#3 Pedro Braz Teixeira - Euro & Economia portuguesa

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José Maria Pimentel
Bem-vindos ao 45°. Neste episódio estreia a conversa com Pedro Brás Teixeira. Nesta conversa falaremos de dois temas distintos. Por um lado sobre a economia portuguesa, especificamente as políticas económicas levadas a cabo nas últimas décadas, por outro lado sobre o euro, enquanto moeda, as suas limitações e desafios. Pedro Brás Teixeira tem formação em Economia, Economia Internacional e História e pensa os temas de que vamos falar há muitos anos. Durante a carreira tem passado pela academia, como investigador em várias universidades, e também pela Banca Privada, onde foi economista principal do Banco Santander-Tota. Atualmente é o diretor do Gabinete de Estudos do Fórum para a Competitividade. A visão do convidado sobre os temas que vamos discutir tem vindo a ser exposta há vários anos através da colaboração como colunista em vários jornais, o jornal Eco mais recentemente, e também como autor de livros sobre a economia portuguesa e o Euro. O mais recente livro, lançado este ano, é o ensaio O Euro e o Crescimento Económico, publicado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos. Foi então uma conversa animada e, como é característico das boas conversas, nem sempre estivemos de acordo sobre aquilo que fomos discutindo. Mas foi sobretudo uma conversa que me permitiu compreender melhor estes temas de que falámos. Espero que achem exatamente o mesmo. Sem mais demoras, vamos então conversar com Pedro Brás Teixeira. E eu corro-me a perguntar como é que tem sido ser economista nesta última década, desde a crise?
Pedro Braz Teixeira
Desde a crise? Antes da crise? Eu... Vamos falar um bocadinho antes da crise. Eu publiquei um artigo em 2001, numa revista que já não existe chamada Economia Pura, em que chamava a atenção para dois tipos de problemas. Um, que a economia portuguesa estava numa trajetória insustentável porque estava baseada na procura interna e estávamos com uma dívida externa a crescer de forma explosiva. E o outro problema é que esse mesmo déficit externo ia nos fazer perder os centros de decisão e que se não se fizesse nada isto ia acabar mal. Em 2001? Em 2001. E nós conseguíamos estar mais 10 anos a fazer as geneiras. E já agora, por exemplo, em relação à dívida externa, nós em 1995 não tínhamos dívida externa praticamente, era 8% do PIB. E chegámos à beira da Troika a 110% do PIB. Depois os estrangeiros disseram-me agora já não investamos mais, já chega. Uma coisa que eu achava perfeitamente previsível 10 anos antes, mas conseguimos estar mais 10 anos a fazer a genérica. E em relação às perdas dos centros de decisão, é ver que já não temos praticamente bancos portugueses a não ser a Caixa Geral de Depósitos, com imensas dificuldades. A EDP também praticamente já não é portuguesa, a Galp mesma coisa, portanto a Simpor já foi, portanto as maiores empresas portuguesas já foram, já deixaram de ser, e isso era altamente previsível, Porque se nós temos déficit externo significa que não conseguimos financiar os investimentos que queremos fazer. E de maneira que isto que está a acontecer agora era perfeitamente previsível e simplesmente deixou-se andar, não se fez nada e então chegámos a esta linda situação que temos hoje. O
José Maria Pimentel
que eu acho engraçado em relação à dívida externa, o primeiro é é incrível como é um fenómeno que surge basicamente em 20 anos. Começa a crescer, ela começa a disparar no início dos 90, 95, como é que a dívida começa a
Pedro Braz Teixeira
crescer. Não é 90, é mesmo 95, porque nós naqueles anos tivemos realmente umas contas relativamente equilibradas. É a partir de 95 em que há uma alteração da política económica. Agora recuando um bocadinho, desculpa. Em 89 tivemos a queda do muro de Berlim, que deu lugar à queda dos regimes comunistas todos na Europa de leste e que colocava um desafio dificilinho para Portugal. E Nós, inicialmente, até respondemos bem. Em 1991 contratou-se a Auto Europa e começou a produzir em 1995. E, portanto, eu digo que nós em 1995 tínhamos as contas externas equilibradas num triplo sentido. Primeiro, o saldo de corrente estava equilibrado. Segundo, praticamente não tínhamos divida externa. E terceiro, a Auto Europa veio dar uma enorme melhoria na qualidade das exportações, portanto, estávamos numa posição...
José Maria Pimentel
Portanto, que era investimento real, não era investimento financeiro. Foi o
Pedro Braz Teixeira
último, a auto-Europa, foi o último grande investimento estrangeiro. Portugal e Lingueiro, de resto, nós conseguimos investimento financeiro. Vendemos as nossas empresas, que já tínhamos.
José Maria Pimentel
O que eu acho incrível em relação à dívida externa... Aliás, duas coisas. Em primeiro lugar, a velocidade com que se dá ao acumular a dívida externa, que é vertiginosa do ponto de vista histórico. Uma loucura. É uma coisa que ocorre em duas décadas.
Pedro Braz Teixeira
Não, mas agora só uma coisa. Cada ano desses que nós tínhamos déficit de termos 10% do PIB, antes do Euro, um déficit de 10% do PIB era FMI, Não é certa? Claro. Um déficit de 10% do PIB é igual a chamar o FMI em três tempos.
José Maria Pimentel
Claro, é perfeitamente insustentável. Como é
Pedro Braz Teixeira
que é possível que pessoas com imensas responsabilidades, nomeadamente o Governador do Banco de Portugal, não ter dito absolutamente nada, ter assistido, não e ter dito, não tem importância nenhuma, um déficit externo na zona do euro não tem importância nenhuma.
José Maria Pimentel
Não teria? Mas em todo o caso, mesmo admitindo que um déficit externo numa zona econômica única de, como por exemplo os Estados Unidos, não tivesse importância. Há outra questão que não deixa-me de surpreender, que é a dívida externa pode ter benefícios e por exemplo em países em desenvolvimento muitas vezes é recomendada a assunção determinada de dívida externa porque se entende que é uma maneira de obter mais recurso para investimentos que vão ter, no fundo, o retorno acima do custo desse empréstimo. Mas Portugal cresceu pouquíssimo durante aquele período, sobretudo cresceu pouquíssimo durante a última década daquelas duas, não é?
Pedro Braz Teixeira
Pois, com certeza, evidentemente.
José Maria Pimentel
Ou seja, se acumulando endividas externas cresceu
Pedro Braz Teixeira
tão pouco, o que faria sem dívida externa? Se nós tivéssemos endividado no exterior para financiar o investimento em exportação ou bens transacionáveis, encantados da vida! Aquele investimento ia gerar as receitas que no futuro pagariam a dívida, não tinha problema nenhum. Exatamente. Agora, nós endividámos ao exterior para fazer investimentos em bens não transacionáveis, que jamais iriam gerar as receitas para pagar a dívida externa. Jamais.
José Maria Pimentel
E em relação a isso, parece-me que há essencialmente dois culpados nesse crime, se algo seja. Por um lado, os governos que existiram, os governos sucessivos, e por outro lado, a banca. Que me parecem ter explicações diferentes. Eu consigo explicar melhor, curiosamente, intuitivamente, as más decisões governamentais do que as más decisões que ocorreram na banca. Porque a banca, como se sabe, financiou setores não transacionáveis com uma construção imobiliária. Sim, eu tenho a posição oposta. Pois, eu imaginei que sim. Por isso é que eu achei que era engraçado falar sobre isso. Eu explico. A banca... Porque é que eu acho difícil perceber o facto da banca ter seguido as políticas que seguiu? A banca, para todos os efeitos, exceto onde a caixa gera depósitos, tem investidores, tem acionistas. E um acionista tem o interesse direto em que a empresa, no caso o banco em que está a investir, faça bons investimentos. Tem um interesse direto, não há um problema de agência ali. Ou por outro lado, há um problema de agência e não há um problema de incentivos da parte do acionista.
Pedro Braz Teixeira
No caso do Estado... Não quero explicar o que é o problema da agência, que provavelmente os
José Maria Pimentel
contadores... O problema da agência neste caso será alguém estar a agir como representador dos interesses de outrem, mas não o fazendo. No caso, por exemplo, os gestores do banco estão a fazer algo que não vai ao encontro dos interesses dos acionistas.
Pedro Braz Teixeira
Desculpe lá, só... Diga, diga. Disse não, era só porque esta coisa dos economistas, por suporem que os outros ouvintes são todos economistas e sabem...
José Maria Pimentel
Mas dizia, neste caso, choca-me mais o que aconteceu na banca, porque era do interesse dos investidores nos vários bancos. Lá está, podemos excluir o caso da Caixa, como sabemos, sofreu em grande medida as consequências de não ter investidores que estivessem a vigiá-la constantemente, embora obviamente haja vantagem de ter um banco público, mas houve desvantagens também que tiveram esse efeito. Agora, no caso do Estado, porquê é que eu digo percebo melhor? Porque Portugal tem um problema de instituições. Nós temos um problema de instituições que dá incentivos ao governo, a cada governo, para tomar medidas que não são as economicamente mais racionais. Portanto, é muito difícil um governo tomar medidas economicamente racionais quando tem imensos incentivos para fazer o contrário. Tem incentivos da parte do eleitorado, tem incentivos da parte das instituições, seja a consultação social, seja os próprios médias, tem enormes incentivos para, por exemplo, não pensar a longo prazo. Imensos. Um governo que tenta pensar a longo prazo tem um problema de comunicação brutal. Eu lembro de ter ouvido uma entrevista há pouco tempo do... Tenho ideia, julgo que seria do ministro da Segurança Social, em que ele falava da sustentabilidade da Segurança Social, a prazo, no fundo dizendo que a prazo deixaria de haver dinheiro. E a jornalista ou jornalista perguntava-lhe, mas isso é a prazo. Mas agora temos.
Pedro Braz Teixeira
Agora temos. Bom, assim, desculpe-me lá, mas isso nós temos... Não gosto muito dessa argumentação, que é nós temos habitualmente maus governos e portanto é natural termos maus governos e é aceitável termos maus governos. Disse, desculpe-lá, mas não... Não
José Maria Pimentel
é aceitável? Não acompanho
Pedro Braz Teixeira
essa linha. Mas agora deixa-me
José Maria Pimentel
dar a minha
Pedro Braz Teixeira
achega. Em relação aos bancos, é evidente que os bancos têm acionistas. E eu saí do Trabalhar Economista-Chefe do Santander, saí em 2002, portanto eu não tive muito tempo para, digamos, vender a minha tese no banco. Mas você tem... Os bancos têm uma responsabilidade que os bancos têm. Gabinetos de estudos, macroeconomia, portanto, eles têm, tal como tinha...
José Maria Pimentel
Claro, têm pessoas cujo dia-a-dia olhar para...
Pedro Braz Teixeira
Não, e que têm a obrigação de perceber que Portugal estava a ir para uma via completamente insustentável. Portanto, coisa que uma textil ou uma construtora não têm a obrigação de saber porque elas não têm departamentos de macroeconomia. Mas um banco não tem desculpa de estar a fazer
José Maria Pimentel
isso. Sim, o banco está a olhar para a economia como um todo. E, portanto,
Pedro Braz Teixeira
tem muito mais conhecimentos do que é que está a acontecer ao nível do país e de médio e longo prazo, que umas empresas de outros sectores não fazem ideia. Mas, depois, na prática, você tem os bancos... Imagino que a recomendação é vamos cortar o crédito ao setor não transacionável porque isto é insustentável a prazo, diz o economista-chefe. E depois, durante 10 anos, o banco está a perder cota de mercado no crédito à habitação. Quer dizer, isto é completamente insustentável. Você não consegue... Está a perder... Os outros estão a ganhar dinheiro, ou supostamente a ganhar, e você que está a fazer a coisa que é certa vai durante 10 anos perder cota de mercado e ganhar menos do que poderia se...
José Maria Pimentel
Se o banco for a ver gerido, sim.
Pedro Braz Teixeira
Mas reconheço que é difícil. Mas é muito difícil, é muito difícil. Quer dizer, a pressão dos lucros, os resultados extremos que traz, o que os concorrentes estão a fazer, é muito difícil, é muito difícil um banco, bem banco, conseguir aguentar isto.
José Maria Pimentel
E a gestão bancária pré-crise era muito focada na cota de mercado, lá está no aumento, aquela dicotomia típica da gestão do queremos vender mais ou queremos ter mais lucros e a primeira variável era vender mais barra contratar mais crédito e portanto estender a cota de mercado e isso vai ter sem lucro no imediato, mas depois se a pessoa, sobre aqueles créditos, vai ter que fazer imparidades, ou seja, imparidades no caso de assumir perdas em relação a determinados créditos cujo o devedor não paga, nesse caso não compensou. O problema é que isso só se vê no final, não é? O teu ponto é esse.
Pedro Braz Teixeira
Sim, mas a questão é que, lá está, daqui a 10 anos é muito tempo. E, portanto, os bancos também têm um problema dos gestores pensarem muito mais nos resultados a curto prazo, que é em função disso que se tem os salários e os bónus. E, portanto, há aqui um problema. Bom, em relação ao governo, às políticas públicas, há três funções económicas do Estado. A função de redistribuição, cuja ordem é o relativamente aleatório, a função de redistribuição, a função de regulação do mercado e a função de estabilização macroeconómica. Que é o quê? Que é suavizar os ciclos económicos. Que é evitar que quando a economia cresce, está um crescimento muito forte, que não cresce é tanto que sobreaqueça. E quando está em recessão também não cai tanto. Portanto, a função de estabilização é evitar os ciclos, suavizar os ciclos
José Maria Pimentel
de recessão. Sim, é o termo mais possível, uma linha reta daquilo que seria uma sucessão de curvas. Mas isso, eliminar as recessões não é possível, mas suavizar
Pedro Braz Teixeira
é de alguma maneira possível. Mas isso é uma função essencial dos governos. E não é desculpável um governo não respeitar uma função essencial que é a função de estabilização. E portanto, ter um déficit externo da ordem de 10% do PIB é totalmente contrário à função de estabilização. Os governos tinham a obrigação de corrigir este deficit.
José Maria Pimentel
Mas eu concordo, não me interpreto mal. Eu concordo que os governos tinham essa obrigação. Portanto, tinham
Pedro Braz Teixeira
a obrigação e infelizmente o que nós temos em Portugal é uma sucessiva amplificação dos ciclos económicos. É exatamente ao
José Maria Pimentel
contrário. É ao contrário, claro.
Pedro Braz Teixeira
As políticas públicas não são de estabilização económica, são de desestabilização económica.
José Maria Pimentel
Bem, normalmente tendiam a acelerar as expansões e a tentar mitigar as recessões. Não aconteceu nesta última por causa da austeridade. Não, desculpe.
Pedro Braz Teixeira
Não. Não. O facto de se agravar a expansão económica… as chamadas do FMI foram todas. Nós chamámos o FMI porque andámos a expandir a economia mais do que se deveria. Depois criámos o déficit externo insustentável e depois tivemos que vir o FMI.
José Maria Pimentel
Mas o meu ponto é, o governo, qual que aquilo fosse, por vontade própria, teria mitigado a recessão. Aliás, durante a crise mundial de 2008-2009 foi isso que aconteceu. Deixou-se funcionar os estabilizadores automáticos inicialmente. Não fez-se pior
Pedro Braz Teixeira
do que isso. Andou-se a estimular a economia. Só que com resultados péssimos, porque depois a seguir a recessão e os cortes tiveram de ser
José Maria Pimentel
muito mais fortes. Bom, mas o problema nesse caso foi que, no fundo, usando uma parábola, como não se tinha poupada durante a abunância, depois não houve com que mitigar a crise.
Pedro Braz Teixeira
Sim, sim, sim, sim, não há não só como mitigar, como depois o próprio Estado, a intervenção é altamente recessiva. Portanto, quando há o aquecimento da economia, o governo deita mais gasolina para a fogueira e depois quando vem a necessidade de fazer cortes e ajustamentos, vem a recessão e o governo não agrava a recessão. Mas
José Maria Pimentel
a que?
Pedro Braz Teixeira
Mas isto é, infelizmente, um padrão das últimas 40 anos, quase permanente. Em vez de haver estabilização, as políticas públicas desestabilizam a economia. Mas o facto deste erro gravíssimo ser muito frequente não o torna desculpável.
José Maria Pimentel
Mas o meu ponto não é desculpável, é explicável, que é um bocadinho diferente. O meu ponto é... Eu sou de escola e assumo isso com os enviesamentos que isso pode trazer, de que o desenvolvimento econômico é essencialmente explicado pelas instituições. E olhando para a nossa história, olhando para a nossa história pós Estado novo, como o Pedro dizia, nós temos 40 anos em que foi feito por sucessivos governos de orientações políticas diversas o mesmo. Sim.
Pedro Braz Teixeira
Mas isso também será uma coincidência. Sim, sim, sim. Mas
José Maria Pimentel
agora... O meu ponto é esse. Não é desculpar os governos. Sim. Mas como eleitor... Sim,
Pedro Braz Teixeira
mas é um bocadinho... Mas esta visão também seria um bocadinho injusto para a democracia. Porque nós temos instituições exterativas há 500 ou 600 anos. Não, claro! Eu estou a falar... Ou se calhar há mil anos! Evidente! Não, eu estou a falar dos 40 anos por ser aquelas de que nos lembramos. Está
José Maria Pimentel
bem! Por ser o regime atual, no fundo. Mas é evidente. Desde sempre, aliás, a história do ouro do Brasil tem imensa piada por causa disso. Porque nós estávamos a investir em manufatura na altura, de repente começa a haver um influxo de ouro no Brasil e as pessoas levantam os braços e dizem já não vale a pena, não é necessário continuar a fazer isso. Se
Pedro Braz Teixeira
estávamos a investir não é bem assim, porque lembro por exemplo de um autor falar em que no tempo de Dom João V se inscriou a fábrica das sedas num país que não fiava o linho. Quer dizer, não havia fábrica de linho, mas havia fábrica de
José Maria Pimentel
sedas. Mas eram algumas tentativas, pelo menos, de criar alguma manufatura na altura e que depois se colocou completamente de parte quando chegou a hoje. Sim, sim, mas já agora fazendo outra pergunta... Mas isto é um detour, não é só
Pedro Braz Teixeira
um problema? Não, mas é um detour que apesar de tudo é importante porque nós temos, na segunda metade do século XVIII, a criação da burguesia pelo Marquês de Pombal de cima para baixo. Que é, em vez de ser a classe, a burguesia, em vez de ser os próprios burgueses que... Que ascendem, não é? Que ascendem por seu próprio mérito, não, são o Marquês de Pombal a criar monopólios de comércio, que depois dá uns amigos, e que é o cúmulo das instituições extrativas. E, portanto, Esse é que é o padrão, que é uma classe de empresários que vive à conta do Estado. Exatamente. E o problema, infelizmente, não é dos últimos 40 anos.
José Maria Pimentel
E existir no Estado de novo era muito idêntico. Sim, sim, sim.
Pedro Braz Teixeira
A questão do condicionamento industrial, portanto, aqui assim nós temos, infelizmente, um padrão de instituições extraativas que são péssimas para o desenvolvimento
José Maria Pimentel
económico. Não, não é de todo. Os últimos 40 anos são de instituições mais inclusivas do que o período precedente, apesar de tudo. Não são... Não convergiram com aquilo que seria o nosso ideal. Isso... Bom, vamos falar sobre isso, que eu acho interessante, sim,
Pedro Braz Teixeira
mas não vamos... Eu não tenho, não estou... Também não estou em condições de fazer essa comparação, mas não me parece, porque tendo em atenção aquilo que aconteceu à dívida pública, porque a dívida pública é um indicador do que é que... Do grau de extração que nós tivemos. E nós a dívida pública em 1974 era 20% do PIB e neste momento é 130. E entretanto tivemos privatizações da ordem dos dezenas de... Talvez 20% do PIB, portanto há aqui assim...
José Maria Pimentel
Mas o modelo de gestão no Estado era muito diferente. Sim,
Pedro Braz Teixeira
mas a delapidação do património público ao longo dos 50 anos excede os 150% do PIB, portanto há aqui assim uma atividade extrativa que
José Maria Pimentel
não tem comparação com o Estado Novo. Mas o extrativo pressupõe-se que são as elites, ou seja, quem manda, quem governa, a extrair para elas próprias. Houve aqui também, negavelmente, um lado redistributivo. Sim, é verdade. O
Pedro Braz Teixeira
Estado de Providência foi criado no final do Estado Novo, mas ganhou verdadeiramente peso no...
José Maria Pimentel
Mas pronto, isto voltando atrás. O meu ponto é que, longe de desculpar os governos, isso seria algo completamente diferente, como eleitor jamais, eu acho que a pessoa deve procurar perceber porque é que as coisas ocorrem. Parece-me que em Portugal nós temos instituições, Não acho que sejam deficientes em toda a linha, ou seja, não acho que nós tenhamos um problema em toda a linha, mas temos claramente problemas de instituições a vários níveis que colocam limites ao desenvolvimento. E temos um problema por cima disso, que me parece que é sempre aquilo que enferma o raciocínio dos governantes quando tomam decisões, que é, o nosso referencial, o nosso paradigma, não é um país, não é um país da Europa de Leste, por exemplo, o nosso paradigma é sempre um grande país europeu E a minha interpretação é que isso torna muito difícil, na altura em que a economia está a sobreaquecer, por exemplo, quem governa ter noção de que a economia está a sobreaquecer de facto. Porque se o nosso paradigma for uma economia, no limite, por absurdo, se o nosso paradigma for a Alemanha ou a Suíça, por exemplo, dificilmente nós vamos reparar quando a economia está a sobreaquecer. Quando a economia estiver a sobreaquecer, para nós ela ainda está a arrancar. Obviamente, deveria que há indicadores onde se pode observar isso, e é verdade.
Pedro Braz Teixeira
Claramente. Um deles é a taxa de desemprego, o que quer dizer, não... Mas, ok, então deixa-me falar sobre outra questão das instituições, que é... Nós temos um problema de crescimento económico, claro, muito nítido desde 1995, mas resultou muito nítido a partir do ano 2000. Exatamente. A
José Maria Pimentel
chamada década perdida, não é?
Pedro Braz Teixeira
Exatamente, quase duas.
José Maria Pimentel
Desde menos década e meia, ou quase duas.
Pedro Braz Teixeira
São quase duas. Quem que o crescimento português foi o terceiro mais baixo da União Europeia? Um crescimento
José Maria Pimentel
péssimo. Sim, pior só a Itália e a Grécia. Pois claro.
Pedro Braz Teixeira
E ainda por cima a Grécia, até 2008, conseguiu um crescimento... Claro, crescimento com muitos troids, Mas apesar de tudo estava a crescer a 4% ao ano. Sim, sim, exatamente. Só que depois aquilo... O rei vai nu e de maneira que depois daquilo desmoronou-se. Bom, mas nós temos um problema de crescimento económico gravíssimo. Gravíssimo. Há imenso tempo. O problema é gravíssimo porque a falta de crescimento económico afeta tudo. Afeta ao estado social, afeta ao emprego, afeta aos salários reais, afeta à dívida, afeta contra as públicas, enfim. Praticamente não há nada que não seja afetado pelo fraco sistema de económicos. Sim,
José Maria Pimentel
exatamente, até porque gera uma espiral de consequências. Portanto,
Pedro Braz Teixeira
o problema é gravíssimo, já dura há imenso tempo. Já dura, portanto, é um problema gravíssimo que dura há imenso tempo. Portanto, era suposto que houvesse um consenso generalizado na população portuguesa que nós temos um problema gravíssimo e que já dura a imenso tempo. Quer dizer, isto já dura há tanto tempo, já duramos há 17 anos, é impossível alguém dizer ai, nunca tinha ouvido falar nisso. E no entanto, e no entanto, ainda há muitas pessoas, mesmo nas elites, que não têm consciência deste problema. O que é uma coisa extraordinária. Como é que é possível que um problema tão grave, que já durou há tanto tempo, como é que é possível que este problema ainda não entrou na cabeça das pessoas?
José Maria Pimentel
Mas quando diz que não tem noção do problema, tem noção da recessão, não é? Não,
Pedro Braz Teixeira
não, não, não, não, não, não tem noção do problema porque acham que está tudo mal na Europa.
José Maria Pimentel
Está tudo mal. Só mais um.
Pedro Braz Teixeira
Não, nós estamos mal porque os outros também estão mal. O que é completamente falso. Mas não há consciência deste problema. E que instituições são estas que existem em Portugal? Que são as instituições... Eu pergunto, as universidades, como é que as universidades deixam passar isto em branco? Como é que não estão a fazer campanha para haver consciência desse problema? Porque enquanto não houver consciência do problema, as pessoas também não vão estar disponíveis para tomar as medidas para resolver. Onde é que há instituições de referência que digam, meus caros amigos, estamos a chamar a atenção a isto, isto é muito grave, é muito importante, há duramente esse tempo, nós temos que resolver isto? Não me insisto.
José Maria Pimentel
Desde logo, como falávamos em off, Existe uma falta de think tanks, por exemplo, em Portugal. Há muito pouco quem produza intelligence, para usar o termo anglo-saxónico, sobre o assunto.
Pedro Braz Teixeira
Sim, sim. Já agora deixe-me só dar o exemplo de uma simulação que eu fiz aqui há uns tempos. Imaginemos que Portugal durante estes anos de crescimento horrível tinha crescido como Espanha. E atenção, que Espanha teve um crescimento um bocadinho acima da União Europeia. A União Europeia cresceu 1, 3% em média ao ano e a Espanha cresceu 1, 5% mais duas décimas. Portanto, Não estamos a falar de nenhuma ambição desmedida, estamos a falar de crescer um bocadinho, um bocadinho melhor que a União Europeia, que aliás Portugal tem a obrigação de ser, porque como nós estamos abaixo da média Europeia temos a obrigação de convergir. Aliás, há 35 anos que recebemos fundos comunitários para convergir. Como é que é possível que há 17 anos que Portugal não converge? É extraordinário. Mas então, a seguinte simulação. Vamos admitir que Portugal tinha crescido tanto como Espanha nestes últimos anos.
José Maria Pimentel
Incluindo a crise, portanto. Sim, sim. Incluindo a
Pedro Braz Teixeira
recessão. Bom, nesse caso, em vez de termos uma dívida de 130% do PIB, tínhamos uma dívida de 107% do PIB. Só por este efeito do crescimento do PIB. Mas se tivéssemos crescido tanto como Espanha, não tínhamos tido déficits tão grandes. Portanto, seria muito fácil, em vez de termos uma dívida de 107, ter só de 100. Exato. Que é exatamente aquilo que Espanha tem. Ou seja, se nós tivéssemos crescido tanto como Espanha, uma meta que não é nada, absolutamente nada ambiciosa, tínhamos uma dívida como Espanha, tínhamos um crescimento como Espanha, uma dívida como Espanha, Tínhamos certamente taxas de juros muito parecidas com a de Espanha, que andam à roda de 1, 5%, que é mais ou menos a inflação. Portanto, taxas de juros reais, zero.
José Maria Pimentel
E sobretudo, teremos tido na altura a cruciais. Sim, sim, sim. Mas não teve um problema de resgate.
Pedro Braz Teixeira
E portanto, basicamente, não havia discussão nenhuma sobre a vida pública, não tínhamos esse problema.
José Maria Pimentel
É preciso dizer, só fazendo aqui um parênteses em parola da clareza para leigos, essa diferença de duas ou três décimas depois é cumulativa, não é? Embora seja uma diferença pequena, na prática rapidamente se torna no... É, fazer duas décimas não é ser uma coisa muito... Não é muito, mas pronto, é mais do que parecia à primeira vista. Sim, mas... Era desde o início do século. Bom,
Pedro Braz Teixeira
isto para reforçar a ideia de que realmente o problema do crescimento é decisivo, foi praticamente tudo, e que é estranhíssimo como é que continua a haver um problema tão grave que dura há tanto tempo, estar praticamente... Não haver consciência, os portugueses não têm noção disto. E, desculpe lá, eu a falar com pessoas informadas, Eu mostrei-lhes o gráfico com essa evolução do coiso e eles ficaram espantadíssimos, porque não tinham noção disto. Isso é incrível. Eu...
José Maria Pimentel
A tentar... Claro, evangelizar. Evangelizar,
Pedro Braz Teixeira
porque realmente isto parece uma coisa absolutamente extraordinária. Como é que é possível um país ter um problema tão grave há tanto tempo e os portugueses ainda não perceberam isto? Faz lembrar, desculpe lá, que é um paralismo com o problema demográfico. O problema demográfico nós temos desde o início dos anos 80. Em todos os países europeus, em todos os países europeus, houve uma queda da natalidade. Mas em todos os países europeus tomaram-se medidas e a natalidade tocou mínimos e começou a recuperar. Alguns mais, outros menos, alguns mais tarde, outros mais cedo. Qual é o único país europeu em que a natalidade continua a bater mínimos todos os anos? Portugal. É uma coisa extraordinária. O problema demográfico é um problema gravíssimo. É um problema que põe em causa a própria identidade nacional. Porque nós vamos deixar, vamos desaparecer, ou vamos passar a ser substituídos por imigrantes. Então, a dada altura, os portugueses passam a ser uma minoria em Portugal. Portanto, o problema da demografia...
José Maria Pimentel
E antes de isso acontecer, coloca muitos outros problemas, não é?
Pedro Braz Teixeira
Sim, sim. Mas o problema da demografia ainda é mais antigo do que o problema do crescimento económico, mas ainda não se fez absolutamente nada. Ainda não passámos das medidas folclóricas, tipo vamos baixar o IVA das fraldas, que não produz efeitos nenhumes, como é evidente. Mas há realmente aqui um problema das instituições que permitem que não se empenham em tomar consciência dos problemas graves e duradouros e que não se preocupam
José Maria Pimentel
em esclarecer as pessoas em relação a essas questões. Claro. Desde logo parece-me que um dos principais problemas que existem em Portugal é pensar a longo prazo. Isso é gritante. É um problema crónico de conseguir antecipar o futuro. No fundo, há uma tendência, mesmo no debate público, de resolver os problemas quando estão em cima da mesa. Há uma crise que
Pedro Braz Teixeira
é preciso debolar e esse assunto é discutido. Mas se o problema... Já agora, uma crise que é preciso debolar porque não se pensou naquilo que ia gerar a crise. Porque as crises não caem do céu. Algumas caem, mas muitas fomos nós que as criámos.
José Maria Pimentel
Mas uma vez caído, gera-se a crise e até se gera com uma dose de capacidade de autocontrole coletivo. Não sei se isso pode se chamar, o que não é despiciando. Mas há uma enorme dificuldade a antecipar os problemas, isso parece-me crónico. Mas aquilo que eu gostava de falar, que está exatamente relacionado com a questão das instituições, porque há a pergunta, qual é o problema do país? A pessoa pode responder, mais decisões governamentais, mais decisões da parte dos políticos, do Estado enquanto corpo. Mas essa não é a resposta que interessa. No fundo, a resposta que interessa é perceber por trás disso o que é que está mal, o que é que devia existir de forma diferente. E parece-me, acho que partilhamos essa opinião que está em grande medida do lado das instituições ou da falta delas. As instituições são muitas, obviamente, o Estado ele próprio é uma instituição, mas é instituição, a sociedade civil no geral, as universidades, como falava há pouco, são instituições, o Think Tank são instituições, todos os partidos políticos são instituições. A comunicação social. Os médias são uma instituição e, Na sua opinião, onde é que há mais progresso a fazer? Ou, invertendo na pergunta, onde é que há mais falta de desenvolvimento?
Pedro Braz Teixeira
Eu tenho um bocado de dificuldade em responder a essa pergunta, mas há uma... Porque parece-me que há genericamente um Estado a mais e um Estado, verdadeiramente, abusivo. Nós temos lá no Fórum para a Competividade, temos tido muitíssimas reuniões com presidentes de empresas, pessoas com cargos muito elevados, empresários, etc. E uma das coisas que mais me chocou é que eles relatam coisas, medidas públicas e administrativas absolutamente chocantes. Coisas escandalosas, quer dizer, como é que se admite que a administração pública faça isto? Isto é uma coisa absolutamente intolerável, um abuso, um erro, um crime ambiental. Coisas escandalosas que eu não posso relatar aqui, exatamente porque, quando nós dizemos aos empresários, muito bem, vamos contar esta história, isto é uma vergonha, vamos contar essa história, ele diz não, não, não, não, não.
José Maria Pimentel
Não tiram o financiamento.
Pedro Braz Teixeira
E estamos a falar muitas vezes de empresários, donos de empresas, multimilionários, e eu digo assim, mas como é que é possível que uma pessoa com este estatuto social, com este estatuto económico tenha medo de dizer mal de erros óbvios do Estado?
José Maria Pimentel
Eu acho que aí, essa é a raiz do problema.
Pedro Braz Teixeira
Eu acho isto uma coisa absolutamente tenebrosa. Quer dizer, como é que é possível? É suposto ser uma das pessoas que se sentir com mais poder? Então um tipo que é milionário, que é dono de empresas, que tem medo de apontar um erro flagrante escandaloso do Estado? Como
José Maria Pimentel
é que isso se admite? Eu acho que essa é a resposta.
Pedro Braz Teixeira
Quer dizer, eu fico absolutamente alucinado. Portanto, isto significa duas coisas quanto a mim. Por um lado, existe um Estado abusador, um Estado que não tem o mínimo de respeito pela lei, que utiliza a lei e a administração de forma totalmente caprichosa, e estes empresários têm medo dos caprichos da administração pública e do Estado. Porque se levantarem... Quer dizer, denunciarem casos concretos escandalosos de erros da administração pública, podem ser projecados por isso. Há aqui assim um lado de um Estado abusador e totalmente respeitador de regras mínimas. Um Estado capricho. Mas eu acho que... Me deixa, me deixa... Diga-lhe. Está aqui assim um problema grave da parte do Estado. De acordo? Da impunidade do Estado. Aliás, uma coisa que eu acho... Uma das reformas que devia haver era instituir os despedimentos por justa causa no Estado. Há certas coisas que são... Por exemplo, um juiz que não pede descusa... Que tem conflito de interesse num determinado caso e não pede descusa. Ai, desculpe lá, mas você vai ser expulso do sistema. Claro, o mero facto de isso não poder acontecer... Quer dizer, isso é inadmissível. Coisas absolutamente escandalosas que nós presenciamos e não há punição nenhuma. Quer dizer, isto é uma coisa completamente inaceitável. Esse lado, quer dizer, tem que... Há defenso que deve se instituir o despedimento por justa causa no Estado e há certo tipo de comportamentos que devem dar direito a despedimento.
José Maria Pimentel
Claro, em última análise é uma justiça para quem não trabalha no Estado. Portanto, esse tema é relativamente pacífico. Bom,
Pedro Braz Teixeira
e por outro lado, por lá não há o Estado abusador, o Estado que não respeita regras, que age por capricho, que persegue cidadãos que estão a cumprir as suas obrigações, E por outro lado, há de facto uma sociedade civil que é completamente madrosa. Desculpe, quer dizer... Quer dizer, se os empresários de mais alto topo têm medo de dizer mal das coisas que estão mal no Estado, então essas pessoas que estão abaixo vão dizer o quê? Claro. Quer dizer, acho uma coisa... Quer dizer, aí, evidentemente, estes dois efeitos estão aqui... Estão interligados. Estão interligados e estão em interação. Quanto mais abusador é o Estado, mais as pessoas têm medo de se medir com o Estado.
José Maria Pimentel
O Estado no fundo é como água, vai até onde pode, vai avançando até onde pode.
Pedro Braz Teixeira
É uma coisa, excepto nas alturas em que se demite, que é o que nós assistimos neste verão. Demissões absolutamente escandalosas, como o caso de Pedro Algarmo Grande e Tancos, é um Estado demitido. Ou quando intervém é de forma abusadora, caprichosa, etc. Ou então demite-se de intervir, permitindo que morram dezenas de pessoas.
José Maria Pimentel
Mas eu essa explicação acho muito interessante porque vai à raiz do problema. Nao são governos que agem mal, não são as instituições, não é a camada a seguir que são as instituições que não existem, é o motivo pelos quais essas instituições não existem. E isso é que eu acho interessante perceber. O Estado lá está, é como a água, vai até onde pode ir. Agora, porquê é que as nossas elites têm esse sentimento de precariedade, que no fundo é o que está por trás disso, que as leva a não se sentir suficientemente confiantes para fazer frente ao Estado ou à Administração Pública, ou quer dizer, o Estado em qualquer das suas facetas. Isso para mim é algo que eu não consigo explicar completamente.
Pedro Braz Teixeira
Não, quer dizer, ou é só uma coisa, você vai contestar uma decisão da administração pública e vai fazer aos tribunais. Claro. Uns tribunais que são... Que funcionam. Mas pode fazer-o na opinião pública. No fundo, o
José Maria Pimentel
receio da pessoa que lhe estava a dar essa impressão é de que ao expor publicamente determinada opinião pudesse sofrer reprisálias, quaisquer que elas fossem, porque provavelmente tinha uma ligação grande ao Estado. Agora, isso noutros países acontece em menor escala e é isso... As instituições surgem sempre por um conflito entre o Estado e a sociedade civil.
Pedro Braz Teixeira
Sim, mas agora temos aqui o cancro dos fundos europeus. O cancro dos fundos europeus, quer dizer que é um cancro. Os fundos europeus é adetar dinheiro para coisas estúpidas, coisas absurdas. E
José Maria Pimentel
dão poder a quem tem os
Pedro Braz Teixeira
fundos, a quem sirve como local. Significa criar um clientelismo tenebroso. Não, que vai a todo lado, por exemplo, na consertação social. Todos os parceiros sociais que sentam na consertação social recebem dinheiro do Estado, quer dizer, do governo, decidido pelo governo. Portanto, há decisões que são tomadas de forma errada porque o governo pressiona... Claro,
José Maria Pimentel
é uma lógica
Pedro Braz Teixeira
perversa. E eu, no outro dia, tive um debate numa televisão com um membro do governo e eu apontava-lhe que era uma decisão completamente irresponsável a subida do ordenado mínimo porque o que devia ser feito era a criação que estava no programa do PS, a criação no escalar negativo do IRS. E o membro do governo dizia ah, mas isso foi decidido por acordo na comunicação... Na concertação social. E eu fiquei alucinado. Quer dizer, se todos se puserem de acordo em relação à geneira e se a geneira deixa de ser a geneira... Mas para ele o problema esgotava-se ali. Tinha sido decidido por acordo da concertação social, quer dizer, sendo que o acordo da concertação social, em muitos casos, é acordo com a pessoa lá botada à cabeça. Claro,
José Maria Pimentel
e a concertação social é um fórum importante, mas não substitui a legitimidade democrática, não é? Não,
Pedro Braz Teixeira
não, não, mas quer dizer, o problema é que a própria conservação social está altamente... Prevertida. Prevertida, quer dizer, porque o facto de os parceiros sociais receberem dinheiro do Estado torna-los dependentes do Governo. E, portanto, os fundos estruturais, para além de levarem a investir nas coisas mais absurdas que é possível, criam um clientelismo que deram muito mais poder ao Estado do que se não houvesse. Aliás, eu defendo já há muitos anos que eu negociava com o Bruxelas. Olha, vamos fazer o seguinte. Nós recebemos menos de 20% de fundos estruturais, mas não há cá programas europeus nenhums. É tudo diretamente para o orçamento. E, portanto, Cada euro do Fundo Estrutural vai diretamente para o servimento e a gente é que decide o que faz ao euro. Pode ser para baixar o déficit, para a saúde, para o que a gente quiser. Ou até indeterminado, não é? Mas para nenhum programa europeu. Há programas europeus de disparate. Porque cada euro do Fundo Estruturais, como tem que ser gasto necessariamente naquela, em certas atividades específicas, não vale 1€. Portanto, eu por mim... Vale menos? Vale menos do que 1€. E portanto, eu aceitava, olha, nós recebemos só 80%, mas nós é que decidimos onde é que gastamos o dinheiro. Porque para acabar com este cancro...
José Maria Pimentel
Há ajuda externa... Tem-se apenas problema, com os países em desenvolvimento acontece imenso isso. Está estudado que cada dólar de... É um caso diferente apesar de tudo, mas é um caso em que as instituições são ainda mais frágeis e cada dólar de ajuda externa que é enviado, de cada dólar de ajuda externa que é enviado, são 10 cêntimos ao destino final. Então era um caso paralelo a esse, não é? Sim, sim, sim. Embora e assim
Pedro Braz Teixeira
também haja o caso da corrupção, mas que eu admito que haja também o caso da corrupção, mas aqui assim o problema é as obras absurdas, não tem sentido nenhum. Por exemplo, umas coisas mesmo loucas. Um concelho envelhecido vão criar uma creche. Não há crianças, quer dizer, coisas loucas.
José Maria Pimentel
Sim, claro que não. As coisas às vezes atingem um ponto que se fossem visíveis era evidente que não fariam sentido. Ou seja, basta isso para a opinião pública ficar persuadida que isso não faz sentido. E aí,
Pedro Braz Teixeira
desculpe lá, voltar à comunicação social, porque é realmente um bocado chocante, ou profundamente chocante, como é que a comunicação social, por exemplo, quer dizer, nós agora temos cada vez mais notícias do que é que o Sócrates andou a fazer a controlar, a tentar controlar a comunicação social. E é chocante como é que isto devia indignar completamente a comunicação social, porque Sócrates tentou destruir o essencial da comunicação social, o essencial da função da comunicação social. Como é que os jornalistas hoje não estão absolutamente descanalizados com isto? Agora que se sabe. E não... Quer dizer, é chocante como é que essas coisas, essas notícias se passam e não causam nada, nenhuma reação... Eu
José Maria Pimentel
presumo que também tenham alguma vergonha, não é? Porque a comunicação social está numa situação difícil, não é? Não, isso é evidente. Está numa posição extremamente fragilizada. O que a torna muito suscetível ela ser controlada. Aliás, temos visto isso nos últimos anos, seja esse controle mais ou menos apertado, não é? Sim, mas é só uma coisa. Está com um monte de problemas, agora muito bem. Agora, se a
Pedro Braz Teixeira
comunicação social se demite da sua função principal, que é tentar controlar e perceber o que se passa no espaço público, nomeadamente, dizem que os políticos mentem escandalosamente em Portugal e não há praticamente jornalista nenhum a confrontar os políticos com as suas mentiras. Isto significa que há um prémio à mentira. Os jornalistas portugueses premeiam a mentira dos políticos portugueses. São altíssimamente responsáveis pela política portuguesa ser aberta a mentira.
José Maria Pimentel
Isso, apesar de tudo, parece que está um bocadinho melhor do que já foi. Não, não, não. Acha que não? Acho que está muito pior. Houve a introdução daqueles fact-checks, por exemplo, e de... Não,
Pedro Braz Teixeira
acho que isso não está a ser aplicado de forma consistente. Não está a ser aplicado de forma consistente e continua-se a ouvir mentiras descaradas. E depois, quer dizer, há muitas... O problema aqui assim não é da... Os jornalistas têm ideologias, obviamente que têm. Agora, quando a ideologia de um determinado jornalista faz com que se fique sectário de um determinado partido político e branqueia todas as mentiras ditas por esse partido político, bom, isso já não é aceitável.
José Maria Pimentel
Mas em relação à ideologia dos jornalistas, tanto a direita como a esquerda se queixam de que os jornalistas têm a ideologia oposta. A crítica à agenda do jornal é feita tanto à esquerda como à direita.
Pedro Braz Teixeira
Não, não, não. Mas uma coisa é... Claro, o jornalista olha para a realidade da sua perspetiva, isso é naturalíssimo. Agora, o que já não é natural é que um jornalista só se preocupe com a porcaria do lado oposto e não se preocupe com a porcaria do seu lado. Isso já não é acertado. Não,
José Maria Pimentel
mas essa acusação é feita tanto pela esquerda quanto pela direita. Há vezes, não é? O jornalista é quase como o árbitro no futebol, que é criticado por ambos os lados. A direita queixa-se, historicamente, que o jornalismo tende a ser mais de esquerda E a esquerda queixa-se que o jornalismo está vendido aos interesses do capital, ou de que forma a coisa for enquadrada. Não, mas
Pedro Braz Teixeira
essa descrição parece que exige… É
José Maria Pimentel
a minha intuição, não é? Pode não ser? Sim, mas ela… Ou corresponde à realidade?
Pedro Braz Teixeira
Não considero que corresponde à realidade, porque está a fazer uma descrição como demasiado equitativa, como se os problemas fossem idênticos de ambos os lados, e não parece que sejam. Não parece que sejam. Porque... Aliás, nós temos visto que é uma coisa absolutamente chocante. O caso do Sócrates, quer dizer, aquilo é absolutamente… o que é que ele não esteve envolvido? Você não tem um político equivalente da mesma importância. Tem ex-ministros, mas não tem um ex-primeiro-ministro da direita que tenha o tutorial do Sócrates. Não tem. E aliás, não é só. Nós temos a maior parte das notícias de comunicação social de crimes e de acusações, infelizmente, são políticos de esquerda. Não acho que haja uma paridade entre as duas situações. Não parece.
José Maria Pimentel
É difícil saber.
Pedro Braz Teixeira
É que isso soa demasiado abranqueamento, percebe? Ah, isto é tudo igual para todos, e não, não é.
José Maria Pimentel
Bom, eu vou passar para outro tema, que é em relação ao euro e à União Europeia, que foi um assunto que teve mais na ordem do dia há uns anos e agora tem estado mesmo, mas continua a ser muito abordado nas publicações da especialidade. O euro, lá está, é um problema que agora não é tão falado, mas continua a ser um problema a prazo, ou seja, continua a ser uma moeda cujos alicerces terão de ser corrigidos e não se afigura fácil corrigir esses alicerces a nível europeu. E isso traz à baila uma teoria que eu acho muito interessante, porque eu acho que é sobretudo interessante porque como tem pouca evidência empírica, a pessoa pode especular muito mais em relação a ela, que é a chamada teoria das zonas monetárias ótimas, aqui ótimas no sentido mais anglo-saxónico do termo. Ideais, ideais. Ideais, exatamente. A zona monetária ideal, no fundo. E a questão de se a zona euro é ou não uma zona, ou por outra, nunca seria uma zona monetária ideal, mas com o próximo Estado uma zona monetária ideal. Esta teoria foi proposta inicialmente pelo Robert Mandel, economista canadiano, e o que ele sugeria é que para uma zona montar é ótima era necessário haver uma elevada mobilidade do fator trabalho, ou seja, era necessário haver uma elevada mobilidade da população entre um país, no caso dos Estados Unidos, por exemplo, entre um Estado que tenha uma recessão para um Estado que tenha uma economia mais pujante e, no fundo, reequilibrando as duas economias. A resposta a essa pergunta originalmente era desde sempre que a Europa é pelo menos bastante menos móvel em termos do fator de trabalho do que os Estados Unidos, isto é, é inegável que a Europa é menos móvel, embora, isso é uma questão alaterada, a mobilidade geográfica nos Estados Unidos esteja a diminuir, é uma questão que está a preocupar muito quem estuda esse tema lá, mas para todos os efeitos continua a ser incomparável. Portanto, esse era desde logo um problema à partida do euro. Houve outra proposta feita em relação ao euro por outro economista, Peter Kennan, que falava da necessidade da integração orçamental para assegurar que uma moeda única era sustentável entre vários estados. De novo, essa integração orçamental não existia na Europa, o orçamento comum é mínimo, as políticas orçamentais, como se viu durante a crise, não estavam coordenadas e, portanto, não asseguravam o reequilíbrio entre uma economia que tivesse projéntio e uma economia que tivesse em recessão. E depois houve outros fatores e por isso é que eu digo que a teoria é muito interessante, porque ela só com estes dois fatores estava incompleta. Porque o Ecrizo, por exemplo, mostrou que para além disto é necessário que haja um Banco Central que possa atuar como o chamado lender of last resort, ou em português o que é prestamista de última instância, ou algo deste género, as coisas ficam sempre pior, que no fundo um banco central que possa garantir liquidez ao Estado, ou seja, que possa garantir a um Estado que não deixará de poder emitir dívida.
Pedro Braz Teixeira
Sim, embora aí assim, a questão não é bem, em relação ao decesso-fator, a questão não é bem assim. A questão é que é normal que um banco central seja o prestamista do último recurso. Isso é normal. O é normal foi no euro ter-se retirado, proibido.
José Maria Pimentel
Exatamente.
Pedro Braz Teixeira
Mas isso foi uma especificidade. Claro,
José Maria Pimentel
não teria que ser assim necessariamente.
Pedro Braz Teixeira
Não teria que ser assim, foi uma especificidade que foi criada por pressão alemã. E aliás, neste momento, corre agora um caso em discussão no Tribunal Constitucional alemão sobre se a expansão quantitativa do BCE não está a abelar os tratados europeus exatamente nesse aspecto. Portanto, o erro não tinha que ser assim. O Euro teve essa cláusula adicional por pressão alemã, que não é...
José Maria Pimentel
Sim, não era uma pré-condição, não era um fator...
Pedro Braz Teixeira
Quer dizer, percebemos realmente que era assim. Em relação aos outros dois aspectos, de facto, é bastante chocante que a mobilidade, qualquer indicador sobre a mobilidade do trabalho, sobre a flexibilidade do trabalho, não fosse um dos critérios de Master Trist. É estranhíssimo. Como é que um dos critérios... Quer dizer, dado que a teoria das áreas monetárias ótimas tinha esse elemento como ponto de partida, como é que a flexibilidade do mercado de trabalho não foi considerada como um dos critérios mais tristes. É evidente que seria difícil dizer qual seria exatamente o indicador, porque teria que ser um...
José Maria Pimentel
Mas, quer dizer, mas... Sim, e como promovê-la também.
Pedro Braz Teixeira
Mas como é que não se fez nada nesse aspecto é realmente um bocado chocante. Mas a falta de mobilidade é uma evidência, porque nós temos, por exemplo, um país como a Grécia, em que as taxas de desemprego dos jovens são claramente acima dos 50% E não muda. E eles não se vão embora. Exato,
José Maria Pimentel
é incrível.
Pedro Braz Teixeira
Porque é que os jovens gregos não saem da Grécia, vão para outros países? A questão é que também não é fácil para eles, porque a barreira linguística, por exemplo... Sim, enfim, está bem. Mas então nesse caso nós não teríamos imigrado em massa nos anos 60, quer dizer. Claro. Os gregos também emigraram para a Europa, quer dizer, a barreira linguística poderá ser um problema nos primeiros tempos.
José Maria Pimentel
O que acontece nos Estados Unidos provavelmente é que quem emigra pode ter que abrir mão de determinadas coisas, mas não vai com a perspetiva de piorar substancialmente o nível de vida. Enquanto que um grego, um português, que emigre para a Alemanha, por exemplo, e que não fala alemão, ele até pode ter formação, mas provavelmente vai piorar muito o nível de vida se encontrar emprego. Se estiver desempregado
Pedro Braz Teixeira
em Portugal não vai piorar o nível de vida.
José Maria Pimentel
Mas ele pode ter legítimas expectativas de encontrar emprego em Portugal. De novo, isto é como a questão das instituições e da má ação do governo. Eu não estou a desculpar, estou a tentar explicar porque, no fundo, a meu ver, isto é uma explicação de um lado e do outro. É uma questão de porque é que o primeiro ovo é o galinha, não é por um lado. Obviamente que as pessoas... É inexplicável como é que as pessoas não imigram, mas por outro lado existe uma barreira linguística, uma barreira cultural que não existe nos Estados Unidos e que torna a comparação imperfeita.
Pedro Braz Teixeira
Quer dizer, a barreira não há de ser só a língua. Porque, quer dizer, nos Estados Unidos é completamente impensável que exista desemprego jovem de 60% num determinado estado e os jovens continuem naquele estado, não quer dizer que
José Maria Pimentel
vão sair e mudar de estado. Aliás, é frequentíssimo. Embora, como eu dizia, isso tenha diminuído. Sim, ok. Houve, têm sido feitos alguns estudos em relação a isso e até aqui o que era normal é que as pessoas saíssem do Estado que estivesse com uma recessão. E hoje em dia isso tem acontecido menos, embora lá está, continua a acontecer. O
Pedro Braz Teixeira
que será na Grécia, muito provavelmente, é porque há o apoio familiar, o direito a algum subsídio de desemprego, etc. O que faz com que eles não... Sim, há uma série de outros fatores, não é? Não será só isso. Em relação... Mas é um problema, quer dizer, não foi feito absolutamente nada. E aliás, o que nós encontramos, e é uma coincidência realmente diabólica, não se pode dizer que seja o efeito direto, mas todos os países com problemas são os países que coincidem, é uma coisa um bocado... É coincidência a mais, que são exatamente os problemas os países que têm indicadores no mercado de trabalho piores. É muito estranho como é que em Maastricht isso não foi levado a sério e passados estes anos todos...
José Maria Pimentel
E dá razão ao modelo, no fundo. Sim.
Pedro Braz Teixeira
E passados estes anos todos, mesmo com os programas de ajustamento, houve um foco insuficiente nas reformas dos mercados de trabalho. Em relação à questão orçamental, de facto, é incomparável. Aliás, O problema do orçamento europeu é duplo. É o facto de ser ínfimo e é o facto de não ter zero efeito estabilizador. Está
José Maria Pimentel
descoordenado completamente. Não há coordenação entre os...
Pedro Braz Teixeira
Não, mas não é só... Quer dizer, o orçamento comunitário não tem nada a ver com as flutuações económicas.
José Maria Pimentel
Se está definido à partida por um pacote de 7 anos... Ele seria sempre pequeno, não é? Mas nem sequer há um esforço de estabilizar.
Pedro Braz Teixeira
Mas não tem nada, não é minimamente um orçamento estabilizador. Não tem efeito estabilizador absolutamente nenhum. E quando se falou quando se falou vagamente vamos subir um bocadinho o orçamento comunitário e todos querem baixar. O que está em cima da mesa é de não caminhar absolutamente nada Nesse sentido. O que aliás é compreensível, porque repare na objeção alemã de não haver financiamento monetário dos Estados. Mas isto foi exigido em 92. Em Mastrist, em 92. Quando os problemas do euro eram uma hipótese que talvez viesse a acontecer no futuro. Pois seria possível que... Agora nós já não estamos na hipótese, agora já estamos na realidade. E na realidade já se percebeu o gigantismo dos problemas. E, portanto, se em 92, em Maastricht, não havia margem política para criar um orçamento comunitário, Por maioria de razão hoje não existe.
José Maria Pimentel
O meu ponto é esse. Aquilo que é preocupante nisto é que o euro precisava, no fundo, de maior integração do mercado laboral. A integração geográfica precisava de ter um orçamento comunitário ou de integração orçamental. O caminho que nós estamos a traçar é de menor integração orçamental, não maior. Sim, sim, sim. Ou por outra, de menor probabilidade de acontecer essa integração orçamental. Há outra coisa que pode ocorrer diferente que é, pode por exemplo não haver um... No fundo fazer o paralelismo com os Estados Unidos quer dizer, por exemplo, mais intuitivo. Pode não haver um governo federal, mas haver uma articulação dos orçamentos dos vários países, que não ocorreu também. Portugal tinha uma política contra-accionária. Mas
Pedro Braz Teixeira
já agora, Não diria dos orçamentos, diria das políticas macroeconómicas.
José Maria Pimentel
Sim, exatamente, da política orçamental...
Pedro Braz Teixeira
Mas da política macroeconómica
José Maria Pimentel
em geral.
Pedro Braz Teixeira
Porque nós temos, por exemplo, neste momento, um superávit na Alemanha
José Maria Pimentel
que é um absurdo.
Pedro Braz Teixeira
Que é mau para o euro, é mau para a União Europeia, é mau para a economia mundial, porque está a obrigar, está a fazer com que o euro se aprecie muito mais do que se deveria apreciar, está a dificultar o ajustamento nos países do Sul, está a criar imensa tensão dentro da própria zona do euro e, portanto, é mau para o euro e é mau para a economia mundial, porque a economia mundial como um todo sofre de uma falta de procura e um superávit externo é falta de procura e portanto a Alemanha está a agravar o problema mundial de falta de procura. Aliás, neste momento, eu não vi exatamente os últimos... Aqui há uns tempos a Alemanha e a China estavam a par ambas com um déficit em valores absolutos parecidos e neste momento a China abaixou um bocadinho e a Alemanha aumentou. Portanto, eu julgo que neste momento a Alemanha tem o maior super hábito externo do mundo. O que é incrível. E o que é curioso nisto é que criticar o super hábito externo alemão é para mim a única razão, a única coisa em que os países do Sul têm direito a tirar a cara da Alemanha. É a única coisa que a Alemanha está a fazer errado. É incontornável, não é? Exatamente. Não, é óbvio que os países do Sul tinham toda a razão em criticar a Alemanha e obrigar a Comissão Europeia a forçar a Alemanha a baixar o suco. E não é uma questão ideológica, ao
José Maria Pimentel
contrário da austeridade, por exemplo, isso não é uma questão ideológica. E
Pedro Braz Teixeira
os países do Sul não fazem isso. Fazem reivindicações disparatadas, querem isto, querem aquilo, e a única reivindicação que eles têm todo o direito de fazer não fazem. Eu acho isto extraordinário.
José Maria Pimentel
Pois é, isso é engraçado, fazem outros por eles, porque esse é um tema que é discutido. Sim, sim. Já tem sido discutido várias vezes. Mas com pouca. Mas é discutido nos fóruns
Pedro Braz Teixeira
fora académica, mas em termos políticos não vejo muito...
José Maria Pimentel
Não, mas agora saiu, agora eu digo agora, é relativamente recente, não sei o quão recente, mas saiu o relatório do Banco de França, do Banco Central de França, em que eles faziam um estudo justamente disso, no fundo era o preço, ou o impacto em termos do PIB, da falta de articulação entre as políticas macroeconómicas dos países, sendo que o principal problema era a Alemanha ter uma política sedentária numa altura em que não o devia ter, em que devia estar a compensar o facto de os outros países estarem todos a apertar os cordões à bolsa. E isso não aconteceu e roubou ao PIB europeu e, sobretudo, ao PIB dos países do Sul, uma parte importante. Lá está, eu concordo com o Sim nesse aspecto, é incrível. Porque, no fundo, esse é um... É gratuito, não é? É gratuito no sentido em que não se perde nada em forçar esse ponto, não é?
Pedro Braz Teixeira
Sim, sim. Não, quer dizer, se nós não tivéssemos o euro tão apreciado, exportávamos mais, crescíamos mais, tínhamos mais emprego, tínhamos melhores contas públicas, etc. Portanto, a Alemanha está objetivamente a prejudicar-nos com essas políticas e nós temos todo o direito a criticar, mas não se faz isso e eu não percebo porquê. Para
José Maria Pimentel
falar de um quarto ponto da questão do euro ou daquilo que seria necessário para ter uma zona monetária perto do ótimo, e é um ponto em que se está a avançar alguma coisa, mas ainda não foi concluída, é a questão de ter um fundo de garantia de depósitos a nível europeu, e não só a nível nacional. O problema da outertida é que ligou os bancos ao soberano. Sim, sim, sim. Cada problema do soberano tornava-se um problema do banco. Ora, se o soberano não era auxiliado pelo Banco Central, aquilo criava um problema que passava de um para o outro. E no caso do Banco Central falávamos há pouco que isso podia não ter sido assim, ou seja, a cláusula da ausência de financiamento monetário podia não ter existido. Não existe nos Estados Unidos. Não existe nos Estados Unidos, pelo contrário.
Pedro Braz Teixeira
Não existe na Inglaterra, não existe em Portugal, antes do euro. Até existia de menos, se calhar. Sim, sim, sim, sim. Não é normal existir essa cláusula.
José Maria Pimentel
Mas foi... Mas na prática, isto para dizer que na prática a chamada bazuca do Mario Draghi foi o Banco Central a atuar, não chegou a atuar, a comunicar ao mercado que iria atuar como pessimista de última instância.
Pedro Braz Teixeira
Não sei se de última instância sou o recurso,
José Maria Pimentel
mas enfim... Para os dados que fossem necessários e depois acabou por ser uma espécie de bluff no bom sentido, porque os mercados acreditaram que acabou por nunca ser usado, mas na prática foi bem sem a fazer isso para contornar o mandato. Pedro, ficamos por aqui, na esperança de não ter sido particularmente pessimista. Obrigado por ter vindo ao podcast e até à próxima. E foi a conversa com o Pedro Brás Teixeira, uma das pessoas que em Portugal melhor conhecem a economia portuguesa e o Euro, o que nos permitiu, espero, ficar a perceber melhor os dois temas. Até à próxima! Legendas pela comunidade Amara.org