#3 Pedro Braz Teixeira - Euro & Economia portuguesa
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José Maria Pimentel
Bem-vindos ao 45°. Neste episódio estreia a conversa com Pedro Brás Teixeira.
Nesta conversa falaremos de dois temas distintos. Por um lado sobre a
economia portuguesa, especificamente as políticas económicas levadas a cabo nas últimas décadas,
por outro lado sobre o euro, enquanto moeda, as suas limitações e
desafios. Pedro Brás Teixeira tem formação em Economia, Economia Internacional e História
e pensa os temas de que vamos falar há muitos anos. Durante
a carreira tem passado pela academia, como investigador em várias universidades, e
também pela Banca Privada, onde foi economista principal do Banco Santander-Tota. Atualmente
é o diretor do Gabinete de Estudos do Fórum para a Competitividade.
A visão do convidado sobre os temas que vamos discutir tem vindo
a ser exposta há vários anos através da colaboração como colunista em
vários jornais, o jornal Eco mais recentemente, e também como autor de
livros sobre a economia portuguesa e o Euro. O mais recente livro,
lançado este ano, é o ensaio O Euro e o Crescimento Económico,
publicado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos. Foi então uma conversa animada
e, como é característico das boas conversas, nem sempre estivemos de acordo
sobre aquilo que fomos discutindo. Mas foi sobretudo uma conversa que me
permitiu compreender melhor estes temas de que falámos. Espero que achem exatamente
o mesmo. Sem mais demoras, vamos então conversar com Pedro Brás Teixeira.
E eu corro-me a perguntar como é que tem sido ser economista
nesta última década, desde a crise?
Pedro Braz Teixeira
Desde a crise? Antes da crise? Eu... Vamos falar um bocadinho antes
da crise. Eu publiquei um artigo em 2001, numa revista que já
não existe chamada Economia Pura, em que chamava a atenção para dois
tipos de problemas. Um, que a economia portuguesa estava numa trajetória insustentável
porque estava baseada na procura interna e estávamos com uma dívida externa
a crescer de forma explosiva. E o outro problema é que esse
mesmo déficit externo ia nos fazer perder os centros de decisão e
que se não se fizesse nada isto ia acabar mal.
Em 2001?
Em 2001. E nós conseguíamos estar mais 10 anos a fazer as
geneiras. E já agora, por exemplo, em relação à dívida externa, nós
em 1995 não tínhamos dívida externa praticamente, era 8% do PIB. E
chegámos à beira da Troika a 110% do PIB. Depois os estrangeiros
disseram-me agora já não investamos mais, já chega. Uma coisa que eu
achava perfeitamente previsível 10 anos antes, mas conseguimos estar mais 10 anos
a fazer a genérica. E em relação às perdas dos centros de
decisão, é ver que já não temos praticamente bancos portugueses a não
ser a Caixa Geral de Depósitos, com imensas dificuldades. A EDP também
praticamente já não é portuguesa, a Galp mesma coisa, portanto a Simpor
já foi, portanto as maiores empresas portuguesas já foram, já deixaram de
ser, e isso era altamente previsível, Porque se nós temos déficit externo
significa que não conseguimos financiar os investimentos que queremos fazer. E de
maneira que isto que está a acontecer agora era perfeitamente previsível e
simplesmente deixou-se andar, não se fez nada e então chegámos a esta
linda situação que temos hoje. O
Pedro Braz Teixeira
crescer. Não é 90, é mesmo 95, porque nós naqueles anos tivemos
realmente umas contas relativamente equilibradas. É a partir de 95 em que
há uma alteração da política económica. Agora recuando um bocadinho, desculpa. Em
89 tivemos a queda do muro de Berlim, que deu lugar à
queda dos regimes comunistas todos na Europa de leste e que colocava
um desafio dificilinho para Portugal. E Nós, inicialmente, até respondemos bem. Em
1991 contratou-se a Auto Europa e começou a produzir em 1995. E,
portanto, eu digo que nós em 1995 tínhamos as contas externas equilibradas
num triplo sentido. Primeiro, o saldo de corrente estava equilibrado. Segundo, praticamente
não tínhamos divida externa. E terceiro, a Auto Europa veio dar uma
enorme melhoria na qualidade das exportações, portanto, estávamos numa posição...
José Maria Pimentel
E em relação a isso, parece-me que há essencialmente dois culpados nesse
crime, se algo seja. Por um lado, os governos que existiram, os
governos sucessivos, e por outro lado, a banca. Que me parecem ter
explicações diferentes. Eu consigo explicar melhor, curiosamente, intuitivamente, as más decisões governamentais
do que as más decisões que ocorreram na banca. Porque a banca,
como se sabe, financiou setores não transacionáveis com uma construção imobiliária. Sim,
eu tenho a posição oposta. Pois, eu imaginei que sim. Por isso
é que eu achei que era engraçado falar sobre isso. Eu explico.
A banca... Porque é que eu acho difícil perceber o facto da
banca ter seguido as políticas que seguiu? A banca, para todos os
efeitos, exceto onde a caixa gera depósitos, tem investidores, tem acionistas. E
um acionista tem o interesse direto em que a empresa, no caso
o banco em que está a investir, faça bons investimentos. Tem um
interesse direto, não há um problema de agência ali. Ou por outro
lado, há um problema de agência e não há um problema de
incentivos da parte do acionista.
José Maria Pimentel
Mas dizia, neste caso, choca-me mais o que aconteceu na banca, porque
era do interesse dos investidores nos vários bancos. Lá está, podemos excluir
o caso da Caixa, como sabemos, sofreu em grande medida as consequências
de não ter investidores que estivessem a vigiá-la constantemente, embora obviamente haja
vantagem de ter um banco público, mas houve desvantagens também que tiveram
esse efeito. Agora, no caso do Estado, porquê é que eu digo
percebo melhor? Porque Portugal tem um problema de instituições. Nós temos um
problema de instituições que dá incentivos ao governo, a cada governo, para
tomar medidas que não são as economicamente mais racionais. Portanto, é muito
difícil um governo tomar medidas economicamente racionais quando tem imensos incentivos para
fazer o contrário. Tem incentivos da parte do eleitorado, tem incentivos da
parte das instituições, seja a consultação social, seja os próprios médias, tem
enormes incentivos para, por exemplo, não pensar a longo prazo. Imensos. Um
governo que tenta pensar a longo prazo tem um problema de comunicação
brutal. Eu lembro de ter ouvido uma entrevista há pouco tempo do...
Tenho ideia, julgo que seria do ministro da Segurança Social, em que
ele falava da sustentabilidade da Segurança Social, a prazo, no fundo dizendo
que a prazo deixaria de haver dinheiro. E a jornalista ou jornalista
perguntava-lhe, mas isso é a prazo. Mas agora temos.
Pedro Braz Teixeira
tem muito mais conhecimentos do que é que está a acontecer ao
nível do país e de médio e longo prazo, que umas empresas
de outros sectores não fazem ideia. Mas, depois, na prática, você tem
os bancos... Imagino que a recomendação é vamos cortar o crédito ao
setor não transacionável porque isto é insustentável a prazo, diz o economista-chefe.
E depois, durante 10 anos,
o
banco está a perder cota de
mercado
no crédito à habitação. Quer dizer, isto é completamente insustentável. Você não
consegue... Está a perder... Os outros estão a ganhar dinheiro, ou supostamente
a ganhar, e você que está a fazer a coisa que é
certa vai durante 10 anos perder cota de mercado e ganhar menos
do que poderia se...
Pedro Braz Teixeira
Sim, mas a questão é que, lá está, daqui a 10 anos
é muito tempo. E, portanto, os bancos também têm um problema dos
gestores pensarem muito mais nos resultados a curto prazo, que é em
função disso que se tem os salários e os bónus. E, portanto,
há aqui um problema. Bom, em relação ao governo, às políticas públicas,
há três funções económicas do Estado. A função de redistribuição, cuja ordem
é o relativamente aleatório, a função de redistribuição, a função de regulação
do mercado e a função de estabilização macroeconómica. Que é o quê?
Que é suavizar os ciclos económicos. Que é evitar que quando a
economia cresce, está um crescimento muito forte, que não cresce é tanto
que sobreaqueça. E quando está em recessão também não cai tanto. Portanto,
a função de estabilização é evitar os ciclos, suavizar os ciclos
Pedro Braz Teixeira
um problema? Não, mas é um detour que apesar de tudo é
importante porque nós temos, na segunda metade do século XVIII, a criação
da burguesia pelo Marquês de Pombal de cima para baixo. Que é,
em vez de ser a classe, a burguesia, em vez de ser
os próprios burgueses que... Que
ascendem, não é?
Que ascendem por seu próprio mérito, não, são o Marquês de Pombal
a criar monopólios de comércio, que depois dá uns amigos, e que
é o cúmulo das instituições extrativas. E, portanto, Esse é que é
o padrão, que é uma classe de empresários que vive à conta
do Estado. Exatamente.
E o
problema, infelizmente, não é dos últimos 40 anos.
José Maria Pimentel
Mas pronto, isto voltando atrás. O meu ponto é que, longe de
desculpar os governos, isso seria algo completamente diferente, como eleitor jamais, eu
acho que a pessoa deve procurar perceber porque é que as coisas
ocorrem. Parece-me que em Portugal nós temos instituições, Não acho que sejam
deficientes em toda a linha, ou seja, não acho que nós tenhamos
um problema em toda a linha, mas temos claramente problemas de instituições
a vários níveis que colocam limites ao desenvolvimento. E temos um problema
por cima disso, que me parece que é sempre aquilo que enferma
o raciocínio dos governantes quando tomam decisões, que é, o nosso referencial,
o nosso paradigma, não é um país, não é um país da
Europa de Leste, por exemplo, o nosso paradigma é sempre um grande
país europeu E a minha interpretação é que isso torna muito difícil,
na altura em que a economia está a sobreaquecer, por exemplo, quem
governa ter noção de que a economia está a sobreaquecer de facto.
Porque se o nosso paradigma for uma economia, no limite, por absurdo,
se o nosso paradigma for a Alemanha ou a Suíça, por exemplo,
dificilmente nós vamos reparar quando a economia está a sobreaquecer. Quando a
economia estiver a sobreaquecer, para nós ela ainda está a arrancar. Obviamente,
deveria que há indicadores onde se pode observar isso, e é verdade.
Pedro Braz Teixeira
E ainda por cima a Grécia, até 2008, conseguiu um crescimento... Claro,
crescimento com muitos troids, Mas apesar de tudo estava a crescer a
4% ao ano. Sim, sim, exatamente. Só que depois aquilo... O rei
vai nu e de maneira que depois daquilo desmoronou-se. Bom, mas nós
temos um problema de crescimento económico gravíssimo. Gravíssimo. Há imenso tempo. O
problema é gravíssimo porque a falta de crescimento económico afeta tudo. Afeta
ao estado social, afeta ao emprego, afeta aos salários reais, afeta à
dívida, afeta contra as públicas, enfim. Praticamente não há nada que não
seja afetado pelo fraco sistema de económicos. Sim,
Pedro Braz Teixeira
o problema é gravíssimo, já dura há imenso tempo. Já dura, portanto,
é um problema gravíssimo que dura há imenso tempo. Portanto, era suposto
que houvesse um consenso generalizado na população portuguesa que nós temos um
problema gravíssimo e que já dura a imenso tempo. Quer dizer, isto
já dura há tanto tempo, já duramos há 17 anos, é impossível
alguém dizer ai, nunca tinha ouvido falar nisso. E no entanto, e
no entanto, ainda há muitas pessoas, mesmo nas elites, que não têm
consciência deste problema. O que é uma coisa extraordinária. Como é que
é possível que um problema tão grave, que já durou há tanto
tempo, como é que é possível que este problema ainda não entrou
na cabeça das pessoas?
Pedro Braz Teixeira
Não, nós estamos mal porque os outros também estão mal. O que
é completamente falso. Mas não há consciência deste problema. E que instituições
são estas que existem em Portugal? Que são as instituições... Eu pergunto,
as universidades, como é que as universidades deixam passar isto em branco?
Como é que não estão a fazer campanha para haver consciência desse
problema? Porque enquanto não houver consciência do problema, as pessoas também não
vão estar disponíveis para tomar as medidas para resolver. Onde é que
há instituições de referência que digam, meus caros amigos, estamos a chamar
a atenção a isto, isto é muito grave, é muito importante, há
duramente esse tempo, nós temos que resolver isto? Não me insisto.
Pedro Braz Teixeira
Sim, sim. Já agora deixe-me só dar o exemplo de uma simulação
que eu fiz aqui há uns tempos. Imaginemos que Portugal durante estes
anos de crescimento horrível tinha crescido como Espanha. E atenção, que Espanha
teve um crescimento um bocadinho acima da União Europeia. A União Europeia
cresceu 1, 3% em média ao ano e a Espanha cresceu 1,
5% mais duas décimas. Portanto, Não estamos a falar de nenhuma ambição
desmedida, estamos a falar de crescer um bocadinho, um bocadinho melhor que
a União Europeia, que aliás Portugal tem a obrigação de ser, porque
como nós estamos abaixo da média Europeia temos a obrigação de convergir.
Aliás, há 35 anos que recebemos fundos comunitários para convergir. Como é
que é possível que há 17 anos que Portugal não converge? É
extraordinário. Mas então, a seguinte simulação. Vamos admitir que Portugal tinha crescido
tanto como Espanha nestes últimos anos.
Pedro Braz Teixeira
recessão. Bom, nesse caso, em vez de termos uma dívida de 130%
do PIB, tínhamos uma dívida de 107% do PIB. Só por este
efeito do crescimento do PIB. Mas se tivéssemos crescido tanto como Espanha,
não tínhamos tido déficits tão grandes. Portanto, seria muito fácil, em vez
de termos uma dívida de 107, ter só de 100. Exato. Que
é exatamente aquilo que Espanha tem. Ou seja, se nós tivéssemos crescido
tanto como Espanha, uma meta que não é nada, absolutamente nada ambiciosa,
tínhamos uma dívida como Espanha, tínhamos um crescimento como Espanha, uma dívida
como Espanha, Tínhamos certamente taxas de juros muito parecidas com a de
Espanha, que andam à roda de 1, 5%, que é mais ou
menos a inflação. Portanto, taxas de juros reais, zero.
Pedro Braz Teixeira
porque realmente isto parece uma coisa absolutamente extraordinária. Como é que é
possível um país ter um problema tão grave há tanto tempo e
os portugueses ainda não perceberam isto? Faz lembrar, desculpe lá, que é
um paralismo com o problema demográfico. O problema demográfico nós temos desde
o início dos anos 80. Em todos os países europeus, em todos
os países europeus, houve uma queda da natalidade. Mas em todos os
países europeus tomaram-se medidas e a natalidade tocou mínimos e começou a
recuperar. Alguns mais, outros menos, alguns mais tarde, outros mais cedo. Qual
é o único país europeu em que a natalidade continua a bater
mínimos todos os anos? Portugal. É uma coisa extraordinária. O problema demográfico
é um problema gravíssimo. É um problema que põe em causa a
própria identidade nacional. Porque nós vamos deixar, vamos desaparecer, ou vamos passar
a ser substituídos por imigrantes. Então, a dada altura, os portugueses passam
a ser uma minoria em Portugal. Portanto, o problema da demografia...
José Maria Pimentel
Mas uma vez caído, gera-se a crise e até se gera com
uma dose de capacidade de autocontrole coletivo. Não sei se isso pode
se chamar, o que não é despiciando. Mas há uma enorme dificuldade
a antecipar os problemas, isso parece-me crónico. Mas aquilo que eu gostava
de falar, que está exatamente relacionado com a questão das instituições, porque
há a pergunta, qual é o problema do país? A pessoa pode
responder, mais decisões governamentais, mais decisões da parte dos políticos, do Estado
enquanto corpo. Mas essa não é a resposta que interessa. No fundo,
a resposta que interessa é perceber por trás disso o que é
que está mal, o que é que devia existir de forma diferente.
E parece-me, acho que partilhamos essa opinião que está em grande medida
do lado das instituições ou da falta delas. As instituições são muitas,
obviamente, o Estado ele próprio é uma instituição, mas é instituição, a
sociedade civil no geral, as universidades, como falava há pouco, são instituições,
o Think Tank são instituições, todos os partidos políticos são instituições. A
comunicação social. Os médias são uma instituição e, Na sua opinião, onde
é que há mais progresso a fazer? Ou, invertendo na pergunta, onde
é que há mais falta de desenvolvimento?
Pedro Braz Teixeira
Eu tenho um bocado de dificuldade em responder a essa pergunta, mas
há uma... Porque parece-me que há genericamente um Estado a mais e
um Estado, verdadeiramente, abusivo. Nós temos lá no Fórum para a Competividade,
temos tido muitíssimas reuniões com presidentes de empresas, pessoas com cargos muito
elevados, empresários, etc. E uma das coisas que mais me chocou é
que eles relatam coisas, medidas públicas e administrativas absolutamente chocantes. Coisas escandalosas,
quer dizer, como é que se admite que a administração pública faça
isto? Isto é uma coisa absolutamente intolerável, um abuso, um erro, um
crime ambiental. Coisas escandalosas que eu não posso relatar aqui, exatamente porque,
quando nós dizemos aos empresários, muito bem, vamos contar esta história, isto
é uma vergonha, vamos contar essa história, ele diz não, não, não,
não, não.
Pedro Braz Teixeira
Quer dizer, eu fico absolutamente alucinado. Portanto, isto significa duas coisas quanto
a mim. Por um lado, existe um Estado abusador, um Estado que
não tem o mínimo de respeito pela lei, que utiliza a lei
e a administração de forma totalmente caprichosa, e estes empresários têm medo
dos caprichos da administração pública e do Estado. Porque se levantarem... Quer
dizer, denunciarem casos concretos escandalosos de erros da administração pública, podem ser
projecados por isso. Há aqui assim um lado de um Estado abusador
e totalmente respeitador de regras mínimas. Um Estado capricho. Mas eu acho
que... Me deixa, me deixa... Diga-lhe. Está aqui assim um problema grave
da parte do Estado. De acordo? Da impunidade do Estado. Aliás, uma
coisa que eu acho... Uma das reformas que devia haver era instituir
os despedimentos por justa causa no Estado. Há certas coisas que são...
Por exemplo, um juiz que não pede descusa... Que tem conflito de
interesse num determinado caso e não pede descusa. Ai, desculpe lá, mas
você vai ser expulso do sistema.
Claro,
o mero facto de isso não poder acontecer... Quer dizer, isso é
inadmissível. Coisas absolutamente escandalosas que nós presenciamos e não há punição nenhuma.
Quer dizer, isto é uma coisa completamente inaceitável. Esse lado, quer dizer,
tem que... Há defenso que deve se instituir o despedimento por justa
causa no Estado e há certo tipo de comportamentos que devem dar
direito a despedimento.
Pedro Braz Teixeira
e por outro lado, por lá não há o Estado abusador, o
Estado que não respeita regras, que age por capricho, que persegue cidadãos
que estão a cumprir as suas obrigações, E por outro lado, há
de facto uma sociedade civil que é completamente madrosa. Desculpe, quer dizer...
Quer dizer, se os empresários de mais alto topo têm medo de
dizer mal das coisas que estão mal no Estado, então essas pessoas
que estão abaixo vão dizer o quê? Claro. Quer dizer, acho uma
coisa... Quer dizer, aí, evidentemente, estes dois efeitos estão aqui... Estão interligados.
Estão interligados e estão em interação. Quanto mais abusador é o Estado,
mais as pessoas têm medo de se medir com o Estado.
José Maria Pimentel
Mas eu essa explicação acho muito interessante porque vai à raiz do
problema. Nao são governos que agem mal, não são as instituições, não
é a camada a seguir que são as instituições que não existem,
é o motivo pelos quais essas instituições não existem. E isso é
que eu acho interessante perceber. O Estado lá está, é como a
água, vai até onde pode ir. Agora, porquê é que as nossas
elites têm esse sentimento de precariedade, que no fundo é o que
está por trás disso, que as leva a não se sentir suficientemente
confiantes para fazer frente ao Estado ou à Administração Pública, ou quer
dizer, o Estado em qualquer das suas facetas. Isso para mim é
algo que eu não consigo explicar completamente.
Pedro Braz Teixeira
perversa. E eu, no outro dia, tive um debate numa televisão com
um membro do governo e eu apontava-lhe que era uma decisão completamente
irresponsável a subida do ordenado mínimo porque o que devia ser feito
era a criação que estava no programa do PS, a criação no
escalar negativo do IRS. E o membro do governo dizia ah, mas
isso foi decidido por acordo na comunicação... Na concertação social. E eu
fiquei alucinado. Quer dizer, se todos se puserem de acordo em relação
à geneira e se a geneira deixa de ser a geneira... Mas
para ele o problema esgotava-se ali. Tinha sido decidido por acordo da
concertação social, quer dizer, sendo que o acordo da concertação social, em
muitos casos, é acordo com a pessoa lá botada à cabeça. Claro,
Pedro Braz Teixeira
não, não, mas quer dizer, o problema é que a própria conservação
social está altamente... Prevertida. Prevertida, quer dizer, porque o facto de os
parceiros sociais receberem dinheiro do Estado torna-los dependentes do Governo. E, portanto,
os fundos estruturais, para além de levarem a investir nas coisas mais
absurdas que é possível, criam um clientelismo que deram muito mais poder
ao Estado do que se não houvesse. Aliás, eu defendo já há
muitos anos que eu negociava com o Bruxelas. Olha, vamos fazer o
seguinte. Nós recebemos menos de 20% de fundos estruturais, mas não há
cá programas europeus nenhums. É tudo diretamente para o orçamento. E, portanto,
Cada euro do Fundo Estrutural vai diretamente para o servimento e a
gente é que decide o que faz ao euro. Pode ser para
baixar o déficit, para a saúde, para o que a gente quiser.
Ou até indeterminado,
não é? Mas para nenhum programa europeu. Há programas europeus de disparate.
Porque cada euro do Fundo Estruturais, como tem que ser gasto necessariamente
naquela, em certas atividades específicas, não vale 1€. Portanto, eu por mim...
Vale menos?
Vale menos do que 1€. E portanto, eu aceitava, olha, nós recebemos
só 80%, mas nós é que decidimos
onde é que
gastamos o dinheiro. Porque para acabar com este cancro...
Pedro Braz Teixeira
desculpe lá, voltar à comunicação social, porque é realmente um bocado chocante,
ou profundamente chocante, como é que a comunicação social, por exemplo, quer
dizer, nós agora temos cada vez mais notícias do que é que
o Sócrates andou a fazer a controlar, a tentar controlar a comunicação
social. E é chocante como é que isto devia indignar completamente a
comunicação social, porque Sócrates tentou destruir o essencial da comunicação social, o
essencial da função da comunicação social. Como é que os jornalistas hoje
não estão absolutamente descanalizados com isto? Agora que se sabe. E não...
Quer dizer, é chocante como é que essas coisas, essas notícias se
passam e não causam nada, nenhuma reação... Eu
Pedro Braz Teixeira
Não considero que corresponde à realidade, porque está a fazer uma descrição
como demasiado equitativa, como se os problemas fossem idênticos de ambos os
lados, e não parece que sejam. Não parece que sejam. Porque... Aliás,
nós temos visto que é uma coisa absolutamente chocante.
O
caso do Sócrates, quer dizer, aquilo é absolutamente… o que é que
ele não esteve envolvido? Você não tem um político equivalente da mesma
importância. Tem ex-ministros, mas não tem um ex-primeiro-ministro da direita que tenha
o tutorial do Sócrates. Não tem. E aliás, não é só. Nós
temos a maior parte das notícias de comunicação social de crimes e
de acusações, infelizmente, são políticos de esquerda. Não acho que haja uma
paridade entre as duas situações. Não parece.
José Maria Pimentel
Bom, eu vou passar para outro tema, que é em relação ao
euro e à União Europeia, que foi um assunto que teve mais
na ordem do dia há uns anos e agora tem estado mesmo,
mas continua a ser muito abordado nas publicações da especialidade. O euro,
lá está, é um problema que agora não é tão falado, mas
continua a ser um problema a prazo, ou seja, continua a ser
uma moeda cujos alicerces terão de ser corrigidos e não se afigura
fácil corrigir esses alicerces a nível europeu. E isso traz à baila
uma teoria que eu acho muito interessante, porque eu acho que é
sobretudo interessante porque como tem pouca evidência empírica, a pessoa pode especular
muito mais em relação a ela, que é a chamada teoria das
zonas monetárias ótimas, aqui ótimas no sentido mais anglo-saxónico do termo.
Ideais, ideais.
Ideais, exatamente. A zona monetária ideal, no fundo. E a questão de
se a zona euro é ou não uma zona, ou por outra,
nunca seria uma zona monetária ideal, mas com o próximo Estado uma
zona monetária ideal. Esta teoria foi proposta inicialmente pelo Robert Mandel, economista
canadiano, e o que ele sugeria é que para uma zona montar
é ótima era necessário haver uma elevada mobilidade do fator trabalho, ou
seja, era necessário haver uma elevada mobilidade da população entre um país,
no caso dos Estados Unidos, por exemplo, entre um Estado que tenha
uma recessão para um Estado que tenha uma economia mais pujante e,
no fundo, reequilibrando as duas economias. A resposta a essa pergunta originalmente
era desde sempre que a Europa é pelo menos bastante menos móvel
em termos do fator de trabalho do que os Estados Unidos, isto
é, é inegável que a Europa é menos móvel, embora, isso é
uma questão alaterada, a mobilidade geográfica nos Estados Unidos esteja a diminuir,
é uma questão que está a preocupar muito quem estuda esse tema
lá, mas para todos os efeitos continua a ser incomparável. Portanto, esse
era desde logo um problema à partida do euro. Houve outra proposta
feita em relação ao euro por outro economista, Peter Kennan, que falava
da necessidade da integração orçamental para assegurar que uma moeda única era
sustentável entre vários estados. De novo, essa integração orçamental não existia na
Europa, o orçamento comum é mínimo, as políticas orçamentais, como se viu
durante a crise, não estavam coordenadas e, portanto, não asseguravam o reequilíbrio
entre uma economia que tivesse projéntio e uma economia que tivesse em
recessão. E depois houve outros fatores e por isso é que eu
digo que a teoria é muito interessante, porque ela só com estes
dois fatores estava incompleta. Porque o Ecrizo, por exemplo, mostrou que para
além disto é necessário que haja um Banco Central que possa atuar
como o chamado lender of last resort, ou em português o que
é prestamista de última instância, ou algo deste género, as coisas ficam
sempre pior, que no fundo um banco central que possa garantir liquidez
ao Estado, ou seja, que possa garantir a um Estado que não
deixará de poder emitir dívida.
Pedro Braz Teixeira
que será na Grécia, muito provavelmente, é porque há o apoio familiar,
o direito a algum subsídio de desemprego, etc. O que faz com
que eles não...
Sim, há uma série
de outros fatores, não é? Não será só isso. Em relação... Mas
é um problema, quer dizer, não foi feito absolutamente nada. E aliás,
o que nós encontramos, e é uma coincidência realmente diabólica, não se
pode dizer que seja o efeito direto, mas todos os países com
problemas são os países que coincidem, é uma coisa um bocado... É
coincidência a mais, que são exatamente os problemas os países que têm
indicadores no mercado de trabalho piores. É muito estranho como é que
em Maastricht isso não foi levado a sério e passados estes anos
todos...
José Maria Pimentel
O meu ponto é esse. Aquilo que é preocupante nisto é que
o euro precisava, no fundo, de maior integração do mercado laboral. A
integração geográfica precisava de ter um orçamento comunitário ou de integração orçamental.
O caminho que nós estamos a traçar é de menor integração orçamental,
não maior. Sim, sim, sim. Ou por outra, de menor probabilidade de
acontecer essa integração orçamental. Há outra coisa que pode ocorrer diferente que
é, pode por exemplo não haver um... No fundo fazer o paralelismo
com os Estados Unidos quer dizer, por exemplo, mais intuitivo. Pode não
haver um governo federal, mas haver uma articulação dos orçamentos dos vários
países, que não ocorreu também. Portugal tinha uma política contra-accionária. Mas
Pedro Braz Teixeira
Que é mau para o euro, é mau para a União Europeia,
é mau para a economia mundial, porque está a obrigar, está a
fazer com que o euro se aprecie muito mais do que se
deveria apreciar, está a dificultar o ajustamento nos países do Sul, está
a criar imensa tensão dentro da própria zona do euro e, portanto,
é mau para o euro e é mau para a economia mundial,
porque a economia mundial como um todo sofre de uma falta de
procura e um superávit externo é falta de procura e portanto a
Alemanha está a agravar o problema mundial de falta de procura. Aliás,
neste momento, eu não vi exatamente os últimos... Aqui há uns tempos
a Alemanha e a China estavam a par ambas com um déficit
em valores absolutos parecidos e neste momento a China abaixou um bocadinho
e a Alemanha aumentou. Portanto, eu julgo que neste momento a Alemanha
tem o maior super hábito externo do mundo. O que é incrível.
E o que é curioso nisto é que criticar o super hábito
externo alemão é para mim a única razão, a única coisa em
que os países do Sul têm direito a tirar a cara da
Alemanha. É a única coisa que a Alemanha está a fazer errado.
É incontornável, não
é? Exatamente.
Não, é óbvio que os países do Sul tinham toda a razão
em criticar a Alemanha e obrigar a Comissão Europeia a forçar a
Alemanha a baixar o suco. E não é uma questão ideológica, ao
José Maria Pimentel
Não, mas agora saiu, agora eu digo agora, é relativamente recente, não
sei o quão recente, mas saiu o relatório do Banco de França,
do Banco Central de França, em que eles faziam um estudo justamente
disso, no fundo era o preço, ou o impacto em termos do
PIB, da falta de articulação entre as políticas macroeconómicas dos países, sendo
que o principal problema era a Alemanha ter uma política sedentária numa
altura em que não o devia ter, em que devia estar a
compensar o facto de os outros países estarem todos a apertar os
cordões à bolsa. E isso não aconteceu e roubou ao PIB europeu
e, sobretudo, ao PIB dos países do Sul, uma parte importante. Lá
está, eu concordo com o Sim nesse aspecto, é incrível. Porque, no
fundo, esse é um... É gratuito, não é? É gratuito no sentido
em que não se perde nada em forçar esse ponto, não é?
Pedro Braz Teixeira
Sim, sim. Não, quer dizer, se nós não tivéssemos o euro tão
apreciado, exportávamos mais, crescíamos mais, tínhamos mais emprego, tínhamos melhores contas públicas,
etc. Portanto, a Alemanha está objetivamente a prejudicar-nos com essas políticas e
nós temos todo o direito a criticar, mas não se faz isso
e eu não percebo porquê. Para
José Maria Pimentel
falar de um quarto ponto da questão do euro ou daquilo que
seria necessário para ter uma zona monetária perto do ótimo, e é
um ponto em que se está a avançar alguma coisa, mas ainda
não foi concluída, é a questão de ter um fundo de garantia
de depósitos a nível europeu, e não só a nível nacional. O
problema da outertida é que ligou os bancos ao soberano. Sim, sim,
sim. Cada problema do soberano tornava-se um problema do banco. Ora, se
o soberano não era auxiliado pelo Banco Central, aquilo criava um problema
que passava de um para o outro. E no caso do Banco
Central falávamos há pouco que isso podia não ter sido assim, ou
seja, a cláusula da ausência de financiamento monetário podia não ter existido.
Não existe nos Estados Unidos. Não existe nos Estados Unidos, pelo contrário.