecer o homem. E portanto o homem só tem a pensar nele próprio, esqueçamos o resto. E essa é uma... Até que ponto nós podemos ir ao conhecimento do homem? Eu acho que não tem resposta.
José Maria Pimentel
Mas o iniciativo da ciência é esse. E desse ponto de vista, aliás, há como faz uma impressão, uma certa impressão, sobretudo em Portugal, é às vezes uma falta de cultura científica que existe mesmo entre as elites. Ah sim, mas não é só
Carlos Fiolhais
em Portugal. Em Portugal, talvez.
José Maria Pimentel
Não, não é só em Portugal, mas o que me parece é que nós temos uma
Carlos Fiolhais
herança mais... Mas no caso do Trump? Claro,
José Maria Pimentel
o Trump é evidente, mas o Trump não tem cultura de espécie nenhuma. É diferente. Estamos a falar de um fenómeno diferente. Eu digo é... O que me parece e sempre fez um bocadinho de impressão é que em Portugal há um pendouro fortemente humanista, historicamente. Lá está, nós não tivemos, falávamos há pouco da questão dos descobrimentos nós tivemos até um papel importante na divulgação de alguma protociência que existia na altura porque não era eram os primórdios da revolução científica mas depois não houve essa revolução
Carlos Fiolhais
científica extremamente pouco a portugal sim é interessante a escrever um livro de História da Ciência em Portugal e o que eu achei curioso neste livro é que o título é mesmo este, tão simples como isto, História da Ciência em Portugal. E fui ver a Habitat Nacional e acho que não há nenhum outro livro com esse título. Quer dizer, é o melhor porque é o único que tem esse título. E é um título banal, não é só História da Ciência em Espanha, história da ciência em Inglaterra. Sim, é sintomático. Isso é sintomático também de algum atraso que temos na área da estetografia da ciência. No entanto, isso está a ser aclimatado e hoje em dia é uma área que se está a desenvolver bastante. E, em resultado dessas investigações, a conclusão que nós podemos ter é que nós não fomos, como bem disse, sempre uma nulidade na ciência. Como alguns dizem, Portugal não teve isto, não teve aquilo. Só porque temos a herança, o problema da herança.
José Maria Pimentel
Tivemos cientistas, tivemos o Pedro Nunes.
Carlos Fiolhais
Nessa altura o Pedro Nunes foi um cientista brilhante, dos melhores da sua época, infelizmente não tão conhecido como merece lá fora, mas é um dos melhores. O Papa, quando muda o calendário para o calendário que hoje temos, que era o melhor, o calendário gregoriano, ele pergunta, vai perguntar, ao Pedro Routes, que depois não lhe responde porque estava doente, mas vai perguntar. É sério? Mas vai perguntar a um sábio português o que é que achava do calendário. E o calendário é feito, de certo ator, por uma comissão que é chefiada por um jesuíta, o Cristófilo Clávios, que era alguém que tinha feito a sua formação de base aqui em Coimbra. Portanto, eles tinham já uma espécie de Erasmus. Os jesuítas mudavam os professores e alunos de colégio em colégio.
José Maria Pimentel
O próprio Erasmus, né?
Carlos Fiolhais
O grande astrónomo, o grande astrónomo, o astrónomo do Papa, entre o Copérnico e o Galileu, que aliás chegou a conhecer o Galileu, a imaginação mais velha, mas ele animou o Galileu, não concordou, digamos, com o sistema heliocêntrico do Copérnico e o Galileu sustentava. Mas animou o Galileu, achou que, de facto, ele teve conhecimento das novas observações com o telescópio, entretanto, vai morrer, se pode ser, se é que é uma das agentes idosos, e se não me falha a memória, e o Clávios formou-se aqui em Portugal. E, portanto, se para um alemão, um alemão, para um alemão vir para Portugal estudar. Porque aqui, em particular em Coimbra, havia um centro de estudos que era reconhecido. Agora, De facto, podemos falar de algum declínio, embora a palavra seja controvérsia, associada à perda da centralidade, de perda da independência, quer dizer, com a anexação, com a junção das duas monarquias, digamos, o centro político passou a estar em Madrid, não tanto em Lisboa, e aí, enfim, depois há a questão do Brasil, e, portanto, há um período que podemos chamar de sombra que se cede a um período de luz. No século XVIII, volta a haver algum período de luz. Fala-se muito, com certeza, nas luzes de Pombalinas, associadas em particular a grandes obras, a Covento de Máfra, etc, que vai fazer 300 anos, e a Biblioteca Joanina, mas também e talvez sobretudo a reforma Pombalina-Universidade que vinha em 1600, anos 72, mas o que é preciso ver é que o rei anterior a D. José, o rei D. João V, foi um monarca já esclarecido, iluminista, alguém que, enfim, que ligava à ciência. Ele teve um astrónomo, um astrónomo jesuíta que fez, montou um observatório no Paço, que foi destruído depois pelo terramoto. E, portanto, de algum modo, o nosso século XVIII já houve um botão.
José Maria Pimentel
E se era jesuíta também deve ter sido expulso pelo Marques
Carlos Fiolhais
de Pombal, não é? Mais tarde, sim. Era um italiano, Pato de Carbone, etc. Todos os jesuítas tiveram em 1759, a sorte trágica que se conhece. Mas houve talvez um período aí em que tivemos contatos internacionais, com o Royal Society, com a Academia de Ciências Francesas, etc. Os transgerados, é o tempo dos transgerados. Depois, o nosso século XIX começou mal com as invasões francesas e não continuou muito bem com a Guerra Civil. A perda da independência do Brasil foi um grande choque econômico. E depois, enfim, a monarquia constitucional foi o que foi, com o problema da dívida. E há o problema do homicídio do rei. Portanto, aquilo, o século também acaba... Entra no século XX, os séculos são convencionais, mas o século XIX só acaba com a República, mas a República foi um intermedizo de 16 anos. Tinha a ideia, digamos, da educação, etc., Mas foi 16 anos, 16 anos não é nada. E, portanto, tivemos depois um outro período chamado Estado Novo, que não foi aquilo que se pode chamar amigo da ciência. Por outras palavras, nós continuámos, tirando o caso talvez das colónias em que houve, aliás, há um texto da época que diz que ciência é para as colónias, para fazer descobertas, exploração, etc. Aqui na metrópole chega-nos a ciência dos outros. E quando um pessoal diz que nos chega a ciência dos outros, aliás há uma frase famosa do, suponho que é o Namuno que inventa, não é o Namuno, não, é o Ortega H.C. O Ortega, filósofo espanhol, que inventam eles, que inventam eles. Nós não temos que inventar, não. Eles que inventam. A nós, à hispanidade, cabe a criação intelectual, a arte, etc. Ciência, tecnologia, etc. Dos outros. E isso é um pensamento que é fatal para a criatividade. E, portanto, em 25 de abril de 64 dá-se uma mudança, uma mudança, digamos, democrática que vai conduzir a associação à Europa e aí podemos voltar a falar num período de luz novamente na ciência. Porquê? Porque recebeu um grande impulso nos últimos tempos em Portugal com os dinheiros da União Europeia, deve-se dizer, depois de entrarmos em 86 na União Europeia. Há alguém que tem de tirar o chapéu, eu tiro o meu chapéu ao Zé Marinho Gac, que é um ministro que percebe que a ciência tinha, de algum modo, abandonou a ciência para se ligar à política, o que significa que não abandonou a ciência, o que significa que levou a ciência à mesa do orçamento de Estado e conseguiu meios que transformaram o país. Nós temos uma geração neste momento altamente qualificada. Quando falo de ciência não é apenas física, química, biologia, etc. Estou a falar de conhecimento em geral, até ciências sociais, como a economia, etc. Portanto, temos um conjunto de pessoas... Sim, tudo o que seja
José Maria Pimentel
empírico, não é? Aliás... Exato, conhecimento em geral. Conhecimento, pode ser filosofia também. Pode ser
Carlos Fiolhais
filosofia de certo modo. Sim. O que é que se passa? Essa gente toda, que é uma renovação geracional que é fantástica e que nós acho que não temos ainda a noção do potencial que temos, mas não está a encontrar, a economia não consegue ainda responder a eles, ou eles não conseguem ter acolhimento pela economia. E é esse mismatch que faz com que Portugal não esteja encontrado ainda no desenvolvimento. Quer dizer, temos algum potencial, o potencial hoje da riqueza das nações está no conhecimento, como é óbvio, nós conseguimos com certeza que com o fardo das gerações mais velhas que não têm o mesmo grau de formação e ocupam muitos lugares, nós não conseguimos que haja... Esta questão da morte. Em particular, em empresas, o nível de conhecimento, de formação até académica dos patrões é inferior até à média dos empregados. E, quer dizer, nós temos aqui um problema que faz com que muita gente tenha procurado nos últimos tempos, enfim, é normal também que procurem emprego noutros sítios, mas tem sido um bocadinho insuficiente, quer dizer, tem sido mais que o normal nos últimos 4, 5, 6 anos, mais que o normal. E o que nós temos é, de algum modo, ligar melhor as coisas, organizar-nos melhor para conseguirmos que a criatividade, que é a capacidade que faz andar o mundo, também exija-se. Não há razão nenhuma, nenhuma, nenhuma, para que, digamos, os serbes portugueses não fossem também em Portugal. Há atavismo cultural, há dificuldades de organização, é tudo isso. Eu sei que é difícil, mas tudo isso ultrapassa.
José Maria Pimentel
E é incomparávelmente melhor do que era antes da democracia,
Carlos Fiolhais
aliás. Exato, é verdade, é verdade, mas o nosso problema é que a nossa comparação não deve ser apenas com o nosso passado, aí passávamos no exame, mas deve ser com os países que são nossos parceiros, se quiseres
José Maria Pimentel
saber, na Europa. E aí
Carlos Fiolhais
ficamos atrás, bastante ainda, Não estamos na primeira metade da tabela, apesar de termos ganho a Eurovisão, o Caminato de Outros Povos...
José Maria Pimentel
Exatamente, mas parecem-me circunstanciais. Mas há uma relação, claramente, entre a democracia e a ciência, ou seja, elas estão casadas uma com a outra, não se tem que a ciência não funcione em regimes não democráticos. Não funciona tão bem, pelo menos. Não funciona totalmente. Funciona sempre de uma forma direcionável. O regime pode se decidir, por exemplo, como o regime soviético, investigar determinadas coisas, mas
Carlos Fiolhais
não é isso. O de cinco, no tempo de Staline, é um caso, digamos, do...
José Maria Pimentel
Assim que vem neste livro
Carlos Fiolhais
novo, Os Inimigos da Ciência. Os Inimigos, com o David Marçal, é um caso extremo, com o qual um país inteiro, e conduza mortes, mortes pela fome, acredita no material alternativa, que não tem fundamento, porque há, digamos, o patrocínio dessa teoria pelo camarada Stalin, que, de algum modo, é o grande líder do povo que defende aquela teoria. Ora bem, as teorias científicas, pelo menos, não dependem de figuras de autoridade, dependem de provas. E aquela teoria de Lysenko não tinha provas nenhumas que se tinham de pôr as sementes, digamos, em frio antes de seresmeada, depois gostariam melhor. É uma ideia um bocado lamarquiana, que é a ideia que os animais, ou
José Maria Pimentel
as plantas,
Carlos Fiolhais
influencia rapidamente e que transmite essa influência diretamente logo aos seus descendentes. É a girafa, não é? A girafa estica o pescoço e a seguir nasce girafa com o pescoço maior. Isso não é bem assim,
José Maria Pimentel
não é mesmo assim.
Carlos Fiolhais
E há, de alguma
José Maria Pimentel
forma, a mentalidade soviética,
Carlos Fiolhais
se quisermos, comunista, que está expressa naquela ideia do Lenin do homem novo, quer dizer, nós vamos tornar rapidamente, numa geração, um homem completamente novo. Isso é impossível biológica, biológica culturalmente é impossível e, portanto, diz muito bem, democracia e ciência estão ligadas, é
José Maria Pimentel
uma relação de grande intimidade. E economia, o que eu acho é que o triângulo inclui a economia do mercado também. Ou seja, há uma grande ligação entre a economia, que não é uma relação necessariamente sem os seus constrangimentos. Porque há alturas em que... A
Carlos Fiolhais
ciência precisa de menos económicos e a economia está a medir na equação.
José Maria Pimentel
E a economia procura conhecimento científico?
Carlos Fiolhais
A economia é uma questão de desenvolvimento. Hoje o desenvolvimento baseia-se no conhecimento. E a democracia tem a obrigação de proporcionar riqueza ao maior número de pessoas em condições de possível necessária, justa igualdade. E, portanto, a questão é, pelo menos, igualdade de oportunidades e a questão é a grande chefe com que as áreas das coisas todas. Por outro lado, a ciência precisa da economia francesa, mas da ambiente de liberdade que a democracia proporciona. Porque se não tivermos circulação, circulação de ideias, só a forma impressa ou outras na internet, A internet é um instrumento maravilhoso. Porque, e assistimos a isto, nós estamos em cima de uma revolução que quase pode equivaler à da Gutenberg. Somos 15, é importante. Nós somos os primeiros contemporâneos. Está uma sorte viver neste tempo.
José Maria Pimentel
É, eu também acho que sim.
Carlos Fiolhais
Porque assistimos, eu lembro-me disso, num tempo em que não havia computadores pessoais, eu lembro de comprar o primeiro computador pessoal para a Universidade de Coimbra. Uma coisa custou 700 contos, já ninguém sabe que existia essa moeda. Mas uma coisa de esquete primitivo, o meu telemóvel é mais poderoso do que essa coisa, porque há a lei de Moore que em cada 2 anos passa para o dobro o poder de cálculo do processador. Mais, eu assisti ao aparecimento da World Wide Web nos anos 90, a primeira página web da Universidade de Coimbra a fazer. Eu assisti, é engraçado, a todas as coisas que apareceram depois disso, sei lá, mais recentemente, as coisas novas que a gente pensa que sempre existiram, mas o Facebook tem meio dos idades. Eu não uso, mas
José Maria Pimentel
eu sei que há muita gente que usa. E, por exemplo, esta conversa que nós estamos a ter pode ser ouvida por um número ilimitado de pessoas porque depois fica online, senão ouvíamos-la os dois.
Carlos Fiolhais
Isso é um instrumento extraordinário, maravilhoso, de aproximação de pessoas global, porque a informação viaja hoje à velocidade da luz nas fibras ópticas ou à velocidade da luz mesmo quando é transmitida, sei lá, por Wi-Fi, um satélite. São outras entram magnéticas todas as horas à velocidade da luz. Esta é uma transmissão tecnológica imensa, do qual nós ainda não estamos, estamos borbulhados nela, não temos perspetiva para ver, mas há aqui um acelerar, podemos chamar da história, quer dizer. Algumas vezes estamos a falar da questão dos robôs, biologia, etc, mas a questão de haver uma comunidade global no mundo, uma espécie de consciência global, qualquer coisa que aconteça ali o mundo todo sabe. É algo que, pela primeira vez, está à nossa disposição. Eu sei que, se calhar, não somos capazes de fazer, mas a criação de mecanismos globais de comunicação e, portanto, decisão. E, portanto, decisão. A decisão é que falta. Um dos problemas do mundo é que não há governo do mundo. Há muitos governos no mundo. As Nações Unidas é quase simbólico e resulta da Segunda Guerra Mundial. Mas eu pergunto, será que nós não podemos, comunicando melhor como podemos, criar mecanismos de aproximação e, a certa altura, também de acordo e de decisão, que, enfim, quando usam novas formas de governo, não sei. Não sei mesmo, a questão das ciências políticas é uma questão que ultrapassa, mas os meios estão criados para nós podermos, aliás é incrível para mim como é que se faz ainda políticas, coisas da democracia, etc, com meios que são absolutamente arcaicos, que vêm do passado por um votinho numa urna que depois vai abrir, e não sei o quê. A pessoa tem códigos, porquê que com o cartão de cidadão, com os códigos
José Maria Pimentel
a abrir? A Países Unidos já se faz isso. Eu sei, eu sei, mas há um atavismo ainda. E há uma aversão, há uma aversão por várias razões, algumas simbólicas, outras se calhar um bocado mais argumentáveis, mas há uma grande aversão a isso. Caso o tempo está a terminar, vou só fazer uma última pergunta. Se pudesse ir atrás
Carlos Fiolhais
do tempo, se pudesse ir atrás na história, com que personagem histórico é que gostava de se encontrar o meu herói eu sou cientista não é meu herói é o Einstein eu gostava de ter visto que eu já ouvi nos filmes já ouvi falar
José Maria Pimentel
interagir com não é aqui no fundo
Carlos Fiolhais
falar com Einstein é qualquer coisa. Enfim, é como, sei lá, sei lá, é como um adolescente a falar com uma estrela rock. Mal comparado, não é? Mal comparado. Einstein simboliza a capacidade do cérebro humano. Falamos muito do cérebro humano. E é um símbolo. O sábio Bonaserão, com aquela cabelaria insoluta, uma camisola de lã. E simboliza, digamos, a capacidade que nós temos de compreender o mundo.
José Maria Pimentel
E ali na primeira era uma personagem engraçado porque
Carlos Fiolhais
ele não era o ciente. É, e o mangue é insensível, bondosa, etc. Claro, tem seus defeitos, mas não há bela sensacional e nós sabemos defeitos dele.
José Maria Pimentel
E era uma pessoa com interesse até para lá do cientista, que a contribuição que ele fez era o suficiente para ficar na história. Pelo
Carlos Fiolhais
mundo. Ele teve intervenções no mundo, a questão do pacifismo, que
José Maria Pimentel
já falámos, e mais, a questão... Isso é um lado engraçado, desculpa, mas há muitos cientistas de renome em fase mais avançada, mais avançada, no sentido de não ter sido depois de terem dado a grande contribuição para a ciência, foram se preocupando com a questão do pacifismo, não é? Que é interessante, o Bertrand Russell, por exemplo, também é outro. Sim, é de nessa época.
Carlos Fiolhais
Que é muito interessante. Também é um grande matemático, um grande filósofo e que, a certa altura, a preocupação é e a vivência em comunidade e a paz. É interessante, não é? No fundo, é outra grande questão. E o Einstein aparece na Time, na capa da revista Time, um homem do século. A Time tem todos os anos o homem do ano. Este ano foi, digamos, aquele que causa as denúncias da série sexual. Não foi o Trump. Embora ele achasse que
José Maria Pimentel
era. Mas,
Carlos Fiolhais
quando acabou o milénio, o século e o milénio, fizeram uma escolha, os jornalistas, e foi, não foi um responsável político, não foi um artista, não foi, foi um cientista. E ele simboliza como ninguém a capacidade que tem o nosso cérebro de perceber o mundo. O Carl Sagan dizia, um autor que eu admiro, um grande escritor de Evaluação Científica, está publicado na Gradiva, o Cosmos e outros livros, é um escritor fantástico e grande comunicador também, ele dizia que a nossa ambição, o nosso destino, e o destino deve ser a ambição, é o conhecimento. E Einstein simboliza com poucos essa ambição, esse destino. E, portanto, nós olhamos para aquela, enfim, há um ícone também, muitos artistas pegam na cara dele, o Andy Warhol
José Maria Pimentel
tem uma representação.
Carlos Fiolhais
E olhamos para a cara dele e ele inspira-nos a saber mais. Ele tem muitas frases, ele era bom até como publicitário. Era, sim, sim. Ele hoje podia andar no marketing, um marqueteiro. Ele tem uma frase que é o mais incompreensível no mundo, é ele poder ser compreensível. A frase é profunda, aqui um paradoxo. Mas é questão de filosofia, o que é conhecer e porquê conhecemos? São questões que se adeem à ciência E ele diz que seja lá o que for conhecer, é possível conhecer. Ele tem muitas frases, uma ou outra. Isto fica bem acabar com uma frase Einstein. Damos a última palavra a Einstein, Embora nós pensemos que a última palavra nunca está dada. Quer dizer, nós podemos... Vai haver alguém, até agora ainda não houve, vai corrigir-se o Einstein, mas vai haver alguém que vai corrigir algumas das coisas científicas que o Einstein disse. A teoria da relatividade, por exemplo, não deve ser o último grito. Hoje procura-se a teoria das cordas,
José Maria Pimentel
etc. É uma coisa muito difícil. Unir com a teoria quântica.
Carlos Fiolhais
A teoria quântica é unir com a... Responde a isso. A teoria das cordas permite, hipoteticamente, não há uma teoria.
José Maria Pimentel
Ah, sim, exatamente, fazer a união das duas. Teoria quântica e teoria da...
Carlos Fiolhais
Mas ele dizia uma frase também que eu gosto muito e que pode ser mal interpretada porque tem ali um fundo religioso que usa a palavra de Deus. Ele, antes, tinha tradição judaica, aprendeu também o catecismo cristão, católico até, mas não era uma pessoa que se tenha ido a uma sinagoga algum dia a rezar. Reconhecia a ascendência, reconhecia a comunidade, até se lhe pode chamar, num certo sentido, sionista. Foi
José Maria Pimentel
convidado para o primeiro presidente de Israel. Mas não aceitou.
Carlos Fiolhais
Mas deu todo o seu legado a oficiar da Ibrahimca de Jerusalém e tem a marca dela, que é uma das marcas que vale mais de dinheiro. O nome Einstein, que pode ser usado desde que se pague. A quem tem o copyright, os artistas famosos, digamos, o Elvis Presley tem direitos, o Ed Stein também é um artista famoso na ciência, é talvez o que tem o nome melhor. Então, ele dizia, usando a palavra Deus, diz, Deus é subtil, mas não é malicioso. O que é que ele quer dizer com isto? Ele entendia que por Deus tinha uma religião, podemos chamar de religião cósmica, que ele era o único, digamos, defensor ou crente dessa religião, é que substituia a ideia de Deus, pegando um pouco a ideias que vinham de outro judeu herético que era Bento de Espinosa, de origem portuguesa, século XVII. Deus é a harmonia do Buda. Deus é o sinónimo da harmonia do Buda. Quando se diz que Deus é sutil, a harmonia do Buda é uma harmonia complicada, não é imediata. E não é óbvia. Mas quando ela crescenta, não é óbvia de maneira nenhuma. Por isso é que demora, por isso é que custa, por isso é que vem o esforço da ciência, por isso é que vem a necessidade enorme de subir aos ombros uns dos outros para conseguirem ver mais longe. Mas, por outro lado, não é malicioso. O que é que se quer dizer? A tal harmonia do mundo não é uma harmonia hermética, não é uma harmonia encerrada, não é uma harmonia que não se possa compreender. Não há maldade a fechar. É possível conhecer. E, pegando num matemático que interagiu com Einstein, um grande matemático alemão, David Hilbert, ele tem escrito na sua sepultura, em alemão, Wir wissen wissen, wir werden wissen, que significa nós temos de conhecer, nós devemos de conhecer, digamos, de algum modo, o conhecimento ao nosso futuro.
José Maria Pimentel
Claro, está lá para se encontrar. Bom, é uma ótima maneira de terminar. Havia várias outras coisas que eu gostava de falar consigo, portanto fica já convidado, se aceitar, para um dia destes voltar ao programa e falarmos.
Carlos Fiolhais
Foi um gosto muito grande, desejo felicidades, foi um gosto de estar aqui.
José Maria Pimentel
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